Em Godric's Hollow



Os dias seguiram rápidos com o aumento das atividades dos membros da Armada de Dumbledore. Entrementes, Harry se irritava por não conseguir dar prosseguimento ao plano de pesquisar a vida de Voldemort, mas sabia a importância do treinamento que estava recebendo.
Outra coisa que o deixava perturbado era o sumiço do Mapa do Maroto. Desde esse dia, ele e os amigos não puderam mais checar se o intruso misterioso passeava pelo castelo.
O primeiro fim de semana desde o início do treinamento puxado oferecido pelos bruxos da Ordem foi recebido com um cansado entusiasmo. Todos, sem exceção queriam se jogar sob uma árvore no jardim do castelo e ficar de bobeira, olhando o céu sem pensar em nada.
Levantaram particularmente tarde, já que o treinamento de sexta-feira com Tonks tinha se estendido até as duas da manhã, graças a uma autorização especial de McGonagal. Tonks insistira que eles precisavam de um treinamento de resistência e os deixou parados, estáticos, durante duas horas e meia.
Quem não conseguisse ficar quieto o bastante teria que pagar uma prenda na frente dos outros. Tarefa que seria escolhida pelos próprios colegas. Ao final, Fred e George tiveram que dançar uma valsa juntos, Neville teve que imitar um pelúcio e Angelina arrancou risadas da turma quando mostrou suas habilidades em auto-transfiguração não muito habilidosas. Ela acabou com o cabelo parecendo uma grande samambaia e o nariz, decididamente, lembrava um mini-pufe lilás.
As bateladas de deveres exigidas pelos professores, que ainda tinham a missão de prepará-los para os NIEMS, acumulava-se para o fim de semana. Mas nem mesmo Hermione reclamou de deixarem tudo para a noite e para o domingo.
Aliás, ela estava muito mais animada nos últimos dias, apesar de ainda falar pouco com Rony. E se recusava a mostrar o presente de Carlinhos até mesmo para Gina.
Quando terminaram o café, Gina tentou mais uma vez entrar no assunto.
- Vamos logo, Mione. Deixa de ser chata! Conta aí que livro é aquele que o Carlinhos te deu...
Hermione ria divertida da curiosidade da amiga, mas o resto da turma percebeu que o assunto incomodava tanto Rony que o deixava mais grosseiro que de costume. Ele engasgou com as torradas, quando a jovem deu a resposta que Gina queria:
- Ai, ta bem! Mas vê se não me amola mais depois, ta? Foi só um livro que ele prometeu me emprestar quando a gente ficou junto lá no casamento do Gui.
Havia uma displicência na voz da garota que fez todo o resto ficar em silêncio. O único barulho era da crise de tosse de Rony que se levantou apressado e correu para o banheiro.
Quando Rony voltou, Harry sentiu um certo constrangimento no ar e sugeriu que eles visitassem Hagrid para tirar a atenção do que parecia ser um novo casal. O meio-gigante não estava, mas assim que se viraram para voltar para o castelo, o avistaram saindo de uma parte afastada do muro que cercava a orla da Floresta Proibida.
- Bom dia, o que fazem aí? – perguntou fingindo uma animação que não sentia.
- Viemos fazer uma visita – respondeu Gina.
- Bom, bom... Então esperem que eu abro a porta – disse passando pelos garotos e escancarando a porta do casebre em que vivia.
O cheiro forte que exalou da casa denunciou que Hagrid não a arrumava há dias. As roupas sujas e suadas do guarda-caças estavam amontoadas a um canto e as vasilhas sujas de comida dele e de canino se encontravam espalhadas.
- Ah só.. bem, não reparem na bagunça. Eu não tenho tido muito tempo, entende?
- Tudo bem, mas é melhor ficarmos aqui fora! Está um dia agradável ! – sugeriu Rony depressa.
Todos olharam esperançosos para Hagrid que concordou, dizendo que só precisava pegar um pouco de água. Instantes depois ele se sentava na relva com os garotos. Queria saber das novidades, mas eles não sabiam se poderiam contar sobre o treinamento. Afinal, não era toda a Ordem que sabia e Hagrid não era um bom guardador de segredos. Sem querer, ele sempre deixava escapar alguma coisa.
Logo Hermione estava falando da montoeira de deveres e ele se distraiu. Quando ele deu uma longa espreguiçada, um pedaço amassado de pergaminho caiu de seu bolso bem ao lado de Harry.
Harry pegou o papel e reconheceu de imediato o Mapa do Maroto, todo sujo de terra e alguma coisa que lembrava sangue ressecado.
Sem saber como encarar Hagrid, ele apenas enfiou o mapa no seu bolso e dando uma desculpa qualquer correu para dentro do castelo. Rony que também não queria fica muito próximo a Hermione depois da revelação do café da manhã, seguiu o amigo apressado.
- Olha aqui – disse Harry puxando Rony para uma sala de aula vazia.
- O que foi?
- Olha só o que acabou de cair do bolso do Hagrid.
Harry estava pálido e confuso. Mostrou o Mapa a Rony que abriu a boca na mesma hora.
- Mas como pode ser? O Hagrid não faria uma coisa dessas...
- Eu não entendo – explodiu Harry – se ele quisesse o Mapa era só me pedir emprestado. Você sabe que eu não sou de regular essas coisas.
- Acho que isso ta mal explicado, Harry! A pessoa que roubou seu mapa entrou no castelo sem ninguém ver e ainda fez aquele negócio com a Mulher Gorda, lembra? Ela ainda não se recuperou. Só escuta a senha, abre passagem e se recusa a falar com qualquer um.
Harry sentou sobre uma mesa, com as pernas cruzadas, olhando para o nada. Fazia força para encaixar os pensamentos no lugar.
- Mas como o Mapa foi parar com ele? Se ele o tivesse encontrado teria falado comigo na mesma hora que nos viu. Além disso, tem o fato do mapa estar todo sujo.
Eles abriram o mapa sobre uma carteira iluminada pelo sol quase outonal. Ficaram entretidos observando as marcas. Não dava para ver digitais no sangue ressecado. Era como se tivesse esbarrado numa poça ou pingado em cima do pergaminho.
Ficaram tão entretidos em examinar a “prova do crime” que não ouviram quando Hermione e Gina entraram atrás deles.
- Já rodamos a escola inteira atrás de vocês! – exclamou Mione fazendo os dois rapazes pularem assustados amassando mais ainda o mapa.
- Que é que estão escondendo aí? – quis saber Gina.
Harry rapidamente tratou de explicar o que ele Rony tanto discutiam e mostrou o mapa sujo e amarrotado para as garotas.
- Também acho que essa história está incompleta – Hermione disse – afinal, para o Hagrid ficar invisível ele ia precisar de uma capa.
- Capa não, ele ia precisar de uma “tenda da invisibilidade” e com certeza isso custa muito dinheiro! – raciocinou Gina.
- Então, como o Mapa foi parar nas mãos dele? E por que ele não o devolveu sabendo que pertencia ao Harry? – indagou Rony preocupado.
Por um instante, ele e Hermione esqueceram a briga e sentaram lado a lado examinando o mapa. Todos tentavam em vão encontrar uma resposta lógica para aquele mistério todo.
- O mapa está sujo de terra também – disse Hermione como se só tivesse notado isso naquele momento.
- Isso todos já vimos – alfinetou Rony.
- Mas, observem! É muita sujeira para ser só do bolso de Hagrid. Além do mais, a pessoa que o roubou, pelo que vocês nos contaram, sabia o que procurava.
- Onde você quer chegar, Mione? – impacientou-se Harry.
- É óbvio, não é? Não foi Hagrid que pegou o Mapa, mas ele o está usando lá fora. Lá na Floresta Proibida.
Instintivamente eles olharam pela janela e avistaram a copa de algumas árvores da Floresta. Hagrid passava tempo demais lá. Tanto tempo que suas plantações de abóbora estavam cobertas de outras plantas.
- O que quer que Hagrid esteja fazendo lá ele não quer que ninguém saiba e usa o Mapa para se certificar de que está sozinho – concluiu Hermione.
- Mas esta noite ele vai estar sem o Mapa para protegê-lo – murmurou Harry muito sério.
- Harry, você não está pensando em... – começou Rony.
- Estou sim! Vou ver de perto o que é que pode ter feito Hagrid agir assim.
Quando Harry subiu para o dormitório com o intuito de pegar a capa da invisibilidade, Hermione e Gina estavam aflitas. O muro ao redor da Floresta era encantado e Harry poderia se machucar ou arrumar encrenca tentando passar por lá.
- Você tem que convencê-lo a mudar de idéia, Ron – pediu Hermione.
- Ah, agora eu sou Ron, não é?
- Vocês dois não vão discutir agora! – ordenou Gina – Temos coisas mais importantes para pensar além da dor de cotovelo de cada um. Se vocês ainda não conseguiram reparar, Harry quer sair do castelo, atravessar aquele muro idiota e se embrenhar numa Floresta cheia de criaturas estranhas. O que eu não considero muito seguro, ainda mais que Hagrid vai dar falta do mapa mais cedo ou mais tarde!
A franqueza de Gina era uma característica que costumava provocar constrangimentos em Rony, mas desta vez, ela lhe deu uma idéia.
- Ta, ta, você está certa! Eu pensei numa coisa. Você disse que Hagrid vai dar falta do Mapa. Isso quer dizer que ele vai ficar atento a todos os movimentos estranhos da Floresta. O que precisamos fazer é convencer Harry a não segui-lo hoje. Seria muito óbvio. Se Hagrid se convencer que perdeu o Mapa e ninguém o achou, logo vai baixar a guarda. E até lá, Harry pode se envolver com outro assunto e desistir dessa idéia.
- Perfeito! – exclamou Hermione.
- Quando ele chegar você...
Gina foi interrompida pelo namorado que acabara de entrar afobado na sala. Logo Hermione e Rony trataram de convencê-lo de que seria imprudente seguir um meio-gigante alerta numa floresta perigosa.
A contragosto, Herry aceitou esperar mais uns dias. Mas avisou os amigos que durante a Festa do Dia das Bruxas, na semana seguinte, ele sairia escondido atrás de Hagrid.
- É melhor mesmo, pois assim eu encontro um jeito de passar por aquele muro.
O fim de semana passou e com os deveres prontos e os olhos vermelhos cercados por escuras olheiras, os alunos se dirigiram para sua primeira aula da semana.
A professora Minerva os esperava estranhamente mais animada que o normal. Pediu silêncio a classe e explicou o motivo de seu contentamento.
- Como sabem, o próximo fim de semana será marcado pela nossa tradicional Festa de Dia das Bruxas, juntamente com mais um passeio a Hogsmeade. No entanto, este ano teremos algumas mudanças sugeridas pelo Conselho.
Os alunos começaram a cochichar entre si, imaginando o que os esperaria no fim de semana.
- Deixem para cochichar depois que tiverem motivos. – pediu a professora – A novidade é que este ano, todos os alunos poderão convidar suas famílias para nos visitarem e ficarem para a festa.
Realmente, aquela surpresa agradou a maioria dos alunos. Mas Harry não pode deixar de reparar o quanto Hermione se entristecera com a notícia. Há exatos 4 meses a garota não tinha nenhuma notícia dos pais, nem conseguia imaginar onde eles estariam.
Ela se empenhava mais que nunca no treinamento na Travessa do Tranco. Agora, eles aprendiam a detectar portas secretas, encantadas e objetos maliciosos. Fizeram várias tentativas para aprender aparatação de emergência e muitas outras atividades úteis.
Quando a festa do Dia das Bruxas chegou, Harry acordou desanimado. Desceu para o Salão Comunal e já encontrou Rony bem desperto, de banho tomado e roupa trocada. Tentava atrapalhar o cabelo o máximo que podia para parecer bem rebelde.
- Que é que você está tentando fazer? – perguntou Harry.
- Ah, nada. Só queria ver se ficava melhor assim – respondeu embaraçado – Vamos descer? A Gina saiu cedo com a Hermione. Iam encontrar meus pais lá embaixo. Sabe, acho que hoje vai ser um ótimo dia!
Harry reparou que o amigo estava mais animado e menos agressivo que nos últimos dias e não escondeu sua observação:
- Você parece mais contente! Tudo isso é só para ver seus pais?
- Não seja besta! É que, não vai rir hein, eu acho que hoje eu resolvo essa briga toda com a Hermione.
- Como assim?
- Eu sei que pode parecer feio pensar assim, mas olha, hoje ela vai se sentir mais frágil, certo? Por causa dessa história dos pais dela estarem incomunicáveis e tudo. Então, vou aproveitar o passeio até Hogsmeade para fazer companhia a ela e mostrar que eu não sou um legume insensível.
Harry riu da idéia do amigo e os dois desceram as escadas para o salão principal fazendo planos sobre ainda até Hogsmeade e a fuga do castelo para seguir Hagrid durante a festa de Dia das Bruxas.
Mas quando atravessaram a porta, Rony deu com uma cena inesperada. Hermione não parecia nada aborrecida com o salão cheio de gente nova. Estava sentada à mesa da Grifinória de frente para Gina que se sentara entre os pais. Ao lado da garota, Carlinhos conversava animado e não escondia de ninguém que segurava a mão de Hermione sobre o banco.
- Você não vai brigar com o seu irmão, vai? – perguntou Harry quando viu a expressão zangada no rosto de Rony.
Ele só balançou a cabeça negando, mas ainda assim Harry o seguiu de perto e tratou de sentar do lado do irmão de seu melhor amigo para evitar qualquer tipo de acidente.
Os pais de Rony não se mostravam muito a vontade com a intimidade de Mione e Carlinhos, mas não expressavam descontentamento. A meio caminho de Hogsmeade, pouco depois, Harry e Gina ouviram os pais da garota comentarem que já esperavm que Mione entrasse para a família.
- Mas não por essa porta, não é? – exaltou-se a Srª Weasley.
- Eu sei, Molly querida, mas pelo menos ela é uma boa garota.
- É uma ótima garota! – reforçou a mãe de Rony – Uma ótima garota para o Roniquinho. Todos achavam isso, até mesmo Carlinhos comentou a respeito quando a conheceu.
- Vai ver ele mudou de opinião – contemporizou o pai dos garotos.
- Não gosto dessa história! Não quero ver os dois brigando!
- Mas nós nem sabemos se ela e Carlinhos estão mesmo juntos. Talvez seja só amizade.
No entanto, o olhar da Srª Weasley deixava claro que ela não acreditava que aquela proximidade toda era coisa de amigo.
Por fim, eles chegaram à vila com um Rony muito mal-humorado, os pais dele discutindo e Harry e Gina com medo até de trocar olhares. Não queriam provocar mais confusão.
A única que parecia realmente feliz era Mione que andava mais a frente conversando animada com Carlinhos. Eles riam, apontavam para vários lugares e até arriscaram andar algum tempo de mãos dadas.
Quando a mãe de Rony convidou a todos para uma cerveja amanteigada no Três Vassouras, Gina e Harry deram uma desculpa qualquer e saíram de perto para poder ficar sozinhos e decidir qual o melhor jeito de assumir o namoro diante dos pais dela.
Mas nem bem começaram a conversar, Rony chegou atrás, bufando de raiva.
- Vocês viram a cara de pau dela?
Os dois olharam assustados. Ele nunca falara assim de Hermione antes.
- Passeando alegre de mãos dadas com o meu irmão! Pode uma coisa dessas? Com o meu irmão!
- Ele é meu irmão também – brincou Gina.
- E você parece bem satisfeita, não é? Queria a Mione de cunhada de qualquer jeito. Não importa com quem. Aposto que você nem teria ligado se ela ficasse com o Fred e o George de uma vez!
- É por esse tipo de comentário que ela não está com você – retrucou Gina muito brava, fazendo várias pessoas virarem as cabeças para olhar a discussão.
Eles foram andando até próximo à Casa dos Gritos onde quase não havia ninguém para poderem discutir.
- Se você quer saber, Ronald – disse a irmã ainda zangada – há um bom tempo que eu torço para você ficar com a Mione. Mas estou achando a situação maravilhosa. Quem sabe agora você amadurece e deixa de ser tão estressado. Se gritasse e implicasse menos com ela, com certeza vocês estariam juntos.
Rony abriu a boca para falar alguma coisa, mas fechou em seguida.
- Você não entende mesmo! – respondeu dando as costas e saindo apressado para dizer aos pais que já ia voltar para o castelo.
O resto retornou para Hogwarts quase no final da tarde, a tempo de tomarem banho para o jantar. Harry estava no dormitório, deixando tudo preparado quando Rony entrou.
- Para que isso?
- Você se esqueceu? É hoje que eu descubro o que Hagrid está fazendo na Floresta.
- Ai... Esqueci completamente! Mas quer saber, eu vou com você!
- Achei que não quisesse.
- E não queria mesmo, mas prefiro enfrentar todas aquelas aranhas do que ter que agüentar a Mione de namorico com o meu irmão!
Com tudo pronto eles foram jantar e, como Rony bem previra, Mione e Carlinhos continuavam juntos e alegres. A irritação da Srª Weasley parecia ter diminuído vendo que os dois se davam bem melhor que Rony e a garota.
Quando todos já haviam comido, Harry disse que precisava falar com Slughorn e Rony reclamou sono. Ninguém tentou deter os dois, mas poucos instantes depois Gina e Hermione trocaram um olhar muito significativo.
- Eles não... – começou Mione mas parou em seguida com o olhar lançado por Gina.
- Eles o quê, querida? – perguntou a mãe de Gina.
- Eles não disseram a vocês que marcamos de terminar os deveres da semana amanhã bem cedinho – respondeu com seu sorriso mais falso.
- Então acho bom irem dormir – ajuntou a Srª Weasley.
- Sim, vamos – chamou Gina puxando a mão de Mione.
- Ei, vai embora assim? Sem me dar um beijo? – falou Carlinhos puxando Hermione e dando um rápido selinho na garota, deixando os pais sem graça.
Ela saiu correndo vermelha de vergonha ouvindo Carlinhos gritar que lhe escreveria durante a semana.
- Mione – chamou Gina – agora não é hora para ficar feliz, é hora para ficar preocupada. Onde será que eles estão?
- Não faço idéia, mas devem ter ido até o salão buscar a capa.
Elas subiram as escadas correndo e quando estavam quase alcançando avistaram o retrato da Mulger Gorda girar para frente e ninguém sair.
- Podem sair daí de baixo – ordenou Gina.
Harry tirou a capa e disse com firmeza:
- Não adianta! Eu vou de qualquer jeito e vocês não vão conseguir me deter.
- Vamos sim! – retrucou Hermione.
- Quero ver como – desafiou Rony.
- Simples, Hagrid acabou de entrar no Salão Principal e se sentou com os professores para comer. Ouvimos quando ele disse que tinha acabado de chegar.
- Essa é a mentira mais deslavada que eu já vi você contar, Hermione – disse Harry olhando sério para a amiga.
- Pois então desça e descubra por si mesmo!
Ele ainda olhou desconfiado, mas como Hermione sustentou o olhar, ele desceu para conferir.
- Você é louca? Harry vai ficar uma fera quando descobrir que é mentira – falou Gina quando elas entraram no Salão Comunal.
- Mas não era mentira! Quando Carlinhos me puxou eu avistei o Hagrid entrando e ele parecia cansado. O resto eu só deduzi que aconteceria.
As duas procuraram sofás macios próximos à lareira. O frio estava se intensificando com mais rapidez aquele ano e as torres já não eram tão agradáveis sem as lareiras acesas.
- Só acho uma pena ele ter chegado tão tarde – falou Mione bocejando enquanto Bichento sem enrolava em seu colo.
- O que está rolando entre você e o Carlinhos?
- Nada.
- Para com isso! Vocês ficaram juntos o dia inteiro e não tem nada rolando? Eu vi ele te beijar lá no salão.
- Foi só um beijinho, Gina. Isso não tem nada de mais.
- Mas vocês ficaram juntos no casamento...
- Do mesmo jeito que ficamos hoje! Dançando e conversando! Você viu! Esteve conosco o tempo todo!
- Bem que eu estranhei quando você falou... Mas que ele tem uma queda por você, isso a gente nota ao longe.
Elas começaram a rir e continuaram conversando quando os rapazes voltaram desanimados. Encontraram Hagrid sentado à mesa dos professores. E para piorar, Rony ainda tivera que agüentar a mãe resmungando com Carlinhos sobre o beijo.
- Ah, não é para tanto, mãe! – retrucou em tom de brincadeira – É bem menos que os beijos que Harry dá na Gina.
Os pais de Rony encararam o menino, que ficou púrpura de vergonha, enquanto Carlinhos percebeu que tinha deixado escapar um segredo muito sério.
O Sr° Weasley respirou fundo e falou:
- Isso tinha que acontecer, não é?
Harry procurava alguma coisa para falar, mas logo os três estavam se despedindo e saindo do castelo.
- Então – Rony começou a contar para a irmã – além dela estar furiosa com a vergonha que o Carlinhos a fez passar no meio do salão dando um beijo numa aluna, ela ainda ficou fula com você e o Harry.
- Corta essa, Rony. Mamãe já sabia sobre o Harry, desde o ano passado. Eu contei ta? O papai pode ter se assustado um pouco, mas a mamãe sabia. E duvido que ela tenha se irritado com o Carlinhos. Eu vi o beijo que ele deu na Mione.
Aquilo foi o suficiente. Rony encarou a irmã e respondeu magoado:
- E não fez nada para impedir?
- Que eu saiba, quem tem que tomar atitude aqui é você e não eu!
Ela saiu atrás de Hermione que já havia subido para o dormitório antes da conversa chegar nesse ponto.
Rony subiu para o quarto e encontrou Harry parado na janela. Ia puxar assunto sobre o problema com Hermione quando Harry olhou muito sério e disse:
- Vou sair do colégio.
- O quê? – assustou-se Rony.
- É isso, acabei de pensar numa coisa. Mas fique tranqüilo, vou pedir alguns dias fora da escola. No próximo fim de semana, talvez.
- E pretende ir para onde?
- Godric’s Hollow.
- A cidade em que seus pais viveram?
- É. Olha, hoje é dia 31 de outubro. Faz 16 anos que eles morreram. E eu nunca pude visitar o túmulo deles. E nem consigo imaginar como era nossa casa. Acho que McGonagal não vai se negar a me dar uns dois dias para fazer essa viagem. Lupin pode ir comigo.
- Eu também posso ir com você, se quiser.
Harry agradeceu e disse que falaria com a diretora da Grifinória no dia seguinte. McGonagal deu permissão desde que Lupin e Tonks o acompanhassem. E disse que se quisesse poderia convidar um dos amigos.
- Mas só um, Potter. Mais que isso é expor demais os alunos da escola.
Ele agradeceu e saiu rápido para escrever uma carta perguntando se Lupin aceitaria acompanhá-lo.
Hermione e Gina ficaram chateadas de não conseguirem permissão para acompanhar Harry. Quando o sábado chegou, Harry e Rony despertaram antes do sol nascer por completo e logo estavam no salão principal esperando os amigos.
Eles saíram dos terrenos do castelo e logo Tonks informou que eles iriam aparatar. Assim, Rony segurou o braço da auror e Harry o do ex-professor. Quando eles puderam finalmente abrir os olhos e respirar, o ar já era muito diferente.
Godric’s Hollow era uma cidade pequena, fria e tinha uma aura triste em suas casas pequenas e escuras. Harry olhou tudo com uma curiosidade bem maior do que sentia normalmente.
Lupin lhe explicou que a cidade sempre foi muito quieta, mas aquele ar gélido era incomum. Ele falou dos lugares principais da cidade, mas Harry nem ouvia direito. Os dois lugares que ele se interessava eram o cemitério e o local da sua antiga casa.
Resolveram ir ao cemitério primeiro, pois ficava mais perto. Não foi nada como Harry imaginava. Um túmulo comum, de mármore, com alguns dizeres em cima e as fotos dos dois.
- Elas não se mexem – disse apontando para as imagens.
- São fotos comuns, Harry. Estamos num cemitério trouxa, esqueceu? – explicou Tonks.
- Achei que eles mereciam coisa melhor – comentou entristecido e com um nó na garganta que ele fazia força para engolir. - Aposto que ninguém sabe o que aconteceu com eles, não é?
- Não, não sabem – responde Lupin apertando o ombro do rapaz – para todos os efeitos, o que aconteceu com a casa de seus pais foi uma explosão de gás.
- Foi o mesmo que disseram quando o Rabicho matou aqueles trouxas – lembrou-se Rony.
- Posso ficar um pouco com eles? – pediu Harry dando a entender que precisava de um tempo a sós.
Os amigos saíram de perto e ficaram observando o rapaz à distância. Lupin parecia mais abatido. Olhou Tonks ali, conversando com Rony e parou atrás da auror dando-lhe um apertado abraço.
- Que é isso? – perguntou com um sorriso – Faz tempo que você não faz isso...
- Nada. Só que pensei, aqui, lembrando de Lílian e Tiago, a gente nunca sabe quanto tempo vai ter para ficar perto de quem a gente ama.
- Sobrei por completo agora – falou Rony afastando-se do casal.
Ele sentou na calçada do cemitério e ficou esperando o amigo enquanto pensava no que Lupin havia dito.
Harry ainda ficou uns 20 minutos ali e logo voltou com os olhos vermelhos e as mãos tremendo. Ninguém falou nada e eles seguiram para a rua em que Harry tinha destruído Voldemort há 16 anos.
Era uma rua bonita, de casas pequenas e bem coloniais. Os jardins eram mais floridos que os da Rua dos Alfeneiros, e as crianças corriam animadas aproveitando o sábado.
Lupin caminhou ao lado de Harry, atraindo olhares das pessoas que estavam nas calçadas. Eles pararam diante de um terreno muito amplo, que ainda mantinha alguns destroços da época do ataque.
Uma senhora já de idade avançada se aproximou comentando:
- Estão interessados no terreno? Porque muita gente já veio aqui querendo comprá-lo, mas não conseguiram encontrar os donos.
Harry olhou para a mulher e ela pareceu reconhecer o rapaz.
- Você me parece com alguém... Espere aí! Você lembra muito um dos ex-moradores dessa casa.
- A senhora os conheceu? – perguntou intrigado.
- Não. Pra falar a verdade ninguém nem sabia quando eles estavam em casa ou quando tinham saído. Eram muito discretos. Mas eu os vi, depois da explosão. E o homem tinha os mesmos traços que você.
- Eram meus pais – disse Harry por fim.
Ela o olhou comovida.
- Sinto muito! Quando a polícia veio checar o que houve encontraram os três corpos. Do rapaz bonito na sala, e da moça, junto com um senhor mais velho, suponho que seja seu avô, num quarto de criança. Mas ninguém sabia onde o bebê estava.
- Eu estava com meus tios – respondeu rápido para evitar perguntas - minha mãe me deixou lá para poder dedetizar a casa.
- Foi uma sorte e tanto sua mãe ter pensado nisso – comentou a senhora.
Harry fez um aceno com a cabeça, dando a entender que encerraria a conversa por ali. Depois entrou no terreno e observou os poucos escombros que restaram no local. Partes da base da casa apenas.
Era estranho estar ali depois de tanto tempo. Harry acreditava que sentiria alguma coisa. Que reavivaria suas lembranças da época que passou com os pais. No fundo de seu coração esperava até encontrar algum objeto pessoal deles ou ainda sentir no ar o cheiro do perfume de sua mãe.
Por sua vez, Lupin também parecia esperar o mesmo que o garoto. Olhava desolado o lugar vazio que antes era repleto de alegrias. Lembrava-se com carinho das vezes que esteve naquela casa.
Olhou Harry ali, como uma réplica de Tiago e sorriu. Um sorriso melancólico e saudoso. E pela primeira vez, eles viram um lobisomem chorar. Não era um choro desesperado. Não havia soluços. Só as lágrimas escorriam pelo rosto marcado.
- Sabe – disse ele se aproximando de Harry – Se você quiser, eu lhe conto sobre cada detalhe dessa casa.
Harry se virou depressa para o ex-professor. O olhar contendo uma súplica silenciosa. Se ele ouvisse, se lhe dissessem como era antes, quem sabe as lembranças não retornariam com força.
Lupin começou a contar do dia da mudança. Da animação dos amigos: ele, Tiago e Sirius carregando caixas e mais caixas. Enquanto Lílian, já com uma barriga de grávida linda e saliente, dava ordens sobre onde cada coisa ficaria.
Roxanne ajudava a amiga a cuidar dos detalhes. Foram quase três dias inteiros de mudança e arrumação. No fim, eles deram os retoques com as varinhas. Não podiam fazer tudo por mágica, já que tinham vizinhos trouxas.
- O seu quarto foi o último lugar a ser arrumado. Lílian não sabia se seria menino ou menina. Embora Tiago jurasse que teria um filho. As paredes do seu quarto eram amarelas, os móveis brancos e tinha muitos bichos. Afinal você seria o “nosso primeiro sobrinho” e todos sempre trazíamos presentes para o bebê.
“No primeiro andar ficava a sala com uma lareira de pedras, suficientemente grande para a gente poder viajar de Flu. Duas poltronas vermelhas combinavam com um sofá de três lugares caramelo, um tapete felpudo e uma mesinha. Também havia um lavatório, uma sala de jantar com uma mesa para umas 12 pessoas, alguns quadros na parede e uma cozinha ampla. Engraçado como a gente sempre comia na cozinha e a sala de jantar nunca era usada.”
“Aqui na frente, tinha um belo jardim, com hortênsias e pedrinhas coloridas espalhadas pelo chão. No quintal, umas arvorezinhas que Tiago esperava que crescessem a tempo de fazer um balanço para você. E lógico uma casinha de cachorro. Ele insistia que era para o Sirius passar a noite. Mas todos sabíamos que ele nutria esperanças que sua mãe deixasse ele ter outro cachorro além do seu padrinho.”
“Lá em cima, ficavam os quartos. Apenas três: uma suíte que seus pais usavam, com a cama de casal, um móvel para as roupas e alguns porta-retratos; o quarto de visitas, com duas beliches, pois precisávamos de espaço para todos nós; e o seu, com uma janela enorme e cortinas coloridas.”
“Depois que você nasceu, seu pai decorou tudo com pomos de ouro e minha mãe mandou um casaquinho com as cores da Grifinória para você. Eu lembro direitinho. Protestei que não sabíamos a que casa você pertenceria e ela me respondeu: A família inteira dele é de lá. A mãe, o pai, os tios e os avós! Ele não vai se encontrar em outro lugar!”
- Sua mãe estava certa! – disse Harry com a voz baixa.
Ele não ousava se desesperar naquele lugar. Para ele, ali era um local sagrado. Voldemort estivera ali, é verdade, mas ainda assim representava o símbolo máximo do sacrifício de seus pais.
Agradecia de todo coração que Lupin respeitasse aquele lugar tanto quanto ele.
- Está escurecendo – falou Tonks – é melhor irmos embora.
Só então é que os dois se deram conta de que não estavam sozinhos. Olharam mais uma vez a casa e antes de irem, Lupin falou:
- Eu lembro de Sirius dizendo que não achava justo ter passado tanto tempo com seus pais e você tão pouco. Também sinto por isso. Sinto por conhecer mais desse lugar que você. Por ter boas lembranças daqui. É quase um pecado!
Harry pôs a mão no ombro do homem a sua frente e falou o mais firme que conseguiu:
- Não é não! Eu sei que em algum lugar aqui dentro tenho boas lembranças daqui também. São poucas, mas são minhas.
Eles procuraram um local afastado e aparataram até o caminho que saía de Hogsmeade, o mais próximo que conseguiram de Hogwarts. Levaram os rapazes até a porta do castelo e se despediram.
Antes de entrarem, Rony perguntou se Harry estava bem.
- Estou, não se preocupe!
Mas ele não reparara que Rony também estava mais sério e com um olhar muito menos infantil. Aquela viagem fez bem não só a Harry.
Durante o jantar pouco se falou. As garotas respeitaram o silêncio de Harry, mas assim que ele foi se deitar, interrogaram Rony. Até Hermione se esqueceu, mais uma vez, das discussões com o garoto para poder saber tudo da viagem.
- Como foi? Ele se sentiu mal? Ficou triste? – disparava Gina fazendo uma pergunta atrás da outra.
- Calma – pediu Mione – assim você acaba deixando o Rony irritado e ele não conta nada para gente.
Ele deu um sorriso cansado. A viagem tinha sido puxada, mas ele responderia as perguntas.
- Foi uma viagem importante para o Harry. Foi emocionante, acho que ele chorou bastante também.
- Como assim “acho”? – perguntou Hermione sem se conter.
- Ele preferiu ficar sozinho no cemitério. E nós respeitamos a vontade dele. Quando voltou estava bem abalado.
Aos poucos ele foi narrando tudo o que pode acompanhar e terminou dando boa noite para Gina com um beijo na testa, coisa que nunca tinha feito. E antes de sair, virou-se para Hermione e falou:
- Durma bem e tenha bons sonhos!
As duas se entreolharam perplexas.
- O que aconteceu com ele? – perguntou Mione.
- Não sei... Mas podem ser três coisas: poção polissuco, maldição Imperius ou uma bela pancada na cabeça durante a viagem. Mas não se preocupe nem se anime muito, amanhã ele vai estar azedo como todos os dias.
No dormitório, Harry se lembrava de cada detalhe da viagem. E foi só ali, no silêncio do seu quarto que ele reparou no que a ex-vizinha de seus pais falara. Não foram encontrados só os corpos de Lílian e Tiago. Havia um terceiro corpo. E o garoto sabia exatamente de quem era.

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