A mui antiga e nobre casa





Vovó Molly apresentara uma melhora física quase que instantânea, mas depois de uma semana internada, ainda se encontrava no hospital. Apesar dos exames minuciosos aos quais fora submetida diariamente, os médicos não encontraram a doença ou trauma que lhe retirara a memória.

Para não ficar sozinha no apartamento, Mia recorreu ao teto dos tios gêmeos. Não se lembrava de tê-los visitado nenhuma vez até então. Ao chegar à casa deles na primeira noite, surpreendeu-se com o que via. Por fora, um casarão que parecia estar às ruínas, janelas quebradas e paredes encardidas, com um enorme jardim onde o mato crescia e ultrapassava o perímetro dos portões de ferro preto. Mas dentro, a casa era acolhedora. Uma lareira ardia no centro da grande sala circular, mesmo no verão, mas parecia não aquecer. Na verdade, o fogo era diferente, Mia não vira nada que o alimentasse, como lenha ou algo parecido. Mas isso era só uma das coisas estranhas da casa. Os tios tinham uma enorme biblioteca, que Mia pediu para ver, mas que permanecia sempre trancada. Alegavam que aquele era o lugar de suas pesquisas, coisas que não interessariam a uma jovem como ela. A chave ficava em poder deles e não havia outra cópia com os empregados, como Mia logo constatara. Aliás, nem mesmo aqueles que faziam a limpeza dos enormes aposentos da casa dos gêmeos Weasley sabiam o que havia de fato naquela sala.

Quem pareceu ficar bem à vontade com o novo lar foi Bichento. Permanecia grande parte do tempo nos jardins, onde provavelmente caçava ratos e outros bichos parecidos. Por vezes Mia encontrava o gato passeando despretensiosamente por vários aposentos da casa, como se experimentasse a energia (e as camas, sofás e poltronas) de cada um deles.

O pergaminho da Polícia Negra permanecera guardado na mala que Mia trouxera do apartamento em Kings Cross. A casa de Fred e Jorge não ficava distante do local, o que foi bom para Mia, pois ela precisava retornar às aulas na semana seguinte. De fato, os estudos no Centro Educacional Joan of Arc começaram um dia depois de seu aniversário, mas como a avó estava no hospital, conseguiu enrolar os tios por um tempo. Mia gostava de estudar, mas não sentia a menor vontade de ir para o colégio com os últimos acontecimentos. Tinha muito que pensar e conseguiu enrolar os tios até a noite do domingo seguinte, quando Jorge questionou-a durante o jantar:

- Mia, quando começa o ano letivo no Joan of Arc? Foi lá que Rony matriculou você, não foi?

- É, tio – Mia tentou sorrir, mas tudo que conseguiu foi produzir uma careta. – Na verdade, acho que as aulas já começaram na semana passada.

- Ah, menina – era Fred desta vez quem falava, e Mia ainda tinha dificuldades para distinguir entre um gêmeo e outro. – Então a senhorita pode tratar de arrumar suas coisas, deixaremos você no colégio amanhã antes de irmos para o trabalho.

Mia assentiu com a cabeça, em sinal de concordância. Aproveitando a conversa, resolveu questionar os tios sobre os assuntos que não a deixavam dormir tranqüila, apesar de não ter a intenção de citar ainda o pergaminho encontrado.

- Tio Fred e tio Jorge, há algo de muito estranho em tudo isso que aconteceu. Vovó Molly não se lembra de nada, não sei onde estão meus pais e vocês não parecem estar tão preocupados quanto eu acho que deveriam estar. Aliás, depois que tio Fred deixou escapar no telefone que algo começara, fiquei mais intrigada ainda: vocês sabem o que está acontecendo e não querem me contar. Sei que posso parecer uma menina para vocês, mas já passei por poucas e boas sendo filha de Hermione Granger e Ronald Weasley, e vocês os conhecem bem. Então, por que não posso saber o que de fato aconteceu com meus pais?

Nesse momento, Mia não foi capaz de conter as lágrimas que afloravam de seus olhos, guardadas há um longo tempo pela determinação e auto-controle da menina.

- Ei, criança, não chore – era Jorge, dirigindo-se a ela fraternalmente. O problema foi que a forma utilizada pelo tio não agradou Mia, já nervosa com a atitude dos adultos para com ela.

- NÃO SOU CRIANÇA! – explodira, perdendo a paciência, um fato raro.

- Sabemos que não – começou Fred, que parecia ter mais tato com a ruiva, enquanto Jorge apenas balançava a cabeça e olhava para o alto. – Mas há mais coisas envolvidas nessa trama do que você imagina, Mia, e se não te contamos nada ainda, é porque você não está preparada.

- Mas sabemos que em breve estará – completou Jorge ao ver o olhar injuriado de Mia a fuzilar o outro tio.

- E quando vai chegar esse dia afinal? Quando vocês também forem raptados? Ou quando vovó Molly for? Ou quem sabe quando EU for pega por esses malucos que andam por aí nos chamando de Renegados, trouxas e sei lá mais o quê! – Mia tentava em vão controlar a voz, que saía alta e era ampliada pelo eco do teto alto do casarão.

- Mia! Por favor, não pronuncie essas palavras em voz alta, entendeu? – Fred pedira. – Isso é importantíssimo para obtermos sucesso. Seja paciente.

- Ah! Para o inferno com a paciência de vocês! Acho que perdi a fome – e, ao dizer isso, empurrou o prato da mesa, derrubando o copo de suco no chão, e saiu batendo os calcanhares pela escada.

Fred cruzou os braços diante da cadeira, retirou uma ripa de madeira do bolso e, apontando para o copo quebrado, murmurou Reparo. O copo se refez. Depois, dirigiu o objeto para o suco derramado e completou com um Limpar, depois do qual o líquido sumiu do piso de madeira do salão de jantar.

- Eu bem que avisei para o Rony não casar com a Hermione – era Jorge falando, enquanto o irmão realizava a limpeza. – Olhe só o monstrinho que eles produziram – completou, com um ar divertido.

O que os Gêmeos não sabiam é que Mia não era uma pessoa que desistia de forma fácil das coisas. Conheciam pouco a sobrinha, pois não haviam convivido muito com Rony e Hermione depois da Grande Guerra. Mia subira a escadaria do casarão batendo os pés de propósito, para que depois pudesse retornar para o andar de baixo sem ser percebida. No dia anterior, percebera que Bichento sabia como entrar na Biblioteca misteriosa dos tios. Vira o gato sair de lá sorrateiramente quando Fred e Jorge não estavam em casa, e agora tinha certeza de que havia alguma coisa diferente com aquele animal. Como se ele também soubesse do que acontecia, e apenas ela fosse a iludida da história. Evitando um ímpeto de esganar o gato, encontrou-o refestelado numa poltrona de uma saleta próxima. Pegou-o no colo e disse com voz de comando evidente:

- Não mie.

Por incrível que pareça, Bichento pareceu entender e permaneceu quieto no colo da menina. Ao chegar à porta de madeira escura e trabalhada, colocou o gato no chão e murmurou o mais baixo que pôde em seu ouvido:

- Você quer a mamãe de volta tanto quanto eu, não quer, Bichento? Então, abra a porta.

Bichento piscou os olhos amarelados. Suas costas arquearam e, no momento seguinte, os pêlos alaranjados que a recobriam se arrepiaram. O felino abriu a boca e Mia temeu que ele fosse miar. Segurou a respiração no segundo que pareceu uma vida. Mas Bichento não miou, e a porta se abriu com um clik. Ele voltou a olhar para a dona, com um olhar satisfeito e orgulhoso.

- Bichento! Como você faz isso, gato maluco? Acho que subestimei você durante toda a minha vida – Mia sorriu, e afagou o topo da cabeça do felino, tentando em vão abaixar os pêlos ainda arrepiados.

Mia entrou na sala e descobriu que aquilo não era apenas uma biblioteca. Havia livros, era inegável, mas havia muito mais coisas interessantes. A luz do local era meio amarelada, e as cortinas permaneciam cerradas, por mais que Mia tentasse abri-las. No canto mais escuro do amplo aposento, várias caixas de papelão descansavam umas sobre as outras. Muitas delas não continham nenhuma inscrição. Mas algumas possuíam um selo dourado que ostentava um brasão e uma inscrição. Mia se aproximou das caixas e observou melhor o desenho de duas hastes de madeira cruzadas, uma delas metade transformada em um rato. Logo abaixo, em alto relevo, escrito numa letra caprichada e redonda, Gemialidades Weasley.

Com receio de mexer nas caixas e provocar algum barulho que chamasse a atenção, voltou-se para algo que parecia ser uma mesa de experiências químicas. Várias vidrarias de laboratório se encontravam ali, bem como em duas prateleiras do lado direito da bancada, abarrotadas de líquidos e sólidos coloridos e estranhos. Química era uma das matérias que Mia considerava mais fascinante, a ciência menos exata das exatas, como ela mesma costumava dizer. Mas não entendia tanto assim da matéria a ponto de poder afirmar com propriedade o que eram aqueles produtos contidos nos frascos. Imaginou se os tios estavam fazendo alguma coisa ilegal. Será que eram traficantes de entorpecentes? Afinal, como tinham aquela casa gigante e ostentavam tanto luxo enquanto os outros Weasley, e mesmo os próprios pais de Mia, eram tão pobres?

Bichento miou baixinho e a atenção de Mia se voltou para o lado oposto da sala. Lá, um grande espelho dominava uma parte da parede, o gato parado defronte a ele. A moldura estava oxidada, com a cor dourada descascando nas bordas. Ao se aproximar do objeto, Mia estranhou a atitude do gato, que saiu rapidamente do campo de reflexão do espelho. Intrigada, voltou a observar o próprio reflexo e ficou fascinada com o que via: lá estava ela mesma, ao lado de Daniel. Ruborizou naquele momento e virou o pescoço para os lados, a procura dos olhos garoto. Mas ele não estava lá. O rosto dela parecia triste no reflexo. Do lado de Daniel, apareceram seus pais. Ambos sorriam e acenavam, mas mesmo assim o rosto de Mia não se alegrava. Mais uma vez Bichento miou em outro local da sala e chamou a atenção da ruiva.

”Esses miados vão alertar meus tios!” - pensava a menina enquanto rumava para o gato, para tentar acalmá-lo.

Agora ele estava parado diante de um armário. Um pequeno guarda-roupas de madeira clara, envernizado e muito bem conservado. O desenho da madeira era bastante detalhado, mas não era possível reconhecê-lo, era algo abstrato. Mia tocou de leve as ranhuras do material, e o armário estremeceu. Retirando a mão rapidamente, Mia olhou para Bichento, que continuava postado diante do objeto.

”Bichento, Bichento... só espero que não me meta em confusão...”

Mia abriu a porta do armário e ele estava vazio. Colocou a cabeça lá dentro para tentar enxergar melhor, pois aquela luz esquisita que tomava conta da sala secreta dos gêmeos não ajudava em nada. Ao posicionar a cabeça mais no fundo, sentiu uma força que a sugava para dentro do móvel. Moveu o corpo todo para trás, assustada, o coração palpitando no peito. Olhou Bichento. O gato parecia sorrir. Com um ímpeto de coragem repentino, Mia atirou-se dentro do armário. A última coisa que percebeu antes de começar a girar foi que Bichento também se jogara com ela, fechando por detrás de si a porta do único mundo que Mia conhecia até então.

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