Saudades



Capítulo 22 - Saudades



Molly Weasley gostava de ser mãe. Se não gostasse, ela não saberia nem dizer o que faria, com os sete filhos que tinha. Sempre tomando conta de algum, dando bronca em outro... Seus filhos nunca a deixavam ficar só. Nem quando estavam em Hogwarts.
Bill agora arrumara aquela noiva francesa; Charlie continuava na Romênia, se arriscando no meio dos dragões; Percy ainda não voltara a falar com a família, mesmo sabendo estar errado; Fred e George largaram Hogwarts na metade do último ano (e quão longos foram aqueles anos, com tantas corujas); Ron já conseguiu roubar o carro do pai e joga-lo contra o Salgueiro Lutador, sem contar, no ano passado, quando formou um grupo ilegal contra a diretora da escola; e Ginny, que fez parte do mesmo grupo.
Havia ainda aqueles que Molly considerava filhos. Harry, órfão, bem-educado, e sempre precisando de uma boa alimentação; Hermione, que ela ainda achava que, um dia, virá a se tornar sua nora. Todos esses sem contar os integrantes da Ordem. Molly era como uma mãe para alguns deles, sempre lá para ajudar. Como Sirius, alguém sempre precisava colocar alguma razão naquela cabeça, mesmo que por discussões. Mas os que mais estavam dando dor de cabeça em Molly não eram por causa de mau comportamento na escola ou por causa de algum desentendimento. Os que mais a deixavam preocupada eram Remus e Tonks, dois adultos. Dois adultos que sempre se deram bem e (quase) nunca se metiam em confusão.
Estavam apaixonados e ambos tinham ciência disso. O problema era que Remus não queria aceitar. O “fator culpa”, como Tonks o descreveu uma vez. Ela, por sua vez, se entregou à depressão, por ser rejeitada. Comia pouco, não sorria mais, não mudava mais a aparência, era mais distraída que o normal. Remus estava quase no mesmo estado. Também comia pouco, também não sorria, também estava mais distraído.
Desde que descobriu sobre o envolvimento deles, Molly se pergunta: Como não vi os sinais? Depois que Tonks contou o que havia, parecia que uma porta de lembranças havia sido aberta em sua mente; lembranças que ela nunca dera muita atenção: como sempre se sentavam um perto do outro quando estavam à mesa, o modo como sempre trocavam olhares, como Tonks sempre sugeria ir com Remus às missões ou aos turnos, as conversas após o jantar, as provocações durante as conversas... Pensando bem, ela lembrava de tê-los visto sem-graça algumas vezes, como quando chegaram do Nôitibus após levarem as crianças à Hogwarts, ou como pareciam mais íntimos após a morte de Sirius. Ela também lembrava da preocupação da jovem quando Remus fora atingido por um feitiço e também da presença constante de Remus quando Tonks estava no St. Mungus. Ela também lembrava do mau-humor dos dois quando discutiam, e, principalmente, em como ficaram estranhos depois de uma briga que praticamente todos ouviram.
Os sinais estavam lá e sempre estiveram. Molly só não prestou a devida atenção a isso. Chegara a pensar em Tonks como nora; ela era bem mais agradável do que Fleur, que parecia que ia mesmo casar com Bill. Mas, depois de tudo desvendado, ela viu como eram perfeitos um para outro.
Era nisso que estivera pensando enquanto esperava Arthur chegar do Ministério aquela noite; todos já estavam em suas devidas camas, como Molly já havia verificado (apesar de ter ouvido Ginny e Hermione conversando).
Até que ouviu uma batida que parecia urgente na porta.
- Quem é? – perguntou Molly, um tanto nervosa. Toda aquela agitação de precisar de identificação para entrar em casa sempre a deixava receosa.
- Sou eu, Tonks – falou a voz conhecida do outro lado da porta. – Sou metamorfomaga, trabalho como auror no Ministério da Magia, acabo de ser transferida para Hogsmeade, me despedi de Remus Lupin há algumas horas e estou realmente precisando conversar. Mais alguma coisa?
Mal ela disse isso, Molly abriu a porta para ver uma Tonks com aparência péssima, ainda pior do que nos últimos dias. Ela estava com o rosto muito abatido; ela não chorava, mas tinha as bochechas molhadas, e decididamente havia decidido de última hora ir falar com Molly, já que a moça estava pouco arrumada e, apesar do frio, estava apenas com um casaquinho para ficar em casa.
- Não quis interrompê-la, Molly – pediu ela, a voz meio abafada.
- Não seja por isso, querida – falou a Sra. Weasley, apontando para uma cadeira. – Estava só esperando Arthur chegar, mas parece que ele vai demorar hoje. O que houve?
- Eu não consegui impedi-lo – falou Tonks, sentando-se e pondo as mãos no rosto na mesma hora. – Ele foi mesmo depois de eu ter falado com ele... Eu cheguei até a pensar que ele não iria, que ficaria comigo...
- Ele saiu daqui um tanto perturbado, à tarde – comentou Molly, sentando-se ao lado da auror e dando-lhe uns tapinhas nas costas. – Ora, vamos, Tonks, você não precisa se preocupar, Remus sabe se cuidar.
- Eu sei que sabe – respondeu ela, entre os soluços. – É só que... a cada dia que passa, eu sinto que não adianta tentar convence-lo, que ele não me ama...
- Acha mesmo que ele não a ama? – questionou Molly. – Já reparou no estado dele ultimamente? Sinceramente, não sei quem está pior, se é você ou ele.
- Isso não quer dizer nada – retrucou Tonks, ainda chorando. – Muita gente acha que eu estou assim por causa do Sirius. A própria Hermione tentou me consolar quanto a isso.
- Hermione talvez tenha percebido que não seja isso – comentou a Sra. Weasley. – De qualquer maneira, nós duas sabemos que Remus não se deixou abalar pela morte do Sirius. Ele tem estado assim desde que...
- Me rejeitou – completou Tonks, quando a voz de Molly começou a sumir.
- Bem, é – confirmou ela. – Mas ele tem estado péssimo. Conversa pouco, foge do assunto quando falamos de você...
- Eu também não iria querer falar num assunto no qual eu fui a causa – contrapôs a jovem. – Nada disso indica amor, Molly. Tudo indica remorso, ele acha que é culpado pelo fato de que eu o amo.
- E ele tem um pouco de razão, não tem? – perguntou Molly, como se fosse óbvio. – Quero dizer, se não fosse ele, certamente que o seu coração...
- Ele age como se tivesse o roubado. Meu coração – falou ela, ao ver o olhar confuso de Molly. – Mas ele não quer, nem nunca quis. Eu praticamente o forcei... Só avisei que meu coração pertence a ele. E agora ele está lá, correndo perigo, e talvez eu nunca mais o veja...
- Você foi falar com ele, hoje? – perguntou, curiosa. Remus saíra d’A Toca um tanto chateado pois ela e Arthur falaram que ele devia se despedir de Tonks. Ele, obviamente, não quis, disse que só pioraria as coisas. Bem, eles se despediram, e talvez ele tenha acertado na parte em que as coisas piorariam.
- Não, eu estava saindo de casa para ir a Hogsmeade – respondeu ela, agora sem indício de choro algum. – quando ouvi barulho e vi Comensais da Morte atrás de mim e, mais perto, o Remus. Não sei o que teria acontecido se ele não estivesse lá
- Então ele foi até lá? – perguntou Molly. E a menina ainda dizia que ele não a amava...
- É, não sei se ele pretendia me ver, mas acabou que fomos até o apartamento dele, e, no final, tudo acabou praticamente do mesmo jeito – respondeu a auror, com visível infelicidade.
- Que jeito?
- Ah, você sabe – falou ela, sem muitas explicações. – É só que... Bem, nós nos beijamos e isso... Eu não sei, me pareceu que ele não iria mais, que finalmente daria o braço a torcer. Mas não! Foi como sempre, as desculpas idiotas de sempre... Ah, Molly – suspirou a jovem, com lágrimas nos olhos –, como é que se pode odiar uma pessoa e amá-la ao mesmo tempo?
- Não sei dizer, mas só sei que odeio quando Arthur inventa de mexer em objetos trouxas, da última vez ele quase perdeu um dedo – comentou ela, sorrindo. – Mas acho que isso que é o amor, não?
- Talvez – riu a moça, formando um belo paradoxo entre o riso e as lágrimas que caíam dos seus olhos.
- Ora, vamos, querida, não há por que chorar – falou Molly, entregando à moça um lenço. Era realmente muito estranho vê-la chorando, apesar de Molly já ter visto antes; ela sempre pareceu tão forte mas, depois que Remus não a aceitou, só foi ficando mais frágil. – Remus ficará bem, você vai ver. E ele vai parar de ser tão teimoso mais cedo ou mais tarde. Tenho certeza que ele vai mostrar que a ama, porque nós duas sabemos que sim. – continuou Molly, enquanto a auror enxugava as lágrimas. – E não vai ser chorando ou murmurando para si mesma de que ele não a ama que você vai convencê-lo.
- É, isso não me torna uma pessoa muito forte – murmurou Tonks, fungando. – Eu tenho que ter um pensamento mais positivo. Afinal, ele não é o único teimoso entre nós.
- Com certeza que não – concordou, rindo. – Não consigo nem imaginar quão teimosos serão seus filhos.
O comentário fez a jovem rir; era óbvio que nunca havia pensado naquilo. Molly olhou rapidamente para o relógio, e viu que Arthur já não estava mais no trabalho.
- Pelo visto Arthur está chegando – comentou Tonks, olhando para o relógio também. Mal ela falou isso, ouviram-se três batidas na porta.
Molly levantou-se e abriu a porta, sem perguntar nada. O relógio já a fazia ter certeza de que era o marido que estava do outro lado da porta, apesar de que ele não concordava em abrir a porta sem pergunta alguma.
- O Ministério fica uma loucura até numa hora dessas – comentou o marido, dando um beijinho em Molly e, em seguida, virando-se para Tonks. – Tonks, que bom vê-la aqui! Ouvi dizer que havia sido transferida. Onde está agora?
- Hogsmeade – respondeu a jovem, com indiferença. – Não há muita coisa a fazer, eu acho. Mas Dumbledore diz que é necessário alguém da Ordem por perto, e melhor eu do que Kingsley ou Olho-Tonto.
- Vai ser bom ter pessoas em qualquer lugar – falou ele, sentando-se.
- Mesmo que isso arrisque a vida delas? – questionou Tonks; era óbvio que estava pensando em Remus.
- Essa guerra mal começou, Tonks – falou Arthur. Molly apenas assistia; já dissera tudo o que podia a Tonks naquele momento. – As pessoas já começaram a morrer, e a Ordem foi muito afetada da última vez. Por isso temos que dar o melhor de nós mesmos, para acabarmos logo com essa guerra. E, às vezes, é necessário fazer sacrifícios. Amélia Bones e Emmeline Vance são prova disso, não se esqueça.
- Não há como esquecer – comentou a auror. Molly percebeu que ela estava com o olhar um tanto vago; a morte de pessoas queridas não pode fazer bem a ninguém.
- Mas tente dar o melhor de si para continuar aqui – disse Arthur, descontraído.
- É fácil falar, sabe.
- Tonks, esqueci de lhe falar – falou Molly, abruptamente. Aquela conversa, provavelmente, só pioraria as coisas para Tonks. Era incrível como Arthur nunca percebia quando alguém estava mais sensível. – A sede voltará ao lugar de antes a partir dessa semana. Dumbledore diz que o Largo Grimmauld já foi devidamente protegido e Bellatrix Lestrange decididamente não poderá entrar lá.
- Que bom – falou a moça, tentando esboçar um sorriso, sem sucesso. – Molly, eu devo ir. Já estava tarde quando eu cheguei, e agora está mais tarde ainda. Avisem-me sobre a próxima reunião.
A jovem levantou-se, deu um pequeno aceno com a mão esquerda, e rumou para o jardim, onde deu um rodopio e desapareceu.
Molly deu um pesado suspiro e olhou para o marido, dizendo:
- Essas crianças...

*~*

06 de Novembro de 1996.
Ele estava disparando feitiços para todo o lado; ouvia um choro de bebê seguido por uma risada feminina perversa; podia ver a jovem de cabelos cor-de-rosa um pouco à frente, gritando com ele, e ela também disparava feitiços. Havia um grande tumulto à sua volta, e o bebê não parava de chorar. Vários jatos de maldições passavam por ele e por Tonks, mas havia outras pessoas que lutavam ao seu lado. Ela continuava gritando com ele e, ao que parecia, ele também falava com ela. Apenas não entendia o que estava falando. Então, de repente, um jato verde o atingiu e tudo o que ele pôde ver foi Tonks indo ao seu encontro... Um outro jato verde a atingiu e...
Remus Lupin acordara repentinamente aquela manhã. Era a segunda vez que tinha aquele sonho, e tudo era extremamente confuso. Ele não conseguiu entender o que discutia com Tonks e nem soube dizer onde estava o bebê que chorava. A atmosfera tensa o fizera acordar, exatamente no mesmo ponto em que parou da outra vez que sonhara com aquilo.
Suando, ele sentou-se vagarosamente na cama. As imagens do sonho vinham descontroladamente à sua mente, mas agora ele já respirava sem aquela agonia que o consumira. Ele parou abruptamente de pensar no pesadelo quando seu olhar recaiu sobre o relógio no criado-mudo. Nove e meia. Ele devia ter se levantado há uma hora, tinha a reunião, era por isso que estava no Largo Grimmauld. Aguçando a audição, ele podia ouvir um murmúrio de vozes, que provavelmente vinha da cozinha.
Fazia muito tempo que não ia a alguma reunião. Conseguira arranjar uma desculpa e sair de onde os lobisomens estavam. A sede voltara a ser Grimmauld há alguns meses, mas era sua primeira reunião lá desde a morte de Sirius.
Ele levantou-se e, após alguns minutos, já estava totalmente vestido, encaminhando-se para a cozinha. Era extremamente estranho andar por aquela casa sem Sirius; parecia que logo ele sairia de uma daquelas portas reclamando sobre como Monstro era inútil e como aquela casa era horrenda.
Pensando que encontraria a cozinha cheia, ele abriu a porta quietamente, para ver que os únicos no cômodo eram Olho-Tonto Moody, Severus Snape, Kingsley Shacklebolt e Nymphadora Tonks. Moody e Kingsley discutiam alguma coisa, e Snape apenas os ouvia, com a expressão de repúdio de sempre. Nymphadora estava ao lado de Olho-Tonto, e o olhar que lançou a Remus pareceu encher a atmosfera de ansiosidade. Não se falavam há meses, desde que se despediram. Apesar disso, ela não se demorou, e logo olhava novamente para Kingsley.
A aparência dela parecia um pouco melhor; pelo menos era isso que Remus queria acreditar. Vê-la assim, sem nenhum vestígio de lágrima era uma visão muito melhor do que a última que tivera, mas aquilo não significava que ela pararia de falar com ele sobre o relacionamento que tinham – ou tiveram.
- Pelo visto os lobisomens o acostumaram mal, Lupin – falou Snape, enquanto o bruxo se sentava ao seu lado. – Ou será que lá onde você está não contam as horas?
- Na verdade, não – respondeu Remus, calmamente.
- Sorte sua – falou Tonks, com um olhar tão gélido que Remus não conseguiu encontrar algo para falar. Pelo visto, a mera menção da missão em que Remus se encontrava já mudava totalmente a reação da auror com ele.
- Eu acho que não – falou Snape, novamente. – Perdeu a reunião inteira e só Nymphadora pode achar isso uma coisa boa. Shacklebolt e Moody estão aqui por que precisam falar com você, eu preciso que me entregue seu último relatório para Dumbledore, e Nymphadora deve estar aqui por causa de você também, embora eu arrisque dizer que não há nenhum motivo profissional nisso.
- Como você adivinhou, Snape? – perguntou Tonks, com cara de poucos amigos. – Deve estar usando o tempo em que devia estar tomando banho para raciocinar sobre a vida dos outros... Imagino que sua vida não seja tão interessante quando a minha.
- Ou talvez eu tenha me enganado – continuou Snape, impassível. – Talvez você esteja aqui para perguntar se Remus pode dar um jeito em seu patrono, já que ele mudou tão de repente de forma. De qualquer maneira, admito estar curioso pelo seu relatório, Lupin. Ultimamente o mais interessante que recebo são os relatórios de Nymphadora, o que conta como nulo no quesito interesse.
- O seu patrono mudou...? – começou Remus, ignorando o último comentário, mas Tonks levantou-se abruptamente, fazendo com que todos olhassem para ela.
- Isso não vem ao caso – falou ela, ciente de que todos a olhavam. – Meus relatórios são problemas meus, Snape. Os seus são tão interessantes que é possível dormir na primeira página. Só falta incluir se Você-Sabe-Quem cortou as unhas para ficarem perfeitos. Meu objetivo aqui era apenas avisá-lo sobre o convite de Molly para jantar lá, hoje, Remus – ela se voltou para o lobisomem, e, em seguida, para Snape. – É claro que todos podem ir, mas eu acho que estaria fazendo um favor ao resto do mundo não convidando você, Snape. Se me dão licença, eu tenho uma escola para guardar. Tenham um bom dia.
Ela saiu da cozinha, fechando a porta com um estrondo e deixando Snape com um sorriso presunçoso nos lábios, sem se abalar com o comentário feito pela jovem. Olho-Tonto e Kingsley ficaram com uma expressão de quem não entende nada, e aproveitando a deixa, Snape continuou, se focando em Remus:
- O patrono dela mudou, sim, mas vejo que ela não se incomodou de lhe avisar que ele se parece irritantemente com você.
- Aqui está seu relatório – falou Remus, fazendo o relatório aparecer na mesa. Se Dumbledore não gostasse tanto de Snape, ele decididamente não ficaria quieto quanto a comentários pertinentes a ele ou a Tonks.
- Acho que todos estamos lhe devendo uma, Lupin – continuou ele. Pelo visto, pensou Remus, ele está inspirado o bastante para ficar fazendo insinuações inoportunas, ao invés de ir logo embora.
- Por que acha isso, Severus? – perguntou o lobisomem, sem entender.
- Se não fosse por você, Nymphadora ainda estaria usando aqueles cabelos cor-de-rosa ridículos que fazem doer os olhos de qualquer um.
- Engraçado, nunca me incomodei com os cabelos dela – falou Remus, fingindo não captar a principal mensagem de Snape. – Vocês se incomodavam?
Olho-Tonto e Kingsley pareceram um tanto surpresos com a pergunta, já que nem participavam da conversa, mas ambos fizeram que não com a cabeça.
- Os cabelos combinavam com a personalidade dela – falou Kingsley, com sua voz calma.
- Não tanto quanto os seus combinam com você, Snape – falou Moody, de repente. – Como Tonks bem colocou, talvez seja mais do que na hora de cuidar da sua vida. Acho que você dá aulas hoje. Quem sabe já não esteja na hora de voltar a incomodar seus alunos?
Snape levantou-se, ainda com um sorrisinho debochado para Remus, e saiu do cômodo, para o alívio de todos. Moody levantou-se após Snape sair, e lançou um olhar significativo ao lobisomem:
- Talvez você devesse parar de se controlar tanto, Lupin. Tenho certeza de que isso seria bom para todos.
E saiu, mancando, o olho azul-elétrico girando por todo o lado.
- Acho que você devia ir à Toca hoje, Remus – comentou Kingsley. – Molly de quando em quando pergunta sobre você, embora eu ache que ela pergunta para falar a Tonks.
- Você vai? – perguntou ele. Se Kingsley fosse, ele ao menos teria outra pessoa para conversar que não fosse Tonks ou Molly. Tonks porque não sairia nada de bom numa conversa, e Molly porque ela certamente falaria com ele sobre Tonks.
- Não sei ao certo – respondeu ele. – O Primeiro-Ministro tem estado muito ocupado, e não seria prudente deixar o escritório só por um jantar. Falando nisso, melhor eu ir. Um bom dia pra você, Remus.
- Até mais, Kingsley.

*~*

Já eram quase seis e meia. Será que ele deveria ir à Toca? Seria ótimo rever Molly, Arthur e Bill... Mas não seria demais ver Tonks? Era bem provável que ela fosse. Encara-la novamente poderia ser desastroso. Ela certamente que acharia uma chance de falar com ele a sós, e isso era o que ele mais temia. Porque ele sabia que ela sairia machucada novamente. Talvez fosse melhor não ir.

Mas você quer ir.

A sua consciência falou numa voz muito alta, que lembrava incrivelmente a de Sirius. Na verdade, era quase como se ele estivesse ali, naquela cozinha empoeirada do Largo Grimmauld, falando com ele.
Não, não podia ir. Só faria as coisas piorarem.

Não faria as coisas piorarem se você finalmente disser que a ama e que ficará com ela. Na verdade, isso só faria as coisas melhorarem.

Mas ele poderia machucá-la fisicamente, o que certamente pioraria as coisas.

Aluado, você é um canalha. Se aproveita da garota, se amassando com ela por quase um ano inteiro, e, quando ela finalmente se declara, você vira um covarde.

Está bem, era o Sirius que estava ali, na cabeça dele. Só podia ser. E não é questão de covardia. É questão de querer o bem dela.

Bem dela? Chega a ser egoísmo de sua parte. Ela ficará feliz com você, mas você tem medo de encará-la. Medo de encarar a verdade.

Ele não podia ir. Ele não estava sendo egoísta, estava sendo racional. Algo que Sirius nunca foi. Algo que Tonks certamente será quando vir que ele está certo.
Ele teria que ir logo de manhã para junto dos lobisomens novamente. Não poderia ficar muito tempo n’A Toca. Não daria para aproveitar em nada o jantar sabendo o que o aguarda no dia seguinte.
Ah, aí temos mais um erro nobre de nosso lobisomem preferido! A voz de Sirius falou mais alto, em tom sarcástico. Essa sua missão é ridícula. Todos sabem que não há real chance de trazer os lobisomens para nosso lado. Ah, quem me dera estar aí, Aluado, pra dar-lhe um bom soco na cara. Quem sabe assim você vê o que está fazendo com Tonks.

Mas você não está, Sirius. Nunca mais estará. E ele não estava fazendo nada de errado. É, talvez seja bom ficar em casa. O jantar só traria mais infelicidade. Não apenas para Tonks, mas para ele, também.

*~*

23 de Abril de 1997.
O trabalho em Hogsmeade decididamente se mostrara mais trabalhoso do que Tonks imaginou que seria. Havia vários lugares para olhar, relatórios a fazer para o próprio Dumbledore e também para o Ministério, sem contar que havia turnos para guardarem a escola, exatamente como na época em que a Ordem guardava a profecia; a única diferença é que Hogwarts precisava ser guardada todos os dias, de manhã, de tarde e de noite.
Apesar disso, ela gostava de se manter em constante atividade. Ela gostava de poder pensar no trabalho, se preocupar com isso. Era melhor do que se preocupar com outras coisas. Outras pessoas. Aquele dia, no entanto, era mais um triste dia de folga. Não havia relatórios a fazer ou escola a proteger. Pelo menos não por enquanto. E, por isso, Tonks passeava a esmo pela pequena vila, sem saber exatamente aonde ia. Apenas olhava algumas vitrines ou mesmo o tempo; havia muito sol naquela manhã.
Quando ela estava voltando para o apartamento que tinha alugado, reconheceu dois rostos, na frente de onde estava morando. Ela viu que Anna Smith, sua amiga, e o marido dela, Adam, a olhavam, como se tivessem a esperando. Ela parecia um tanto nervosa.
- Tonks, eu ia para seu apartamento nesse momento! – falou ela. apesar de nervosa, ela parecia feliz. Como alguém fica nervoso e tão radiantemente feliz ao mesmo tempo?
- Eu também – falou ela, abraçando a amiga. – O que está fazendo aqui?
- Temos novidades – respondeu ela, enquanto subiam as escadas.
- Que tipo de novidades? – perguntou Tonks, enquanto abria a porta do apartamento.
- Ah, novidades – falou a jovem, colocando o casaco encima de uma mesinha ao lado do sofá. Se o antigo apartamento de Tonks era pequeno, esse aí caberia dentro do outro. – Bom, acho que o principal é que... Ah, eu vou ser bem direta, tá?
- Tá – respondeu Tonks, sem entender grande coisa.
- Eu estou grávida – falou Anna, com um sorrisinho nervoso.
- Ah, meu Merlin – falou Tonks, sem acreditar no que ouvira. – Grávida? Ah, meu Deus, parabéns!
Ela abraçou com força a amiga, que já não parecia tão nervosa, e nem tão alegre.
- Eu não posso dizer que estou tão feliz com a notícia – falou Anna, séria. – Quer dizer, não é um mundo muito pacífico o que vivemos, é?
- É, não dá pra dizer que o mundo é pacífico – falou Tonks, em tom sério, mas sorrindo. – Ah, eu estou tão feliz por vocês!
- Ah, ele está – garantiu Anna, olhando para o marido. – Mais do que eu, eu acho. Mas não era só isso que eu vim lhe dizer. É que... Bem, o fato é que o Ministério anda meio fragilizado. Todos suspeitam de todos, tem sido horrível. Você não sabe por que não está lá todos os dias. E... por conta disso, eu e Adam... nós decidimos ir embora da Grã-Bretanha, Tonks.
- Embora? – repetiu Tonks. Como Anna podia ir embora? A guerra não estava tão ruim assim, já houve tempos muito piores...
- Tonks, as coisas não parecem tão ruins, mas estão – falou Adam. – E vão piorar ainda mais. Antes de sabermos dessa novidade, já vínhamos pensando em morar no exterior, já que os pais de Anna moram na França, e eu já havia recebido uma proposta de emprego.
- E... Vocês decidiram ir por que...? – questionou Tonks. Não havia sentido em fugir da guerra. Ela alcançaria a todos, mesmo.
- Tonks, como espera que eu crie uma criança num ambiente como o nosso? – perguntou Anna, como se fosse óbvio. – Eu nasci trouxa, não quero correr risco algum, e nem passar esse risco ao bebê! Nós estamos no centro da tempestade, Você-Sabe-Quem quer a Inglaterra, isso não é novidade, principalmente pra você! Ele atua aqui, e aqui vai ser onde as pessoas mais serão afetadas. Já estão sendo.
- E... Bem, quando vocês vão? – perguntou Tonks, ainda absorvendo a informação.
- Adam já aceitou o emprego. Vamos na semana que vem – respondeu Anna, secamente. – Logo você vai ter filhos, Tonks, e eu duvido que vá querer criá-los em um ambiente assim.
- Você ainda não tem filho, ó voz da experiência! – brincou Tonks, fazendo a amiga rir. – E eu duvido muito que terei filhos tão cedo.
- Ah, isso é uma pena – falou a amiga. – Seria uma graça ver nossos filhos indo a Hogwarts juntos.
- Ainda sem sorte com o amor de sua vida? – perguntou Adam, sorrindo.
- Nem um pouco – respondeu Tonks, sem transparecer a tristeza. – Só resta esperar. Ter paciência.
- Só não desista, sua hipócrita – falou Anna. – Acho que devemos ir, Adam – eles se levantaram. – Ainda tenho que ir ao Ministério, recebi uma coruja pedindo para ir. Pelo visto Greyback atacou novamente.
- G-Greyback? – repetiu Tonks, sentindo suas entranhas congelarem. – O lobisomem, Greyback? Atacou quem?
- Esse mesmo – falou Anna, estranhando o interesse da auror. – Não sei ao certo, mas precisamos apagar a memória de algumas pessoas que testemunharam o ataque. Por que o interesse?
- Ah, meu Merlin. Remus pode estar em perigo – falou Tonks, sem se importar.
- Remus, o grande amor? Por que ele estaria em perigo? – perguntou Anna, sem entender.
- Ele estava com Greyback, foi Greyback quem o mordeu...
Antes mesmo de terminar, Tonks já sabia que havia falado demais. Quem manda não pensar antes de falar?
- Greyback mordeu...? – perguntou Adam, mas sua voz morreu antes.
- Ah, não – falou Anna, sem convicção. – Não, não, não. Então é por isso que ele não quer nada com você! Ele é um lobisomem, não quer fazer você sofrer! Tonks, como, pelas barbas de Merlin, você conseguiu se apaixonar por um lobisomem?
- Ele não é ruim! Não o julgue pelo que pode parecer, ele é tudo menos perigoso! – exclamou Tonks, antes de qualquer coisa.
- Eu confio no seu julgamento, Tonks – falou Anna, séria. – Mas... Deus, como?
- Eu não sei! – falou Tonks, com sinceridade. – Nem me pergunte, eu não sei! Ele pode estar em perigo, ele pode estar machucado...
Tonks sentou-se novamente, com as mãos no rosto.
- Tonks, acho que posso ajudar... E-eu vou até lá, e lhe conto o que houve...
- Não, eu posso saber mais rápido – falou ela, levantando-se abruptamente e indo para a porta, os outros dois a seguindo.
- Como? – perguntou Anna, sem entender absolutamente nada.
- Eu vou falar com Dumbledore.
- Por que Dumbledore saberia? – perguntou Adam, enquanto já desciam as escadas.
- Não há tempo para explicar, eu realmente preciso falar com ele – respondeu Tonks, quando chegaram à rua. – Meus parabéns, de novo. Vocês merecem ser felizes aonde quer que estejam. E eu prometo que passo lá na casa de vocês antes da mudança!
- Tá bom, agora vai! – falou Anna, quando Tonks corria em direção à rua principal.

*~*

Os corredores de Hogwarts estavam quase vazios naquela tarde. Tonks, agora no sétimo andar, só vira duas menininhas que não aparentavam ter mais que doze anos. Andando por aqueles corredores, era quase como se estivesse de volta aos seus anos escolares, quando a vida era apenas uma brincadeira.
Ela chegou à gárgula, que levava ao escritório do diretor, e foi então que percebeu que não tinha a senha. Ela estivera tão concentrada em achar Dumbledore que acabou esquecendo de pedir a senha a alguém. Ela tinha senha do início do ano, mas esta obviamente já havia sido mudada. Qual é a senha?
- Acidinhas? – arriscou, sabendo que não seria a mesma senha do início do ano letivo. A gárgula não se mexeu, como o esperado. – Hã... Torrão de barata? Sorvete de limão? Sapos de chocolate – ela esperou, mas a gárgula continuou imóvel. Talvez a idéia de que a senha fosse uma coisa tão comum quanto sapos de chocolate fosse realmente muito comum. Será que Dumbledore havia mudado a tradicional senha com nome de doces? Todas as vezes que Tonks fora eram doces, e ela foi algumas vezes. – Geléia de amora, caldeirões de chocolate... Talvez... Bombas de bosta?
- Está perdendo seu tempo, Nymphadora – falou a voz de Snape, fazendo Tonks olhar para trás. – O diretor foi viajar.
- De novo? – perguntou Tonks, totalmente desanimada. – Ele vai demorar muito pra voltar? Eu realmente precisava falar com ele.
- Querendo notícias do seu lobo, Nymphadora? – perguntou ele, com o sorriso presunçoso de sempre. – É incrível como você tende a se importar com pessoas inúteis...
- Remus não é inútil – retrucou ela. Há tempos Snape dava indiretas sobre a situação de Tonks, mas dessa vez foi direto demais.
- Ah, claro que não é – falou Snape, em tom de deboche. – Ele provavelmente é tão útil quanto Sirius. Tentando provar alguma coisa junto aos lobisomens, como se já não soubéssemos que não dará certo, talvez ele já esteja morto neste momento...
Nesse ponto, Tonks não conseguiu se controlar. Sem pensar ao menos em sua varinha, ela apenas levantou a mão e deu um tapa estralado na bochecha do seu ex-professor de Poções. Era verdade que era um desejo que ela tinha há muitos anos; o problema é que antes mesmo de abaixar sua mão ela percebera que não fizera o que devia ter feito; devia ter respirado fundo e não ter se importado com os insultos de Snape. Mas, como o estrago já estava feito...
- Tudo já está bem ruim sem você ficar insinuando essas coisas – ela sentiu as lágrimas nos olhos, enquanto Snape pareceu surpreso com o que acabara de acontecer. Ela teria rido se não fossem as circunstâncias. – Remus é uma pessoa maravilhosa, algo que você nunca vai ser nem nos olhos de quem menos enxerga.
Ela se virou, sem sequer pensar em olhar para trás. Talvez fosse melhor tentar falar com McGonagall, talvez ela soubesse de alguma coisa... Ela secou rapidamente os olhos antes que mais lágrimas aparecessem ou caíssem. Estava tão acostumada que tinha certeza que ninguém notaria que quase chorara naquele instante.
Ela estava virando um corredor quando ouviu um barulho, como se alguém estivesse acabado de bater na parede. Assim que olhou para frente, viu Harry Potter caindo no chão de uma maneira no mínimo estranha. Talvez... Talvez ele soubesse alguma coisa de Remus, talvez Remus estivesse se correspondendo com Harry...
Se não estivesse, ela talvez choraria ali mesmo, na frente do garoto. De qualquer maneira, a esperança é a última que morre... Não é?

N/A: Esse capítulo me deu muito trabalho, sou obrigada a admitir. Primeiro que eu não estava com inspiração alguma, e foi exatamente por isso que demorou tanto pra sair. Segundo porque eu realmente não tinha idéia se estava bom ou não. De qualquer maneira, eu adiantei bastante porque imagino que todos saibam como foram os meses que se passaram, e eu não estava muito a fim de ficar repetitiva.
Bom ou não, comentem o que acharam do capítulo (:
Aah, eu agradeço a Ana Lupin e a Mah Potter, porque só elas pra me agüentarem, mesmo.
Beijos,
Ju Tonks.

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