Desabando
Mary apertou com força a sua mochila, que segurava pressionada contra o corpo, enquanto olhava para a paisagem escura que passava pela janela do trem. Dessa forma, ela conseguia se lembrar de que aquilo não era um pesadelo, algo irreal que ela estaria imaginando por ter comido demais antes de dormir. Fora realmente expulsa de Hogwarts... e sem um motivo aparente.
As únicas palavras que ouviu do diretor foram de que, a pedido dos pais, certos privilégios haviam sido cortados aos alunos que não atendiam aos padrões exigidos pela escola, ou seja, ela. E que, como uma sangue-ruim aceita por meio de apadrinhamento com uma família bruxa de prestígio, ela deveria voltar ao seu devido lugar.
A ordem de sair do castelo era para ser cumprida imediatamente e por isso Mary não teve tempo nem de falar com Vicky ou com a professora Karoline... E muito menos com Doumajyd. Sua esfera fora confiscada, por ser um objeto mágico de muito valor para estar com alguém que não tinha licença para usar magia. Sua varinha só não foi quebrada por isso ir contra os Novos Direitos Bruxos, que garantia o uso de uma varinha para bruxos considerados maiores de idade, formados ou não.
- Inacreditável... – lamentou-se ela, ainda anestesiada pelo choque repentino.
A única coisa que poderia fazer agora era voltar para Londres. Quem sabe seus pais resolvessem fazer uma greve de fome em frente ao Ministério e ela pudesse voltar para a escola com o apoio da mídia mágica.
Assim, outras idéias absurdas continuaram a passar pela cabeça dela até que, perdendo para a exaustão, Mary caiu no sono.
***
- ATCHIIIIIIMMM!
- Resfriado de novo, Chris? – perguntou Nissenson como se o amigo estivesse espirrando de propósito.
- Eu passei a noite toda na Torre de Astronomia. – respondeu ele ainda fungando.
- Fazendo o quê lá? – perguntou MacGilleain surpreso.
O D4 estava todo reunido, como há tempos não acontecia, na ala deles para o café da manhã.
- É por que nós somos saturnianos. – explicou ele pela metade.
- Saturnianos?! – Nissenson e MacGilleain torceram o rosto em uma careta de quem não havia entendido e Hainault limitou-se a dar mais uma mordida na sua torrada.
- Quem é saturniano? – perguntou Nissenson tentando achar uma lógica no que ao amigo falava.
- Ora, quem! A Weed e eu!
Os outros Dragões trocaram olhares preocupados.
- Você está falando de Saturno, o planeta com os anéis em volta? – perguntou MacGilleain.
- Do qual mais seria? – Doumajyd revirou os olhos, já perdendo a paciência e começou a recitar contando nos dedos, como se fosse algo decorado – Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno! Iguais aqueles do nosso livro de astronomia!
- Você ainda tem seu livro de astronomia? – perguntou Hainault rindo por cima do seu copo de suco.
Nissenson e MacGilleain começam a gargalhar e até Doumajyd não conseguiu agüentar:
- De qualquer forma, – disse ele rindo – o professor de astronomia estava ensinando como saber o planeta da nossa data de nascimento e o meu e da Weed é Saturno.
- Ele prestou atenção na aula de ontem! – admirou-se MacGilleain falando com Hainault e apontando para o líder do D4, como se ele fosse um ser extremamente raro.
- Você tem certeza de que é só um resfriado, Chris? Não foi algum daqueles socos que fizeram os seus pensamentos ficarem um pouco confusos?
- Eu estou bem! E eu sempre presto atenção nas aulas! Estou no último ano e sempre tirei notas razoáveis! Tem que se prestar atenção nas aulas para que isso aconteça! – respondeu ele irritado – E eu só queria mostrar para a Weed que temos algo em comum! Nós somos de Saturno!
- Chris, nós nascemos na Terra. – informou Nissenson.
- Somos terráqueos, lembra? – ajudou MacGilleain.
- Calem a boca! Entenderam o que eu disse!... Mas ela não apareceu e me deixou esperando lá a noite toda!
Hainault deixou de prestar tanta atenção no seu café da manhã e olhou para Doumajyd preocupado:
- Ela não apareceu?
- É bom ela ter um motivo muito forte para não ter aparecido... Onde vai Ryan?
Mas o dragão não respondeu. Ele foi até a escada da ala do D4 e deu uma olhada geral nas pessoas do Salão Principal. Sem encontrar o que buscava, desceu e procurou por alguém do sexto ano. Então encontrou com as três meninas da Sonserina que estavam conversando animadamente enquanto andavam em direção a porta.
- Olá, onde está a Weed?
As três ficaram sem ar por alguns instantes, surpresas demais por alguém do D4 estar falando livremente com elas.
- Ela não foi para as aulas hoje! – disse por fim a de cabelos encaracolados, um tanto sonhadora sem tirar os olhos dele.
- Ela realmente não se esforça, faltando as aulas assim. – disse a de cabelos loiros.
- Não sei como ela conseguiu tantos NOMs! – declarou a de cabelos ruivos, como se guardasse algum ressentimento sobre isso. – Ela definitivamente não mereAAHHH! – ela foi empurrada para o lado bruscamente.
A garota estava prestes a xingar quem quer que fosse que tivesse feito isso quando viu que fora Doumajyd. Rapidamente ela desfez a expressão assassina, trocando-a para uma adorável, e disse como se tivesse ganhado um prêmio:
- Ah, eu foi empurrada pelo líder do D4!
- Cala a boca, feiosa! – reclamou o dragão sem nem ao menos olhar para ela – Você estava falando mal da Weed!
- Onde vai, Chris? – perguntou Hainault.
- Tenho treino. Se você encontrar a Weed, diga para ela ir para o campo ou acabou com ela!
***
- O quê?! – Mary, chocada, desabou no sofá.
Mal havia chegado em casa, na manhã seguinte, quando recebera outra bomba.
Ela havia achado estranho não ter ninguém na estação para buscá-la. Seus pais deveriam ter sido avisados sobre o seu retorno, mas nenhum deles estava lá. Sem ter outra alternativa, chegou até a sua casa através dos meios de transporte trouxas, e teve que arrastar seu malão pelas escadas.
Quando sua mãe abriu a porta, a surpresa dela não demorou muito para ser substituída pela tristeza. Foi assim que Mary percebeu que até o ar em volta do seu apartamento parecia carregado de algo nada bom. Ainda sem entender direito o que estava acontecendo, ela encontrou seu pai e seu irmão sentados na sala, os dois absortos em pensamentos.
- É nossa sina. – lamentou-se a sua mãe – Nunca uma coisa ruim vem sozinha. Já não bastava seu pai ter sido demitido e agora você foi-
Foi nesse instante que Mary soltou o seu ‘O quê?!’ interrompendo a mãe.
- Seu pai foi demitido. E justo quando estava tão perto de conseguir uma promoção na empresa! – sua mãe sentou ao lado dela, parecendo estar segurando o choro.
- Ma-mas como foi isso, pai? – Mary tentava entender.
- É o que eu também gostaria de saber... – disse ele desolado.
Desde que eles deixaram de trabalhar com a família de Vicky, seu pai não conseguira um grande emprego, mas era algo estável para eles viverem e se manterem normalmente em Londres. Ela e seu irmão nunca reclamaram das coisas que não podiam ter e tentavam ao máximo conseguirem por eles mesmos. O trabalho de seu pai era tão certo quanto acordar de manhã, nunca havia se passado pela cabeça de qualquer um dos Weed que um dia isso iria acabar.
- Meu chefe simplesmente me disse que eu não precisaria mais vir trabalhar, e me despediu.
- Mas... – Mary ainda estava tentando encontrar todas as conseqüências que acarretariam a perda do emprego do pai – Esses apartamentos são para empregados da empresa, não?
- Sim. – confirmou simplesmente seu pai.
- Recebemos o prazo de duas semanas para sairmos. – explicou sua mãe.
- Só?! Mas... não temos algo guardado no banco para emergências?
- Tínhamos. – a sua mãe lançou um olhar feio para o seu pai que estremeceu e tratou de se encolher mais em seu lugar no sofá – Mas parece que alguém achou que apostar em corridas de cavalos faria aquela quantia triplicar, coisa que não aconteceu e... Agora estamos devendo 30 mil de empréstimos.
- Mas, – tentou seu pai – se eu tivesse ganho daquela vez, nós-
- Não tente remendar o estrago que você já fez! Agora além de não termos casa, não termos dinheiro, não termos como casar a Mary com um bruxo rico, – sua mãe soluçou, segurando o choro – nós também estamos endividados!
Mary não conseguia mais pensar em seus problemas com Hogwarts. Não quando toda a segurança que ela realmente tinha no mundo estava desabando a sua volta.
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