Perguntas sem respostas





Ao passar o choque inicial de tudo o que havia presenciado até então, dentro e fora da bacia de pedra, Mia não pode se conter por mais nem um instante e desatou a perguntar:

- Oráculo? Um oráculo como nos filmes do Matrix que vi no cinema? E senhor, deve haver algum engano, meu sobrenome é Weasley, não Wyrdafeli ou qualquer coisa do tipo. Aliás, como você sabe o meu nome? E que lugar é esse? Como consegui voltar ao passado dentro dessa bacia? O senhor é algum tipo de cientista maluco como no filme De volta para o futuro, só que ao contrário? E...

- Calma, Wyrdfell. A pressa não condiz com vossa missão e não te levará a parte alguma. Tu saberás de tudo o que necessitares no tempo correto e não serei eu a dar-te todas as respostas, e sim a força que habita dentro de teu próprio ser. Está tudo aqui, na cabeça de Wyrda – falou o estranho homem, apontando um longo dedo desprovido de unhas ou articulações para sua própria cabeça.

O cérebro de Mia estava próximo de um colapso. Era muita coisa para processar. Sem pedir licença, deixou-se sentar no divã marrom, soltando todo o peso do corpo cansado ao lado de Bichento. Este continuava o higiênico trabalho de lamber as patas, como se achasse natural estar num lugar desconhecido com um ser parecido com um humano, capaz de se transformar em águia e que tinha uma bacia de pedra que mostrava o passado de outras pessoas. Aquele tal de Wyrda conhecia os pais de Mia, sem dúvida, afinal, falara dos mesmos Renegados sobre os quais um dia eles conversaram.

Wyrda caminhava pela sala, as mãos cruzadas nas costas e apoiadas suavemente sobre as vestes verde-esmeralda. Os longos punhos não deixavam Mia ver seus dedos, a não ser que O Oráculo elevasse os braços, como fizera quando apontou para a própria cabeça. Mais uma vez, Mia deixou escapar:

- O senhor... é humano?

O Oráculo parou de andar, mas não olhou de imediato para a ruiva. Mia questionava a si mesma se deveria repetir a pergunta, mas achou melhor esperar que ele respondesse, pois era impossível que não tivesse escutado naquela sala silenciosa. Algo dentro dela dizia que era o momento de ser paciente. Wyrda virou a cabeça lentamente, levantando-a como se isso custasse o esforço de uma vida. Seus olhos de águia brilhavam.

- Sim e não. Sou O imperfeito que é perfeito e sou O Oráculo. Mas a alcunha que os humanos me deram é a que prevalece: Wyrda. Sendo assim, não há como ser cem por cento humano quando se acumula o poder e a responsabilidade de ver o que está por vir. Tu, com toda a sabedoria que teu mundo permite, sabes o que é um Oráculo?

Mia fazia esforço para puxar pela memória o que conhecia sobre o assunto. Não queria fazer feio diante daquele ser que parecia tão sábio. Já ouvira falar de um Oráculo nas aulas de história no colégio. O que estava estudando mesmo? Mitologia grega, talvez?

- Lembro-me do Oráculo de Delfos, no qual o deus Apolo se consultava sobre o futuro de suas batalhas e dos outros deuses da mitologia grega. Oráculos são adivinhos, não é isso?

- Adivinhação é um tema amplo e abrangente na magia. Requer diversos fatores e até mesmo um leve toque de inspiração divina para o correto funcionamento. Por isso, à Mia Wyrdfell basta saber que um Oráculo é um mestre em adivinhação inspirado por poderes mágicos ocultos.

- Poderes mágicos? – Mia questionou, a surpresa evidente em sua voz. – O que você quer dizer com poderes mágicos?

- Algo que vem de vosso passado. E que pertence ao futuro dos Escolhidos.

Mia perdia-se nos enigmas do Oráculo e começava a ficar irritada. O medo de que algo de errado pudesse ter acontecido com seus pais crescia a cada minuto, estimulado pela visão na bacia de pedra. Ela sabia que o que presenciara fazia parte do passado. Era possível reconhecer a juventude estampada nos rostos de seus pais, acompanhada, no entanto, pelas marcas de um sofrimento sobre-humano. O passado chocava e justificava o presente, o desaparecimento, o pergaminho da Polícia Negra. E instalava em Mia uma dúvida: quem eram seus pais?

- Quem são meus pais? – Mia ouviu-se perguntando em voz alta ao mesmo tempo em que pensava.

- Vossos pais são estes que viste na minha Penseira. Esta é uma lembrança que extraí de vosso pai, Ronald. Fazia parte do nosso plano para orientar-te. Precisávamos de tantas lembranças quanto fosse possível colher antes da captura pelas forças do Lorde das Trevas. O problema é que o tempo não trabalhou a nosso favor.

- Que estes na bacia... na Penseira, como você disse, são meus pais, eu sei – Mia não queria parecer grosseira, mas era incapaz de se controlar. - Mas O QUÊ eles são?

- Ronald Weasley e Hermione Granger são responsáveis pela resistência dos Renegados, assim como toda a família Weasley. Ou pelo menos todos os que conseguimos localizar. Trabalhamos para combater o Lorde das Trevas.

Lorde das Trevas. Claro! Mia sabia reproduzir em sua mente com perfeição o conteúdo da carta que encontrara na fatídica noite em que seus pais sumiram e vovó Molly fora atacada. Lorde das Trevas. Vida Longa ao Lorde.

- O Lorde das Trevas é algum general do exército ou coisa parecida? É talvez uma seita religiosa maluca que quer derrubar o Rei William?

- Ah, não, senhorita – O oráculo sorria, de modo irônico. - Wyrda não se ocupa de coisas tão pequenas quanto política trouxa. O Oráculo está aqui para servir aos Renegados, esta é a minha missão. A história é longa e tu precisas de preparo, Mia Wyrdfell.

- O que é Wyrdfell?

- Quer dizer Destino dos Renegados. Tu és a sacerdotisa do novo tempo!

A impressão que qualquer um teria ao presenciar a cena era de que os interlocutores falavam de assuntos completamente diversos. Wyrda tinha toda a sabedoria do universo encerrada dentro de si, mas era incapaz de responder diretamente a qualquer pergunta que Mia lhe dirigisse. Enquanto isso, a ruiva se afundava num mar de dúvidas, mais perguntas que respostas pairavam em seu pensamento, e quanto mais ela questionava, mais confusa ficava.

- E onde estão meus pais?

- Ronald e Hermione estão em Azkaban. E agora os Renegados têm a chance de provar seu valor para tentar resgatá-los. Vejo o futuro, mas não posso intervir nos acontecimentos. Ainda haverá muita dor.

- O que é Azkaban? – a voz saiu fraca, Mia estava prestes a chorar, as lágrimas acumulando no canto dos olhos.

- É a prisão do teu povo.

Mia respirou fundo, como se o ar fresco dentro dos pulmões pudesse trazer algum alento. Cerrou as pálpebras, enquanto duas lágrimas rolavam por sua face, tentava prever qual seria o próximo passo naquele jogo de loucuras. Pensava, com uma pontinha de esperança, que quando voltasse a abrir os olhos descobriria que estava apenas sonhando, nada daquilo era real e ela ainda estava no apartamento em Kings Cross, com os pais, com vovó Molly e sua memória perfeita, e talvez com uma visita esporádica e divertida dos tios gêmeos. Um gemido tirou de vez a esperança de Mia. Ela abriu lentamente os olhos e O Oráculo continuava parado à sua frente. Mas a expressão de Wyrda mudara radicalmente. Ele levara ambas as mãos à têmpora, pressionando como se quisesse se autoflagelar. Os olhos estavam fechados, e seu rosto expressava profunda dor. Perdeu então a postura altiva e curvou as costas, como se carregasse um grande peso. As extremidades das orelhas pontudas ficaram rubras como os cabelos de Mia. A ruiva apenas observava, intrigada, seguida de perto por um Bichento que interrompera o serviço de limpeza e começara a farejar o ar, como se procurasse algo de estranho. Mia pode ouvir a voz de Wyrda, muito fraca. Ele permanecia de olhos fechados.

- Alguém está usando Legilimência contra O Oráculo. Eu sou capaz de defender minha mente, mas tu não o és. Por isso, vá, vá agora, entre novamente no armário sumidouro e volte para a casa de teus tios! Rápido, Wyrdfell, não temos mais tempo.

Assustada, Mia não conseguia dar um único passo. Olhava para a posição frágil do ser que outrora lhe passara tanta força, tanta sabedoria. Era atacado por algo invisível, algo que Mia desconhecia, mas podia sentir uma presença intrusa na sala. Sentia as vibrações de ódio, um cheiro de sangue e uma única frase ecoava em sua mente com força total: Vida Longa ao Lorde. Wyrda abriu os olhos, sua face se encheu de um pavor evidente, a expressão contorcida.

- Tu tens que deixar o que sentes fluir... a magia está em teu sangue e em teu coração.

- E quando nos encontraremos de novo? – Mia ainda teve tempo para questionar, enquanto tomava Bichento no colo. O gato miava desconfortavelmente.

- Wyrda tem meios para encontrar-te. Enquanto isso não acontecer, procure pelos Potter. Agora, VÁ!!!

Mia entrou no armário, fechando a porta atrás de si. Não pôde deixar de reparar que O Oráculo caíra de joelhos no chão, e uma aura escura envolveu o corpo de Wyrda antes que a escuridão do armário tomasse conta da visão de Mia.

”Pela segunda vez, mandam-me procurar os Potter. Mas quem são eles?” – a menina pensava, desesperada. – ”Afinal, quem sou eu?”




- MIA! – Jorge exclamara quando a ruiva abriu a porta do armário, chegando novamente à casa dos gêmeos Weasley com cara de poucos amigos.

- Como foi que você conseguiu entrar na nossa biblioteca? – questionou Fred, entre surpreso e irônico.

A menina não conseguia sequer falar. Colocou Bichento no chão, a emoção dos últimos acontecimentos aflorando, a tontura pelo giro dentro do armário sumidouro fazendo com que Mia cambaleasse pela sala.

- O que foi que aconteceu? – questionaram os irmãos, preocupados, Fred perdendo toda a ironia da voz.

- Eu... eu preciso... – sem completar a frase, Mia dobrou os joelhos involuntariamente, caindo desmaiada aos pés dos gêmeos.

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