Debaixo do Visgo
Capítulo 14 - Debaixo do Visgo
23 de Dezembro de 1995.
Remus Lupin lia calmamente um livro na biblioteca do nº12 do Largo Grimmauld. A saída com Tonks, dois dias antes, fora realmente prazerosa, ainda que ele tivesse tomado cuidado ao não mencionar o rapaz no St. Mungos. Ele também tomara cuidado ao passar pela porta de entrada do nº12, uma vez que Sirius tenha colocado ramos de visgo em todo lugar da casa e vivesse insinuando que Remus poderia ter que beijar alguém a qualquer passo sonhador pela casa.
Ele só não podia negar uma coisa: ao ver Tonks entrando na cozinha aquela manhã, sentira como se quisesse desaparecer; depois do inegável beijo entre os dois, era impossível negar que ambos retribuíram o afeto que sentiam.
De repente, duas batidas na porta o fizeram sobressaltar-se na cadeira onde lia.
Por favor, não seja a Tonks, pensava ele, não seja a Tonks, não seja a Tonks...
- Boa noite, Aluado!
Correção: não seja a Tonks nem o Sirius.
- Boa noite, Almofadinhas – cumprimentou Remus, tentando ler o livro.
- Estava procurando-o – mencionou ele, passando o dedo pela escrivaninha coberta de pó. – Não o vi mais depois do jantar. Tonks está aí, sabia?
- É? – falou ele, fingindo desinteresse.
- É, ela e Kingsley vieram nos avisar sobre certas... coisas do Ministério – concluiu Sirius, andando pelo cômodo. – Por que você não vai até lá falar com ela? Pareceu-me que se divertiram aquele dia no St. Mungos.
- É, foi proveitoso – disse Remus, fechando o livro. – O que você quer com isso tudo?
- Nada, ué – respondeu Sirius. – Não posso agora ter uma conversa com um amigo?
- Ah, não banque a vítima, Sirius – cortou Remus. – Só... vá direto ao assunto, só isso.
- Se você quer assim... – ele sentou-se na cadeira defronte ao amigo. - Entende, eu sempre achei que você e Tonks... Bem, vocês são, de fato, grandes amigos. E eu pensei... Bom, grandes amigos têm um certo grau de intimidade... Por que não ultrapassar esse nível?
- Por que ultrapassar esse nível? – interpôs o lobisomem, impaciente.
- Eu falei com Tonks, entende? – comentou ele, sorrindo. – E ela admitiu que sente atração por você, meu caro lobinho.
- É claro que ela não falou isso – teimou Remus. Era típico de Sirius inventar certas coisas quando o assunto era a vida amorosa de Remus.
- Tudo bem, eu inventei essa parte – admitiu o animago, rindo. – Mas eu vejo que você gosta dela.
- É claro que eu gosto dela – concordou ele, em tom óbvio. – Ela é uma amiga.
- Mais que uma amiga, tenho certeza disso.
- É claro que não.
- Seus lábios dizem não, mas seu rosto corado diz sim, Aluado. Depois de tantos anos de convivência, você não consegue mentir para mim, já lhe disse isso.
- Você não tem nada melhor para fazer, não?
- Acredite, Remus, se pudesse eu estaria em um pub qualquer jogando papo fora – respondeu Sirius, calmamente. – Isso, infelizmente, não é possível. Você vai falar com Tonks ou eu terei que fazê-lo por você? Juro que não me importaria, ela é realmente bonita. Mas ela é toda sua, sem ressentimentos.
- Está bem, eu vou – cedeu Remus, levantando-se. – Mas não espere muita coisa, Sirius. Se eu ouvir qualquer insinuação sobre qualquer coisa, eu juro que o mato.
- Será de maneira rápida, pelo menos?
- Não, será bem devagar.
- Ah – ele pareceu pensar um pouco sobre o que dizer – Não acho que valha isso tudo, mas tudo bem. Agora, vamos. É quase véspera de Natal e Tonks não estará aqui amanhã para desejá-la boas festas.
Remus nem teve tempo de responder, já que Sirius o empurrava escada abaixo, como se para garantir que ele não desistiria de última hora. Ele não ia desistir; estava lá apenas para desejar à amiga um feliz Natal, nada mais que isso. Ah, sim, e à Kingsley também. Não era nenhum interesse particular em Tonks, nunca fora.
- Sirius, eu sei andar, está bem? – mal ele falou, a porta da cozinha à sua frente abriu, fazendo com que ele batesse a cabeça com toda a força, caindo no chão. Como se isso não bastasse, a pessoa que abriu a porta não pareceu ter conhecimento do que fizera, já que tropeçara e caíra em cima dele.
Eis que a tal pessoa era Tonks.
- Remus! – exclamou ela, ainda em cima dele. Sirius se rolava de rir ao ver os dois, e Kingsley parecia se controlar para não cair na gargalhada. – Ah, me desculpe, você está bem?
- Estou, eu acho – respondeu ele, massageando a cabeça, mas não conseguindo se levantar, já que a auror não se mexera ainda. – Será que você poderia...?
- Claro. Seria um grande favor se você parasse de rir, e outro grande favor se você não risse - o olhar dela sobre Sirius e Kingsley foi severo o bastante para os dois tornarem a ficar sérios. - Me desculpe, Remus, eu juro que não o vi...
- Tudo bem – disse Remus, sorrindo. – Em todo o caso, ambos sofremos as conseqüências, não é?
- É – concordou Tonks, rindo, enquanto massageava as costas. – Bem, eu... acho que já vou. Se eu continuar aqui, não vou conseguir acordar cedo amanhã. Feliz Natal, Remus, Sirius, Kingsley.
- Remus a acompanha até a porta, Tonks – falou Sirius, com um inegável sorriso no rosto. – Não é, Remus?
- Claro, sem problemas – falou Remus, lançando à Sirius um olhar não muito contente. – Vamos, Tonks?
- Vamos – concordou a jovem, seguindo para a porta de entrada. – Se bem que você não precisa me acompanhar, eu sei o caminho.
- Não tem problema, já disse.
- É que o seu olhar não pareceu dizer isso – comentou Tonks, rindo. – O que foi que o Sirius fez?
- Ele meio que está um pouco intrometido hoje – respondeu Remus, obviamente amenizando a situação. – É só que... Bem, Sirius é tão sério algumas vezes e tão... inconveniente em outras.
- Concordo plenamente com você – falou Tonks, parando à porta de entrada. – Sirius também veio me perguntar algumas coisas hoje... nada importante, é claro. Foi apenas... estranho.
- Imagino que o que Sirius disse não tenha sido pior do que aquele simpático rapaz do hospital – comentou ele, parando à frente dela.
- Com certeza que não! – exclamou a auror, rindo. – E desde quando um abusado daquele virou simpático, hein?
- Desde que uma pessoa estapeou-o no meio do St. Mungos.
- Ele mereceu – disse Tonks, sorrindo. – Eu vou indo, Remus.
Naquele exato momento, Sirius Black apareceu na escada um pouco à frente dos dois. A princípio, ele não notou que eles ainda estavam ali, mas aí falou:
- Tonks! Vejo que ainda não foi embora.
- Eu já estou indo, Sirius – falou Tonks, ainda sorrindo.
- Mas eu sugiro que os dois olhem para cima – falou Sirius, com um sorriso ainda maior que o da prima.
Eles rapidamente fizeram o que Sirius disse; ambos gelaram ao verem um ramo de visgo sobre os dois.
- Dizem que trás má sorte se não se beijarem – disse o animago, fingindo estar sério. – Eu se fosse você, Remus, não me demoraria.
Aquela simples frase fez Lupin corar violentamente.
- Está bem, eu os deixo à sós – ele subiu apressadamente as escadas, deixando ambos sozinhos e absurdamente encabulados.
- Eu mato Sirius Black – falou Tonks, de repente. – E não será de maneira rápida. Será bem devagar.
Remus riu; falara a mesma coisa minutos antes. Era impressão sua ou estavam mais próximos?
- E também poderia ganhar dez mil galeões do Ministério por ter acabado com o assassino mais procurado da Grã-Bretanha – comentou ele, fazendo-a rir também.
- É verdade – concordou a jovem, se aproximando. – Eu não sei você, Remus, mas eu preferiria não ter má sorte.
- É, eu acho que também não gostaria disso – disse o lobisomem, já sentindo a respiração dela mais próxima.
Como que para ser mais rápida, ele pôde sentir a mão de Tonks bater em sua nuca, puxando-o para ela. Então se beijaram. Exatamente como da última vez. Só que de forma melhor, se é que isso era possível. Ele não pôde deixar de sentir-se grato por Sirius tê-lo levado até ali. Com certeza não o mataria mais. Não por causa daquilo, pelo menos.
Tonks pensava exatamente da mesma forma. Por que aquele homem a deixava tão confusa em relação aos seus sentimentos? Não sentia por ele o mesmo que sentia por Sirius, tinha certeza disso... e aquele primeiro beijo só conseguiu deixá-la mais confusa. Era realmente frustrante... mas ao, mesmo tempo, ela não podia negar que era bom.
Eles interromperam o beijo, mais para tomar fôlego do que por causa do ruído de passos se aproximando.
- Bom – começou Tonks, ofegante –, acho que ambos teremos sorte agora. Feliz Natal, Remus. Nos vemos ano que vem!
- Feliz Natal, Nymphadora – desejou Remus, sorrindo. A jovem se virou e, não demonstrando o menor distúrbio, disse, também sorrindo:
- É Tonks, Remus! – e saiu porta afora, levando uma jovem confusa por causa dos seus sentimentos e deixando um homem completamente absorto no que acabara de acontecer. Ambos, em contraste a tudo aquilo, felizes.
*~*
Nymphadora Tonks se achava observando o céu estrelado em um balanço da cidade de Hertford, pouco mais de vinte milhas ao norte de Londres. Ela olhou para o relógio em seu pulso e viu que já era quase dia vinte e cinco. Estava na casa de seus pais, que estavam, provavelmente, dormindo. Foi realmente estranho rever a família depois que se juntara à Ordem. Ela achara que nada mudaria, mas a verdade é que mudou. Mudou a preocupação. É claro que ser auror era um risco opcional, mas participar de uma sociedade secreta que é contra o Ministério da Magia e contra o bruxo mais poderoso de todos os tempos era uma coisa muito mais perigosa. Ela tentou, é claro, não demonstrar a preocupação dentro dela, afinal, não estava pondo apenas sua vida em risco. Estava pondo sua família inteira em risco. E se a descobrissem? Certamente que tudo ficaria pior.
Ainda assim, os laços feitos pela Ordem não podiam ser desfeitos. Ela não poderia simplesmente esquecer as missões, as reuniões. Dumbledore chegou a falar, em uma das reuniões, que teriam que escolher entre o certo e o fácil. Ela escolhera o certo, tinha certeza disso. Mas, além de tudo, a guerra um dia estouraria e todos sofreriam com isso. Sem exceções. Havia também a amizade de alguns membros lá dentro. Como poderia esquecer que Sirius era inocente e um grande amigo? Havia os Weasleys, Kingsley, Remus...
Remus. Outro nome que causava à ela intensa atividade sentimental. Ficava confusa só de pensar na última noite que se encontraram...
Um ruído interrompeu os pensamentos da jovem, que, sem se importar com a vizinhança trouxa ao redor da casa que um dia morou, tirou a varinha, que logo acendeu, para mostrar o rosto de um Ted Tonks sonolento, de roupão. Ted era um pouco cheinho, com cabelos castanho-claros já fartamente grisalhos. Não deixava de ter uma aparência simpática.
- Vejo que esse treinamento a fez ficar mais alerta – comentou ele, em tom divertido –, mas eu sugiro que abaixe essa varinha enquanto sua tia ainda não viu.
- Tem razão – concordou Tonks, sorrindo. – Tia Amélia sempre gostou de implicar comigo e, por azar, ela resolveu morar na casa ao lado. Também não conseguiu dormir?
- Não – respondeu Ted, sentando-se no balanço ao lado do da filha. – Sua mãe insiste que deve ter sido o uísque de fogo que tomei no jantar. Ela também andou achando-a diferente.
- É? – disse ela, desanimada diante dos seus pensamentos. – Impressão dela.
- Pois eu concordo – mencionou o pai, olhando as estrelas com a filha. – Você parece preocupada com alguma coisa.
- É que... – era um pouco estranho falar com o pai sobre esse tipo de coisa; em geral, ela não tinha segredos, mas a mãe sempre fora uma confidente à longo prazo. É claro que não falaria sobre a Ordem; falaria apenas metade do que a incomodava naquele momento. – Hum, entende... Há uma pessoa.
- Muito bem, vamos ouvir o pior – falou, divertido, Ted Tonks.
- E nós... Bom, nos damos muito bem – começou ela. Já não era uma adolescente para ficar pedindo conselhos aos pais, mas já que estava ali, mesmo... – Só que eu não sei, me sinto tão estranha quando falo com ele que já não sei como são meus sentimentos em relação à ele. Como se meus órgãos internos fossem explodir, de repente. Já se sentiu assim antes, papai?
- Já – respondeu ele, sério. – Vocês já se beijaram?
- Já – respondeu ela, sem emoção. – E foi completa e totalmente diferente do que com qualquer outra pessoa.
- Sei como é – afirmou Ted, sorrindo. – Fique tranqüila, passa depois de um tempo.
- Que bom – comentou Tonks, sorrindo também. – Isso é um pouco chato, entende? Você sabe como eu sou... Em geral, não tenho receio ou medo de qualquer coisa que possa acontecer quando estou com qualquer outra pessoa, mas com ele é diferente... É tão... Estranho.
- É verdade. Se sente melhor?
- Um pouco – falou ela, com sinceridade.
- Então, se não se importa, eu vou lá dentro porque estou ficando com fome – falou Ted, se levantando, de repente. – Acho que sobrou um pouco de pudim na geladeira...
- Ah, não, eu também quero! – falou Tonks, levantando-se também e seguindo em frente ao pai.
- Só tome cuidado para não – e nesse momento, a filha tropeçou na porta dos fundos e caiu estatelada no chão – cair. Anda, antes que sua mãe acorde e não nos deixe entrar em sua impecável cozinha.
- Está bem – falou Tonks, rindo e se levantando.
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