Caras e Bocas
Capítulo 15 - Caras e Bocas
Madrugada de 11 de Janeiro de 1996.
Com o término do ano, a neve fora diminuindo aos poucos, assim como o frio. Apesar disso, Londres ainda tinha o mesmo característico vento gelado, que fazia com que todos os que se aventuravam por suas ruas ficassem encasacados.
A cozinha do Largo Grimmauld se achava cheia naquele momento. Até mesmo Dumbledore estava presente, devido à intensa revoada de perguntas sobre como estavam os procedimentos de segurança da Ordem. Depois que Arthur Weasley fora atacado, todos haviam ficado mais preocupados. Principalmente uma certa auror sentada, desanimada, em seu lugar habitual nas reuniões.
Ela já havia desistido de tentar falar qualquer coisa, ainda que ela, talvez, nem quisesse falar qualquer coisa. Falar que ela estava preocupada com a segurança da sua família e também dela própria significaria admitir à ela mesma que tinha, sim, uma fraqueza. Ela, que sempre quisera ser e, de fato, era tão independente, estava com medo. Medo do que podia acontecer com todos à sua volta.
- Parece preocupada, Tonks - comentou Remus, que sempre se sentava ao lado da metamorfomaga, enquanto Sirius travava mais uma discussão com Snape. - O feriado prolongado não foi bom?
- Ah, não, foi ótimo - respondeu ela, com sinceridade, ainda que forçando um sorriso. - Só estou com alguns problemas... nada de mais. Ah, e obrigada pelo perfume, Remus, eu gostei mesmo.
- Fico feliz que tenha gostado - falou ele, lançando um olhar severo a Sirius, que agora se achava quieto, aparentemente vencido por Snape. - Também agradeço pelo livro, é realmente interessante. Havia algumas criaturas realmente estranhas ali.
- Eu sei - riu Tonks. - Imaginei que você ia gostar.
- Você realmente parece preoc...
Remus não pôde continuar sua frase, já que Dumbledore havia se levantado e, consequentemente, silenciado todos que estiveram falando até aquele minuto.
- Creio não ter invocado essa reunião para tratarmos da segurança pessoal de cada membro da Ordem - começou ele, lançando um olhar severo à alguns dos presentes -, mas sim para tratarmos da segurança de Harry. Ele será levado de volta à escola pelo Nôitibus Andante, e eu gostaria que Nymphadora e Remus ficassem responsáveis por isso. Algum problema com isso?
- Nenhum por minha parte, professor - respondeu Tonks, rapidamente, então olhou para Remus.
- Problema algum - respondeu Remus, ao ver que o olhar de Tonks recaiu sobre ele.
- Então estamos resolvidos - falou Dumbledore, se encaminhando à porta. - Creio que não haverá problemas durante o trajeto, mas fiquem alertas. Quanto à nossa segurança - ele se virou para o resto do grupo -, tenho plena confiança que todos nós podemos nos proteger. Logo teremos uma reunião para falar sobre esse assunto específico. Se não se importam, as aulas recomeçarão amanhã, e temos muito trabalho a fazer.
E assim, Dumbledore saiu da cozinha, sendo seguido por todos da Ordem, que rumaram para a saída. Sirius estava um pouco emburrado ainda, e Remus lançou um rápido olhar para Tonks, que retribuiu rapidamente. Tonks permaneceu na cozinha por um tempo, sozinha. De repente, teve uma idéia. Nem sabia se aquilo podia ajudar, mas...
- Sirius! - chamou a jovem, saindo da cozinha. - Sirius, será que eu poderia ir até a biblioteca? Prometo não fazer bagunça - ela não sabia porquê, mas alguma coisa nela dizia que deveria visitar a biblioteca do número 12.
- Pode, mas o que você quer lá? - perguntou o primo, que não tinha cara de bons amigos, provavelmente devido à discussão com Snape (pelo visto, decidiram que quem devia ensinar oclumência à Harry era o Ranhoso).
- Eu não sei, é por isso que quero ir até lá - ela não esperou a resposta do primo, simplesmente rumou para a biblioteca.
Dez minutos depois - Tonks não tinha lá um senso de direção muito bom(N/A: Alguém se lembra do capítulo 13?), e, como só havia ido uma vez à biblioteca, não fora tão fácil achar o cômodo numa casa tão grande -, a auror abria a porta do cômodo, parando logo à entrada.
Está bem, o que eu estou fazendo aqui?
A jovem começou a andar por entre as estantes de livros, sem saber exatamente o que procurar. Era evidente, naquela biblioteca, que os Black não eram bruxos normais. Afinal, que tipo de família bruxa tinha títulos literários como A Arte de Decapitar Elfos Domésticos e Maldições Para Principiantes? Os Black, é claro.
Como Tonks nunca fora muito paciente, sua busca por qualquer tipo de feitiço defensivo mais complexo começou a lhe render um pouco de estresse. Aliado à uma auror verdadeiramente desastrada e emocionalmente instável, aquilo só podia significar confusão. Dito e feito: Tonks acabou batendo em uma das estantes, fazendo cair todos os livros que nela haviam.
- Era só o que me faltava! - reclamou ela, sem perceber que a porta havia sido aberta. Murmurou um "reparo" e tudo voltou ao lugar.
- Tonks? - chamou a voz de Lupin. - Você está aí?
- Estou aqui, Remus - respodeu ela, indo em direção à porta.
- Você está bem? - perguntou ele, ao ver que ela massageava a cabeça.
- Estou ótima - respondeu Tonks. Por que, afinal, ela não se sentia ótima? O peso da responsabilidade finalmente havia caído sobre ela. Ela, que nunca precisara disso. Ela, que vivia num mundo de ação e diversão.
- Você realmente não parece bem - continuou Remus. - Parece preocupada. Se quiser desabafar, Tonks, eu estou aqui.
Ela avaliou a hipótese. Não havia real problema em falar aquilo à Lupin, ainda que falar aquilo em voz alta significaria admitir para si mesma os pensamentos que ela vinha tentando afastar. Mas Nymphadora Tonks nunca fora covarde. Por que seria agora?
- É que... - começou ela, respirando fundo. - No Natal... Entende, Remus, foi a primeira vez que vi minha família depois que entrei para a Ordem. E tudo pareceu tão... desesperador.
- Como assim? - interessou-se o lobisomem, sério.
- É que... De repente, todo conselho que Dumbledore nos deu sobre segurança, família e amigos, tivesse finalmente sido compreendido, sabe? - respondeu Tonks, olhando para o chão. - Foi a primeira vez, em muito tempo, que eu me senti...
- Preocupada - completou Remus.
- É! - o alívio percorreu a jovem, ao ver que estava sendo compreendida. - Eu senti medo. Medo de perdê-los. Quero dizer, essa guerra nem começou direito e nós já vemos os efeitos que ela está causando! - ela começou a sentir os olhos se encherem de lágrimas. - Eu não quero perdê-los, Remus, eu não posso!
- Eu perdi todos os meus amigos na última guerra - comentou ele, segurando as mãos da jovem, que se fecharam compulsivamente -, mas tenho certeza de que dessa vez será diferente.
- Você não pode ter certeza disso, Remus - interpôs Tonks, com as lágrimas agora escorrendo pelo rosto. - Ambos sabemos que o futuro dessa guerra está nas mãos de Harry... O nosso futuro está nas mãos dele. E eu não sei se conseguiria... aguentar...
Ele abraçou-a com força, ao ver que Tonks continuava a chorar.
- Vai ficar tudo bem...
- Como é que você sabe? – perguntou ela, os olhos ainda vermelhos, olhando-o. – Atacando pessoas à torto e à direito, quem garante que não somos os próximos?
- Ninguém garante, Tonks - respondeu. - A única certeza que temos é que estamos bem hoje e agora.
- Eu não quero perdê-los, Remus, eu não quero... - começou Tonks, de novo, encostando a cabeça no ombro do amigo. - Eu não iria aguentar... meus pais, minhas sobrinhas... quem garante que não podem pegá-los? Ou mesmo Sirius... você...
- Eu não posso lhe garantir nada, Nymphadora - falou Remus. Nunca tinha visto Tonks daquele jeito. Havia, afinal, preocupação por trás daquela jovem bonita e brincalhona.
- É Tonks! - ela assumiu um ar infantil, ainda que choroso. Incrível como ela podia ser tão séria e tão... provocante ao mesmo tempo. - Me prometa uma coisa, Remus - ela se virou e ambos ficaram frente-à-frente.
- Tudo bem, Tonks, qualquer coisa - disse ele, rapidamente.
- Me prometa que nunca vai me deixar - falou ela, séria. - Me prometa que vai estar junto comigo, não importa o que for.
Ele pensou por um momento.
- Eu não posso prometer nada, Tonks.
- Não seria uma promessa vital, ou qualquer coisa do gênero - falou Tonks, esfregando os olhos, como se isso fosse pará-los. - É só que... seria apenas uma promessa de que tentaríamos chegar o mais vivos possíveis depois de cada missão - explicou ela. - Eu não conseguiria suportar... Ah, Remus...
Ela, novamente, o abraçou.
- Está bem, Tonks - falou Remo, finalmente. - Eu prometo.
*~*~*
Aquele garoto estava começando a acabar com a paciência de Tonks.
Estavam no Nôitibus Andante, e haviam deixado os garotos em Hogwarts. O terceiro andar do Nôitibus estava praticamente vazio, mas, nas poltronas ao fundo, via-se uma jovem auror bufando, um homem parecendo se divertir, e um garotinho, sentado um banco à frente dos dois, virado para trás.
Devia ter, no máximo, uns seis anos. E adquirira o amável hábito de falar demais e mostrar a língua para Tonks quando esta reclamava. Decididamente, uma coisa produtiva.
- Vem cá, por que você não vai lá conversar com o Lalau? - quis saber a jovem, apontando para o condutor.
- Por que ele me mandou pra cá - falou o garoto, mostrando a língua pela enésima vez.
- E cadê a sua mãe, hein?
- Ela tá me esperando na próxima parada, porque eu passei o Ano-Novo com o papai - respondeu, repetindo o gesto.
Tonks, esquecendo as boas maneiras, mostrou a língua também.
- Quem mostra a língua é cobra, sabia? - falou o garoto, ofendido.
- Ah, é? - provocou Tonks, não dando atenção à Remo. - E por que você não é uma, então?
O garoto pareceu pensar um pouco sobre o assunto. Sucesso, pensou Tonks, calei a boca do chato!
- Na verdade, eu sou um animago, me transformo em cobra quando quiser - respondeu ele.
- Então por que não se transforma agora? - perguntou a auror, bufando.
- Está maluca? É um segredo de estado, assim todos saberiam! - o garoto terminou a frase mostrando a língua.
Fracasso.
Então, Tonks teve uma idéia. Se concentrou e mostrou a língua. Só que, dessa vez, a língua estava bifurcada, como de uma cobra.
É, pensou a auror, ser metamorfomaga pode ser bem mais do que mudar o cabelo.
O garoto virou para frente depois de uma exclamação mínima. Foi a vez de Remus falar:
- Você não precisava ter feito isso - ralhou ele, com seriedade.
- Ah, ele não parava de falar e mostrar a língua! - defendeu-se. - Perdi minha paciência.
- E alguma vez você já teve? - perguntou Remus, ainda sério.
- É claro que sim! - exclamou Tonks, ofendida. - É cl...
- Com licença - interrompeu Lalau. - Pra onde os dois namorados vão?
- Não somos namorados - responderam os dois, rápidos.
- Do jeito que brigavam, pareciam - comentou ele, com um leve sorriso. - Então?
- Londres - respondeu Tonks, um pouco corada.
- São os próximos, depois do pirralhinho aqui - falou Lalau, indo para frente.
Cinco minutos de silêncio e o garoto volta a se virar:
- Namoradinhos!
- Cale a boca - mandou Tonks, de modo impaciente.
- Não calo - respondeu o garoto, dessa vez sem língua para fora. - Vocês já se beijaram?
- Pode virar para frente?
- Aposto que sim, são namorados!
- Vai demorar muito pra esse garoto ir embora?
- Beijo é nojento... acho que nem conseguiria assistir à um... eca!
Nesse momento, Tonks virou-se para Lupin e o beijou. Fora realmente apaixonante. Causou o efeito desejado, considerando que o garoto fez cara de nojo e virou para frente o resto da viagem, e deixou um Remus Lupin extremamente surpreso quanto àquilo tudo.
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