Abraço de urso
Capítulo 8 - Abraço de urso
O som de duas leves pancadas na porta tiraram Draco de seus pensamentos sombrios, trazendo à tona uma realidade ainda mais tenebrosa. Sentou-se na beirada da cama vagarosamente e sussurrou um quase inaudível “entre”. Por diversas vezes havia sentido seu coração pulsar na garganta, mas nunca imaginou que ele pudesse bater tão forte e apressado.
A mulher rechonchuda entrou silenciosamente, carregando em uma das mãos uma bandeja com um prato de comida e um copo de suco de abóbora. Uma refeição simples, porém, naquele momento possuía ares de banquete real. Colocou a bandeja ao lado de Draco e sentou-se ao seu lado, analisando-o por alguns instantes, sem dizer uma palavra.
Arroz, ovos mexidos com bacon, uma mistura gosmenta que parecia ser feita de sobras de legumes e por fim um pedaço generoso de carne cozida. Draco não se fez de rogado e ignorando todo e qualquer comentário de sua mente orgulhosa, avançou sobre o humilde prato, devorando-o em grandes garfadas.
- Madame Pomfrey esteve aqui enquanto você dormia, Tonks enviou-lhe uma mensagem e ela veio imediatamente medicá-lo. – a sra. Weasley examinou-o com os olhos enquanto Draco continuava concentrado na tarefa de esvaziar o prato. – Sua situação é um pouco complicada, pois não podemos contar com a ajuda de ninguém fora da... bem, precisamos de uma certa discrição, entende?
Draco logo percebeu que o assunto deveria ficar entre os integrantes da Ordem, mas resolveu não mencionar que sabia da existência da mesma, a sra Weasley poderia entender isso como algo relacionado a espionagem, o que não seria nada bom.
- Ela comentou sobre o meu... estado? – ergueu os olhos rapidamente e constatou um certo receio nas feições da matriarca. A comida caiu mal de repente provocando uma ligeira ânsia, que foi logo deixada de lado ao dar uma outra garfada. A fome falou mais alto que o nervosismo.
- Bem, ela me disse somente que o seu caso é um pouco fora do comum, mas existem grandes possibilidades de cura. – ao notar a expressão de medo no rosto de Draco, ela tocou-lhe a face, apertando levemente uma de suas bochechas, fazendo com que o loiro soltasse o garfo em sobressalto. – Madame Pomfrey fará o seu melhor, pode ter certeza disso, meu menino...
”Meu menino?” Draco repetiu mentalmente, tentando não deixar a surpresa e confusão lhe chegarem ao rosto. Estivera tão rodeado de problemas e frustrações ultimamente que a mera demonstração de carinho vindo de uma estranha chegou a apertar-lhe o coração. “Devo estar surtando... desde quando me importo com afagos?”
Baixou os olhos novamente para o prato sem dizer uma palavra, incapaz de sustentar o olhar para o semblante doce daquela mulher de rosto rechonchudo, que Draco sempre fizera questão de ridicularizar nos tempos de Hogwarts. Não que isso pudesse mudar agora, mas a sensação de que algumas coisas dentro dele estavam tornando-se diferentes o incomodava de certa forma.
- Escute, você não deve baixar seus olhos sempre que se sentir intimidado por alguma coisa nova... – ela ergueu o rosto de Draco pelo queixo e fitou-o nos olhos, para o desespero do loiro.
- Não estou me sentindo intimidado. – ele afirmou com veemência, a voz fria supreendentemente não lhe chegando aos olhos. Draco desejou imensamente acreditar em suas próprias palavras, mas a verdade é que ele estava em pânico, tudo era tão incerto e confuso, sua mente trabalhava sem descanso tentando se familiarizar com a nova – e penosa – situação, mas o difícil era aceitar que a vida que antes levava, rodeada de prestígio e poder, nunca mais seria a mesma.
- Oh, claro que não, querido... – disse a sra. Weasley, afagando-lhe a mão estendida sobre o colo. Draco imaginou que essa mesma frase saindo da boca de sua falecida mãe viria carregada de sarcasmo, e não de compreensão como a da mulher à sua frente. Sorriu brevemente ao se lembrar da inclinação irônica de Narcisa, seu andar altivo, seus sorrisos calculados e sua fala maliciosa. Ela nunca fora diferente, mesmo dentro de casa. O que não queria dizer que não havia sido uma boa mãe para ele.
- Eu... – Draco tentou tomar coragem para perguntar o que eles haviam decidido à seu respeito, mas as palavras acabaram entalando em sua garganta sem que ele se desse conta. Percebendo a sua inquietação, a sra. Weasley tratou logo de colocar um sorriso no rosto.
- Claro que poderá ficar conosco, meu jovem. A Toca é pequena e simplória, nada comparado ao que você está acostumado, mas faremos o possível para que possa se sentir em casa. – ao dizer isso as bochechas da matriarca coraram levemente, mas ela manteve o sorriso acolhedor que dirigiu à Draco. – Não é possível que você tenha duvidado da palavra de Dumbledore... ele sempre sabe o que fazer e parece que mesmo não estando mais entre nós, suas palavras continuam tendo a mesma força.
- Bem, eu... – Draco piscou algumas vezes antes de terminar o que dizia, sem ter a mínima vontade de se lembrar desse momento futuramente. – Bem, eu agradeço.
Por tudo de estranho que já lhe havia acontecido, Draco imaginou que estivesse preparado para qualquer coisa, mas não para isso. A sra. Weasley lançou seus grossos braços ao redor do menino, que permaneceu parado e sem ação, ainda com o prato no colo e o garfo em uma das mãos. Ela lhe havia dado um abraço? Um abraço de urso, praticamente, pois ele podia sentir suas costelas se chocando umas contra as outras. Quando ela soltou-o, Draco levou mais uma garfada à boca, sentindo dessa vez seu rosto corar em demasia. Um abraço? Aquela mulher era louca. Esperou que ainda houvesse espaço para a comida descer sem se enroscar em nenhuma costela quebrada.
- Madame Pomfrey lhe deu uma dose da poção que preparou, espero que não tenha sentido ainda os efeitos colaterais...
- Não, acho que não... – “Efeitos colaterais?” – Espere, que efeitos colaterais? – perguntou Draco de súbito, sentindo o pânico crescer novamente.
- Não é nada preocupante, apenas... bem, sua saliva ficará um pouco mais espessa, portanto vou deixar um pouco de água em cima da... – ela parou de falar ao notar a jarra de água que Gina havia levado para Draco. – Estranho, não me lembro de ter lhe trazido água. Em todo caso, - ela continuou, enchendo novamente a jarra com a varinha. – tome um pouco de água que tudo ficará bem. E também fique atento, pois suas unhas poderão crescer rapidamente, use este cortador de meia em meia hora, sim, isso deve bastar. – ela conjurou um cortador de unhas trouxa, muito antigo e quase sem corte, ao que Draco olhou com certo desprezo, porém agradecendo por não estar enferrujado. – Cuidado para não se arranhar durante a noite, pois elas continuarão crescendo.
Sentado na cama e já imaginando sua figura ao amanhecer, babando algo quase sólido e com as unhas se enrolando por metros e metros, Draco tentou balbuciar um “tudo bem”.
- Bem, eu tenho que descer agora... Gina, sabe, a minha caçula, está impossível desde que o Ministério aprovou o uso de magia por menores por causa da guerra, e oh, creio que não saiba, mas isso foi ontem. n Ela e Rony não param de trocar feitiços, a casa está um verdadeiro caos! – a cama deu um estalo forte quando a sra. Weasley se levantou, fazendo Draco se assustar com o barulho. Ela resmungou algo sobre cama velha ou podre e se encaminhou para a porta, dizendo que voltaria mais tarde para lhe trazer a janta e mais uma dose da poção e sugeriu que Draco ficasse de repouso por mais algumas horas. Talvez o tempo de convencer seus filhos a não comerem-no vivo.
- Hum... sra. Weasley... – Draco chamou sem perceber, mas não deixou de falar apesar da hesitação. – Aquilo que houve com seu filho, em Hogwarts... eu...
- Não se sinta mal por isso, meu querido... – disse a mulher com os olhos ligeiramente lacrimejantes. – Gui já está bem e eu entendo os motivos que o levaram a fazer o que fez, agora não pense mais nisso, certo? Você precisa de repouso.
- Certo... – quando a porta se fechou atrás da matriarca, Draco afundou na cama, pensando no porquê de ter dito aquilo sobre o filho da sra. Weasley. Estaria se sentindo tão culpado assim pelo que houve? Não fora ele quem havia colocado Fernir Greyback dentro de Hogwarts. Ou fora? Sim, de certa maneira. Aceitando a sugestão que lhe fora dada, tratou logo de esquecer o assunto, tateando no bolso mais uma vez à procura de seu tão valioso... nada.
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Poucas horas haviam se passado quando Draco deu um pulo ao notar a cabeleira ruiva de Rony parada em frente à porta. Os braços cruzados pomposamente à frente do peito, a varinha balançando de modo ameaçador nas pontas dos dedos e o incrível fato do menino parecer ter crescido mais uns vinte centímetros desde que o vira pela última vez estavam deixando Draco apavorado com a inesperada visita.
- E então, Malfoy? Gostando da sua estadia aqui na Toca? – perguntou o ruivo com as orelhas tingidas em vermelho-sangue. Teria sido algum reflexo de luz vindo da janela ou Draco realmente vira em seus olhos um brilho assassino?
- Como entrou aqui, Weasley? – perguntou calmamente enquanto colocava no rosto sua melhor expressão de descaso, praticamente engolindo a vontade de gritar por socorro. E sem que Rony notasse, devolveu ao bolso o que tirara de lá. – Soube que sua mamãe o proibiu de entrar no quarto do terrível comensal...
- Minha mãe estava protegendo você e não à mim! – Rony ralhou, quase mostrando os dentes. Se ele achava que isso era alguma novidade para Draco, estava redondamente enganado. – Acha mesmo que eu preciso de proteção?
- A se julgar pela ausência de seu amiguinho cicatriz... – respondeu, dando de ombros. Porque não conseguia segurar a língua quando devia? Maldita língua afiada idiota. Maldito pobretão intrometido.
A porta se escancarou de repente e três figuras entraram apressadamente, fechando-a em seguida. A fuinha-caçula, a sabe-tudo e o quatro-olhos estavam com suas varinhas sacadas, provavelmente para tentar deter o fuinha-tapado, caso ele resolvesse atacar Draco. E pareciam ter chegado na hora certa, porque o ruivo avançava lentamente em sua direção.
- Largue essa varinha, Ronald Weasley! – ralhou a voz de Hermione, ainda que meio tremida pelo nervosismo. – Você não pensa nas conseqüências? Quer ocupar o lugar dele em Azkaban?
- Não se meta, Mione! – Rony gritou, sem tirar os olhos de Draco. Ele se aproximou ainda mais, empunhando a varinha. – Isso é problema meu!
- Não mesmo, Rony, ou você larga essa varinha ou eu vou chamar o papai! – Gina tentou se aproximar dele, mas Hermione a segurou pelo braço ao ver que Rony havia dado mais um passo na direção de Draco.
- Rony... não adianta agir por impulso, pense bem, sua mãe... – Harry começou, mas o ruivo o interrompeu.
- É culpa dele! – as veias começaram a saltar do pescoço de Rony e o seu rosto estava cada vez mais vermelho. – É tudo culpa dele! Dumbledore... meu irmão...
- Gui está bem, seu estúpido! – gritou Gina, não se contendo e avançando em cima do irmão. – Não aja como um idiota, Ron! – terminou, tentando arrancar a varinha das mãos de Rony, que a segurava firmemente. Gina puxou com demasiada força e o pedaço de madeira mágico voou para o colo de Draco. Todos ficaram paralisados, olhando para o loiro com a varinha caída sobre suas pernas.
Era sua chance. Bem... chance exatamente do quê? De tentar dar cabo dos quatro e fugir dali sem ter para onde ir? Se esconder de Voldemort, do Ministério e, agora também, da Ordem da Fênix? Não, obrigado. Draco pegou a varinha e jogou-a na direção de Harry, que não esperava pela devolução e quase a deixou cair.
- Tirem ele daqui. – disse, esticando preguiçosamente as pernas em cima da cama. – Eu não preciso de mais problem... – a voz de Draco sumiu de repente, enquanto ele abria e fechava a boca seguidas vezes, parecendo um peixe desesperado. Os quatro observavam atônitos enquanto uma gosma esbranquiçada, quase como um mingau, saía da boca do loiro e caía endurecida no lençol da cama.
- O que pensa que está fazendo, idiota? – indignou-se Rony, ao notar os pequenos montinhos se amontoando lentamente uns em cima dos outros.
Draco não respondeu, estava ocupado demais tratando de cuspir sua saliva antes que ela endurecesse em sua boca, evitando imaginar o que seria dele se isso chegasse a acontecer. Segurou com força no colchão e somente notou um copo d’água à sua frente quando Gina criou coragem para se aproximar o suficiente de suas orelhas, gritando algo como “beba isso, seu imbecil”.
Levantou a mão rapidamente para alcançá-lo, ou esperou que ela tivesse acompanhado às ordens de seu cérebro, mas ao vê-la ainda grudada firmemente no colchão, Draco teve certeza de que, em algum momento de suas vidas passadas, vomitou nas longas barbas de Merlim. Maldita a hora em que o fizeram tomar a poção da Madame Pomfrey. Não sabia se preferia morrer ou parecer a cruza de um coiote de unhas afiadas com trasgo montanhês babão.
Ouviu-se um craque, seguido de vários outros, então Draco conseguiu desprender uma de suas mãos e agarrou o copo com urgência. Quando sentiu sua saliva novamente voltar ao estado líquido, percebeu que Hemione abaixava a varinha e fitava-o com uma certa apreensão, apesar de esconder muito mal a vontade que tinha de rir da situação.
- Eu estava com Madame Pomfrey quando ela explicou à sra Weasley sobre os efeitos colaterais da poção. – explicou, mais para os amigos do que para Draco. – E sabem, elas continuarão crescendo. – enfatizou, apontando para as unhas de Draco, enquanto deixava de ocultar um sorriso maldoso.
- Genial! – disse Rony, já esquecendo de que viera ao quarto em missão especial de extermínio. Draco se sentiu o ser mais maldito de todos os tempos. Não era possível que sua maré de azar continuasse arrastando-o para o fundo por muito mais tempo, não é?
Estava agora irremediavelmente arrependido de não ter acabado com o fuinha de cabelos vermelhos quando teve oportunidade. Talvez poderia comemorar ao lado de seu pai a morte dolorosa e cruel que providenciaria para Ronald Weasley. Nesse momento, Azkaban lhe parecia muito mais atrativa do que o quartinho cheio de tralhas da Toca.
- Vamos sair daqui, ele pode se virar sozinho... – disse Harry, fazendo os amigos trocarem olhares cúmplices, cada um estampando um sorriso maior que o outro. Apontou a varinha para a porta e murmurou um encantamento, destravando-a no mesmo instante. Harry olhou para a expressão de inconfundível terror no rosto pálido de Draco e acrescentou em um tom que não lembrava nem de longe o Harry Potter que o defendera no sótão. – Hoje você pode descansar, Malfoy, porque são as ordens da sra Weasley. Mas amanhã eu quero tirar um assunto à limpo e espero que você colabore. – terminou, enfatizando a última palavra, antes de sair porta afora, seguido dos outros em seu encalço.
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N/A: Tenham paciência, o repouso de Draco está com os dias contados, no próximo capítulo ele já vai estar fora do quarto, “curtindo” as dependências da Toca... teremos um pouco mais de ação, finalmente! lol
Sei que esse capítulo foi nojento, totalmente desprezível, mas vejam bem, estou tentando não deixar a fic cair muito pro lado dramático, pelo menos uma pequena dose de comédia ela deve ter, assim não fica tão pesada.
Com carinho,
Mila Fawkes.
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