O lugar onde havia odiado esta

O lugar onde havia odiado esta



"Querida Helmi, as coisas por aqui andam um pouco pesadas. Hogwarts está muito dura, todos andam muito assustados com os acontecimentos e o professor Snape não dá trégua. Parece que ele comeu algo que não fez muito bem! Mas estou me saindo muito bem, acredito que seja um dos melhores alunos, espero que fique orgulhosa. E você, como está? Estou morrendo de saudades, queria que me mandasse um foto. Sinto sua falta. Beijos
Sempre seu, Jaakko."

Aquela era a outra carta que Hanna recebera do filho, fazia mais de três meses que não escrevia para ele, mas ela tinha muita coisa com o que se preocupar, estava com muito medo de que a encontrassem. Durante meses perambulou por cidades pequenas e quase desconhecidas e não agüentava mais a situação, mas não sabia como despistar Voldemort. No entanto, as circunstâncias a levaram a cruzar a Europa, até um pequeno país ao leste. Havia conhecido uma jovem trouxa, com quem dividira um quarto por algumas semanas. A jovem morreu, deixando-lhe um medalhão e pedindo-lhe que o devolvesse à família, na Moldávia. Hanna, porém, não devolveu o pertence, e, sim, tomou-o para si, assim como a identidade da trouxa, voltando para a terra natal como se nada tivesse acontecido. E voltava com alguma esperança. Voltava com um livro muito interessante, que conseguira numa livraria bruxa da Slovênia, dois dias antes da morte da mulher.

Era uma manhã calma, Hanna tinha saído para comprar algo para ela e sua colega de quarto comerem, qualquer coisa. Não havia bruxos ali, o último que vira fora na estação de metro há quilômetros de distância, para sua sorte. Mas viver longe de seu povo a estava deixando entristecida, estava longe de Leon e queria muito estar com ele agora. Já era Natal novamente e logo viria o feriado, que novamente ele passaria sozinho. Culpava-se por isso porque fora ela quem voltara a falar com Voldemort, antes tivesse esquecido aquele ser desprezível, tivesse deixado tudo como estava, ele nunca descobriria. Se ela tivesse tomado Leon e ido embora... mas nunca se adivinha o que vai acontecer. Depois de tomar um suco, Hanna deixou a padaria com um cartucho contendo sonhos e seguiu pelas ruas movimentadas da cidade. Andou até se cansar e parou diante de uma grande livraria. Pessoas entravam e saíam de lá apressadas, algumas carregadas de presentes. Resolveu entrar, lá dentro não deveria ser tão ruim assim. Mas era. Tudo do jeito trouxa: muito iluminado, cheio de cartazes e pessoas falando. Como é que se poderia ler com tanta gente falando? Ela sacudiu a cabeça e ia saindo quando uma velha senhora a parou à porta.
— Esse não é um bom lugar, mocinha. Desça a ladeira, dobre no primeiro beco e irá encontrar o que procura - disse a velha ajeitando o cabelo, logo depois uma moça apareceu e tomou o braço dela.
— Vovó, por onde andou? Eu estava preocupada?
— Ora, será que uma velha cega não pode andar por aí?
— Estamos numa livraria cheia de gente, o que quer fazer andando por aqui? Além do mais os livros para cegos ficam lá nos fundos. - E a mulher a e velha foram se afastando. Hanna não reconheceu em nenhuma das duas algum tipo de bruxo, mas mesmo assim resolveu descer a rua. Andou por mais de dez minutos e quando pensou que havia se perdido, um letreiro entalhado em madeira mostrou: Alcântara Sebos.
Hanna empurrou a porta e uma sineta tocou, havia muitas pessoas lá, mas ninguém olhou para ela. O lugar a fez se sentir em casa, era escuro, um tanto sombrio, isto porque era tudo feito de madeira crua, e os livros antiqüíssimos tinham um cheiro familiar, aquilo sim era o cheiro de uma livraria! De fora o lugar parecia pequeno, mas tudo no mundo mágico era assim, tudo parecia ser o que não era e apesar das pessoas estarem vestidas como trouxas ela não se importou e foi entrando, percorrendo os olhos pelos livros. Animais fantásticos, Poções Milagrosas, Feitiços Inovadores...
— Feitiços - murmurou Hanna para si mesma, entrando naquela ala. Havia livros e livros sobre o assunto, levaria dias para descobrir o que queria, no entanto, ao olhar melhor, cada prateleira tinha subtítulos. Amor, Bestiais, Caminhos Diversos, Reencanto, Rejuvenescimento. Toda ala fora catalogada e separada em ordem alfabética. Mas o que fazer? Como se esconder de alguém que inventara um feitiço para encontrar quem tentava se esconder? Refazendo o caminho, sem ter idéia alguma além de ir morar numa floresta, os olhos dela leram: Poderes Bruxos. Ela esticou o dedo e encostou-o nos livros, passando-o sobre os títulos. Poderes que bruxos têm, Poderes que bruxos adquirem, Quais os melhores poderes?, O mal que os poderes podem trazer 1 - como utilizar o que se tem!, O mal que os poderes podem trazer 2 - Como se desfazer do que se tem! - Mas, hein? - exclamou ela retirando o último livro da prateleira e abrindo-o. Sentou-se ali mesmo e pôs-se a lê-lo. O livro falava em como tirar os próprios poderes. Não era algo tentado antes, mas parecia dar certo. Ela não leu muito mais, pegou o livro e foi até o balcão.
— Mais alguma coisa? - pediu a atendente.
— Não, apenas este, por favor - respondeu Hanna. Por sorte era uma moça nova, mascava chiclete com a boca aberta e com toda certeza não saberia quem estava a sua frente naquele momento.
Assim que a atendente colocou o livro na sacola Hanna saiu quase que correndo do sebo. Pegou o primeiro ônibus que passou e desceu num bairro pobre de Liubliana. Entrou no quarto da hospedaria e encontrou a colega caída ao chão. Tomou-a em seus braços e ela lhe deu o medalhão pouco depois de lhe contar que estava morrendo de câncer. Os bruxos não sabiam o que era aquela doença, mas pela aparência da colega era uma doença devastadora.
Hanna não demorou a aparatar na terra natal da colega para entregar à família o pertence. E a pequeníssima Basarabeasca era muito mais do que a Hanna havia desejado: um lugar retirado e sossegado como sua casinha enxaimel na Alemanha. Ela segredara aqueles desejos a Snape, quando se encontravam escondidos na casa de McNair. Era verdade que não parara de pensar nele um instante sequer, mas ele, provavelmente, já a havia apagado da memória. Todos os homens com quem ela se envolvera eram assim, não tinham ou não guardavam emoções por muito tempo. Enchiam-se facilmente das mulheres e estas existiam às pencas por tudo o mundo. Tentando se esquecer de tudo, Hanna mergulhou na leitura do livro, em sua nova casa, onde apenas a mãe continuava viva, se fez passar pela amiga morta, usando-se da metamorfomagia.


Se a lua não estivesse tão grande ou se nuvens estivessem ofuscando seu brilho, Dumbledore não teria visto Snape sentado no jardim do castelo, em frente ao lago, com as mãos na cabeça apertando os cabelos. Fazia idéia do que estava preocupando seu professor, porém, se Snape queria ficar calado, Dumbledore não poderia fazer nada para ajudar. Mas o diretor estava certo de que Snape sabia que havia mais alguém se lamentando pelo mesmo motivo que ele. Leon Pryme, de uns tempos para cá estava mais calado, apesar de ser um dos melhores alunos, ele não participava da vida social da escola. Ia para as aulas, voltava para o dormitório, ia comer e depois voltava para a biblioteca, tudo em silêncio, um silêncio que foi aumentando com o tempo.
— Senhor Pryme, tem um minuto?
— Sim, professor Snape - disse o garoto parando diante da mesa do professor. Era manhã de quarta-feira. Snape esperou que todos saíssem, se levantou, fechou a porta da sala e sentou-se cruzando os braços, olhando para o garoto.
— O que foi, professor? - perguntou Leon.
— Dumbledore me pediu para falar com o senhor!
— Falar comigo? Sobre o que, professor?
— Você anda um pouco estranho, pelo que Dumbledore diz.
— Eu, estranho? Eu só... bem... sinto falta da minha mãe - confessou Leon olhando para os livros. Snape também baixou os olhos e sentiu a voz do garoto tremer ao pronunciar a palavra mãe.
— Não teve mais notícias dela?
— Há mais de três meses - murmurou Leon - Tenho... medo de que algo...
— Não. Nada aconteceu - afirmou Snape, ajeitando-se na cadeira. - Deve ser difícil para ela ter que viver escondida. Somente isso.
— Eu nunca pensei que algo assim pudesse acontecer... Por que a condenam por causa de algo que aconteceu no passado, professor Snape? Ela fez algo de tão ruim assim?
— Eu não... eu... acredito que não! Mas as pessoas são taxativas - e Snape pensou o quão taxativo fora agindo da forma que agiu ao saber sobre a verdade que Hanna escondia, mas agora era tarde para se arrepender e ela não estava mais ali para que ele pudesse tentar se redimir outra vez.
— Eu sei que ela me mandaria uma carta somente se pudesse, mas... aconteceu alguma coisa, professor, tenho certeza!
— Vamos fazer o seguinte, esperaremos mais uma semana, se ela não escrever, você escreve novamente, certo?
— Ce... certo - respondeu Leon. Snape o acompanhou até a porta e ficou olhando o garoto se afastar corredor afora.

Hanna devorava o livro, faltavam poucas páginas para o final. Mas naquela tarde ela foi obrigada a parar de ler, pois o céu estava escuro e um forte vento indicava que logo iria chover. O sol ainda aparecia tímido no céu, mas volta e meia era escondido pelas gordas nuvens acinzentadas. Ela deixou o livro sobre a mesa e resolveu que talvez pudesse mandar uma carta para Leon, precisava dizer a ele que tudo estava bem.

Alguns dias depois, um garoto eufórico entrava no salão principal de Hogwarts.
— Professor Snape! Professor Snape!
— O que foi, senhor Pryme? - indagou Snape olhando em volta e vendo que todos estavam observando-os. - Que escândalo todo é esse?
— Ela escreveu - sussurrou Leon aproximando-se de Snape, que pegou o garoto pelo braço e o levou para fora do salão. Entraram em uma saleta e Snape apontou para o sofá, onde Leon se sentou acalmando-se.
— O que diz? Se veio correndo até mim é porque tem boas notícias - Snape falou com os braços cruzados.
— Na verdade... Eu não sei se consigo ler.
— E por que não? Se ela escreveu é por que quer que você leia - ironizou o professor.
— E se tiver algo de ruim aí? - perguntou Leon.
— Ora, vamos, me dê este papel! - resmungou Snape, arrancando o pergaminho das mãos de Leon e desdobrando-o.

"Querido Jaakko,
Finalmente pude escrever. Perdoe-me por não ter te mandado qualquer notícia. Está tudo muito difícil por aqui, muito trabalho e pouco pagamento. E você sabe que não temos a quem recorrer, apesar de ter amigos ao seu lado. Quem sabe, quando você voltar e tudo estiver bem, eu talvez lhe arranje um irmão. As coisas estão num ponto em que não há mais volta! Estou lendo bastante, como você me pediu, os livros que você tem me mandado são ótimos. Achei algumas coisas muito interessantes, contudo, difíceis de entender. Outras têm me dado algumas idéias estranhas, vou continuar lendo para poder me aprofundar mais. E isso me fez parar para pensar sobre tudo o que me aconteceu e tudo o que fiz acontecer... Eu tenho muitas explicações e desculpas a distribuir por aí. Especialmente a você, por não ter te dado a devida atenção. Outras desculpas vão a uma das pessoas que cuidaram de você..."

— O que foi? - quis saber Leon quando Snape parou de ler a carta sem motivo, mas o professor nada disse. Leon abriu os braços e ficou de pé. Snape pigarreou e continuou.

"...que o ajudou muito, sempre, e por quem tenho uma grande admiração. Tivemos nossos desentendimentos, mas ele sempre manteve acesa em mim a chama que alimentava o bem. Eu não fui sincera com ele, da mesma forma que não fui com você, não lhe contando a verdade sobre muitas coisas que achei não nos levar a lugar algum. Contudo, percebo que nunca teria contado se você não tivesse ido para Hogwarts. Eu desejo do fundo do meu coração que todas essas pessoas me perdoem, Jaakko, meu amado irmão. Espero que essas pessoas orem e Deus as ilumine para que saibam que eu não fiz nada com segundas intenções e que agi sempre da forma como me senti quando estava com elas. Sempre fui eu mesma. E, Jaakko, mais uma coisa! Espero que seus professores sejam pessoas honestas e respeitadoras, pessoas que sejam um ótimo exemplo para você.
Agora, quero saber de você. Como está? Como foi o Natal? Prometo que quando voltarmos a nos ver vou lhe dar o presente que quiser! E a escola? Espero que estejam te tratando bem. Termino aqui, mas com muita agonia porque eu queria estar ao seu lado e abraçá-lo e enchê-lo de carinhos.
Mil beijos, Helmi."

Snape dobrou o pergaminho, o entregou a Leon e, de cabeça baixa, saiu da sala. Leon apertou o papel contra o peito e correu para o dormitório escrever a resposta:

“Querida Helmi,
Fiquei muito feliz em receber notícias suas, eu temia que houvesse lhe acontecido algo. Quase escrevi para você, pedi conselho ao diretor da minha casa, mas ele me pediu paciência, parecia que ele sabia que a você estava por mandar notícias. Ele não falou nada quando leu a carta para mim, porque eu não tive coragem de lê, fiquei com medo que algo tivesse acontecido por aí. Depois que ele leu a carta ficou calado e de olhos no chão. É claro que ele não ia me dizer nada, não é? Do que ele sentia... Ele não faz a mínima idéia sobre quem você estava falando...
Quanto a mim, os estudos estão ótimos e o pessoal anda me tratando bem, isto porque Dumbledore vive andando comigo pelo pátio! Acho que ele faz de propósito só porque sou estrangeiro, mas tudo bem, ele é uma pessoa muito sábia e a gente não consegue deixar de conversar com ele. É um homem que impõe muito respeito. Acho que é nele que vou me espelhar. Você iria gostar dele.
Beijos.
Sempre seu, Jaakko.
P.S.: Não se preocupe com o presente, já tenho algo em mente!"

Ao ler a carta de seu filho, Hanna se sentiu muito mais aliviada. Parecia ter tirado um peso morto das costas. Era cedo e um jovem rapaz dormia ao lado dela, enlaçando-a pela cintura. Hanna levantou, abriu a porta e deixou o sol fraco entrar. O ar gélido trazia lembranças do chalé enxaimel na Alemanha, eram lembranças boas.
— Parece feliz - murmurou o rapaz espreguiçando-se.
— Chegou uma carta para mim - e ela se deitou. - Quer que eu a leia?
— Não, não me diz respeito. O que me diz respeito está aqui! - e ele a abraçou. Hanna deitou a cabeça no peito dele, mas não era ali que estavam seus pensamentos e, sim, a milhares de quilômetros, num lugar onde havia odiado estar, onde percebera que amava realmente o professor de seu filho.

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