Apenas Finja
CAPÍTULO IX. APENAS FINJA
Grifinórios e sonserinos num mesmo ambiente sempre trazia o sempre resultado: conflitos, azarações e detenções.
Mas aquela aula do primeiro ano dessas duas casas estava particularmente silenciosa: depois do incidente da noite anterior com Edward, ninguém ousara falar absolutamente nada na presença da professora, o que implicou na aula mais monótona que Amélia já dera desde que entrara para Hogwarts.
Não era uma surpresa que ela estivesse aliviada quando a sineta anunciou o fim da aula.
- Eu quero um ensaio sobre a contra-maldição Impedimenta, todos os seus efeitos, as maldições em que ela não funciona, casos concretos em que ela foi usada com sucesso e tudo mais que vocês acharem. Não aceito menos de cinqüenta e cinco centímetros de pergaminho. E, é claro, treinem, porque eu vou azarar vocês, e é melhor saberem se defender, se não quiserem acabar na ala hospitalar.
Aos poucos – e silenciosamente – a classe foi se dispersando.
Logo, a única figura que poderia ser vista na sala de Defesa Contra as Artes das Trevas – além, naturalmente, de Amélia – era aquele menino sonserino de cabelos e olhos extremamente negros.
Phillipe se aproximou da mãe.
- Eu soube do que aconteceu.
Ela assentiu, arrumando alguns papéis em cima da sua mesa, e procurando não olhar para o filho. Disse, sem emoção.
- Foi uma noite difícil.
- Você devia ter me chamado.
Amélia o olhou finalmente, ao mesmo tempo em que se levantava da sua cadeira.
- E como, exatamente, Phill, você ajudaria? Eu acho que foi melhor para você ficar dormindo confortavelmente do que ficar ouvindo os gritos do seu irmão.
O menino sentou-se à mesa da professora, passando os olhos pela lista e chamada da Grifinória, que continha apenas uma pessoa faltante.
- Eu pensei que você ia todas as noites checar se ele tinha tomado a poção.
- Eu vou, Phill. Tanto que cheguei antes de encontrar o cadáver do seu irmão.
- Não diga isso, Amélia.
Amélia suspirou pesadamente. Ainda de olhos fechados, ela disse, quase suplicante.
- Dá pra você, só por hoje, me chamar de “mãe”?
Phillipe ficou calado por um minuto.
- O que você foi fazer ontem, mãe? Eu ouvi dizer que você saiu.
- Sai.
- Para onde?
- Não posso dizer.
- Por que?
- Porque eu sou sua mãe e eu decido o que contar ou não para você! Agora, você vai se atrasar para a próxima aula!
Bufando e batendo os pés, Amélia viu o seu filho saudável sair.
Não se preocuparia com isso.
Tinha uma discussão mais importante para travar.
XxXxXxX
No belo escritório que pertencera a Alvo Dumbledore, a nova diretora de Hogwarts já esperara ansiosamente pela visita de Amélia. Saber o que fora conversado na noite anterior, afinal, era de suma importância para o andamento da guerra...
Amélia entrou lentamente e, sem dizer uma só palavra, sentou-se na cadeira à frente do gabinete da diretora.
Minerva disse:
- Chá?
- Talvez algo mais forte.
McGonagall se levantou e pegou num armário que ficava imediatamente atrás da cadeira em que ela estava sentada uma garrafa de vodka. Quando ela voltou ao seu assento, serviu-se e a Amélia com uma dose um tanto generosa da bebida. Amélia quase não pode conter o sorriso.
- Não sabia que tomavam isso em escolas.
- Eu normalmente ofereceria vinho, mas achei que a situação pede, como você mesma disse, algo mais forte.
Amélia sorriu ligeiramente, bebericando a dose da bebida transparente e amarga.
Colocando as suas mãos sobre a mesa, Minerva perguntou.
- Então, como foi?
- Ele disse que é inocente, como eu já esperava. Mas pôs um ponto extra: ele diz que pode provar.
McGonagall deixou aparecer uma ruga de preocupação em sua testa, dizendo lentamente.
- Eu quero acreditar que Snape é inocente. Eu sei que Alvo não pode ter se enganado. Mas como ele provaria?
Amélia bufou nervosamente, tomando mais um gole da sua vodka.
- Essa é a parte ruim: ele diz que existe um pensamento, ou algo assim, guardado aqui na escola... Só ele sabe onde está. E ele teria que vir à Hogwarts para mostrar.
A diretora passou um minuto em silêncio, considerando. Mais uma ruga apareceu na sua testa e, antes de falar, ela massageou a sua têmpora, como se tentando evitar uma dor de cabeça que se insinuava.
- É um pedido... extremo.
- Eu sei. Mas eu prometi que falaria com você. Minerva, Dumbledore confiava nele, e devia ter um motivo para isso. Eu também confiava nele – Amélia baixou a cabeça, sentindo um misto de dor e raiva ao lembrar que, apesar das evidências e de uma maneira totalmente irracional, não conseguia deixar de acreditar em Snape. Com a voz baixa, corrigiu-se – Confio.
- Mas Hogwarts---
- Talvez – Amélia interrompeu –, se todos os aurores que vocês, da Ordem, tivessem disponíveis o acompanhassem... eu me certificaria de que ele estaria desarmado.
- Me dê uma razão. Uma razão para que eu me encontre com o assassino de Dumbledore.
Amélia suspirou.
- Apenas pense, McGonagall. Se ele não conseguir provar satisfatoriamente o que está dizendo, o teremos em nossas mãos, cercado, pronto para ser mandado direto para Azkaban. Mas, se ele realmente estiver ao nosso lado, suas informações serão ainda mais valiosas, já que ele deve estar em grande valia com Você-sabe-quem.
Minerva assentiu.
- Eu falarei com a Ordem. Quando vocês se encontram novamente?
- Ele se comunicará comigo.
- E você me comunicará. Ele entrará na escola no meio da madrugada.
XxXxXxX
O tempo passou bem rápido para quem tinha muitos problemas. E Amélia os tinha.
O principal, o seu filho, foi o mais difícil de lidar. Edward passou quatro dias na ala hospitalar, e só não foi transferido para St. Mungus por que Amélia não permitiu – sabia que tinha muito mais experiência com aquela doença mágica do que a maioria dos médicos do hospital.
Mas, graças a Merlin, no final do quarto dia, Ed já estava perfeitamente normal... e somente então Phillipe deixou de culpar a mãe pelo incidente com o irmão e voltou a falar docilmente com ela.
As suas aulas estavam caminhando razoavelmente bem. De certa forma, Amélia tinha conseguido impor algum respeito. Não se importava de ser taxada como a professora mais dura, chata e exigente da escola. Como sempre, não se aborrecia com rótulos. Apenas queria cumprir o seu dever e merecer o dinheiro que embolsava o final do mês.
Elizabeth, a amiga do peito, também era, de certa forma, um problema. Por mais que ela tivesse a boa vontade de fazer companhia para Amélia, de vez em quando ela era simplesmente irritante: intrometida, fofoqueira, desagradável...
Amélia também tentou não se importar muito com uma fuga em massa de Azkaban. Mas foi bem difícil, já que Schwartz, o assassino dos seus pais, fugiu. Por mais que ela não quisesse mais se intrometer muito em guerras, teve uma vontade quase incontrolável de caçar e matar Frederick.
E isso tudo ocorrera em uma semana.
Foram tantas coisas que Amélia nem se lembrou que estava esperando um encontro com Severo.
Só se lembrou, na verdade, quando um pedaço de pergaminho veio voando pela janela do seu escritório, deslizado pela sala e parando direto em suas mãos.
Elizabeth, que contava uma interessante história sobre como ela conseguiu o emprego em Hogwarts, arregalou os olhos para o mínimo pedaço de papel.
- O que é isso? Um bilhete? É um namorado?
Amélia suspirou, ficando tensa assim que viu o que tinha escrito:
‘Bar. 11 da noite.’
E o largou sobressaltada quando este simplesmente entrou em combustão.
Sorriu disfarçadamente.
- Aluno apaixonado.
Ela estava tão absorta em seus pensamentos que não viu que uma sombra de desconfiança passou ligeiramente pelo olhar de Elizabeth.
XxXxXxX
Mais uma vez, Amélia se via caminhando solitariamente para fora dos terrenos do Hogwarts, onde poderia aparatar para o fétido bar onde se encontrara com Snape há pouco mais de uma semana.
Já tinha falado com Minerva e logo os aurores chegariam a Hogwarts para que, de uma vez por todas, Snape provasse a sua inocência... ou não.
Dessa vez se certificou que Phillipe medicaria o irmão, de forma que não precisaria se preocupar... muito.
Aparatou.
O bar, exatamente como na vez passada, se encontrava repleto de famosos Comensais da Morte. Com certa esperança quase masoquista, Amélia rapidamente procurou com o olhar Frederick Schwartz... mas só encontrou Severo Snape que dividia a mesa com um loiro que também tinha acabado de deixar a influencia de Azkaban: Lúcio Malfoy.
Lentamente, Amélia caminhou para a mesa onde os dois amigos conversavam descontraídos. Sorriu afetadamente quando eles perceberam a sua presença.
Mais que rapidamente, Lúcio se ergueu e segurou a mão de Amélia, beijando-a.
- Amélia Beatrice Lair. Mais que surpresa agradável! Espero que não esteja mais trabalhando para o Ministério, ou temo que seja obrigado a lhe fazer esquecer da localização desse pequeno ponto de encontro.
Ela colocou a mão no ombro do antigo amigo.
- É bom ver você também, Lúcio. E, não, eu não trabalho para o Ministério.
- Então, quem sabe, considera uma vaga como Comensal?
Ela sorriu.
- Prefiro ficar longe da guerra.
- Mas perto de Severo, mesmo assim. Já entendi. E já estou indo.
Com isso, o loiro foi para uma outra mesa.
Agora estavam a sós.
Severo, exatamente como da vez anterior, lançou o feitiço abaffiato para que tivessem certa privacidade.
- Lúcio sempre gentil, certo?
Ele bufou, rolando os olhos.
- Está tudo certo para minha ida à Hogwarts?
- Temos que dar um tempo... Por razões óbvias, a escola inteira deve estar dormindo quando você chegar.
- Certo.
A mesa se colocou num silêncio constrangedor... Até que Amélia disse...
- Então? Como está vida?
E os dois, para a surpresa de ambos, engataram uma longa conversa, como se fossem grandes amigos...
XxXxXxX
Falavam alto e riam abertamente – Amélia ria abertamente, na verdade. Snape vez por outra soltava um grunhido rouco que seria uma risada. – Os assuntos eram cada vez mais banais... e, ao mesmo tempo, cada vez mais íntimos.
De repente, a mão dele se postou sobre a dela, acariciando levemente.
O coração de Amélia se acelerou e o braço ficou inconfundivelmente arrepiado. O seu tom de voz passara de descontraído para um mero sussurro embaraçado.
- O que você está fazendo?
- Se você não se lembra, a única razão de você estar aqui viva é porque eu estou lhe comend... – ela ergueu uma sobrancelha e ele se censurou. – É porque eles acreditam que temos uma relação. Então ponha um sorriso na cara e finja!
Muito relutante, Amélia deixou que ele continuasse com a mão sobre a sua. Mas cada carícia, por mais tímida que fosse, trazia sensações tão esquecidas que ela não conseguia parar de rezar para que chegasse logo o momento em que eles poderiam sair dali e voltar a ter total separação de corpos.
Mais do que nunca ela sabia o quanto era perigoso remexer no passado.
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