Amizades Verdadeiras



CAPÍTULO XXIII. AMIZADES VERDADEIRAS

Austrália.

O que estava fazendo lá? Amélia sinceramente não sabia.

Mas, há alguns dias, se viu numa situação difícil... Tendo que encontrar alguém em quem pudesse realmente confiar, mas sem conseguir achar ninguém.

Até que viu, por acaso, num jornal, um reclame sobre um bruxo inglês que se casaria na Austrália e convocava a sua família, que há tanto tempo não via...

E esse bruxo era George Zwingli, um antigo namorado seu, que ela dispensou pelo fato de se achar bonita demais para ele... Fútil.

E ele era a única pessoa a quem recorrer... Simplesmente não podia voltar aos Estados Unidos, onde tinha um ou outro em quem ela confiava cegamente – leia-se Brian. Seria muito óbvio... O primeiro lugar a ser vasculhado, provavelmente.

Um lugar inesperado seria justamente aquele, em que ela estava... Pois lá ela estaria sozinha... Ou pelo menos era isso que todos pensariam.

Amélia vagou pela grande cidade de Sidney, até encontrar, finalmente, a rua em que o restaurante Zwingli’s funcionaria.

Olhou demoradamente para a fachada do lugar.

Pronto. Era ali. Ali construiria uma vida longe de tudo que a fez sofrer. Só voltaria quando tivesse certeza de que seria feliz, como dizem nos contos de fadas, para sempre.

Suspirou.

Entrou no restaurante.

Uma mulher de cabelos ruivos e com uma grande barriga ostentando uma gravidez de vários meses veio atendê-la.

- Olá! Você quer uma mesa?

Amélia sorriu, um tanto sem graça.

- Não, não. Eu estou procurando George Zwingli.

A mulher franziu o cenho. O seu sorriso morreu.

- O que você quer com ele? Quem é você?

- Er... Eu sou uma antiga amiga. Se tiver algum problem...

- Não, não! – A mulher voltou a sorrir. – Esquece, coisa de grávida. Eu sou a mulher dele, Téa Zwingli.

Amélia sorriu.

- Eu sou Amélia Lair.

- Já ouvi falar de você! Você é uma das namoradinhas de escola dele!

Amélia sorriu quase sem-graça.

- Sim, sou.

- Ah! Vamos! Ele está lá em cima, fazendo a contabilidade!

As duas caminharam por uma escada, até chegar a um pequeno escritório. Assim que Téa abriu a porta, ouviu-se a reclamação do homem corpulento que sentava atrás de uma mesa, absorto em contas.

- Téa, minha querida, acho que vamos acabar no vermelho de novo! Temos que mudar o card...

- Amor?

Ele levantou o rosto, vendo finalmente que a sua mulher estava acompanhada.

Com um sorriso brilhante, a mulher continuou.

- A sua amiga, Amélia Lair, está aqui para fazer uma visita! Eu vou deixar vocês a sós! Tenho que trabalhar!

E saiu, enquanto o homem se levantava da mesa.

George Zwingli continuava com o seu maravilhoso corpo de jogador de quadribol... Talvez um pouco mais curvado, pelas horas afinco que passava sentado ao bureau, e um pouco mais gordo, devido à falta de atividade... Mas ele tinha algo em seu olhar... Um brilho, que fazia com que ele jamais estivesse mais bonito.

- Amélia!

Aproximou-se dela. Parando quando chegou muito perto. Seu olhar se tornou preocupado. Disse:

- O que aconteceu?

Ela sorriu, nervosa.

- Como?

- Você está diferente... Sombria.

Ela desviou o olhar.

- Eu creio que você já deva ter lido uma coisa ou outra a respeito.

Ele se virou, voltando para a sua mesa na apertada sala.

- Sim... Mas eu, sinceramente, torcia para que aquela não fosse a Amélia que eu conheci.

- A Amélia que você conheceu mudou tanto...

Sentiu novamente a vontade de chorar. Mas se impediu.

- Sente-se.

Ela o obedeceu, sentando-se à sua frente.

- George, eu não queria ter vindo... Mas preciso da sua ajuda!

- Para se esconder, certo?

Ela assentiu, lentamente.

- Olhe, Amélia, a minha vida está tão diferente... Eu larguei tudo, eu larguei a mágica... Não tenho como proteger você – ela abaixou a cabeça. – E, além do mais, a minha mulher está grávida... Eu não quero nenhum risco para ela, ou para o bebê.

Amélia mordeu o lábio, já pronta para sair dali.

- Eu entendo...

- Ainda assim, eu não posso deixar você nessa situação. Você vai ter que me prometer não usar mágica, não aparecer, não se mostrar. Eu não quero ter que lutar. Mas você fica.

Ela sentiu um calor tomar seu coração, enquanto se limitava a olhar agradecida para George. Ele, sim, era um amigo... que ela carregaria para sempre.

Passada a emoção, só tinham mesmo que voltar à conversa.

- Então... O que é isso tudo? Restaurante, esposa, calculadoras...?

Ele sorriu brilhantemente.

- Isso é felicidade.

E ela entendeu o brilho no olho dele... O brilho que ela não tinha.

XxXxXxX

Dois dias depois, Amélia estava se mudando para o apartamento que George e a mulher costumavam alugar para complementar a renda.

Vivendo complemente sem mágica, passou três longos e solitários meses. O único contato que tinha com o mundo bruxo era através das conversas, onde ela e o seu amigo relembravam os tempos de Hogwarts.

Amélia descobriu que a felicidade não estava em absolutamente nada do que ela conhecia – seu amigo, na pobreza e falta de mágica, sem beleza nem liberdade, conseguia ser infinitamente mais feliz do que ela jamais pensara ser possível... Ela não gostava de admitir, mas sentia raiva de George por ser tão feliz.

No fim, ela tinha virado uma romântica. Tudo que queria nesse mundo era voltar à Inglaterra e ficar com Severo para a eternidade... Só faltava saber se ele iria querer isso algum dia... não parecia ser do feitio dele, afinal.

Era véspera de ano novo. Fim de 81 para o início de 82. Na televisão, imagens do Times Square – como sentia falta de Nova York – mostrava uma multidão esperando ansiosa pelo ano novo... Claro que o fuso horário era diferente, mas, como uma boa americana, só diria que o ano nasceu quando ele nascesse na Wall Street.

Jogada no sofá com um horrendo pijama de flanela, Amélia se esbaldava na pipoca enquanto esperava a contagem regressiva.

“10...9...8”

Uma batida na porta. Ela se virou e considerou ignorar.

“5...4...”

Novamente, mais insistente.

“2...1... Feliz 1982, New York!”

Ela, contrariada, se levantou e foi abrir a porta. Era Zwingli, que trazia um jornal velho, já amarelado. Sem dizer uma palavra, Amélia se afastou e deixou o amigo entrar... Era bom que ele não viesse falar da sua vida perfeita... Amélia não estava com humor para isso.

-
O que está passando na TV?

- O reveillon no Times Square. Agora sim, o ano começou.

- Feliz 1982, então!

Dizendo isso, Zwingli estendeu o jornal para Amélia, que suspirou e passou os olhos por ele. Então sentiu o seu coração parar: A manchete dizia:

“MENINO-QUE-SOBREVIVEU DESTRÓI AQUELE-QUE-NÃO-DEVE-SER-NOMEDO. BRUXOS DO MUNDO INTEIRO COMEMORAM A QUEDA DOS COMENSAIS DA MORTE E O FIM DA GUERRA!”.

Ela o olhou, em choque.

Acabou.’

Ele pigarreou, e falou num tom de desculpa.

- Só me deram esse jornal hoje... Se eu soubesse antes, teria lhe dito, você sabe.

Só então ela atentou para a data do jornal: dia primeiro de novembro. Há dois meses.

O seu olhar ficou preocupado. Soltou o jornal e caiu no sofá. Com o olhar perdido, ela sussurrou.

- Severo... Ele está me esperando... Eu disse que ia voltar.

Ele segurou a mão dela.

- Então volte.

Ela sorriu.

- É!... Obrigado... é...

E se limitou a pegar um casaco e desaparatar para o ministério australiano, onde pegaria uma chave de portal de volta à Inglaterra.

XxXxXxX

Sim, eu estou viva.

Capítulo bem mais ou menos, eu reconheço. Mas necessário.

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