Um misterioso pergaminho





A bolsa estava no colo. O banco, gelado. Os cotovelos apoiados no joelho e as mãos no queixo. Os olhos perdidos, quase fechados pelo sono, mas bem abertos a cada movimentação dos médicos plantonistas. A chuva lá fora parecia enfim ter dado uma trégua.

Mia não gostava de hospitais. O clima era desagradável, as pessoas doentes inspiravam pena na menina e ela não gostava daquela aura de morte. Alguns tentavam convencê-la de que o local também podia trazer vida, afinal, muitas pessoas eram salvas pelos procedimentos que ali aconteciam e ainda havia o setor de maternidade. Mas mesmo assim, o clima não era nada agradável na emergência aquela noite. Para Mia, o mundo virara de cabeça para baixo e tudo o que conseguia sentir era aquele gosto amargo na boca e um nó na garganta que não se desfazia.

Como não havia muito que fazer, a não ser esperar, Mia pegou o celular de Daniel no bolso da jeans e passou os olhos pelos nomes da lista. Não havia muitos telefones, e ela logo encontrou um que dizia Casa. Olhou para o relógio, já eram quase quatro horas da manhã.

”Belo aniversário! Lembrarei de esquecer para sempre a noite em que completei dezesseis anos.”

Apertou o botão verde do aparelho e encostou-o no ouvido, sentindo o frio do material. A linha começou a chamar, o toque persistente zumbindo como se tentasse hipnotizá-la. Mas o tempo hábil não foi suficiente, pois três toques depois uma voz conhecida atendeu a chamada.

- Olá, Mia. Como estão as coisas por aí? E Molly?

- Oi, Daniel – ao falar, Mia percebeu o quanto sua voz estava longínqua, como se fosse uma múmia encerrada num sarcófago. – Os médicos não disseram nada ainda... eu só... eu só precisava falar com alguém.

- Entendo... – Daniel parecia refletir sobre as palavras que usaria como se escolhesse flores num jardim de primavera para presenteá-la. – Escute, Mia, vai ficar tudo bem, ok? Ela estava respirando, não havia problema algum aparentemente. Sua avó parecia apenas adormecida, não fosse pelo corte no braço.

- Não consigo entender o que aconteceu, Daniel! Onde estão meus pais?

- Falando nisso, como foi que tudo aconteceu?

Mia começou a narrar os fatos para o menino, tomando o cuidado de não dizer nada sobre o encontro deles no jardim. Era um acordo tácito em que ambos não pretendem falar sobre o assunto. Daniel prestava atenção e fazia pequenos comentários entre as frases da narrativa. Mia segurava o choro e isso dificultava ainda mais a conversa, pois a voz saía entrecortada por pequenos soluços.

- Tente se acalmar – Daniel recomeçara quando ela suspirou e demorou um pouco mais para dizer algo, indicando o fim da narrativa. – Procurei na agenda do seu apartamento depois que você saiu e encontrei os telefones de Fred e Jorge Weasley. São seus parentes, não?

- Sim! São meus tios, irmãos do meu pai! – Mia respondeu, o coração ribombando de expectativa.

- Então, anote aí o telefone deles e avise-os sobre Molly. Acredito que eles vão gostar de saber, e também poderão te ajudar agora que... bem... agora que você precisa de ajuda.

- Você já ajudou muito, Daniel – a voz da ruiva, apesar de cansada, deixava transparecer o carinho pelo garoto. – Obrigada!

- O que é isso, Mia! A propósito, sei que não é um bom momento, mas queria te dar os parabéns pelos dezesseis anos.

- Ah! É... obrigada – a menina parecia entre chocada e deliciosamente surpresa.

- De nada. Agora ligue para seus tios e vá resolver seus problemas. Qualquer coisa estou por aqui. Tchau.

- Tchau.

Mia retirou o aparelho do ouvido e finalizou a ligação pressionando o botão vermelho, distraída. O papel onde anotara o telefone dos gêmeos ficou amassado pelo punho fechado de tensão da menina quando um médico chamou-a.

- Mia Granger Weasley?

- Sim, sou eu – respondeu a menina, pondo-se de pé com a agilidade de um animal acuado por um predador. – Como está minha avó?

- Está melhor. Já acordou. Mas... – nesse momento, o médico pareceu pensar na melhor maneira de contar alguma coisa a Mia. – Por favor, venha comigo e verá com seus próprios olhos.

O coração de Mia apertou no peito e fez com que ela se sentisse tonta. Balançando a cabeça de um lado para o outro para se recuperar, seguiu os passos decididos do doutor pela porta que levava à enfermaria. Enquanto passava pelo corredor, observava diversas outras portas entreabertas, abrigando nos quartos inúmeras pessoas que sofriam de diferentes enfermidades. Todas pareciam não se importar quando ela passava no corredor, e Mia imaginou que já deveriam estar há tanto tempo ali, sozinhas, que já haviam se acostumado a ignorar os movimentos externos. Era como se vivessem em suas próprias cascas, sem tempo para ver o mundo lá fora. Não queria que sua avó ficasse assim.

O médico parou diante de uma das portas. Dentro do quarto, uma enfermeira atarefada conversava com vovó Molly, que apenas balançava a cabeça em sinal de concordância, mas que na verdade parecia não prestar muita atenção. A um sinal do médico, Mia entrou enquanto ele dizia:

- Senhora Molly, aqui está sua neta.

Mia sorriu, mas logo a alegria do alívio deu lugar ao medo diante da expressão da avó. Ela tinha rugas profundas, marcadas logo abaixo do olhar vazio, como se sua alma tivesse sido arrancada. Olhou para Mia com a testa ligeiramente enrugada pelo esforço, os olhos encheram-se de lágrimas e ela disse debilmente:

- Não me lembro... não me lembro!

Sem entender o que acontecia, Mia buscou o médico com um olhar indagador. Ele ainda olhava para vovó Molly, como se estivesse buscando entender o que acontecia clinicamente com ela. Então, virou-se para Mia e pediu para que ela o acompanhasse por alguns minutos do lado de fora da enfermaria. Ao fechar a porta atrás de si, o médico começou, com olhar fraternal:

- Mia, acredito que sua avó sofra de um tipo de doença cerebral, comum em pessoas que passam por eventos traumáticos. Ela perdeu a memória, tanto recente como antiga. Não se lembra nem ao menos de quem é ela - o assombro no rosto de Mia ficou evidente enquanto ouvia o pronunciamento do doutor. – O mais estranho é que fizemos alguns exames e não conseguimos encontrar nenhum vestígio de dano no lado esquerdo, onde o cérebro armazena as lembranças e o problema deveria estar. Com exceção do arranhão no braço, sua avó goza de excelente saúde, não parece ter sofrido nada.

O médico informou que procederia com outros exames para identificar a possível causa da falta de memória. Ao sair, autorizou Mia a fazer companhia à avó naquele momento, apesar de ela estar adormecida por conta dos medicamentos. A menina preferiu dar uma volta pelo jardim do hospital, para tentar espairecer um pouco. Enquanto rumava para lá, telefonava aos gêmeos. A tensão era evidente em seu corpo, os ombros rijos causavam dores nas costas e a testa enrugada mostrava o quanto ela estava preocupada. Era evidente que alguém havia invadido sua casa. Mas o susto fora tão grande que deixara sua avó sem memória. Será que os eventos tinham alguma coisa a ver com as palavras que ouvira quando os pais estavam conversando, e sobre as quais ela os questionara?

Enquanto pensava nas possibilidades, ouvia o barulho do telefone, indicando que a linha chamava. Já eram seis horas da manhã e provavelmente eles não ficariam tão nervosos quando ela contasse o motivo real pelo qual estava ligando.

- Alôooouaaaaaaá! – alguém finalmente atendera ao telefone, misturando o alô com um enorme bocejo.

- Tio?

- Tio? Hã? – a voz ainda parecia muito sonolenta. – Ah, sim, tio! É a Mia, filha do Rony e da Hermione?

- Sim tio... hã... tio...

- Fred! É o Fred, querida, como vai você? Aproveitando bastante as férias? Vai mudar de colégio, não é mesmo? Deve estar deixando seus pais malucos – tio Fred não parava sequer para respirar, não dando a chance de Mia explicar o que acontecera. – E os namorados? Já está na idade! Como vai a minha mãe, soube que Rony precisou mudar de casa porque perdeu o emprego. Ah, ele nunca teve mesmo uma visão inovadora e moderna como eu e Jorge e...

- Tio! Eu preciso falar uma coisa – Mia aproveitou uma pausa do tio Fred para respirar e, antes que ele continuasse, começou a falar. – Aconteceu algo muito ruim e vovó Molly está no hospital. Meus pais desapareceram.

Mia explicou o que acontecera durante a madrugada, tentando utilizar o mínimo de palavras possíveis para otimizar o tempo da ligação. Do outro lado da linha, tio Fred entrecortava a história com murmúrios e exclamações de surpresa. Quando a garota terminou, ele assobiou baixinho e disse, meio que conversando consigo mesmo:

- Então já começou...

- Começou o quê, tio? – Mia perguntou, curiosa.

- Nada, querida, nada! Pelo menos por enquanto – e baixou o tom de voz ao completar a frase, voltando depois para a altura normal. – Oh, mãe... justo a senhora! Mia, dê-me o endereço do hospital, eu e Jorge estaremos aí em alguns minutos.

A ruiva forneceu o endereço e desligou o telefone depois de marcar um encontro com os tios na sala de espera do hospital. O jardim teria que esperar. Sentou-se numa das cadeiras duras e frias do local e deixou os pensamentos vagarem livremente, pensando no que poderia ter começado. Os tios sabiam de algo mais. Talvez soubessem onde os pais dela estavam! Enquanto pensava, abriu a bolsa para procurar alguma coisa com que se distrair, talvez um livro de bolso que a avó costumava carregar. Ao revirar o interior do acessório, avistou o pergaminho antigo que havia encontrado na escrivaninha de seu quarto e jogado na bolsa antes de sair correndo para o hospital. De maneira delicada, embora o pergaminho já estivesse amassado, retirou-o da bolsa. Observou novamente a cera que procurava fechar a carta, lendo pausadamente as palavras Polícia Negra escritas numa caligrafia de convite de casamento. Percebeu que a carta parecia já ter sido aberta, pois a cera estava recortada em um certo ponto. Depois de observar atentamente o exterior do pergaminho, passou o dedo indicador sobre a fenda e esta se abriu facilmente. Mia desenrolou a pequena carta, escrita numa caligrafia ainda mais caprichada, com um tipo de caneta tinteiro, talvez. Na verdade, parecia um daqueles manuscritos de antigas cartas escritas com penas que Mia tinha visto no museu de Londres.

”Impossível. Ninguém mais utiliza essa forma de escrita hoje em dia. Pelo menos eu acho” - pensava ela enquanto corria os olhos pela carta.

O choque foi instantâneo.

A Ronald Arthur Weasley e Hermione Granger Weasley

A Polícia Negra do soberano imperador, Lorde Voldemort (Vida Longa ao Lorde!), vem por meio desta informar-lhes que foi constatada a utilização da magia no endereço onde residem Vossas Senhorias, no dia 29 de julho de 2018.

Vossa família faz parte do grupo dos chamados Renegados, que foram banidos por este Ministério e proibidos de utilizar seus poderes.

Portanto, como punição, um Obliviador irá até a residência de vocês para cumprir a sentença de prisão perpétua em Azkaban. Qualquer resistência o fará recorrer ao poder que lhe cabe.

Atenciosamente,

Polícia Negra – a serviço do Ministério da Magia
Vida Longa ao Lorde!

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