Os Primeiros



A Ordem de Fênix, aliança formada pelos que apoiavam Dumbledore, continuava firme e ativa, trabalhando por baixo dos panos, sorrateira, bem debaixo do nariz daquele que deveria ser o maior aliando e envolvido: o Ministério da Magia. Continuavam se encontrando no largo Grimmauld, na casa dos pais de Sirius Black, um fugitivo de Azkaban que fora condenado pela morte de mais de 14 pessoas, dentre elas a maioria trouxa. Black estava proibido de deixar a sede da Ordem, pois a foto dele continuava espalhada por todos os setores do ministérios e por todas as delegacias de polícias trouxa, porque era considerado muito perigoso e irracional. Era animago, bruxo que podia se transformar em animais e sair por aí descontraído, altamente experiente, mas desde que um Comensal da Morte descobriu seu poder de se transformar em um grande e negro cão, Dumbledore lhe pediu encarecidamente que não saísse para não por risco a sua vida e à da Ordem. Black, porém, não agüentava ficar muito tempo preso, sentia-se deprimido e constantemente irritado, pois permanecera 13 anos trancafiado em Azkaban, guardado por horríveis Dementadores. Depois de muito matutar, arranjara um jeitinho de escapulir: com a ajuda de uma lata de tinta marrom, cujo vencimento fora ultrapassado em alguns anos, Black pintou seu pêlo e saiu livremente pelas ruas sem qualquer problema, já que não era mais um grande cão negro e sim um grande, agora sarnento e nojento, cachorro de rua.
Black era um pouco irresponsável e adorava burlar regras, mas ele sempre freqüentava o mesmo lugar quando saía, uma estalagem trouxa onde só se agrupavam bêbados. Não gostava muito das companhias, mas era ficar ali ou na casa de sua família, cheia de indesejáveis. Aqueles trouxas também não eram flores que se cheirassem e, portanto, não precisava se preocupar que algum deles chamasse a polícia, muitos dos freqüentadores eram fugitivos das cadeias locais. Já fazia meses que Black freqüentava o lugar, mas somente há três noites notara a presença de uma pessoa que era bruxa. Era uma pessoa alta, envolta em panos, vestindo cinza e sempre se encontrando com estranhos tipos trouxas, pagando a eles somas altas para que fizessem serviços. Black, porém, nunca conseguia ouvir o que é que conversavam. Também não poderia contar aquilo à Ordem já que ninguém sabia que ele escapulia de casa. Se desconfiassem... bem, nem queria imaginar.
Naquela noite, bebeu de um gole a bebida que marcava o copo pela metade e se levantou assim que a tal pessoa misteriosa o fez. Seguiu-a por algum tempo, sem se transformar em cão, zigue-zagueando pelas vielas até pensar ter sido descoberto, mas a pessoa apenas parou, tirou algo de dentro da roupa e se encostou à parede, então uma outra pessoa apareceu, e conversaram por um tempo. Black não teria seguido ninguém se não tivesse sentido que aquela pessoa era bruxa, o que na verdade não fazia sentido algum, por que ela estava naquele bar cheio de trouxas? “E por que eu estava?”, perguntou-se pouco antes de continuar seguindo a pessoa, que misteriosamente dobrou a esquina à direita e desapareceu entre muitos trouxas que perambulavam em torno de uma fogueira. Black cerrou os punhos de raiva por aqueles trouxas estarem ali.
Nos dias seguintes, ele voltou ao pub e esperou paciente. A pessoa aparecia em dias irregulares e fazia o mesmo trajeto quando se retirava do pub. No entanto, Black sempre a perdia entre os trouxas. No sétimo dia de espionagem, ele decidiu que iria esperá-la pelo caminho, na forma de cachorro, seria muito mais fácil segui-la então, e naquela noite, a única coisa que tentou atrapalhá-lo foi um chuvisco chato que teimava em cair. Mas Black não se importou, a seguiu durante vinte minutos entre vielas e trouxas, que se afastavam dele com exclamações e caretas repugnantes, provavelmente por causa de seu estado canino lastimável. Então, chegaram ao metrô... Ah, o metrô! Ele precisava agir logo ou a perderia, mas não poderia se transformar ali, apesar de estar escuro, havia um grupo de trouxas encostados à parede que dava acesso ao trem.
― Ora, o que temos aqui? - ironizou um daqueles trouxas encostados à parede. - Um mendigo perambulando por onde não deve?!
― Parece uma múmia, isso sim! - afirmou outro.
Black percebeu que os trouxas eram uma gangue de rua e temeu pela pessoa sozinha, mas lembrou-se que ela era bruxa, assim, só os acompanhou de longe.
― Ei! Estamos falando com você! - gritou um dos trouxas correndo. E sem que a pessoa misteriosa se desse conta, foi agarrada por trás por dois trouxas, outro deles lhe passou um canivete pelo pescoço, sem a cortar, apenas como aviso. Os demais trouxas se aproximaram, o mais gordo ficou à frente.
― Geralmente não pedimos mais do que duas libras pra deixar alguém “entrar” no metrô - disse o gordinho com a voz esganiçada -, mas você pareceu pedir pra gente vir aqui! Porque está se escondendo?
A pessoa não respondeu. Enquanto isso, os outros trouxas a revistavam e lhe tiraram tudo o que tinha nos bolsos. Estranhamente, um dos trouxas passou a mãos lentamente por entre as pernas da pessoa e falou grosserias. Quando Black viu o gordo pegar uma varinha na mão, algo lhe dizia para tomar qualquer atitude. Black não queria aparecer, não poderia, mas precisava fazer algo. Quando silvos altos e intermitentes começaram a reboar pelo metrô, os trouxas deram no pé levando consigo tudo o que tinham tirado do bruxo, empurrando-o contra um banco de ferro, onde este bateu com as costas derrubando-o. Black não hesitou e pouco antes deles se afastarem muito, gritou:
― Accio... - todos os objetos que a gangue havia roubado vieram parar em suas mãos. Black então se aproximou da pessoa. - Me dê sua mão! Deixe ajudá-lo! - disse, mas foi empurrado para longe com força. - Ei!
― Devolva o que é meu! - disse a pessoa atirando-se agressivamente para cima de Black, que por um fio quase não conseguiu segurá-la!
― Calma lá! Vi o que fizeram com você! Não sou um deles! - tentou se defender, mas a pessoa estava tão decidida a tentar algo contra ele, que Black foi obrigado a usar força muscular. Imaginou que seriam longos minutos de luta para conseguir se livrar daquela situação, mas não foi preciso mais do que um aperto nos pulsos para saber que já tinha dominado a pessoa, que agora se debatia presa.
― Dá para se acalmar? Eu não vou fazer nada com você! - resmungou impaciente, chacoalhando a pessoa. - Já disse que só quis te ajudar! - Naquele instante, tudo se esclareceu: o pano que envolvia a cabeça da pessoa caiu e longos e negros cabelos lisos soltaram-se sobre o rosto de Black. Era uma mulher, uma bela mulher. Black diminuiu a força com que a segurava e observou o rosto, os olhos dela... com o queixo caído. Por um instante, a mulher também parou de se debater e seus olhos se encontraram... os castanhos dele e os negros dela, que pareciam duas grandes turmalinas.
SPLETCH! Esse foi o barulho da bofetada que acertou a cara barbada de Black, e que só começou a arder minutos depois, quando ele se deu conta de que a mulher já estava entrando no metrô. Num pulo, Black entrou no trem e parou defronte a mulher, sorte dele os dois serem os únicos naquele vagão porque Black não pensava no risco que estava correndo, qualquer um poderia reconhecê-lo, havia até um mural exibindo uma foto sua.
― O que você quer? - perguntou a mulher num tom alto, sem oscilação, com certa desconfiança. Black não respondeu logo, ficou observando-a por algum tempo.
― Eu... bem... Desculpe se a assustei! Não foi minha intenção! Apenas vi o que aqueles homens estavam...
― Se deseja que eu lhe agradeça, muito bem! Sou-lhe muito grata! Agora, se não se importa, me dê licença! - disse ela como se estivesse ocupadíssima, sentando-se a dois metros de distância dele. Black ficou de pé por um tempo, até se dar conta de que estava num lugar público trouxa que, talvez, a qualquer minuto, poderia se encher de pessoas. Além disso, Black não fazia a mínima idéia para onde aquele transporte o estava levando.
― Este metrô é o último da noite, vai parar no depósito que os trouxas chamam de estacionamento. A última parada é em...
― Eu sei onde é! - respondeu Black não querendo parecer bobo, mas agradecido por ela lhe dizer, mesmo não sabendo como ela adivinhara a necessidade dele.
― Muito bem, então! - finalizou, desviando o olhar dela para a janela à frente.
Os dois permaneceram em silêncio até o vagão parar e abrir as portas. Black podia jurar que a mulher não tirava os olhos dele. Mesmo estando parado bem ao lado da porta, ele deixou que ela saísse por primeiro e ouviu um agradecimento por conta daquilo. Assim que desceram, o vagão se afastou ganhando velocidade. A mulher saiu andando pela esquerda enquanto Black ficou ali parado, sem saber onde estava e tentando enxergar nas paredes ao longe e mal iluminadas se havia algum quadro de avisos.
― Tolo, idiota! - resmungou metendo as mãos nos bolsos depois de erguer a gola do casacão. - Deve estar há quilômetros de Grimmauld!
Black saiu olhando para a direita onde havia uma grande escadaria, precisava subir e ver onde estava, caso contrário não teria noção alguma. Ouviu alguém chamar, mas não olhou, era provável que os tais trouxas o haviam seguido, já não sabia.
― Ei! - disse uma voz, cujo dono cutucou no ombro de Black com o dedo. - Você tem que pegar um táxi para chegar em... onde você mora! - Black se virou, e a bruxa de cabelos longos e negros estava ali parada atrás dele. - Perdeu a língua, é? - disse ela, mais calma agora. - Pode pegar um ali adiante!
― Ah... claro... acontece que... bem... estou se um tostão. Vou andando mesmo! - “Desculpa esfarrapada! Ela não vai cair!”, foi o que ele pensou. A mulher pareceu muito espantada, mas logo retirou essa expressão do rosto.
― Tome, aqui estão algumas libras. Acho que dá para pagar um táxi. E da próxima vez, poderia tentar guardar o dinheiro para voltar para casa!
Black nem teve tempo e palavras para responder. Ela fora tão espontânea, tão prestativa, será que ela não desconfiava quem ele era?
― O... obrigado!
― Venha. Os táxis estão para cá - disse puxando-o pela mão. E pela primeira vez depois de sair de Azkaban, ele se sentiu envergonhado por sua aparência. Queria se livrar da mão dela, mas era tão quente e macia, e a moça estava tão decidida a levá-lo a um táxi, que não fez qualquer objeção. - Aqui está - continuou. - Não há nenhum agora, mas se esperar um pouco... sei que um que faz ponto aqui - e olhou para os dois lados na esperança de um carro aparecer para confirmar o que dizia.
― Obrigado, mesmo assim!
― Tudo bem. Boa noite - falou e saiu encolhendo-se por causa do frio.
― Espere! - gritou Black num tom não muito alto. - Moça! - Ela se virou. - Como... que... Qual é o seu nome? Como faço para encontrá-la e pagar o que devo? - perguntou tentando arrancar algo dela. A moça olhou para ele, sorriu e voltou a andar, mas antes de virar a esquina, disse:
― Você conhece o bar que freqüento! Acerta as contas comigo na próxima vez em que nos encontrarmos.
Black sorriu. Sorriu como não fizera desde seu reencontro com o sobrinho, que há anos não via, e sentiu algo como um alívio. Não, não era um alívio, era um peso a menos dentro de seu peito. Olhou em volta, a rua estava deserta, saiu do ponto e entrou num parque, onde se transformou em cachorro e voltou correndo - o que levou mais de uma hora -, para o largo Grimmauld.

Duas semanas antes do natal, notícias chocaram professores, alunos e também os que estavam fora de Hogwarts, o profeta Diário, jornal bruxo, estampava na primeira página: “Azkaban foi libertada!”, e seguia-se uma nota com mais de quarenta linhas relatando sobre como os dementadores se voltaram contra os funcionários do Ministério e soltaram todos os prisioneiros, ou pelo menos aqueles que continuavam sãos. Tamanha era a agitação que Dumbledore foi obrigado a receber pais amedrontados que queriam tirar seus filhos de Hogwarts e levá-los para longe. Dumbledore, porém, não admitiria que nenhuma criança fosse levada dali, mas não poderia impedir os pais de vê-las, de saberem que tudo estava bem. Liberou todos os alunos para irem a Hogsmeade, num sábado, a encontrar os pais. Professores e funcionários da escola os escoltavam, entretanto, Leon era o único que continuava em Hogwarts.
― O que faz ainda aqui, senhor Pryme? - perguntou Snape muito desconfiado, depois de ter encontrado Leon sentado no topo da escadaria de mármore, deitado, lendo descontraído um livro.
― Esperando - respondeu o menino, sentando e levando os olhos para o portal principal de Hogwarts, que ficava há muitos metros dali.
― Esperando quem? Todos já foram a Hogsmeade!
― Sim, professor. Mas não posso sair, tenho que esperar aqui! - murmurou espremendo algo entre os dedos.
― Pois bem, faça o que quiser! - retrucou o professor, que tomou seu caminho para Hogsmeade, precisava ficar de olho em tudo e em todos que parecessem suspeitos. Voldemort poderia atacar a qualquer hora.
Quando estava quase chegando ao portal, Snape viu uma mulher aparatando mais além da entrada. Ela passou calmamente por ele sem cumprimentá-lo, olhando fixo para frente. Era a mesma mulher que viera ver Dumbledore durante a reunião dias antes do ano letivo começar. Era a mãe de Leon. Snape seguiu em frente, mas não conseguiu resistir, metros adiante, e virou-se a tempo de ver mãe e filho se abraçando lá atrás.
― Meu querido! - disse a mulher segurando o filho pelos braços. - Você está bem?
― Estou ótimo! - respondeu Leon afastando-se da mãe, mas segurando a mão dela. - Hogwarts é incrível! Muito melhor do que Durmstrang - isso fez com que ela arregalasse os olhos. - O castelo é todo cheio de incríveis encantamentos, tudo é agitado, mas também calmo. A comida é maravilhosa e o alojamento é... como se estivesse em casa!
― Fico feliz em ouvir isso!
― Os professores são um pouco excêntricos, mas sabem muita coisa, mãe!
― Que bom, querido!
― Fiz muito amigos, até do quinto ano! Todos estão admirados com isso porque disseram que é difícil um novato agradar o Malfoy...
― Mal..foy? Você disse?
― Sim. Draco Malfoy! Ele é muito legal!
A senhora Pryme voltou a abraçar o filho e o apertou com força.
― O que foi, mãe? - perguntou ele.
― Nada! - disse ela com lágrimas brotando nos olhos.
― Mas - balbuciou o menino ao ver sua mãe emocionada e ouvindo-a falar com a voz falhando.
― Só estou com saudades... É difícil ficar sem vê-lo todos os dias!
― Teria sido assim em Durmstrang! - respondeu ele.
― Sim, mas lá eu seria sua professora! - e ela voltou a abraçá-lo. - Prometa-me, querido, que não fará nada sem me consultar!
― Mãe, não estou entendendo.
― Prometa-me, filho!
― Tudo bem, eu prometo - afirmou desconfiado. - O que está acontecendo?
― Nada - respondeu ainda abalada. - Preciso ir, não que eu queira, gostaria de passar o dia todo com você, meu querido, mas aqui é mais seguro!
― Se a senhora diz! - murmurou ele.
― Sim, enquanto estiver perto de Dumbledore tudo ficará bem! - e dizendo isso ela se despediu e saiu pelo portal, desaparatando depois de tomar certa distância. O menino a acompanhou até ela desaparecer e só então notou que o professor de Poções estava ali. Leon parou ao lado dele, que o encarou.
― Sua mãe tem razão, senhor Pryme. Ninguém deveria sair de Hogwarts! – disse Snape. O menino voltou a olhar para o lugar onde a mãe desapareceu.
― É estranho...
― Sim, é estranho ficar confinado, mas é perigoso se arriscar.
― Não, não é isso! - retrucou o menino interrompemdo o professor. - Estranho é ver minha mãe agir dessa forma - Snape ergueu uma sobrancelha e olhou para o menino -, eu nunca tinha visto minha mãe chorar antes!


CONTINUA...

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