A Mui Antiga e Protegida Casa



A Mui Antiga e Protegida Casa dos Black

Lupin apareceu no dia seguinte logo após o café da manhã. Disse que a madrinha de Harry estava lá fora esperando por ele.
Não era exatamente aquilo que ele queria. Queria marcar um encontro, para ter tempo de preparar exatamente o que falar. Olhou para os amigos como que pedindo ajuda, mas eles apenas deram de ombro e indicaram a porta com as cabeças. Harry se levantou a contragosto e saiu.
Roxanne estava encostada a um muro, usando um peado casaco e peles, calças jeans e botas de cano alto. Os cabelos levemente grisalhos estavam presos num coque displicente e ela olhava a paisagem com uma expressão de tédio.
Harry reparou nas feições da bruxa e pensou o que sua mãe vira naquela mulher para considerá-la uma grande amiga a ponto de convidá-la para sua madrinha.
- Bom dia! – falou mais grosseiro do que queria parecer.
- Oi Harry! Legalzinho aqui... Tudo bem com você?
As entranhas do garoto reviraram. A mania de falar tudo no diminutivo, como se desprezasse qualquer coisa além de si mesma que Roxanne tinha, fazia Harry detestá-la. Ele se controlou para não da uma resposta mal-criada e estragar a chances de se aproximar do medalhão.
- Tudo bem – respondeu tentando travar um início de conversa mais amistoso que todos os outros que tiveram.
- O Lupin me disse que você tinha um assunto urgente para tratar comigo.
- É... - começou o rapaz.
Pronto, agora ela tocou no assunto e ele não sabia o que dizer. Como abordar a questão sem acusá-la de nada.
- Eu queria saber – continuou ele – por que você ficou esse tempo todo afastada. É importante pra mim!
Rapidamente ele baixou a cabeça, evitando que a madrinha lesse a palavra mentiroso gravada na testa dele. Mas esse ato surtiu um efeito bem melhor do Harry poderia imaginar. Roxanne entendeu que ele baixara os olhos porque estava emocionado.
- Eu não sei como lhe explicar, Harry...
- Tente, eu preciso mesmo saber! – falou ainda sem levantar a cabeça.
A bruxa olhou para os lados. A neve não caía desde a tarde passada e o vento diminuira bastante.
- Vamos caminhar um pouco – chamou Roxanne – No caminho eu te conto o que aconteceu!
Harry seguiu a madrinha dando uma distância de uns dois passos atrás. Ainda estavam constrangidos com a situação e nenhum dos dois queria quebrar aquele silêncio.
Alcançaram uma praça completamente vazia. O gelo que derretia dos galhos das árvores desfolhadas pingava insistentemente no chão. A estátua de um homem que nenhum dos dois fazia questão de saber quem era, também estava mais molhada que o normal. Os bancos de madeira e ferro não eram muito convidativos, mas Roxanne se sentou em um deles e Harry entendeu que deveria fazer o mesmo e quando o fez, encarou um ponto distante, sem ter que olhar para a bruxa a seu lado.
- Eu nem sei por onde começar – disse Roxanne.
Harry deu uma risadinha encorajadora.
- Olha, foram muitas coisas que me fizeram ir embora, Harry. Mas nenhuma delas tem a ver com você. Eu fazia parte do grupo de aurores. Formei no curso antes do que o normal e comecei a fazer as mesmas coisas que a namoradinha do Lupin faz hoje.
Ela fez de novo – pensou Harry, evitando defender Tonks aquela vez para não interromper a madrinha.
- Trabalhei muito naquela época. Mas eu era jovem, sabe? Queria curtir a minha juventude e...
- Você abandonou tudo para curtir a juventude? – perguntou Harry sem se conter, imaginando como alguém poderia curtir alguma coisa com Voldemort espalhando medo e destruição por todo lado.
- Não, Harry! Eu não abandonei tudo por isso. Pelo menos não diretamente. O que eu quis dizer é que apesar do trabalho e de tudo o que estava acontecendo eu sempre arrumava um tempo para os meus amigos, para sair, me divertir e... para me apaixonar.
Uma paixão? – pensou o rapaz vendo a madrinha ruborizar e parecer perder a pose pela primeira vez desde que a conhecera – Mas se ela estava tão sem graça de se apaixonar, só podia ser uma paixão proibida.
O cérebro de Harry, já predisposto a sempre pensar o pior de Roxanne começou a fantasiar se a madrinha não se apaixonara pelo seu pai, traindo a confiança e amizade de sua mãe.
- Mas seria muito embaraçoso assumir essa paixão na frente de todos – continuou Roxanne – Acho que ninguém poderia entender como isso aconteceu! Minha família jamais ia aceitar...
O estômago de Harry dava voltas e ele sentia seu coração bater descompassado dentro do peito como se lutasse para sair de dentro dele.
- O pior foi quando eu conversei com sua mãe e ela me fez ver que tudo aquilo era realmente uma loucura!
Ela conversou com a minha mãe sobre isso? Então, ela não estava falando do meu pai... Não, ela não teria a cara de pau de chegar pra conversar com a minha mãe se estivesse interessada no meu pai. Mas, então, que outra pessoa a família dela poderia proibir?
Harry conheceu a irmã de Roxanne, Amélia Bones, há dois anos quando teve que se apresentar a uma audiência disciplinar no Ministério. A bruxa pareceu, na época, uma mulher muito centrada, sem predisposições a julgamentos e idéias preconceituosas. Tanto que Harry lamentou e muito o seu assassinato. A sobrinha delas, Susana Bones, estudava com ele em Hogwarts e sempre pareceu ter o mesmo caráter da tia.
Pensando em todas as possibilidades, a única que ocorreu a Harry que poderia despertar algum receio por parte da família de Roxanne era se ela se apaixonasse por um lobisomem. O mesmo receio que a família de Fleur apresentou quando soube do ataque sofrido por Gui.
- Você se apaixonou pelo Lupin? – perguntou tentando não pensar no que isso poderia afetar a vida de Tonks.
- Não, Harry! De onde tirou essa idéia? – respondeu indignada.
- Então eu não entendo mais nada... Conheci algumas pessoas da sua família e nenhuma delas me pareceu preconceituosa o bastante para implicar com alguém que você tivesse escolhido – retrucou sem saber o que dizer para a madrinha.
- Ah, Harry! Eu nunca poderia me apaixonar pelo Lupin, ele e eu éramos muito amigos. E é assim até hoje!
- Então, se é assim com o Lupin, também foi assim com o meu padrinho? Quero dizer, minha mãe não escolheu você para minha madrinha porque você e Sirius eram um casal?
- Não, sua mãe não me escolheu por isso. E eu também nunca me interessei pelo Sirius...
- Você pode me contar por quem se apaixonou?
Ela pensou um pouco e depois meneou a cabeça, dizendo:
- Acho que não vai ter muita importância. Ele já morreu... Há muitos anos foi assassinado por Voldemort.
- Era um auror?
- Não, esse era o problema. Eu me apaixonei por um comensal, Harry.
O garoto ficou sem saber o que dizer. Fitou a madrinha como se a visse pela primeira vez. Não esperava ouvir aquela revelação e ficou imaginando o quanto deve ter sido duro para ela encarar o fato. Roxanne era uma auror e seu trabalho era combater e prender os comensais da morte. O destino foi muito cruel ao fazê-la se apaixonar pelo inimigo.
Mas entre tantos pensamentos, Harry não conseguiu de pensar numa coisa e teve que perguntar à madrinha:
- Você foi, digo, correspondida?
Ela deu um sorriso saudoso e Harry viu o quanto ela devia ter sido encantadora na juventude, antes de assumir aquele aspecto arrogante que aparentava nos dias de hoje.
- Fui... E isso é o que dói mais!
A conversa tinha tomado tal rumo que agora Harry realmente não fazia idéia de como mencionar o medalhão.
Roxanne respirou fundo e chacoalhou a cabeça espantando os fantasmas do passado. Encarou o afilhado e falou:
- Desculpe-me! Acho que não era nada disso que você queria ouvir.
- Não é isso... É que, quando eu soube que você já foi auror, pensei que tivesse fugido por ter feito alguma coisa contra Voldemort - apressou-se em responder.
- Não posso dizer que não fiz nada. Eu rastreei uma boa parte dos comensais que o Moody prendeu. Além disso, o tal comensal por quem me apaixonei queria desertar.
- Foi só isso? Digo, não teve nada além disso?
- Pode falar exatamente o que você quer saber, Harry. Não vou me chatear com você.
- Está bem! Você se lembra da reunião da Ordem no Cabeça de Javali?
- Sim, lembro bem!
- Eu falei sobre alguns objetos que Voldemort fez. As horcruxes que Dumbledore me pediu para continuar buscando.
- Eu lembro dessa parte também.
- O que acontece é que uma delas sumiu e foi substituída por uma falsa.
- E você imaginou que pode ter dedo meu nesse sumiço a troco de quê?
- Eu sei que as magias usadas na proteção do objeto não foram desfeitas...
- E você concluiu que a pessoa que fez isso deveria ser um animago. Muito justo, mas por que exatamente eu?
- Pelo modo como você salvou a Hermione, pelo fato de ter se escondido esse tempo todo e pelas letras – explicou Harry.
- Quais letras?
- Havia um bilhete junto da Horcrux falsa. Um bilhete deixado pela pessoa que a encontrou e estava assinado com as suas iniciais: R, A, B.
Por um instante Harry acreditou ter desvendado o mistério do medalhão. Ele viu as cores sumirem do rosto de Roxanne e os olhos perderem o brilho. A boca chegou até a abrir um pouco, numa clara e evidente expressão de espanto.
- Não fui eu quem pegou esse objeto, Harry. Eu lhe dou a minha palavra que não fui eu. Apesar de me sentir responsável por isso também!
A voz de sua madrinha perdia pouco a pouco a altura e firmeza. Ela agora lembrava uma ave que perdia as penas e se sentia sozinha e com frio no meio de um inverno rigoroso.
- Sabe, agora eu entendo porque ele morreu...
- Ele? Ele que você diz é o...
- O “meu” comensal. Ele me prometeu que faria alguma coisa para provar para minha família que estava mudado. Só pode ter sido isso.
- Qual o nome dele? Você se importa em dizer? É que eu preciso encontrar um jeito de saber se o objeto foi destruído ou não.
- Eu não me importo em dizer o nome dele. Não depois de ter lhe contado tudo isso e depois de saber que ele realmente se arriscou para poder ficar comigo. É um alívio doloroso descobrir isso depois de tanto tempo. O comensal por quem eu me apaixonei, Harry, era o irmão mais novo do seu padrinho, o Régulos.
As palavras entraram pelo ouvido de Harry e ele sentiu que começava a encontrar as peças de um grande quebra-cabeça. Nunca dera a devida importância ao fato do irmão de Sirius ter sido assassinato pelo próprio Voldemort. Nunca reparara na obsessão dos Black em manter a casa sob sigilo e cada peça devidamente pregada na parede. Sendo uma família tão esnobe, o normal seria mostrar a casa e seus ricos objetos de arte e despertarem a inveja nas outras famílias.
Sem se dar conta, ele levantou de súbito, deu um beijo na bochecha da madrinha, agradeceu as informações e disse que precisava correr.
- Aonde você vai, Harry? – ela perguntou antes que ele saísse.
- Vou encontrar esse medalhão, nem que eu tenha que colocar uma casa abaixo pra conseguir isso!
Ele deu as costas e correu animado para casa. Precisava chegar o quanto antes, e desta vez, todos os moradores do n° 12 do Largo Grimmauld teriam que ajudar.
Assim que entrou na casa procurou os amigos e falou quase sem fôlego:
- Está aqui! Ele está aqui...
- Ele quem? – perguntou Rony.
Harry se jogou no sofá mais próximo, as mãos apertando o lado da barriga dolorido pelo excesso de exercício misturado ao ar gelado do inverno rigoroso. Fez uma careta enquanto respirava o ar aquecido da casa.
- O medalhão! Não está com a minha madrinha. Está aqui na casa...
- Como assim, Harry? – indagou Hermione, largando o livro sobre objetos lendários pego da loja do Sr° Borgin.
- RAB não são as iniciais da minha madrinha, são as iniciais do irmão do Sirius. Ele era um comensal. Vocês lembram do Sirius contando que ele foi morto pelo próprio Voldemort... Olha, depois eu explico tudo com calma! Mas agora vamos começar a procurar. Eu sei que esse medalhão está aqui!
Eles se levantaram sem saber ao certo por onde começar. Havia tantos armários e objetos sinistros na casa que eles decidiram dividir as tarefas.
Enquanto as garotas revistavam os armários, Harry e Rony tiravam as cabeças dos antepassados de Monstro e procuravam qualquer indício de compartimentos escondidos tanto nas peças de madeira que sustentavam os bizarros ornamentos, quanto na pele empalhada de cada um.
A medida que tiravam as cabeças de elfos da parede, os rapazes não se preocupavam em colocá-las de volta, deixando uma visível tonalidade diferente no velho papel de parede.
A Srª Weasley, vendo o movimento se interessou pelo trabalho dando sugestões de como remover alguns fungos e outras pragas que tinham o costume de se espalhar pela mansão.
- Mamãe – falou Rony zangado – Não estamos fazendo faxina. Estamos procurando um objeto muito importante que Harry precisa para destruir Voldemort.
A bruxa perdeu a cor diante da postura forte do filho que não só a peitava diante de todos como também ousava pronunciar o nome do Lorde das Trevas.
Houve um silêncio magoado entre os dois, mas logo a mãe de Rony brandiu sua colher de pau e falou, tão determinada quanto o filho:
- E vocês acham que vão dar conta de revirar todos os lugares dessa casa assim, sozinhos?
Imediatamente, ela começou a dar pancadinhas com a colher de pau nos degraus da escada, verificando quais eram ocos e fazendo as tábuas saltarem com feitiços. Checava o interior da madeira, normalmente recheada de poeira e teias de aranha e tornava a refazer os degraus.
Assim, cada membro da família Weasley ou da Ordem que chegava a casa, se via envolvido pelo trabalho de revirar cada canto, procurando o que Harry indicava: um pesado medalhão dourado, com um S trabalhado em cima, recoberto de pedrinhas verdes.
Tonks revirava com gosto os armários dos quartos que pertenceram à família que menosprezara sua mãe. Fazia isso com tal felicidade, sem se importar em pisotear um ou outro objeto, que Harry se lembrou de Sirius na mesma hora. Ele também se sentiria satisfeito ao se livrar das “mui antigas tranqueiras dos Black”.
A casa estava quase toda livre de cortinas, tapetes, colchas e objetos sem utilidade. Tudo o que não servia era despejado no hall. Com os andares superiores completamente revistados, eles partiram para a cozinha.
Não havia como esconder algum objeto ali, mas ainda assim, a Srª Weasley e Hermione se juntaram para desvendar compartimentos ocultos nas pedras. O único compartimento revelado foi a toca de Monstro.
Ali dentro havia uma grande quantidade de objetos que eles teriam que verificar. O elfo, antes e ser mandado para Hogwarts, reuniu tudo o que pode de sua antiga família e guardou em seu “quarto”.
A maioria dos objetos de uso pessoal, entre os quais foram encontradas um par de calças do pai de Sirius, Orion Black, e um vestido de Walburga Black, a matriarca da família, estavam completamente coberto por uma camada úmida e fedorenta de mofo.
Os porta-retratos com vidro estilhaçado por cima, os pentes, brincos, porta-jóias da família foram engrossando a pilha de tralhas no hall. Foi Hermione que entrou na toca escura e imunda do elfo para vasculhar os cantos mais afastados do alcance das mãos.
E foi de lá que ela saiu vitoriosa, trazendo entre as mãos um pesado medalhão, escurecido pela fuligem que cobria grande parte das paredes do “quarto” de Monstro. O rosto da garota exibia um pouco da sujeira encarada na tarefa.
Com os olhos brilhando, todos se reuniram ao redor da mesa vendo o medalhão ser cuidadosamente colocado sobre um pedaço de pano. A mãe de Rony fez menção de limpar o objeto com um feitiço, mas Harry apenas colocou a mão na frente impedindo-a.
- Não sabemos com o que estamos lidando. É melhor não arriscar! Qualquer sinal de magia próxima ao medalhão pode provocar um estrago surpreendente. Acho que vamos ter que fazer isso ao modo trouxa. – avisou o rapaz.
Gina buscou uma vasilha com água e outros pedaços de pano de limpeza. Começaram a esfregar o medalhão com calma, sem empregar muita força, mas o suficiente para remover as camadas e mais camadas de sujeira acumulada.
A tensão era visível não só no rosto dos presentes, mas também no ar que os cercava, dificultando a respiração de cada um na cozinha. O barulho do pano sendo torcido e passado sobre a peça de metal era o único som no ambiente.
Quando a última camada de sujeira deixou uma parte do medalhão, o olhar de desapontamento de Harry para os demais indicou que aquele era um alarme falso. O medalhão que Monstro guardara era prateado. Harry precisava encontrar um medalhão daquele mesmo tamanho, porém de ouro.
Apesar da frustração, pediu a Gina que continuasse a limpar o objeto e viu surgir aos poucos o brasão dos Black. Era um medalhão bonito, que seguramente guardava alguma coisa dentro, possivelmente a foto dos donos.
- Está emperrado – falou tentando forçar a pequena trava que mantinha o medalhão fechado.
- Acho bom nem abrir, o mínimo que você vai encontrar aí é uma foto horrorosa da mãe do Sirius – comentou Gina.
- É isso! É a mãe do Sirius. Ela esconde a horcrux – falou Harry empolgado.
- O quê? – perguntou Rony.
- É, nas minhas visões eu caio pelo quadro quando ela me acerta com aquele anelzão de esmeralda. Então, a hocrux deve estar escondida atrás do quadro.
- Mas ninguém consegue tirar o quadro da parede – lembrou Hermione.
Harry olhou para a porta que dava para o andar de cima. Ali, muito próximo, estava o quadro de Walburga Black, muito quieto depois da discussão inflamada com a Srª Weasley, quando esta ameaçou destruir toda casa com cupins.
- Só tem uma pessoa capaz de fazer isso! – falou em voz baixa – Monstro! Preciso de você!
O elfo magicamente surgiu, com o estalo seco parecido com a aparatação, em cima do fogão aceso. Sentiu os pés queimarem e pulou sentado no chão, onde olhou para seu senhor de cara amarrada.
Harry ia se levantar quando Hermione segurou seu braço e pediu:
- Vai com calma, por favor!
Mas Harry já havia bolado uma estratégia. Ganhar a confiança de Monstro, ou melhor, comprar a confiança de Monstro dando-lhe alguns presentes. Nada que fosse roupa.
- Monstro, você está em Hogwarts há um ano e meio certo?
O elfo apenas balançou a cabeça, cujas orelhas longas e pontudas chacoalharam junto.
- Mas acho que não gosta tanto de lá quanto daqui... Lá não tem nada dos Black, não é mesmo?
Monstro olhou desconfiado para Harry. Não gostava de seu novo senhor, ele era mestiço e isso, para sua antiga família, era inconcebível.
- Eu pensei que talvez você quisesse levar alguma coisa daqui para enfeitar sua toca no castelo.
Os olhos da criatura brilharam ambiciosos.
- Mas para levar o que quiser daqui, você precisa fazer uma última coisa. Precisa retirar aquele o quadro da mãe do Sirius da parede.
- Monstro fica muito feliz em saber que Harry Potter quer ajudar Monstro impondo condições. Monstro acha muito certo.
Harry não deu atenção para o sarcasmo do elfo e simplesmente perguntou:
- Então aceita?
O elfo deu um sorriso horroroso, misto de cinismo com real felicidade, e respondeu:
- Mesmo que Monstro quisesse muito o quadro de sua senhora, ele não poderia tirar quadro da parede.
- Monstro, eu sou seu novo senhor e ordeno que diga a verdade! – impacientou-se Harry.
- Monstro diz a verdade. A magia que prende o quadro da parede é maior e Monstro não pode desfazer!
- Mas eu preciso saber o que tem atrás do quadro! – exasperou o menino, perdendo o controle.
- Isso Monstro pode responder – informou o elfo – Se Harry Potter aceitar ser generoso.
Harry encarou os enormes olhos do elfo-doméstico ali, quase na altura de seus joelhos. A criatura tentava barganhar alguma coisa e para destruir Voldemort, Harry estava disposto a ceder.
- Qual a sua condição?
- Monstro quer servir a outro senhor.
A resposta saiu num sussurro que ficou ecoando na cabeça do rapaz. Libertar Monstro era algo que ele queria há muito tempo. Mas Dumbledore o impediu na ocasião dizendo que ele poderia dar muitas informações sobre as atividades da Ordem.
No entanto a Ordem não se reunia diante do elfo há quase 3 anos e talvez esta seria a única oportunidade de encontrar o verdadeiro medalhão.
Mas e se o medalhão não estiver atrás do quadro? – pensou receoso.
Nenhum dos amigos deu qualquer sinal de interferir na decisão de Harry. Engolindo em seco, ele fechou os olhos e sentenciou:
- Eu o libertarei para servir a quem quiser, Monstro!
As palavras deram novo ânimo ao elfo-doméstico, que sorriu verdadeiramente feliz e disse para que Harry o seguisse.
Eles desceram as escadas e logo alcançaram a cozinha. Monstro parou diante do seu antigo ninho e guinchou de raiva ao ver tudo limpo e sem os pertences do Black que ele deixara ali antes de partir.
- Você terá novos senhores em breve, Monstro. E eles não vão aceitar que você leve malas para lá – lembrou Harry.
Monstro guinchou alguns insultos e entrou no pequeno espaço que lhe serviu de ninho. Tateou a parede ao fundo e achando um lugar em particular, enfiou os longos dedos em algumas ranhuras nas pedras e empurrou com força. A pedra ao fundo cedeu e um clarão entrou pelo ambiente.
Ele fez sinal para que Harry o seguisse e os demais entraram atrás dele. A passagem que se abriu dava para uma estufa há muito abandonada. As plantas que antes deveriam ser exuberantes e bem cuidadas, foram cobertas e mortas por ervas daninhas e trepadeiras com flores escuras que exalavam um perfume muito parecido com cheiro de carne podre.
As raízes saíam dos vasos e se espalhavam pelo chão, cobrindo tudo com um marrom-esverdeado que davam ao ambiente um aspecto demasiado sombrio. O teto era feito de vidro, numa espécie de clarabóia ricamente trabalhada. As vigas de ferro que sustentavam as placas de vidro translúcido formavam o brasão dos Black.
Junto da parede em que, do outro lado da sala deveria estar o quadro de Walburga Black, havia um pesado baú de madeira escura e nobre. Harry olhou determinado primeiro para os amigos e depois para o baú, enquanto se encaminhava para lá.
Estava quase com as mãos no trinco, quando Monstro entrou em sua frente.
- Este baú guarda tesouro dos Black!
- Não há nenhum Black que consiga entrar nesta casa, Monstro! E queira ou não, o que tem aí dentro me pertence, assim como você ainda me pertence – lembrou Harry com agressividade.
O elfo saiu do caminho e Harry forçou a fechadura. Não havia feitiços protegendo o baú, pois os Black não acreditavam que ninguém, além deles, conseguiria chegar até ali. O coração de Harry acelerava a medida que levantava a pesada tampa.
O interior do baú foi iluminado pela fraca luz da lua que entrava pela clarabóia. A um canto, um brilho suave e amarelado refletiu nos óculos do garoto e os amigos sentiram que a busca havia terminado.
Com um leve tremor nas mãos, Harry se abaixou e pegou o medalhão de ouro. Era pesado, com um S bem trabalhado em cima e cravejado de esmeraldas. Harry virou o medalhão nas mãos e admirou como a jóia fora bem feita. A insígnia em sua superfície era claramente a representação de três coisas: primeiro, a inicial de Slytherin; segundo, a desenvoltura de uma cobra, animal apreciado por todos os descendentes de Salazar, que também retratava o veneno que corria na alma de cada um deles. Por último, Harry notou que o começo e o fim da letra quase tocavam o meio, formando sutilmente um símbolo que parecia o número 8.
- Infinito – murmurou Harry lembrando das aulas de matemática na escola trouxa e sentindo um frio sobrenatural envolver suas mãos.
A idéia de infinito naquele medalhão fez Harry ter mais medo do futuro. O que será que Slytherin pretendia com aquilo? Será que o símbolo significava que a maldade de seus descendentes nunca teria fim?
Sem falar nada, mas lançando em direção aos amigos um olhar significativo, ele apertou o medalhão entre as mãos e aparatou. Só havia uma pessoa que merecia destruir aquele objeto e ela estava escondida na Floresta Proibida.

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