Dejavù?



Ao sentar no estreito banquinho defronte a uma multidão de crianças e sentir o peso do chapéu seletor em sua cabeça, aquele menino de onze anos, muito pequeno para sua idade, estremeceu.

Ora, vejam só! Quem aqui está!
Conheço seus pais muito bem,
Mas... vocês se conhecem?
Devo dizer que seu pai é muito sábio,
Ousado e perspicaz,
Sua mãe por outro lado é inteligente,
Ponderada e sagaz!
Seu lugar é onde de fato estiveram
E juntos seu amor esconderam.
SONSERINA!

Quando o chapéu terminou, o garoto sorriu eufórico dando um soco no ar.

Como em todas as primeiras aulas que dava, Severo Snape passava, monotonamente, as instruções de como seriam suas aulas. Entre as explicações observava os alunos e foi quando notou um garoto que lhe parecia familiar, era mirrado, muito pálido e com longos cabelos negros sebosos caindo sobre os ombros. Percorreu a lista de chamada, mas nenhum nome lhe soou conhecido. A não ser o nome Malfoy, olhou novamente para a classe e procurou por um menino de cabelos muito claros, encontrou dois ou três, sorriu e leu o nome Justus Malfoy em voz alta. Surpreendeu-se quando o menino macilento de cabelos escorridos ergueu lentamente o braço raquítico. E Justus não demorou a conquistar os professores e a simpatia de Snape, era um menino muito aplicado e tinha sempre as respostas certas na ponta da língua.
As duas primeiras semanas de aula se passaram num piscar de olhos. Mas como havia muitos alunos naquele ano, Dumbledore decidiu que haveria um professor para cada matéria, logo, Snape lecionaria apenas uma das duas aulas que ministrar anos a fio, Defesa Contra a Arte das Trevas e Poções. Estivera aborrecido com Dumbledore por alguns dias, mas vendo o montante de pergaminhos que tinha a corrigir apenas em alguns dias de aula, concordou com imenso gosto. Como de costume, nos intervalos entre uma aula e outra, alguns alunos corriam para pegarem os melhores lugares. Os professores saíam das salas desviando preocupados, pois as crianças pareciam ver apenas seus horários de aula e os próprios colegas, nada mais.
― Pestinhas! - berrou Snape quase derrubando um importante tubo de ensaio cheio de poção Polissuco. Quase rogou praga ao pirralho com quem esbarrara, sorte dele não tê-lo reconhecido. Virou-se bruscamente ao ouvir Dumbledore chamá-lo e chocou-se com uma moça. A única coisa que viu foi seu tubo de ensaio rodopiar no ar e cair, estilhaçando-se, no chão. O diretor riu. Snape fechou os olhos, para provavelmente contar até cem, já que sua paciência não era das melhores, e quando abriu os olhos, deparou-se com a tal moça ajuntando livros do chão. Vendo o diretor ser prestativo e ajudá-la a ajuntá-los, Snape fez o mesmo, mas com rapidez para não perder muito tempo da próxima aula. Entretanto, percebeu, ao pegar um livro, que era de Poções, e um título que nunca havia visto muito menos lido.
― Ah, sim, Severo! - disse Dumbledore sorridente com uma mão no ombro de Snape - Esta é a professora que ficará no seu lugar em Poções!
― Olá, Severro! - disse uma voz, o sotaque fez Snape congelar. Levou seus olhos para a moça e viu a mulher que há mais de dez anos não vira... Antoine Dimanchè, mais linda do que nunca.
― Pro-professora? - gaguejou tentando sorrir, mas estava envergonhado ao estremo por ter gaguejado e tentado sorrir. Por fim conseguiu se recompor - E eu que pensei não acharem um substituto que se igualasse a mim!
Antoine sorriu e caminhou com eles até à mesa de jantar. Snape sentou ao lado dela e Dumbledore mais adiante, no centro, ao lado de Hagrid e Minerva. O professor de Defesa Contra a Arte das Trevas queria conversar, mas as palavras não saíam. Antoine também não dava motivos para que uma conversa se iniciasse, pois mal lançou um olhar a Snape naquele jantar. Era estranho estar com ela ali, depois de tantos anos e não dizer nada. Vendo que não seria aquele o dia em que conversaria, Snape comeu e se retirou.
Os alunos não paravam de falar da professora de Poções. Ela os cativara realmente e sem precisar descontar nenhum ponto. As aulas dela eram criativas, cheias de surpresas e todos mal agüentavam ter que esperar pela próxima aula.
Snape sentira que Antoine havia mudado muito. Em geral, davam-se bem, conversavam sobre os alunos e sobre as aulas, ela até lhe pedira algumas dicas. Tratava-o bem, mas de um jeito seco. Snape não parava de pensar se ela ainda estaria magoada, porém, passados tantos anos sem uma conversa sequer, não seria ele quem tomaria a iniciativa. Não queria admitir para si mesmo que era um covarde, que não tinha coragem de tocar no passado.

Aquele ano passou voando. No último dia, Antoine foi homenageada por ter criado dois novos feitiços de proteção para Hogwarts. Dumbledore já havia falado ao Conselho Bruxo e ao Ministério da Magia que indicaria Antoine para substituí-lo a longo prazo na diretoria de Hogwarts. O diretor também parabenizou a casa Sonserina por ter o aluno mais aplicado dos últimos tempos e por ser do primeiro ano! Snape explodia de soberba, mas já esperava por isso, tanto que, durante o ano, podia-se ver professor e aluno andando para cá e para lá juntos. O garoto? Justus Malfoy.

As férias de verão passaram tão rápido quanto o ano escolar anterior, e a manhã do primeiro dia de aula chegou. Era o segundo ano para Antoine como professora de Poções. Snape estava em sua classe fazendo a chamada e balançou a cabeça ao ler o livro que listava os alunos. Estaria tendo um “Dejavú?” pensou ao ler o nome Malfoy na lista daquele ano também. Percorreu a sala com os olhos e na terceira cadeira da fila do meio viu um menino muito louro, com profundos olhos azuis. Snape sorriu e chamou o menino pelo nome.
― Sou eu, professor, Damien Malfoy! - disse o menino com desdém. Para o professor, com absoluta certeza, este era filho ou neto de Lúcio Malfoy. O menino era astuto, cheio de si, preconceituoso e mesquinho. Atormentava todos, até os mais velhos. Na metade do primeiro mês já havia perdido mais pontos do que ganhara. Antoine parecia ser a única pessoa a quem respeitava. Também pudera, certa vez, ela o pegara pela orelha e o levara até Dumbledore. Depois daquele dia Damien se acalmou um pouco. Mas o que ele adorava fazer, o que considerava ser seu hobby, era maltratar os outros, principalmente os sangues ruins - denominação ainda utilizada por certas crianças -, e um menino em especial: Justus.

Era um sábado e os alunos mais velhos dirigiam-se a Hogsmeade. Justus estava sentado no jardim pensando o quanto queria ir, mas somente alunos do terceiro ano em diante tinham permissão.
― Pensando na vida, Justus?
― O que você quer? - Justus perguntou de cara fechada, olhando para as meninas que acabavam de passar por eles.
― Seria divertido ir a Hogsmeade, não? Toda aquela gente...
― No ano que vem poderei ir, Damien, pelo menos um ano com todos os sábados livres de você! - ironizou Justus.
― Seu bastardo!
― Olha quem fala!
― Sou eu! Damien Malfoy! - disse arrogante e enfatizando o sobrenome.
― Sabe que sou melhor do que você em tudo e tem inveja por isso! - alfinetou Justus.
― Humfr, você nem mesmo é filho de um Malfoy, recebeu o nome porque ficaram com pena da mamãe que tem um grande nome e iria ser envergonhada por ter um filho sem pai! - atiçou o loiro com escárnio.
― Retire o que disse! - Justus rangeu os dentes - Ou vou te quebrar todo!
― Até parece, seu magrelo! Ah, ah, ah! Que piada!
― Palhação, idiota!
― Ah, ah, ah! Pára que isso machuca! Ai, que palavras cruéis! - e Damien continuou gargalhando, chamando a atenção de que estava passando.
― Vou quebrar seus dentes! Cala a boca!
― Você morre de medo de nosso avô e sabe que ele me protege! Bas-tar-do! - naquele momento Justus pulou sobre Damien e o derrubou no chão. Agarrado ao pescoço dele, socava a cabeça do menino louro com toda força possível. A criançada gritava envolta dos dois. Era uma grande algazarra.
― Mas o que está acontecendo aqui? - pediu Antoine, que acabava de chegar acompanhada por Snape. Ao ouvir a voz da professora, os dois meninos ficaram imóveis, na posição em que se encontravam: Damien no chão, empurrando Justus, o outro com uma mão no pescoço do irmão e um braço erguido, preparado para dar mais um soco - Não tem jeito mesmo, não é? O que é que eu prreciso fazerr parra afastarr vocês dois? Olhem-se bem! Vocês são irrmãos! Pelo amorr que têem aos seus pais não brriguem!
“Ela havia dito... irmãos?” pensou Snape olhando para os dois meninos tentando achar alguma semelhança.
― Olhem suas roupas, estão rasgadas! - gritou Antoine enquanto olhava para Justus, ele tinha um olho roxo e um canto da boca sangrando - Vão parra a enferrmarria rápido e nada de se tocarrem no caminho! - ela balançou a cabeça e voltou a andar em direção à entrada do castelo, também iria à enfermaria. Snape correu para alcançá-la.
― Desculpe, mas você disse... irmãos?
― Você não sabia? - indagou nervosa.
― Não fazia idéia! - acrescentou Snape - Mas... são...
― Muito diferrentes, não? Também acho, o que fazerr? - disse de qualquer jeito. Snape a acompanhou até a enfermaria sem falar nada, mas seus pensamentos estavam a mil, ao chegarem perto escutaram Dumbledore ralhando com alguém, coisa que raramente fazia.
― Meninos, recomponham-se! - Dumbledore os observava há alguns minutos.
― Foi ele quem começou... - resmungou Damien apontando o dedo.
― E você o provocou, Damien! Eu estava aqui, vi tudo!
― Desculpe, professor Dumbledore. - murmurou Justus.
― Dêem as mãos.
― Eu não vou dar a mão pra esse aí! - resmungou Damien.
― Eu nem queria mesmo! - respondeu Justus.
― Otário! - ironizou Damien.
― Cala a boca! - resmungou Justus.
Os dois professores entraram na enfermaria e quando os meninos viram Antoine logo apertaram as mãos, como se já tivessem resolvido tudo, mas seus olhares não eram de arrependimento. Madame Pomfrey cuidou deles enquanto Dumbledore saiu conversando com Antoine.

Era um dos primeiros dias de inverno, a aula de Poções estava sendo dada ao ar livre. Antoine queria ensinar aos alunos como utilizar-se da natureza nua para poderem fazer poções. A maioria dos alunos prestava atenção, menos Damien e seu amigo Goyle. Os dois cochichavam e riam baixinho.
― Qual é a grraça, senhorr Malfoy?
― Nada não, professora.
― Peço que prreste mais atenção à aula, pois não estarrei dando reforrço na semana antes da prrova! - soou ríspida e impaciente.
― Até parece! - sussurrou Damien para o amigo.
― O que foi que o senhorr disse, senhor Malfoy? - rosnou a professora.
― Disse a Goyle para ficarmos quietos! - falou o menino, arrogante. Antoine fez de conta que não havia escutado. No fim da aula, porém, chamou Damien até a sala de Poções.
― O que é que está acontecendo, Damien? - perguntou Antoine - Porr que tanto cinismo comigo?
Ele não respondeu, apenas olhou para o chão.
― Não querr que eu fale com seu pai, querr?
― E ele se importaria? - respondeu o menino, grosseiro.
― É clarro que se imporrtarria, ele só querr o melhorr parra você!
― Mas foi ele mesmo quem disse que sangues ruins não deveriam estar na escola!
― Seu pai é um pouco radical, não nego, mas porr que perrseguirr Justus?
― Ele me deixa nervoso.
― Ignorre-o. Trrabalhe seus sentimentos!
Não consigo. Ele me olha de um jeito...
― Isto porrque ele prrevê o que você irrá fazerr! - Antoine sentou ao lado de Damien e lhe acariciou o rosto - Você pode serr melhorr do que seu pai! Melhorr do que eu! Melhorr do que qualquerr pessoa aqui em Hogwarrts.
― Eu queria ser como meu avô! - pôde se ver o orgulho brilhar nos olhos do menino quando falou a frase.
― Lúcio? - aquela resposta tirou qualquer palavra da boca de Antoine. Ela levantou-se, ficou de costas para ele e lágrimas correram por sua face. Secou-as o mais rápido que pôde e voltou-se para Damien - Você é muito novo ainda, muitas pessoas inspirradorras passarrão pela sua vida. Espelhe-se nelas e não apenas numa. Agorra vá almoçarr!
Aquela conversa parecia ter esclarecido muita coisa para Antoine, mas nada para Damien, ele já havia decidido ser como seu avô e nada o faria mudar de idéia, principalmente a família Malfoy, que o adorava do jeito que era. A escolha de Damien não seria surpresa para Snape e muito menos para Dumbledore, que viam no menino o reflexo do ex-comensal Lúcio Malfoy. Snape presenciara algumas brigas entre Damien e Justus, algumas foram bem violentas. E o professor já os havia alertado de que se os pegasse numa briga, feia ou não, só mais uma briga, alguém seria expulso.

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