Estranha ajuda



Capítulo 3 - Estranha ajuda

- O quê? – Draco perguntou debilmente depois de abrir e fechar a boca várias e seguidas vezes, em tentativas frustrantes de protesto.

- Que parte de “procurar ajuda com os Weasleys” você não entendeu? – Snape respondeu frio e a expressão abobada de Draco mudou radicalmente para uma encolerizada.

- É claro que eu entendi o que você disse, não sou nenhum idiota! – Draco sibilou, indignado. – O que eu quero saber é de onde foi que você tirou essa idéia absurda!

- Não é absurda.

Draco encarou o ex-professor como se ele tivesse se transformado em um elfo pululante cor-de-rosa. A algum tempo atrás ele debocharia de Snape, perguntando-lhe se a esclerose adiantada era resultado dos anos em companhia de Dumbledore, mas agora era tudo sério demais para piadas. E Draco não tinha vontade alguma de fazer piadas. Seu coração estava dilacerado pela morte violenta de sua mãe e o rosto desfigurado dela não saía de sua mente. Respirou fundo, tentando se acalmar e procurar algum sentido na “sugestão” de Snape, mas não encontrou. Era realmente absurdo.

- Eu jamais sairia vivo daquele lugar! – forçou a mente tentando imaginar uma recepção calorosa, cheia de balões e abraços ao entrar no chiqueiro que os Weasleys chamavam de “casa”, mas tudo o que conseguiu visualizar foi um ambiente onde o vermelho era predominante, desde os cabelos até os rostos com feições assassinas virados para ele. – Se for pra morrer no barraco daquele bando de ruivos pobretões, eu prefiro morrer pelas mãos de Voldemort. É menos indigno!

- Draco, eles são os únicos que podem te prestar algum socorro! É a sua única opção, aceite isso! Ao menos durante algum tempo... – Snape passou a mão nervosamente pelos cabelos oleosos, olhando impaciente para Draco, que continuava a fitá-lo com descrença. – É preciso, entenda isso.

- Eu não vou! O que você quer que eu faça? Que me ajoelhe diante deles e implore por perdão? Que eu diga que tudo o que eu fiz foi pra tentar salvar a minha maldita vida e a da minha mãe? Que apesar de tudo Voldemort a matou e teria matado a mim também se eu não tivesse sido salvo pelo meu ex-professor, que é, ora vejam só que coincidência, o assassino de Dumbledore?

Snape fitava Draco com pesar, a determinação oscilando ao olhar para o menino desesperado à sua frente. Fez menção de começar a falar, mas Draco continuou a despejar sua revolta, numa explosão de sentimentos sufocados que faziam seu rosto pálido alcançar tons de vermelho nunca antes conseguidos.

- Ah, mas é claro... eles vão se debulhar em lágrimas por pena de mim! E, com sorte, em dez minutos eu já vou estar fazendo companhia para o meu pai! – o tom de voz aumentava e a rouquidão se tornava mais perceptível. – Eu disse com sorte, porque isso seria na melhor das hipóteses, já que na pior eu estaria fazendo companhia para a minha mãe!

- Por favor, Draco, seja razoável. – Snape pediu, numa última tentativa.

- Eu não tenho que ser razoável! Aquele bastardo acabou com a minha mãe na minha frente! Acabou com a minha vida, com a minha família! Você quase me matou e agora eu tenho que tomar essas malditas poções pra poder ficar de pé! Eu não tenho mais futuro, as minhas opções são AZKABAN ou MORTE! E você vem me dizer pra tentar ser razoável? – as palavras saíam da boca de Draco sem que ele se desse conta do que dizia. Algumas veias saltavam do seu pescoço e têmporas. – Pois eu estou cansado de tentar ser razoáv...

- CHEGA! – Snape gritou batendo com a mão na mesa de trabalho. Draco assustou-se com a explosão repentina de seu ex-professor, mas não deixou transparecer. Engoliu em seco, temendo o que viria a seguir. – Chega, Draco! Eu lhe proíbo de cair nessa crise de auto-piedade novamente! Sei que está passando por coisas terríveis, mas agora é hora de agir como um homem e não como um moleque assustado!

Um silêncio sepulcral tomou conta do lugar e Draco percebeu que Snape estava sofrendo tanto quanto ele. E constatou também, numa análise mais profunda da situação, que eles não eram os únicos. Muita gente estava sofrendo com essa guerra e a maioria não se deixava cair, muito pelo contrário, se agarrava aos seus ideais com mais afinco. Porque ele bancaria o menino mimado? Oh sim... porque ele era um menino mimado.

- Bem... eu... estou apenas um pouco nervoso. – baixou os olhos, envergonhado. Snape não tinha mais obrigação nenhuma com ele, sua mãe estava morta e o voto inquebrável não existia mais, portanto ele estava ajudando-o apenas por consideração. Por um instante Draco sentiu-se amparado, como há muito tempo não se sentia.

- Eu sei que é difícil para você acreditar que os Weasleys lhe prestarão algum socorro, já que eles não sabem o que realmente ocorreu na torre de astronomia, mas... – fez uma pausa ao perceber o desconforto de Draco. – Bem, havia mais alguém naquela torre e... eu tenho certeza de que esse alguém não lhe negará ajuda.

- Havia mais alguém ali? – perguntou Draco, assustado. Ele não tinha certeza, mas sentiu a presença de uma terceira pessoa na torre. Tentou afastar as lembranças, que vinham como em um pesadelo. O torturante discurso de Dumbledore, a fraqueza de Draco ao não conseguir matá-lo, a chegada dos comensais no momento em que ele baixara a varinha e Snape, acabando com aquilo que deveria ser sua missão. E mais alguém assistindo a tudo, sem mover uma palha para ajudá-lo. Sentiu a raiva aflorar novamente em seu peito. – Quem estava lá?

- Você saberá. – Draco fez menção de falar algo, mas Snape imediatamente interrompeu-o. – Não perca seu tempo me perguntando, Draco, é inútil. Você descobrirá por si mesmo quando chegar a hora.

Snape soltou um longo suspiro, abandonando a máscara de indiferença e deixando à mostra todo o seu cansaço e tristeza. Durante todos os anos que conviveram juntos em Hogwarts, ele nunca havia dado sinais de que era realmente humano. Esse fora o primeiro e Draco poderia jurar que seria também o último. O ex-professor deu alguns passos na direção de Draco, mas parou de súbito, apertando o antebraço com força.

- Ele está me chamando. – informou sem demonstrar qualquer tipo de emoção. – Fique aqui e não toque em nada, ou você poderá se machucar seriamente. Sugiro que descanse... terá uma longa jornada pela frente.

Draco quis rolar o olhos, como se dissesse “eu não sou mais criança” mas tudo o que fez foi assentir levemente com a cabeça. Em seguida, Snape aparatou.

Ainda não tinha se acostumado com a idéia de que todo esse pesadelo que estava vivendo era real, mas por um instinto de sobrevivência que até então Draco não sabia que existia, resolveu analizar o lugar rapidamente com os olhos, tentando gravar na mente toda e qualquer informação que pudesse futuramente lhe ser útil.

O esconderijo tinha cheiro de mofo. As paredes estavam emboloradas, o chão de madeira estava gasto e todos os pertences de Snape pareciam implorar para serem jogados no lixo. Por um instante Draco pensou ter visto um rato perto da lixeira, mas preferiu ignorar o ocorrido, tentando se concentrar em sua missão de conhecer o máximo possível daquele lugar nauseante.

Frascos de conteúdos suspeitos eram comuns nas prateleiras empoeiradas. Haviam dezenas deles. E foi entre um frasco com um líquido cor-de-rosa – que guardava algo que parecia ser um dedo muito enrugado – e outro que conservava apenas uma fumaça esbranquiçada, que Draco prendeu sua atenção.

Se ele não se enganava, aquilo era uma penseira. Aproximou-se rapidamente e constatou que estava certo – afinal sua visão não estava mais tão embaçada como antes. E para sua surpresa, ela não estava vazia. Snape não deveria estar esperando receber alguma visita em seu esconderijo. Com o coração aos pulos, com medo de que ele pudesse voltar a qualquer momento, Draco retirou-a com cuidado da prateleira.

Sem pensar duas vezes, tocou o conteúdo com a ponta do dedo, sentindo o coração bater ainda mais forte em seu peito.

Fechou os olhos e quando os abriu novamente estava em Hogwarts, em um dos corredores das masmorras. Um garoto quase raquítico, de cabelos pretos e ensebados passou por ele a passos largos. Era obviamente Snape adolescente.

Uma bela ruiva veio em seu encalço, estava ofegante e quase corria para alcançar Snape. Draco não reconhecia aquela garota, mas algo em seu olhar parecia ser familiar. Olhos grandes. E verdes.

- Vá embora, Lilian! – Snape gritou. – Vá embora, ou lançarei uma maldição em você.

“Lilian? Lilian como em Lilian Potter, a mãe do Testa-Rachada?”

Draco não precisou de resposta alguma, era como se aquela garota tivesse roubado os olhos do Menino-Que-Sobreviveu. Quantas vezes ele não viu esses mesmos olhos refletindo hostilidade e desprezo?

“Potter maldito... sempre se achando superior aos outros... maldito heroizinho de merda!”

Mas algo ali era novo. Ela olhava para Snape com uma mistura de carinho e preocupação. Parecia não se abalar com as palavras rudes e sem hesitar, alcançou seu ombro com a mão delicada.

- Severo... – o tom de sua voz era suave, quase maternal. Snape recuou, parecendo amedrontado, mas a garota apenas abriu um sorriso e se aproximou, tocando novamente seu ombro. – Severo, ora vamos... deixe de ser tão ranzinza! – ela alargou o sorriso e Draco imaginou que talvez ele fosse contagioso, pois a figura adolescente de Snape sorriu timidamente, o deixando com uma ridícula expressão abobalhada. – Se continuar agindo dessa maneira, um dia vai se tornar um velho chato e rabugento! É isso o que quer da vida, Severo?

Snape continuou fitando Lilian, mas logo seus olhos negros se estreitaram e ele gentilmente retirou a mão da ruiva de seu ombro.

- É melhor que vá agora, Lilian. – disse num sussurro. Mas a garota continuou parada à frente dele. – O Potter já deve ter dado pela sua falta, eu não quero causar-lhe nenhum problema.

- O Potter – ela disse imitando com deboche a voz arrastada de Snape, que parecia ter cuspido o nome do grifinório. – não tem o direito de escolher as minhas amizades, Severo. Eu costumo fazer essas coisas por mim mesma, sabe? – sorriu mais uma vez e Draco percebeu que Snape se abalava toda vez que ela fazia isso.

- Vá embora, Lilian. – falou mais uma vez, recuando alguns passos, tentando se manter a uma distância razoavelmente segura. – É melhor que volte para o seu amado Potter, antes que ele dê por sua falta e saia azarando todos que cruzarem seu caminho... – sua voz estava carregada de rancor. Lilian fitou-o tristemente, os olhos esmeraldas marejados e suplicantes.

- Não fale dessa maneira! Você sabe que ele não é tão ruim quanto você o pinta!

- Se veio até aqui defender o trasgo do deu namoradinho, então dê meia-volta e fique com ele! – a face de Snape se contorceu em desgosto, enquanto recuava mais um pouco. – Eu não pedi que viesse atrás de mim!

Lilian soltou um suspiro cansado, parecendo conhecer bem a conversa que se seguiria.

- Será sempre assim, Severo? Porque vocês não podem simplesmente parar com essas brigas idiotas? – Lilian já não segurava mais as lágrimas, que agora escorriam pelo rosto. – Entenda, eu não quero ter que escolher entre a sua amizade e o amor de Tiago!

O silêncio tomou conta do lugar. Snape caminhou lentamente em sua direção e parou à sua frente, encarando-a com uma expressão ilegível.

- Sei muito bem que você fala comigo por pena. Então não chame isso de amizade. – desviou o olhar para o lado. – Eu não preciso da sua pena...

- Eu não tenho pena de você! Eu seria uma idiota se sentisse pena de um dos melhores bruxos que eu já conheci! – fez uma pausa, procurando encontrar as palavras certas. Snape tentou esconder a surpresa. – Ele... ele não é tão estúpido quanto você acha que é. Assim como o seu coração não é tão frio como as pessoas acreditam que seja. Ele pode até ser de gelo, mas... o gelo derrete, não é mesmo? – sorriu em meio às lágrimas.

O loiro sonserino observava a cena com espanto, era estranho o modo como as palavras da mãe de Harry Potter faziam efeito sobre o ex-professor. Ele parecia gostar realmente dela, apesar de estar tentando parecer indiferente à sua presença.

- Lilian... – ele começou, parecendo incerto. Limpou gentilmente as lágrimas da garota com a mão trêmula, o olhar perdido nos brilhantes olhos esmeralda. – Sim... sim, gelo derrete... – disse num sussurro. Snape apertou os olhos com força, como se isso lhe desse coragem suficiente para fazer aquilo que tinha vontade. Aproximou lentamente seu rosto do dela e então, a beijou.

Draco quis gargalhar quando viu a cena bizarra de seu ex-professor com a mãe do famoso Menino-Que-Sobreviveu. Estranhamente desejou que Harry Potter estivesse ali ao seu lado nesse momento tão mágico. Se antes Harry já tinha um ódio incomensurável por Snape, depois de ver esse beijo com certeza ele o odiaria mais até do que à Voldemort.

Lilian por um momento correspondeu ao beijo, mas depois afastou-se de Snape, empurrando-o delicadamente com os dedos.

- Me desculpe, Severo... mas eu não posso... bem, você sabe, eu... – ela dizia rapidamente, atropelando as palavras, enquanto limpava as lágrimas. Sua voz doce e segura havia dado lugar à uma vacilante e amedrontada. Snape cerrou os punhos e sua expressão abobalhada (e nauseante, na opinião de Draco) se transformou na máscara de frieza que Draco conhecia desde que se entendia por gente.

- Sim, eu sei. – Snape disse friamente. – E já que você não quer escolher, eu farei isso por você. – E sem dizer mais nada, deu as costas à garota que agora chorava copiosamente.

O chão desnivelado do esconderijo apareceu subtamente sob seus pés e Draco teve que se apoiar na maca improvisada que Snape conjurou para não cair. Guardou novamente a penseira na prateleira empoeirada, tomando o cuidado de deixá-la exatamente no mesmo lugar em que estava. Não descobriu nada que lhe pudesse ser valioso, mas pelo menos a lembrança bizarra de Snape serviu para tirar os pensamentos ruins da cabeça de Draco. Pelo menos por alguns instantes.

- Hum... a mamãe do Potty e Snape. Interessante... então esse é o motivo de tanta amargura? Bom, essa história pode vir a calhar caso eu tenha que lidar com o Testa-Rachada no barraco dos pobretões.


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N/A: Bom, sei que a vida amorosa do Snape não tem nada a ver com a fic em si, mas eu achei que seria interessante “invadir” a alma do ex-professor de Draco, já que ele terá uma grande participação no decorrer da história. Eu acredito que é tudo uma questão de ponto de vista, ao meu ver Snape não é uma pessoa ruim, apenas tem uma personalidade difícil e assim como todos nós, ele também erra. Errou ao se tornar Comensal, mas pelo menos na minha fic ele está sinceramente arrependido e é com certeza um Homem de Dumbledore. TT

Quanto ao Draco... bem, no próximo capítulo as coisas não estarão melhores para ele, apesar de poder contar com a inusitada ajuda de mais alguém. Hum... quem será esse alguém?

Espero que estejam curtindo...

Com carinho,

Mila Fawkes.

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