Rumo à Toca
Capítulo 4 - Rumo à Toca
Quando Snape finalmente apareceu, Draco estava sobre a maca, adormecido. As olheiras profundas denunciavam todo o cansaço do jovem Malfoy. O ex-professor analisou-o por alguns instantes e resolveu acordá-lo, Draco deveria ter dormido o dia inteiro.
- Draco. – chamou, sem encostar no garoto, que dormia um sono pesado. Revirou os olhos impaciente e tentou mais uma vez. – Acorde, Draco. Você deve partir agora, aqui não é seguro. – disse chacoalhando o menino, muito a contragosto.
Ele gemeu e se sentou na maca com certa dificuldade, sentindo novamente um formigamento estranho pelo corpo. Colocou as mãos no peito involuntariamente e Snape alcançou em seu bolso, o vidro com a poção que havia preparado para Draco. Despejou o conteúdo em sua boca e fitou-o alarmado, esperando que a poção ainda pudesse fazer efeito.
Aos poucos a cor pálida (ou menos pálida) de Draco foi voltando ao normal e ele se levantou sem problemas, mas Snape não pareceu se tranquilizar.
- Bem... eu gostaria de saber o que é que eu devo fazer quando chegar na casa dos Weasleys. – perguntou num tom cansado, como se tivesse finalmente aceitado que essa era sua única opção no momento. – Digo... eles não vão simplesmente me convidar para entrar e tomar um chá com bolinhos, claro que ninguém ali vai estar disposto a ouvir a minha versão dos fatos.
- Eu sugiro que você diga apenas a verdade, não é necessário inventaruma nova versão para o que aconteceu na torre de astronomia... – olhou profundamente para Draco, já prevendo o que ele tinha intenção de fazer. – Como eu já lhe disse, havia mais alguém naquela torre e eu acredito que se você contar como tudo aconteceu desde o início, esse alguém não será capaz de lhe negar ajuda. Contudo... – acrescentou, ao ver a curiosidade no rosto de Draco. – Eu devo acrescentar que as palavras de perdão e generosidade de Dumbledore, minutos antes de sua morte, serviriam para “abrir caminho” no coração benevolente dessa pessoa.
- Sim, mas... e quanto à você? Eu não acho que a sua explicação sobre o “porque” de ter matado Dumbledore, seja convincente o suficiente para... limpar a sua barra. – disse Draco cuidadosamente, temendo a reação de Snape.
Snape fez um movimento rude com a capa, virando-se bruscamente e agarrou a velha vassoura, já enfeitiçada, entregando-a na mão do menino à sua frente.
- Esse é um assunto que somente eu devo me preocupar. Diga apenas que eu lhe ajudei por causa do Voto Inquebrável que fiz com sua mãe. Quanto ao resto, não omita uma só palavra.
A atmosfera tensa que pairava sobre o esconderijo se tornou – se é que isso era possível – mais densa. Draco olhava perdido para sua vassoura, imaginando por que diabos isso tudo tinha que acontecer com ele. Mas uma voz irritante – e arrastada – em sua cabeça, lhe dizia para não cair em auto-piedade novamente, pois isso não o ajudaria em nada.
- Coragem, Draco. Tudo dará certo no final. Lembre-se de que você é um Malfoy. – encorajou-o Snape, sem muita convicção na voz. Seus olhos, sempre tão frios e indiferentes, hoje demonstravam um certo receio.
- Claro... – “um Malfoy... assim como meu pai e minha mãe também são... ou eram... ” pensou com amargura. Rumou para a entrada do esconderijo acompanhado por Snape e verificou se estava com a poção restante dentro do bolso. Deu uma última olhada ao redor e estendeu a mão, que foi apertada firmemente pelo ex-professor.
- Seja cuidadoso. – disse Snape, tentando disfarçar a preocupação.
Draco quis agradecer por tudo o que Snape fizera por ele, mas a lembrança que viu na penseira invidiu sua mente, bloqueando qualquer frase que quisesse formular naquele momento. Sentiu-se estranhamente encabulado. Percebendo o ocorrido, Snape encarou-o e Draco teve certeza de que ele estava tentando invadir seus pensamentos. Forçou-se a nublar a mente, como sua tia Bela havia lhe ensinado.
- Há algo que queira me contar, Draco? – perguntou, logo em seguida desviando os olhos negros para a prateleira empoeirada, procurando por algo que talvez tivesse visto na mente de Draco.
- Não. – disse apenas, torcendo internamente para que Snape se contentasse com a resposta. Irritado, ele voltou seus olhos para os de Draco e no instante seguinte apontou sua varinha para a entrada, abrindo a passagem. Draco olhou à seu redor, com o coração quase à saltar pela garganta e respirou fundo, sentindo o enjoativo cheiro de bolor invadir seus pulmões. Snape tirou uma vareta escura de dentro do bolso e estendeu-a em sua direção.
- Tome, deve servir por um tempo. – o menino pegou a varinha velha e gasta em suas mãos e avaliou-a, com um ar de interesse. – Apenas cuide para que os feitiços não o matem. – acrescentou, se referindo à ser uma varinha improvisada e não especialmente adequada à Draco.
Estava parado em frente a passagem recém-aberta por Snape, sentindo o coração bater tão rápido quanto seria humanamente possível, suas mãos mal conseguiam guardar a varinha dentro de seu casaco e ele pensou que seria difícil manter-se seguro em cima da vassoura enquanto estivesse voando.
- Um momento... – a voz tensa de Snape soou à suas costas. Draco se virou novamente em sua direção e ele tocou o topo de sua cabeça com a varinha. – Isso será necessário, caso você encontre com alguém indesejado durante o percurso.
No mesmo instante o corpo de Draco se igualou à grossa textura das paredes como se fosse um camaleão e ele se lembrou então que aquele era um feitiço de desilusão. Claro, Snape pensava em tudo.
- Sabe como quebrar o encantamento, eu suponho? – Draco apenas fez que sim com a cabeça e em seguida saiu pela passagem, acompanhado de Snape, levantando vôo entre a copa das árvores, sem dizer adeus e muito menos algum agradecimento.
Fechou os olhos, aproveitando o fato de que a vassoura estava enfeitiçada para chegar até o seu destino, e sentiu o vento gelado de encontro ao rosto, deixando aquela sensação de liberdade invadir sua alma. Estava longe de ser real, mas Draco não precisava pensar nisso agora. À quanto tempo não deleitava-se com o prazer proporcionado por um simples vôo de vassoura?
Continuou a sentir o vento cortante da madrugada e o famoso zunido nos ouvidos, devido à velocidade em que estava. Se permitiu fantasiar por um momento, imaginando que estava em Hogwarts, treinando para mais um jogo no campo de quadribol, ao lado de seus colegas de casa.
A lembrança o fez abrir os olhos de súbito ao vizualizar a maldita torre de astronomia. Tudo havia acontecido tão de repente. A entrada dos comensais no castelo, os corpos caídos no chão sendo pisoteados, a assustadora morte de Dumbledore... e a ira de Lord Voldemort.
Draco sentiu um arrepio ao se lembrar que dissera seu nome, com todas as letras, no momento em que ele torturava Narcisa. Realmente era um nome amaldiçoado, jamais o pronunciaria novamente.
“Bobagem... o que mais eu tenho a perder? Deixar de pronunciar esse nome ridículo não a trará de volta.” – pensou, uma pontada aguda em seu peito obrigando-o a recordar a morte de sua mãe. “Culpa sua, seu fraco estúpido! Tudo em vão... tudo em vão!” - dizia para si mesmo, sentindo-se culpado por ter falhado como filho.
E toda aquela história de Snape com a mãe de Harry Potter? Ela não era uma maldita sangue-ruim? O que será que Snape tinha na cabeça ao se deixar envolver pela ralé? Novamente uma voz irritante em sua cabeça soou para lembrá-lo de que ele não se importou nem um pouco com a descendência da Murta-Que-Geme enquanto ela lhe consolava no banheiro dos meninos.
“Bem... a Murta era um fantasma apenas. Não corre mais sangue em suas veias... logo, ela não poderia ser classificada como sangue-ruim...” – ponderou, com um pouco de remorso por pensar assim de Murta.
Conjurou – com um certo receio de que a varinha improvisada o partisse ao meio – um manto para cobrí-lo, pois o frio intenso estava congelando-o aos poucos. Pensou que talvez fosse melhor assim, antes morrer congelado do que pelas mãos sujas dos pobretões.
Não conseguia imaginar como seria bem-recebido na casa dos Weasleys. Decidiu que não se humilharia para a ralé, se não o quisessem por lá ele simplesmente pegaria sua vassoura e iria embora. A quem estava tentando enganar? Draco precisava da ajuda deles, isso era indiscutível. E mesmo que decidisse encontrar um fim mais digno depois da recusa dos pobretões, sabia que eles não o permitiriam recuar. Entregariam-no de bandeja para os guardas de Azkaban.
Tentou com todas as suas forças não imaginar-se na cela ao lado de seu pai, recebendo o tratamento de um perigoso comensal quando ele era na realidade, apenas um garoto assustado, sem ter pra onde correr quando foi ameaçado pelo Lord das Trevas em pessoa.
A viagem estava se tornando cada vez mais cansativa, uma linha clara já podia ser vista ao longo das montanhas e Draco olhava distraído para ela, que a cada minuto se revelava mais forte, trazendo consigo um novo dia.
- Mais um maldito e longo dia pra concorrer com os piores dias da minha vida. – tentava a muito custo se manter firme em cima da vassoura, mas suas mãos trêmulas não colaboravam para que isso acontecesse. Sua garganta se fechou de súbito e ele levou uma das mãos até ela por reflexo, perdendo um pouco do equilíbrio. Agarrando-se firmemente com uma das mãos e apoiando o peito no cabo da vassoura, alcançou o vidro com a poção e tomou um gole grande, torcendo fervorosamente para que ainda funcionasse.
Novamente a visão turva o deixava com a impressão de estar usando óculos de grau extrememente alto e ele fechou seus olhos, apertando-os com força. Devagar, Draco teve a desagradável sensação de desconforto passando por todo o seu corpo, para em seguida sentir a dor indo embora.
Quando a visão se ajustou e ele pôde ver nitidamente as montanhas e o céu já claro, avistou no meio de um grande nada, uma estranha construção que poderia ter sido carinhosamente chamada de “Bolo Torto” pelo seu infeliz dono. Ele fitou andar por andar, tentando entender como é que aquela coisa se mantinha em pé, não tendo obviamente, nenhuma estrutura para abrigar tantos andares. Várias chaminés saltavam do telhado vermelho, cheio de telhas quebradas.
À medida que se aproximava a construção parecia mais assustadora e asquerosa. Com uma pequena guinada a vassoura se precipitou para baixo, assustando Draco e tirando-o de seus devaneios sobre a casa. Agarrou-se fortemente à ela e por um instante pensou que se espatifaria no chão, mas a vassoura fez um movimento gracioso, parando à poucos centímetros do solo, esperando que Draco desmontasse.
Ele olhou à sua volta, pisando no chão de barro seco da estrada, procurando por alguma casa ou cabana, mas para seu terror, tudo o que seus olhos encontraram foi a estranha construção, que desafiava claramente as leis da gravidade. Aquilo era a Toca? Teria que se esconder naquele bolo torto gigante? Isso era ultrajante.
Tentou pensar nas possibilidades mais uma vez, talvez a localização da Toca estivesse oculta por algum feitiço. E se estivesse, Draco teria viajado à toa, pois seria impossível que o fiel do segredo estivesse à sua espera para ajudá-lo. Olhou na direção da assustadora construção e sentiu arrepios ao vislumbrar uma pequena placa perto da entrada com os dizeres: A Toca.
O seu terror se confirmou quando leu a inscrição na madeira torta, Draco ficou alguns poucos instantes em choque, talvez não somente pelo fato de que o lugar era repugnante como todos os que moravam ali, mas também porque ele finalmente havia chegado e agora não teria mais como voltar atrás. Era um caminho sem volta.
Caminhou lentamente pelo estreito acesso entre o mato alto do quintal, tentando imaginar o que Snape tinha na cabeça quando o mandou procurar ajuda nesse lugar. Fez o feitiço para quebrar o encanto de desilusão, ainda um pouco temeroso pela varinha recém-adquirida. Olhou para os seus pés e eles continuavam com o efeito “camaleão”, se mesclando com o mato e o barro. Draco bufou, dando mais um toque com a ponta da varinha e em seguida – para seu alívio – eles voltaram ao normal.
Havia um pequeno tapete rosa e gasto pendurado em uma das muitas janelas, algumas panelas e caldeirões furados amontoadas ao lado da porta de entrada e muito mato crescido no quintal que não devia ser aparado há muito tempo. Imaginou quantos gnomos deveriam se esconder por ali. Talvez famílias inteiras, com seus descendentes, amigos e bichinhos de estimação.
Continuou caminhando a passos lentos até a porta, mas de repente um alto barulho de sirene ecoou pelo local, seguido de muitos outros. Mas é claro, como poderia ter sido tão estúpido? Os Weasleys não seriam tão tolos de não colocar encantamentos de proteção em sua casa, mesmo que esta não fosse digna de um.
A casa torta começou a tremer como se tivesse entrado em convulsão, uma fumaça escura e densa disparou pelas chaminés, que apitavam como um trem velho desmantelado. Draco jogou-se imediatamente no chão, maldita a hora em que ele desfez o feitiço de desilusão de Snape.
Estava tentando pensar em algo para tirá-lo daquela situação, mas no mesmo momento sentiu algo se enroscar forte em um de seus pés, arrastando-o para perto da casa. Draco ainda tentou desesperadamente se segurar no mato, mas o cipó o puxava cada vez mais rápido e quando abriu seus olhos, que estavam ardendo graças às pancadas do mato mal-cortado do jardim dos pobretões, ele viu uma figura grande e assustadora parada em frente à porta, com um olho de vidro que se movia freneticamente e uma perna de pau, que Draco logo reconheceu como sendo seu ex-professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, Alastor “Olho-Tonto” Moody. Apenas mais magro do que ele se lembrava e talvez um pouco careca.
- Ora, ora... mas o que temos aqui? – Olho-Tonto perguntou num tom estranhamente satisfeito, fazendo Draco associá-lo à um professor que pegava o aluno colando. Mas era óbvio que sua detenção seria muito mais severa e ele não queria nem imaginar o quanto.
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N/A: Bem, finalmente Draco chega à Toca, eu resolvi deixar a parte da ajuda para um capítulo mais à frente, já que todos ainda estão em Hogwarts, esperando pelo funeral de Dumbie. Draco vai sofrer mais um pouquinho, agora nas mãos do desconfiado Moody... tadinho.
Não, eu não odeio o Draco, mas fiquei muito brava com ele no último livro, então ele vai ter que acertar as contas com o universo agora, pelo menos aqui na minha fic, hehehe.
Com carinho,
Mila Fawkes.
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