Capítulo 11
Capítulo Onze
Hermione estava sentada no canapé em seu quarto, cercada de caixas recém-chegadas do ateliê de madame Maxime, contendo mais roupas, que se somariam à variedade já imensa de vestidos para o dia e para a noite, trajes de montaria, capas, casacos, chapéus, luvas, xales e sapatos que tomavam conta de seu guarda-roupa.
— Milady! — Angelina exclamou, ao desembrulhar uma capa de cetim azul-royal, com capuz orlado de arminho. — Já viu coisa mais linda?
Hermione ergueu os olhos da carta de Ginny.
— É bonita — murmurou sem muito entusiasmo. Quantas capas já tenho?
— Onze. Não, doze. Já ia me esquecendo da amarela, de veludo. Ou seriam treze? Deixe-me pensar... São quatro de veludo, cinco de cetim, duas de pele e três de lã. Catorze, ao todo!
— É difícil acreditar que eu costumava passar muito bem com apenas duas capas — Hermione lembrou-se, sorrindo. — E, quando voltar para casa, três ou quatro serão mais que suficientes. Acho um desperdício lorde Potter gastar tanto dinheiro com roupas que nem terei onde usar, dentro de algumas semanas. Em Portage, Nova York, as mulheres não usam trajes tão sofisticados — concluiu, retomando a leitura da carta da irmã.
— Quando vai voltar para casa? — Angelina perguntou, alarmada. — O que está querendo dizer? Desculpe, milady, por ter perguntado.
Na verdade, Hermione nem sequer ouvira a criada, pois já se encontrava profundamente concentrada na carta que recebera havia pouco.
Querida Mione,
Recebi sua carta há uma semana e fiquei muito feliz por
saber que viria para Londres, pois não vejo a hora de vê-la.
Eu disse à vovó que pretendia encontrar você assim que
chegasse, mas, em vez de ficarmos em Londres, partimos
no dia seguinte para a casa de campo de vovó, que fica a
menos de uma hora a cavalo de Gryffindor Park. Agora, eu
estou no campo e você, na cidade. Mione, tenho a impressão
se que vovó pretende nos manter completamente separadas,
e isso me deixa muito triste e furiosa. Precisamos descobrir
um meio de nos encontrarmos, mas deixarei a questão a
seu encargo, uma vez que é bem melhor do que eu para
arquitetar planos.
Talvez eu esteja apenas imaginando as intenções de vovó.
Não posso afirmar com certeza. Apesar de rígida, ela não
foi cruel comigo, nem uma vez. Planeja me arranjar o que
chama de um bom casamento e, para isso, parece já ter
escolhido um cavalheiro chamado Zabini. Tenho dezenas
de vestidos maravilhosos, embora não possa usar a maioria
deles enquanto não fizer meu début, o que parece ser uma
tradição muito esquisita. E vovó afirma que não posso de-
butar enquanto você não estiver noiva de alguém, o que é
mais uma tradição por aqui. As coisas eram muito mais
simples em casa, não acha?
Já perdi a conta de quantas vezes expliquei à vovó que você
está praticamente noiva de Draco Malfoy e que eu
desejo seguir a carreira musical, porém ela parece simples-
mente não ouvir.
Ela nunca mencionou seu nome, mas falo de você o tempo
todo, de propósito, pois pretendo vencê-la pelo cansaço e
fazer com que a convide para ficar conosco. Vovó não me
proíbe de falar em você , mas nunca pronuncia nem uma
palavra sequer quando o faço. É como se ela preferisse fingir
que você não existe. Limita-se a me ouvir, mantendo o rosto
completamente inexpressivo.
Para ser honesta, eu a estou torturando, de tanto falar de
você, embora me mantenha discreta, conforme prometi. No
início, eu me limitava a incluir seu nome na conversa, sem-
pre que possível. Quando vovó disse que tenho um rosto
bonito, fiz questão de dizer que você é muito mais bonita;
quando ela comentou meu dom para tocar piano, eu disse
que você toca muito melhor; quando ela elogiou meus modos
à mesa, garanti que você é uma verdadeira lady.
Quando todas as minhas tentativas de fazê-la entender quan-
to sinto a sua falta falharam, fui obrigada a tomar medidas
mais drásticas. Assim, levei aquele seu retrato de que tanto
gosto para a sala e o coloquei sobre a lareira. Vovó não
comentou, mas, no dia seguinte, providenciou para que eu
fizesse um passeio pela cidade de Londres e, quando voltei,
o retrato estava de volta ao meu quarto.
Alguns dias depois, sabendo que ela esperava algumas ami-
gas para o chá, entrei sorrateiramente no salão preferido de
vovó e preparei uma pequena exposição dos desenhos que
você fez, retratando paisagens de Portage. Quando as amigas
de vovó entraram, ficaram maravilhadas e não pararam de
elogiar o seu talento. Vovó, porém, não disse nada e, no
dia seguinte, mandou-me para Yorkshire. Quando voltei,
dois dias depois, os desenhos haviam sido guardados no ar-
mário do meu quarto.
Esta noite, ela recebeu amigos novamente e pediu que eu
tocasse piano para entretê-los. Obedeci, mas enquanto to-
cava, cantei a canção que eu e você compusemos juntas.
Demos o título de Irmãs para Sempre, lembra-se? A julgar
pela expressão de vovó, ela estava furiosa comigo. Quando
seus amigos se foram, ela me informou de que vai me mandar
para Devonshire, onde deverei ficar por uma semana inteira.
Se continuar a provocá-la, tenho a impressão de que ela
será capaz de me mandar para Bruxelas, ou para qualquer
outro lugar, por um mês! Mesmo assim, não vou desistir.
Bem, vamos mudar de assunto.
Você deve ter ficado chocada ao saber que seu noivado
com lorde Potter havia sido anunciado. Imagine como Dra-
co se sentiria se soubesse! No entanto, agora que está
tudo esclarecido e essa história não vai dar em nada, acho
que você deve se alegrar com seu novo guarda-roupa e
não se sentir culpada por não ter observado o período de
luto apropriado por papai e mamãe. Tenho usado luvas pre-
tas, pois vovó disse que é assim que se demonstra luto na
Inglaterra, embora algumas pessoas se vistam de preto du-
rante seis meses e de cinza nos seis meses seguintes.
Vovó é do tipo que se recusa a quebrar convenções e tra-
dições. Por isso, de nada adiantou eu garantir que você está
noiva de Draco, pois não poderei debutar antes da próxima
primavera. Ela diz que um ano deve se passar desde a morte
de um parente próximo, antes que alguém freqüente eventos
sociais, exceto por reuniões pequenas e informais. A verdade
é que não estou me importando com isso, pois a perspectiva
de grandes bailes me assusta. Peço que você me escreva,
contando se é mesmo tão ruim.
Vovó irá a Londres com certa freqüência, durante a tem-
porada, para ir ao teatro, que ela adora. Prometeu me levar
de vez em quando. Assim que eu souber quando isso vai
acontecer, enviarei uma mensagem para você e descobrire-
mos um meio de nos encontrarmos.
Preciso encerrar por aqui, pois vovó contratou um professor
de etiqueta para me ensinar como deverei me comportar em
sociedade, quando finalmente debutar. Há tanto o que apren-
der, que chego a ficar atordoada...
Hermione guardou a carta em uma gaveta, olhou para o relógio sobre a lareira e suspirou. Sabia muito bem a que Ginny se referia no último parágrafo, pois a srta. Sibila Trelawney passara as duas últimas semanas lhe ensinando regras de etiqueta. Agora estava na hora de mais uma aula.
— Aí está você — a srta. Sibila declarou com um sorriso, ao ver Hermione entrar no salão. — Hoje, vamos repassar as formas corretas de se dirigir aos membros da nobreza, pois seria um desastre você cometer um erro desse tipo no seu baile, amanhã.
Reprimindo o impulso de fugir dali, Hermione se sentou ao lado de Sirius, de frente para a srta. Sibila. Durante quase duas semanas, a mais velha a arrastara de ateliê para ateliê, incluindo visitas intermináveis à costureira, ao chapeleiro, ao sapateiro... tudo isso entre as também intermináveis aulas de etiqueta, dança e francês. Durante as últimas, a srta. Sibila prestava muita atenção aos mínimos erros de Hermione, conduzindo verdadeiros interrogatórios sobre seus interesses e planos para o futuro.
— Muito bem — a srta. Sibila começou. — Vamos iniciar nossa aula pelos duques. Como já lhe disse, um duque possui o título mais alto da nobreza, superado apenas pelos títulos da realeza. Tecnicamente, duques são “príncipes”. Pode parecer que a posição do príncipe seja superior à do duque, mas devo lembrá-la de que os filhos da realeza já nasceram príncipes, mas são educados para serem duques. Nosso querido Sirius é um duque! — acrescentou, com um sorriso triunfante, a informação absolutamente desnecessária.
— Certo — Hermione concordou, retribuindo o sorriso solidário de Sirius.
— Logo abaixo do duque vem o marquês. Um marquês é herdeiro de um ducado. E é por isso que o nosso querido Harry é um marquês! Então, vem o conde, o visconde e, finalmente, o barão. Quer que eu faça uma lista por escrito, querida?
— Não, não — Hermione apressou-se em responder. — Já sei a ordem dos títulos de cor.
— Você é tão inteligente! Muito bem, então, vamos às maneiras de se dirigir a cada um deles. Quando falar a um duque, deve chamá-lo de “alteza”. Nunca — a srta. Sibila pronunciou em tom enfático — se dirija a um duque como “milorde”. Uma duquesa também deve ser chamada de “alteza”. Todos os demais devem ser chamados de “milorde” e “milady”, que é a forma apropriada de se dirigir a eles. Quando for duquesa, você será chamada de “alteza”! Não é excitante?
— Sim — Hermione balbuciou, embaraçada.
Sirius havia lhe explicado os motivos pelos quais era tão importante que a sociedade londrina continuasse acreditando que Hermione e Harry estavam noivos. E, como Sibila Trelawney falava demais, ela devia pensar o mesmo.
— Já obtive a permissão necessária das matriarcas para você dançar a valsa, amanhã, mas isso não tem importância agora. O que acha de repassarmos a linhagem Debrett?
Para profundo alívio de Hermione, Slughorn entrou no salão naquele exato momento, a fim de anunciar a chegada da condessa Weasley.
— Traga-a até nós, Slughorn — Sirius instruiu-o em tom jovial.
Luna Weasley entrou no salão, percebeu os livros de etiqueta e o grosso volume a respeito dos Debrett abertos sobre a mesa e olhou para Hermione com ar conspiratório.
— Vim convidá-la para passear comigo no parque — declarou.
— Ah, eu adoraria! — Hermione respondeu de pronto, levantando-se. — Importa-se se eu sair, senhorita Sibila? Tio Sirius?
Ambos deram sua permissão e Hermione correu até seu quarto, a fim de apanhar o chapéu.
Enquanto esperava pela amiga, Luna tratou de exibir maneiras impecáveis.
— Imagino que estejam ansiosos pelo baile de amanhã — comentou.
— Ah, sim, muito! — a srta. Sibila confirmou, sacudindo os cachos dourados com muita energia. — Hermione é uma jovem adorável, o que não preciso dizer a você, que já a conhece. Ela é tão simpática e agradável para se ter como companhia! E que olhos! Tem um rosto lindo, também. Tenho a mais absoluta certeza de que vai fazer muito sucesso. Só acho uma pena que Hermione não seja loira — lamentou com um suspiro, sem se aperceber dos cachos loiros de lady Weasley. — As loiras estão definitivamente na moda. — Então, virou-se para Sirius: — Lembra-se de lorde Filch, quando era jovem? Eu o considerava o homem mais atraente do mundo. Ele tinha cabelos ruivos e porte invejável. O irmão dele era tão baixinho... — E assim ela continuou, pulando de um assunto para outro, como um passarinho de galho em galho.
Hermione olhou para o parque a sua volta e respirou fundo.
— É tão quieto aqui — comentou com Luna. — Tem sido muita bondade sua me salvar da senhorita Sibila quase todas as tardes com esses passeios.
— O que estavam estudando, quando cheguei?
— A maneira correta de se dirigir aos membros da nobreza.
— E você já decorou todos os títulos e tratamentos?
— Claro! Tudo o que tenho de fazer é chamar os homens de “ milorde”, como se fossem deuses, e suas esposas de “milady”, como se eu fosse sua criada! — As duas caíram da risada, antes de Hermione continuar: — Minha maior dificuldade é o francês. Minha mãe ensinou a mim e a Ginny a ler muito bem em francês, mas não consigo me lembrar das palavras adequadas quando falo.
Luna que falava francês fluentemente, tentou ajudar:
— Às vezes, é mais fácil aprender uma língua em frases úteis do que em palavras soltas. Assim, você não precisa pensar em como colocá-las juntas. O resto vem depois, naturalmente. Por exemplo, como você me pediria o material necessário para escrever uma carta?
— Mon pot d’encre veut vous emprunter votre stylo? — Hermione arriscou.
Luna mal pôde conter o riso.
— Você disse: “Meu tinteiro deseja tomar a sua pena emprestada”.
— Pelo menos, cheguei perto — Hermione concluiu às gargalhadas.
Os ocupantes de outras carruagens, que passeavam pelo parque, viraram-se ao som musical das risadas alegres das duas. E, mais uma vez, confirmaram o interesse especial da arrojada condessa Weasley por lady Hermione entre os membros da ton que ainda não a conheciam pessoalmente.
Hermione afagou a cabeça de Wolf, que invariavelmente as acompanhava nos passeios, antes de murmurar, pensativa:
— É incrível que eu tenha aprendido matemática e química com meu pai sem a menor dificuldade e, por outro lado, tenha tantos problemas com o francês. Talvez eu não consiga aprender por achar a tarefa tão sem sentido.
— Por que é sem sentido?
— Porque Draco chegará em breve e me levará para casa.
— Sentirei a sua falta — Luna declarou com uma ponta de melancolia. — A maioria das amizades leva anos para se tornar tão fortes quanto a nossa é agora. Quando, exatamente, acha que Draco vai chegar?
— Enviei-lhe uma carta uma semana depois da morte de meus pais. A carta levaria aproximadamente seis semanas para chegar ao seu destino e Draco demoraria mais seis semanas para chegar à América. Então, precisaria de quatro a seis semanas para voltar para cá. O total ficaria entre dezesseis e dezoito semanas. Amanhã completam-se exatamente dezoito semanas desde que enviei a carta.
— Seus cálculos pressupõem que ele recebeu a carta na Suíça, mas o correio europeu nem sempre é confiável. Além disso, Draco poderia já ter partido para a França, quando a carta chegou.
— Entreguei uma segunda carta à senhora Malfoy, mãe de Draco, com o endereço dele na França, para o caso de isso acontecer — Hermione explicou. — Se eu soubesse, na ocasião, que viria para a Inglaterra, ele poderia ter ficado na Europa, o que teria sido muito mais conveniente. Infelizmente, eu não sabia e, assim, escrevi apenas que meus pais haviam morrido em um acidente. Tenho certeza de que ele partiu para a América imediatamente, quando recebeu a notícia.
— Então, por que ele não chegou lá, antes de você partir?
— Provavelmente, não houve tempo. Calculo que ele tenha chegado uma ou duas semanas depois da minha partida.
Luna observou a amiga por um momento, antes de perguntar:
— Hermione, já disse ao duque de Grimmauld que tem certeza de que Draco virá buscá-la?
— Sim, mas ele se recusa a acreditar. E é por não acreditar que faz questão que eu tenha essa temporada londrina.
— Não acha estranho ele querer que você e lorde Potter finjam estarem noivos? Não quero bisbilhotar — Luna desculpou-se depressa. — Se você preferir não discutir o assunto, saberei compreender.
Hermione sacudiu a cabeça de pronto.
— Não! Já faz algum tempo que desejo conversar sobre isso com você, mas não queria abusar da nossa amizade, desabafando todos os meus problemas.
— Ora, eu já lhe contei tudo sobre a minha vida — Luna argumentou. — Afinal, é para isso que servem os amigos. Você não faz idéia de como é saber que posso me relacionar com um membro da ton que não vai sair por aí espalhando tudo o que eu disser.
Hermione sorriu.
— Nesse caso... Sirius diz que o motivo pelo qual ele quer que todos acreditem que estou noiva é porque isso me manterá livre de outras “complicações”. Na condição de noiva, segundo ele, poderei desfrutar de todos os prazeres de meu début, sem ser pressionada por pretendentes, ou pela sociedade, para escolher um noivo.
— Ele não deixa de ter razão — Luna admitiu. — Ainda assim, está se esforçando demais só para evitar que os cavalheiros a pressionem com propostas de casamento.
— Sei disso — Hermione confessou, pensativa. — Estive pensando... Tio Sirius gosta muito de mim e, às vezes, acho que ele ainda tem esperanças de que lorde Potter e eu nos casemos, caso Draco não venha me buscar.
— Acha que isso é possível? — Luna inquiriu, preocupada.
— De jeito nenhum — Hermione garantiu, convicta.
— Ótimo — a amiga não escondeu o alívio. — Eu ficaria preocupada com você, se se casasse com lorde Potter.
A curiosidade tomou conta de Hermione.
— Por quê?
— Eu não deveria ter dito isso, mas como já disse, é melhor esclarecer a questão. Se Draco não vier buscá-la, você precisa saber que tipo de homem lorde Potter realmente é. Existem residências onde ele é recebido, mas não é bem-vindo...
— Por que motivo?
— Ao que parece, houve algum tipo de escândalo, há quatro anos. Não conheço detalhes porque era jovem demais para ter acesso a bisbilhotices realmente escandalosas. Na semana passada, perguntei ao meu marido, mas ele é amigo de lorde Potter e se recusa a tocar no assunto. Disse apenas que tudo não passou de boatos sem fundamento, espalhados por uma mulher vingativa. Além disso, ele me proibiu de perguntar a quem quer que fosse por achar que isso poderia trazer à tona o velho mexerico novamente.
— A senhorita Sibila diz que a ton está sempre fervilhando com algum tipo de mexerico e que, na maioria das vezes, tudo não passa de boatos sem fundamento — Hermione comentou. — Seja o que for, tenho certeza de que saberei de tudo nas próximas duas semanas.
— Está enganada — Luna afirmou, convicta. — Em primeiro lugar, como você é jovem e solteira, ninguém vai comentar alguma coisa ligeiramente escandalosa perto de você, com medo de ferir sua sensibilidade. Em segundo, as pessoas falam dos outros, mas raramente contam suas histórias para quem está envolvido. Faz parte da natureza do mexerico ser espalhado pelas costas daqueles intimamente ligados à história.
— Porque, assim, o mexerico causa maiores danos e provoca maior excitação — Hermione concordou. — O mexerico não era incomum em Portage e, também, raramente tinha fundamento.
— Talvez, mas quero avisá-la sobre outra coisa — Luna continuou, parecendo sentir-se culpada, mas determinada a proteger a amiga. — Por causa de seu título e de sua fortuna, lorde Potter ainda é considerado um excelente partido e as mulheres o consideram extremamente atraente. Por essas razões, as solteiras não poupam esforços para agradá-lo. No entanto, ele não lhes dispensa um tratamento gentil. Na verdade, chega a ser definitivamente rude em diversas situações. Hermione, lorde Potter não é um cavalheiro.
Com essa conclusão, a condessa esperou por alguma reação de Hermione, mas uma vez que esta se limitava a fitá-la, como se aquele defeito de caráter não tivesse maior importância, Luna prosseguiu:
— Os homens o temem tanto quanto muitas mulheres, não só por sua frieza e cinismo, mas por causa dos rumores sobre seus duelos na Índia. Dizem que ele participou de dezenas de duelos e matou seus oponentes a sangue-frio, sem demonstrar o menor traço de emoção ou arrependimento. Dizem que é capaz de desafiar um homem para um duelo pela ofensa mais banal...
— Não acredito — Hermione interrompeu-a com lealdade inconsciente.
— Você não pode acreditar, mas muita gente acredita e tem medo dele.
— Ele é marginalizado por isso?
— Muito pelo contrário. As pessoas literalmente se curvam diante dele. Ninguém tem coragem de enfrentá-lo.
— Não é possível que todos que o conheçam tenham medo dele! — Hermione exclamou, incrédula.
— Quase todos. Ronald gosta dele com sinceridade e ri quando digo que há algo sinistro em lorde Potter. Uma vez, porém, ouvi a mãe de Ronald dizer a um grupo de amigas que lorde Potter é depravado, que usa as mulheres e, então, as abandona.
— Ele não pode ser tão ruim. Você mesma disse que é considerado um excelente partido.
— Na verdade, é considerado o melhor partido da Inglaterra.
— Está vendo? Se as pessoas acreditassem que ele é tão terrível quanto você pensa, nenhuma jovem, ou sua mãe, jamais pensaria em um casamento com ele.
Luna sorriu ironicamente.
— Por um título de duquesa e uma grande fortuna, existem mulheres dispostas a se casarem até mesmo com o Barba-Azul! — Como Hermione achasse graça, a amiga persistiu: — Ele não lhe parece estranho e assustador?
Hermione considerou a pergunta com cuidado. Lembrou-se dos modos rudes de Harry quando ela chegara a Gryffindor e de sua ira incontrolada ao surpreendê-la nadando no riacho. Também se lembrou da facilidade com que ele trapaceara no jogo de cartas, a consolara na noite em que a encontrara chorando e rira de sua tentativa de ordenhar a vaca. E, ainda, do modo como ele a apertara contra si e a beijara com paixão e ternura, mas tratou de afastar tal lembrança bem depressa.
— Lorde Potter é, sem dúvida, muito temperamental — começou. — Por outro lado, já notei que ele não guarda rancor e pouco tempo depois, se mostra disposto a realmente deixar para trás o que já passou. Sou muito parecida com ele nesse aspecto, embora não me zangue com tanta facilidade e rapidez. E posso afirmar que lorde Potter não me desafiou para um duelo, quando ameacei atirar nele — acrescentou com uma risada. — Portanto, não acredito que ele goste tanto de matar pessoas. Se me pedisse para descrevê-lo, eu provavelmente diria que se trata de um homem extremamente generoso, que pode até mesmo ser gentil, por trás de sua...
— Você só pode estar brincando!
— Não. Só o vejo de maneira diferente de você. Sempre tento ver as pessoas como meu pai me ensinou.
— E seu pai a ensinou a ficar cega para os defeitos das pessoas?
— Meu pai era médico e me ensinou a procurar pelas causas e não só pelos sintomas. Por isso, sempre que alguém se comporta de maneira estranha, começo a me perguntar por que a pessoa age assim. Acredite, sempre existe uma razão. Por exemplo, já notou que quando alguém não se sente bem, geralmente se mostra irritado?
Luna assentiu.
— Meus irmãos ficavam de mau humor diante da mais leve dor de cabeça.
— É disso que estou falando: seus irmãos não são más pessoas, mas quando não se sentem bem, ficam mal-humorados.
— Quer dizer que você acha que lorde Potter é doente?
— Acho que ele não é feliz, o que equivale a não se sentir bem. Além disso, meu pai também me ensinou a dar mais importância ao que as pessoas fazem do que ao que elas dizem. Se você analisar lorde Potter desse ângulo, verá que ele tem sido muito bom para mim. Ele me deu um lar e mais roupas bonitas do que serei capaz de usar em toda a minha vida. E me deixou levar Wolf para dentro de casa.
— Você deve possuir uma compreensão superior da natureza humana — Luna concluiu, pensativa.
— Não é verdade — Hermione protestou com um sorriso maroto. — Fico mal-humorada e magoada com a mesma facilidade que os outros. É só “depois” que me lembro de tentar compreender o motivo pelo qual a pessoa me tratou de tal maneira.
— E não tem medo de lorde Potter, nem mesmo quando ele está zangado?
— Só um pouquinho, mas não o vejo desde que vim para Londres e, portanto, posso estar cheia de coragem devido a distância que nos separa, no momento.
— Separava — Luna corrigiu-a, pois, naquele momento, a carruagem entrou no jardim da mansão Gryffindor, onde outra carruagem estava estacionada. — Aquele é o brasão de lorde Potter — explicou e, apontando para uma terceira carruagem, continuou: — E aquela é nossa. O que significa que meu marido já resolveu seus negócios e decidiu vir me buscar.
Hermione sentiu o coração disparar diante da notícia de que Harry estava em casa. Porém, atribuiu tal reação ao sentimento de culpa por ter falado dele com Luna.
Os dois homens estavam no salão, ouvindo pacientemente o relato da srta. Sibila sobre os progressos de Hermione naquelas duas semanas, freqüentemente interrompido por comentários nostálgicos sobre o début dela mesma, cerca de cinqüenta anos antes. Bastou um olhar para as feições de Harry para Hermione concluir que, mentalmente, ele estava estrangulando a pobre mulher.
— Hermione! — a srta. Sibila exclamou ao vê-la. — Finalmente! Estive contando a estes cavalheiros sobre seus dotes ao piano e os dois estão mais que ansiosos para ouvi-la tocar. — Sem perceber a expressão irônica que tomou conta do semblante de Harry, ao ser descrito como “mais que ansioso”, ela conduziu Hermione até o piano, insistindo para que tocasse imediatamente.
Sem saber o que fazer, Hermione se sentou no banquinho e lançou um olhar para Harry, que se concentrava em retirar um fiapo de lã da calça preta. Parecia mais entediado do que nunca e também, mais bonito do que nunca. Hermione sentiu outra onda de nervosismo quando ele ergueu os olhos para fitá-la com um sorriso zombeteiro.
— Nunca tive a oportunidade de conhecer uma mulher capaz de nadar, atirar, domesticar animais selvagens e, ainda, tocar piano — ele gracejou.
Pelo tom de voz, Hermione deu-se conta de que ele esperava que ela tocasse muito mal. Desejou ardentemente adiar aquele recital para um momento em que não se sentisse tão nervosa.
— O senhor Flitwick deu aulas de piano para Ginny e para mim, como pagamento pelo tratamento que meu pai lhe proporcionava para os pulmões, mas Ginny toca muito melhor do que eu. Passei meses sem tocar e só recomecei a praticar há duas semanas. Ainda não recuperei a forma — tentou se desculpar. — Minha interpretação de Beethoven é medíocre e...
A esperança de ser dispensada morreu quando Harry ergueu uma sobrancelha e apontou para o teclado.
Hermione suspirou e se rendeu.
— Gostaria de ouvir algo em particular?
— Beethoven — ele respondeu.
Hermione lançou-lhe um olhar exasperado, que só serviu para tornar o sorriso de Harry mais largo. Em seguida, ela abaixou a cabeça e se preparou para tocar. Quando pousou os dedos sobre o teclado, o aposento vibrou com a melodia contagiante da Sonata em Fá Menor para Piano, de Beethoven.
No corredor , Slughorn interrompeu o polimento de uma peça de prata e fechou os olhos, extasiado. No hall de entrada, McLaggen suspendeu o sermão que passava em um subordinado e virou-se na direção do salão, com um sorriso de prazer.
Quando Hermione terminou, todos no salão explodiram em aplausos espontâneos. Exceto Harry, que se reclinou na poltrona, com um sorriso maroto nos lábios.
— Você possui mais algum dote “medíocre”? — indagou em tom de provocação, embora houvesse um brilho de sincera admiração em seus olhos.
O que proporcionou a Hermione um prazer imenso.
Luna e o marido partiram em seguida, prometendo comparecer ao baile, no dia seguinte. A srta. Sibila foi acompanhá-los até a porta. Ao se ver sozinha com Harry, Hermione ficou extremamente nervosa e, para esconder os sentimentos, desatou a falar:
— Estou surpresa por vê-lo aqui.
— Não pensou que eu ficaria ausente no seu début, pensou? Não sou totalmente indiferente às tradições. Se todos acreditam que estamos noivos, o que iriam pensar se eu não viesse?
— Milorde... — Hermione começou a falar.
— Isso soa muito bem — ele a interrompeu com uma risada. — Respeitoso. Você nunca me chamou assim, antes.
— E não teria chamado agora, se a senhorita Sibila não estivesse passado os últimos dias me torturando com títulos e maneiras de me dirigir aos nobres. Mas o que comecei a dizer é que não sei mentir muito bem e a idéia de dizer às pessoas que estamos noivos me faz sentir péssima. Tio Sirius não dá ouvidos as minhas objeções, mas não creio que essa farsa seja uma boa idéia.
— Não é — Harry concordou. — O motivo para lhe proporcionar esta temporada londrina é justamente apresentá-la a pretendentes em potencial...
Hermione abriu a boca para insistir que Draco se tornaria seu marido, mas Harry a impediu com um gesto.
— O motivo é apresentá-la a pretendentes em potencial, caso David não se apresse em vir resgatá-la.
— Draco — Hermione corrigiu. — Draco Malfoy.
Harry deu de ombros.
— Quando alguém tocar no assunto do nosso noivado, quero que diga o que estou dizendo.
— O quê?
— Tenho dito que nada está decidido porque você ainda não me conhece o bastante para ter certeza de seus sentimentos por mim. Assim, deixaremos a porta aberta para qualquer futuro pretendente, e nem mesmo Sirius poderá se queixar.
— Ainda prefiro dizer a verdade e contar que não estamos noivos.
— Não podemos fazer isso. Se um de nós dois der o suposto noivado por encerrado, tão pouco tempo depois da sua chegada à Inglaterra, todos começarão a especular sobre qual dos dois foi rejeitado e os mexericos vão correr soltos.
No mesmo instante, Hermione lembrou-se do que Luna lhe contara sobre a atitude da ton com relação a Harry e adivinhou o que iriam dizer se pensassem que ela o rejeitara. Analisando a situação daquele ponto de vista, sentiu-se imediatamente disposta a levar a farsa adiante. Por nada no mundo retribuiria a atenção e a generosidade de Harry para com ela, permitindo que pensassem que ela o achava repugnante ou assustador como futuro marido.
— Muito bem — disse. — Direi que nada está decidido.
— Boa menina. Sirius já teve um ataque cardíaco quase fatal e o seu coração é fraco. Não quero lhe causar preocupações desnecessárias e ele está determinado a vê-la bem casada.
— Mas... O que vai acontecer a ele quando Draco vier me buscar? — Hermione inquiriu, aflita. — E o que as pessoas vão dizer quando eu... quando eu rejeitar você para me casar com Draco?
Harry fitou-a com olhar divertido.
— Se isso acontecer, diremos que você tem de honrar um compromisso assumido por seu falecido pai. Na Inglaterra, o dever de uma filha é se casar com o homem escolhido por sua família. Todos irão compreender. Sirius sentirá a sua falta, mas se acreditar que você está feliz, o golpe será mais suave. No entanto não creio que nada disso vá acontecer. Sirius me falou sobre Malfoy e, ao que parece, trata-se de um homem fraco, dominado pela mãe viúva. Sem a sua presença na América para reforçar a coragem, ele certamente não terá a fibra necessária para desafiar a mãe e vir buscar você.
— Ora, pelo amor... — Hermione começou a protestar com veemência, mas Harry a interrompeu em tom autoritário.
— Ainda não terminei. Aparentemente, seu pai não estava certo de que esse casamento seria o melhor para você. Afinal, ele insistiu em uma separação para testar os sentimentos de vocês dois, sabendo que já se conheciam desde crianças. Quando seu pai morreu, você não estava noiva de Malfoy, Hermione. Portanto, se ele bater a nossa porta, terá de conquistar a minha aprovação para poder se casar com você e levá-la de volta para a América.
Hermione se sentiu dividida entre a fúria e um acesso de riso.
— Quanta petulância! — exclamou. — Você nem conhece Draco, mas já decidiu que tipo de homem ele é. E, agora, diz que não poderei me casar com ele, a menos que você o aprove. Justamente você, que quase me expulsou da sua casa, quando cheguei a Gryffindor! — A situação era tão absurda, que ela começou a rir. — Francamente, nunca sei o que você vai dizer ou fazer a seguir, para me surpreender. Não tenho a menor idéia de como agir com você.
— Tudo o que tem a fazer — Harry respondeu com um sorriso — é prestar bastante atenção a todos os jovens solteiros que conhecer durante a temporada, escolher o que mais lhe agradar e trazê-lo para que eu o conheça, aprove e lhe dê minha benção. Nada poderá ser mais fácil, pois estarei trabalhando no meu escritório aqui, na maior parte do tempo.
— Aqui? — Hermione repetiu, sufocando o riso provocado pela descrição de como ela deveria escolher um marido. — Pensei que fosse se hospedar na casa de tio Sirius.
— Dormirei lá, mas trabalharei aqui. A casa de Sirius é extremamente desconfortável. A mobília é muito velha e os aposentos são pequenos e escuros. Além disso, ninguém pensará em tolices se eu ficar aqui durante o dia, desde que você conte com companhia adequada, o que já acontece. Assim, não há motivo para que eu seja perturbado enquanto trabalho. Falando em companhia, Sibila Trelawney já a enlouqueceu com sua tagarelice?
— Ela é adorável — Hermione respondeu, esforçando-se para não rir.
— Nunca vi uma mulher capaz de falar tanto e dizer tão pouco.
— Ela tem um bom coração.
— Verdade — Harry concordou, distraído e, olhou para o relógio. — Tenho ingressos para a ópera, esta noite. Quando Sirius chegar, diga-lhe que estive aqui e que voltarei a tempo de receber os convidados, amanhã.
— Está bem, mas quero avisá-lo de que ficarei mais satisfeita quando Draco chegar e você for forçado a admitir que errou em seu julgamento.
— Não conte com isso.
— Ah, mas já estou contando! E pensarei nas maneiras mais humilhantes de forçá-lo a essa admissão!
— Você não tem medo de nada?
— Não tenho medo de você.
— Pois, deveria — ele concluiu em tom enigmático e saiu.
N/A: Desculpem pela demora, ainda estou um pouco ocupada e se não bastasse isso fiquei doente essa semana, mas hoje acordei bem melhor. O próximo capítulo eu não sei quando sai, provavelmente vai demorar um pouco.
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Bjs,
Jéssica Malfoy
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