Mais um passo para a vida



Foi no fim da tarde, do seu primeiro dia na estância, que Gina resolveu sentar-se e escrever à Harry. Queria que ele soubesse onde estava, ainda sentia que tinha que dar explicações. Mas era difícil explicar-lhe por que estava ali, tendo mantido uma fachada por tanto tempo, era difícil contar-lhe, exatamente, em que condições se encontrava por trás da máscara que criou. Tinha estourado na véspera, mas agora precisava sentar-se e contar-lhe serenamente. Isso transformava todo “tudo bem” que sempre lhe dissera numa mentira. E a maioria deles havia mesmo sido mentira. Não estivera disposta a admitir para si mesma quão longe estava de sentir-se bem e agora tinha que fazer as duas coisas... Admiti-lo não apenas para si, como para ele também. Não tinha mais acusações a jogar em cima dele, mas também não tinha explicações que quisesse dar.
As palavras não vinham com facilidade. O que se podia dizer? Eu o amo, querido, mas também o odeio... Sempre tive medo do perdê-lo, mas agora já não tenho tanta certeza... Se mande. Sorriu à idéia, mas depois tentou ficar séria. Por onde começar? E havia perguntas, tantas perguntas. De repente teve vontade de saber quantas outras mulheres houvera e por quê? Porque era inadequada ou porque ele era esfomeado, ou porque ele precisava provar coisa ou... por quê? Os pais dela nunca se tinham feito perguntas, mas estavam errados, ou pelo menos, errados para ela. Tinha o exemplo deles, mas agora queria respostas ou achava que as queria. No entanto reconhecia a possibilidade de que as respostas que precisava, eram as suas próprias. Será que amava o Harry ou apenas precisava dele? Precisava dele, em especial, ou apenas de alguém? E como se anos de perguntas em meia página de carta... Você me respeita? Por quê? Como pode? Não tinha certeza se amava ou respeitava Harry e a própria Gina a esta altura.
Queria sair pela tangente e simplesmente contar-lhe sobre estância e a Sra. Granger, mas aquilo parecia desonesto. Levou duas horas para escrever a carta. Foi uma carta de uma página, disse-lhe que o dia de ontem lhe mostrara que precisava de descanso. Hermione dera uma sugestão maravilhosa, a fazenda da mãe dela.

É precisamente o tipo de lugar onde posso finalmente relaxar, voltar a mim, respirar de novo, ser eu mesma. Eu mesma sendo, hoje em dia, uma estranha combinação de quem eu costumava ser, alguém que fui forçada violentamente a ser durante os últimos seis meses e em quem estou me tornando. Tudo isso me assusta, mais do que qualquer coisa, mas até mesmo isso está mudando um tanto, Harry. Estou cansada de viver sempre com tanto medo. Meus constantes temores, devem ter sido uma grande carga para você todo esse tempo, porém, agora estou crescendo. Talvez ficando “adulta”, não sei ainda. Fique firme no projeto, você tem razão, e lamento muito por causa de ontem. Vou me arrepender toda a vida de que tenhamos suportado isso com tanta dignidade e autocontrole. Talvez se tivéssemos berrado, guinchado, chutado, gritado e arrancado os cabelos na sala do tribunal... Talvez ambos estivéssemos em melhores condições do que agora. Tinha que vir tudo para fora, mais cedo ou mais tarde. Estou trabalhando nisso, agora, certo? Bem, querido, eu o amo. G.

Hesitou longo tempo com a carta nas mãos, depois a dobrou com cuidado e a colocou em um envelope. Havia muita coisa que não dissera, mas ainda não sentia vontade de dizer. Escreveu cuidadosamente o nome dele no envelope, mas não o seu próprio. Ficou imaginando se ele pensaria que a falta do endereço do remetente era um esquecimento. Não era...
Gina juntou-se à mãe de Hermione na sala de visitas, para um drinque após o jantar.

- Não tem idéia do quanto você deixou a Hermione feliz, querida. Ela precisa ter alguma coisa para fazer. Ultimamente só o que tem feito é gastar dinheiro e ficar enfurnada na clinica, desde que o Tom morreu. Atender os pacientes se tornou um martírio para ela, sempre se perguntava por quê conseguia salvar tantas vidas e não a de seu marido e isso não é saudável. Além da aquisição constante de bens materiais, sem significado, só para passar o tempo. Ela não curte isso, age assim apenas para preencher o vazio, mas a sua boutique vai preencher o vazio de uma forma bem melhor – falou Sra. Granger feliz com a possibilidade de sua filha voltar a viver novamente.

- Eu a conheci através da boutique, a propósito. Ela foi entrando, certo dia, e nós gostamos uma da outra. Ela tem sido tão boa para mim... Espero que ela realmente goste da loja esta semana. Estou aliviada por estar longe dali.

- Hermione mencionou que você tem enfrentado uma fase difícil, ultimamente. - Gina concordou, brandamente. - No final das contas, você vai crescer com tudo isso. Mas como a vida pode ser desagradável enquanto a gente vai crescendo! - riu enquanto tomava o seu Campari, e Gina retribuiu o sorriso. - Sempre tive uma antipatia solene por situações forjadoras do caráter. Mas, afinal, elas têm o seu valor, imagino.

- Não estou certa se deveria dizer que a minha situação tem valor. Suspeito que vai ser o fim do meu casamento.

Havia um ar de tristeza avassaladora nos olhos de Gina, mas ela estava quase certa de que agora sabia o que queria. Simplesmente não o tinha querido admitir para si mesma, até então.

- É isso o que quer agora, filha? Liberdade do seu casamento? – perguntou sentada sossegadamente ao pé do fogo, observando atentamente o rosto de Gina.

- Não, não a minha liberdade, verdadeiramente. Nunca tive problemas com a minha “liberdade”. Adoro ser casada, mas acho que chegamos a uma fase em que estamos simplesmente nos destruindo mutuamente, e vai apenas piorar. Olhando para trás, me pergunto se sempre não nos destruímos mutuamente. Mas agora é diferente. Estou enxergando. E não há desculpa para deixar a coisa continuar, depois que a gente enxerga.

- Suponho que terá que tomar providências, então. O que o seu marido pensa disso?

Gina fez uma pausa momentânea.

- Não sei. Ele... Ele está na cadeia, atualmente. - Não podia pensar em outra pessoa a quem pudesse contar, e não sabia que Hermione já tinha contado para a mãe, só via que Bethanie parecia aceitar a notícia com naturalidade. - E tivemos que nos ver sob condições tão tensas que tem sido difícil conversar. Tem sido difícil até pensar. A gente se sente obrigada a ser tão forte, corajosa e nobre que não ousa admitir nem para si mesma, que dirá para o outro, que simplesmente já está cheia.

- Você está “cheia”? – perguntou sorrindo meigamente, mas Gina não retribuiu o sorriso, enquanto balançava a cabeça. - Deve ser muito duro para você, Gina. Levando-se em conta a culpa que sente ao deixar alguém que está numa situação difícil.

- Acho que é por isso que não me permiti pensar. Não além de um certo ponto. Porque não ousava traí-lo, nem em pensamento. E também, porque queria pensar em mim mesma como nobre e sofredora. E eu estava... com medo, também. Tinha medo que, se me soltasse, nunca mais acharia o caminho de volta.

- O gozado é que sempre achamos. Somos todos muito mais durões do que pensamos.

- Acho que estou começando a compreender, agora. Levou um tempo terrivelmente longo, mas ontem tudo se desfez. Harry e eu tivemos uma briga para valer, em que ambos partimos para a jugular um do outro com tudo o que dizíamos, e eu simplesmente me larguei depois. Quase tentei o destino a me destruir. E... - espalmou as mãos para cima com um dar de ombros filosófico. – Cá estou eu, ainda inteirinha.

- Isso a surpreende? -a velha senhora estava divertida.

- Muito.

- Nunca passou por crises antes?

- Já. Minha família toda morreu e meu irmão que não morreu no acidente, mudou-se para Paris, foi uma forma que encontrou para livrar-se da dor que sofreu quando perdemos nossa família. Mas... eu tinha o Harry. Ele amortecia todos os golpes, desempenhava dez mil papéis e representava milhões de pessoas diferentes para mim.

- Isso é muita coisa para se pedir de alguém.

- Não é muito, é demais. O que, provavelmente, é o porquê dele estar na prisão.

- Sei. Você se culpa?

- De certa forma.

- Gina, por que não deixa Harry ter o direito de cometer os próprios erros? O que fez com que fosse para a prisão, não importa o quanto se relacione com você... Será que ele não tem o direito de assumir esse erro, seja lá qual foi?

- Foi estupro.

- Sei... E você cometeu o estupro por ele? Acredita que foi ele? O forçou?

Gina riu nervosamente.

- Não, claro que não. Eu...

- Você, o quê?

- Bem, eu o fiz infeliz. O pressionei muito, roubei-lhe a virilidade...

- Fez tudo isso com ele? - a mulher mais velha sorriu, e Gina sorriu também. - Não acha que ele poderia ter dito ‘não’?

Gina pensou um pouco, depois fez que sim com a cabeça.

- Mas quem sabe não conseguia dizer não. Quem sabe sentia medo.

- Ah, mas então a responsabilidade não é sua, não é mesmo? Por que precisa se culpar tanto? Gosta disso?

A mulher mais jovem sacudiu a cabeça e desviou o olhar.

- Não. E o absurdo da coisa, é que ele não comentou o estupro. Sei disso. Mas a chave de tudo é o porquê dele estar numa posição que sequer lhe permitisse ser acusado de estupro. E eu não o me absolver – Disse Gina se martirizando pela culpa que sentia em relação a prisão do marido.

- Pode absolver a mulher, seja ela quem for?

- Claro, eu... - então Gina ergueu os olhos, atônita. Perdoara Margaret Sophie, em alguma virada do caminho, ela a perdoara. A guerra com Margaret Sophie tinha acabado, era um peso a menos no eu coração. - Não tinha pensado nisso antes, não ultimamente.

- Sei. A propósito, estou curiosa por saber como você lhe roubou a virilidade.

- Eu não deixava ter suas próprias opiniões, me neguei a dar filhos e nunca o deixei me sustentar, sempre quis bancar tudo, até mesmo o que ele gastava e caso contrário sempre brigávamos.

- Ele não trabalhava? - Não havia julgamento na voz de Bethanie, apenas uma pergunta.

- Trabalhava, e muito. Ele é sócio de uma empresa automobilística, é engenheiro mecânico, normalmente ele que faz o projeto de novos carros.

- Algum em mercado?

- Sim, vários, mas ultimamente ele sempre estava criando em parceria com alguém, Harry sempre gostou de criar sozinho, deixar a marca dele em algo que cria. Ele herdou dos pais a sociedade e mesmo antes dos pais terem falecido, ele realizou o sonho do pai, que era ser engenheiro e projetar os carros que a empresa faria.

- Ele é bom?

- Muito... Só que não teve muito êxito nos últimos projetos. Mas vai ter. - O orgulho na sua voz a surpreendeu, mas não a Bethanie.

- Então, que horrível da sua parte encorajá-lo. Que coisa chocante para se fazer - Bethanie sorriu enquanto sorvia o seu Campari.

- Não, eu... é só que acho que ele me odeia por tê-lo submetido a tudo que já submeti. Até mesmo um homem rico, como ele sempre foi, ter que se sujeitar a ser sustentado por sua esposa, somente para satisfazer um capricho.

- E provavelmente odeia. Mas também, provavelmente, a ama por isso. Como você sabe, toda moeda tem dois lados, Gina. Estou certa que ele também sabe disso. Mas ainda não entendi direito por que você está querendo sair fora do casamento.

- Não falei isso. Só disse que achei que o nosso casamento ia acabar.

- Por si mesmo? Sem ninguém para dar uma mãozinha? Minha querida, que extraordinário! – comentou com sarcasmo.

As duas mulheres riram e depois Bethanie esperou. Era hábil no manejo das suas perguntas. Hermione sabia disso, e não avisara Gina de propósito. Bethanie fazia uma pessoa pensar.
Gina ergueu os olhos, depois de uma longa pausa, e buscou o âmago dos olhos de Bethanie. Olhou bem dentro deles.

- Acho que o casamento já acabou. Por si mesmo. Ninguém o matou. Simplesmente deixamos que morresse. Nenhum de nós foi corajoso o bastante para matá-lo, ou salvá-lo, apenas o usamos para nossos próprios fins e depois deixamos que expirasse. Como um cartão de biblioteca de uma cidade em que não moramos mais.

- Era uma boa biblioteca?

- Excelente. Na época.

- Então não jogue o cartão fora. Você pode querer voltar e pode mandar renovar o cartão.

- Não creio que tivesse vontade.

- Ele a faz infeliz, então?

- Pior. Eu o destruiria.

- Ora, pelo amor de Deus, menina. Que coisa incrivelmente idiota da sua parte... Está sendo nobre. Pare de pensar nele e pense em si mesma. Estou certa de que é o que ele está fazendo. Pelo menos espero que sim.

- Mas e se eu não sou e nunca fui boa para ele e... se odeio a vida que levo agora, esperando-o? - Agora estavam chegando à raiz da coisa. - E se eu estiver com medo de apenas tê-lo usado e nem mesmo tenho certeza se ainda o amo? Talvez eu apenas precise de alguém, e não especificamente do Harry.

- Então está precisando pensar em algumas coisas. Tem saído com outros homens, desde a prisão dele?

- Não, claro que não.

- Por que não? - Gina pareceu chocada, e Bethanie riu.

- Não me olhe desse jeito, minha querida. Eu posso ser muito velha, mas ainda não estou morta. Digo a Hermione a mesma coisa, não sei o que há de errado com a sua geração. Deviam ser todos tão liberados, e não terrivelmente certinhos! Pode ser apenas que você precise ser amada. Não precisa se vender numa esquina, mas pode encontrar um amigo agradável.

- Não creio que conseguisse fazer isso, e ficar com o Harry.

- Então talvez devesse deixá-lo por algum tempo, e ver o que quer. Talvez ele seja parte do seu passado. A coisa principal é não desperdiçar o presente. Nunca desperdicei, e é por isso que sou uma velha feliz.

- E não é “velha”.

Bethanie fez uma careta, ante o elogio.

- Lisonjas não vão adiantar de nada! Pareço extremamente velha aos meus olhos, ao me ver no espelho, mas pelo menos me diverti pelo caminho. E não estou dizendo que fui libertina, não fui. Estou simplesmente dizendo, que não me tranquei num armário e depois me vi odiando alguém por algo que eu mesma optei por fazer comigo mesma. É isso o que você está fazendo agora, está castigando o seu marido por algo que ele não pode evitar. E me parece que ele está sendo suficientemente punido, e injustamente, além disso. O que você precisa pensar, e com grande seriedade, é se consegue ou não aceitar o que aconteceu. Se puder, então talvez tudo se ajeite. Mas se vai tentar obter restituição dele pelo resto das suas vidas, então é melhor mesmo desistir agora. Pode fazer uma pessoa se sentir culpada apenas por um certo tempo. Um homem não agüenta muito disso, e a reação dele será bem desagradável.

- Já foi - Gina estava pensando na discussão que tiveram na cadeia, enquanto olhava sonhadora para o fogo.

- Nenhum homem agüenta isso por muito tempo – repetiu -. E nenhuma mulher, também. Quem quer se sentir culpado eternamente? A gente comete erros, pede desculpas, paga um preço e fim de papo. Não pode pedir a ele para pagar, e pagar, e pagar de novo! Ele vai terminar odiando você por isso, Gina, e quem sabe você não o esteja fazendo sofrer apenas pelo presente. Quem sabe está usando isso como oportunidade para cobrar uma dívida antiga. Posso estar errada, mas todos fazemos isso, às vezes.

Gina concordou, sobriamente. Era exatamente o que andava fazendo; fazendo-o pagar pelo passado, pelas fraquezas dele, e pelas próprias. Pelas suas inseguranças e incertezas. Estava pensando no assunto quando a voz de Bethanie intrometeu-se suavemente nos seus pensamentos.

- Talvez você deva me mandar ir cuidar da minha vida.

Gina sorriu e acomodou-se na cadeira de novo.

- Não, acho que você provavelmente está certa. Não tenho olhado para isso com muita perspectiva e o que você disse, faz um bocado de sentido. Mais do que me dá vontade de admitir, mas mesmo assim...

- Você é uma boa ouvinte, menina.

As duas mulheres sorriram uma para a outra, de novo, e a mais velha se pós de pé e se espreguiçou delicadamente, os anéis de brilhante reluzindo à luz do fogo. Usava calças pretas e uma suéter de cashmere azul da cor dos olhos. Enquanto Gina a observava, não pode deixar de pensar, novamente, que ela devia ter sido dona de uma grande beleza quando jovem. Ainda era notavelmente bonita, de um jeito maduro, com um leve véu de feminilidade a suavizar qualquer coisa que fizesse ou dissesse. Na verdade era mais linda do que a filha. Mais suave, mais cálida, mais bonita... Ou quem sabe fosse apenas porque estava mais viva.

- Sabe, se me dá licença, Gina, acho que vou para a cama. Quero ir andar a cavalo amanhã cedo e não vou lhe pedir que me faça companhia. Levanto-me em horas nada civilizadas.

O riso dançava nos seus olhos enquanto se inclinava para beijai a testa de Gina, e esta rapidamente ergueu os braços para abraçá-la.

- Sra. Granger, eu a adoro. E é a primeira pessoa que faz sentido para mim, há muito tempo.

- Nesse caso, querida, faça-me a honra do não me chamar de “Sra. Granger”, que eu abomino. Será que não pode me chamar de “Bethanie”, ou “Tia Beth”, se preferir? Os filhos das minhas amigas ainda me chamam assim, e alguns dos amigos de Hermione, também.

- Tia Beth, que lindo.

E subitamente, Gina sentiu como se tivesse uma nova mãe. Família. Fazia tanto tempo que não tinha uma, exceto o Harry, até mesmo o Rony, não podia se considerar, seu irmão sempre estivera tão ausente em sua vida depois que mudou para Paris, que muitas vezes nem se lembrava que o tinha. Tia Beth. Sorriu e sentiu um calorzinho na alma.

- Boa noite, querida. Durma bem. Até amanhã.

Trocaram mais um abraço e Gina subiu meia hora mais tarde ainda pensando em algumas coisas que Bethanie havia dito. Sobre punir Harry... Ficou conjeturando, exatamente quanta raiva tinha de Harry e por quê? Porque a tinha chifrado? Ou porque, agora, lutava na prisão e não estava mais por perto para protegê-la? Porque tinha sido “pego” dormindo com Margaret Sophie? Teria importado tanto se ela não tivesse sido forçada a enfrentar a situação? Ou seriam as outras coisas? Os projetos que não saiam, a situação dela querer sustentar-lo e não admitir que ele descordasse, a paixão dele por desenhar, fazer os seus projetos, por passar horas em seu escritório e esquecer-se do mundo, da vida que existia fora daquele lugar, ou mesmo da maneira que ela o tratava, de negar o que ele queria e ele nunca ter reclamado? Não tinha certeza.


O café da manhã estava esperando por Gina, quando desceu na manhã seguinte. Um bilhetinho alegre assinado “Tia Beth”, disse-lhe que havia brioches quentinhos no forno, fatias torradinhas de bacon e uma bela vasilha de morangos. O bilhete sugeria que desse um passeio de jipe pelas montanhas, à tarde.

Assim o fizeram, e se divertiram à grande. Tia Beth contou-lhe histórias sobre as pessoas “horrendas”, que haviam morado na linda casa e que haviam deixado a casa principal em “condições bárbaras”.

- Aposto, que o homem era primo-irmão de Atila, o Huno, e os filhos deles eram simplesmente pavorosos!

Há anos que Gina não se divertia tão fácil, enquanto cruzavam as montanhas no jipe, deu-se conta de como estava passando bem sem as pílulas. Nada de tranqüilizantes, nem comprimidos para dormir, nada. Estava sobrevivendo com a companhia da Tia Beth, muito sol, e muito riso. Prepararam o jantar tarde naquela noite, queimaram o molho hollandaise do aspargo, deixaram o rosbife cru e riram juntas a cada novo engano. Era mais como ter uma companheira de quarto da mesma idade, do que ser hospede da mãe de uma amiga.

- Sabe, meu primeiro marido sempre dizia que eu acabaria por envenená-lo um dia, se ele não tomasse cuidado. Eu era uma cozinheira de lascar, não que seja muito melhor agora. Não tenho muita certeza se os aspargos estão cozidos - mordeu com cuidado um dos talos, mas pareceu satisfeita com o que achou.

- Você foi casada duas vezes?

- Não, três vezes. Meu primeiro marido morreu quando eu estava com vinte e poucos anos, o que foi uma pena muito grande. Era um amor de rapaz. Morreu num acidente de caça dois anos após o nosso casamento. E então me diverti bastante durante certo tempo - ela se animou um pouco, depois continuou. - Me casei com o pai de Hermione quando estava com trinta anos, e o pai dela morreu quando ela estava com quatorze. Meu terceiro marido era gentil, mas terrivelmente monótono. Divorciei-me dele há cinco anos, e a vida tem sido bem mais interessante desde então.

Examinou outro talo do aspargo e comeu-o enquanto Gina ria.

- Tia Beth, você é uma boba. Como era o último?

- Já morreu e não sabe. Gente velha pode ser tão dolorosamente ridícula. Foi muito embaraçoso divorciar-me dele, o pobrezinho ficou chocadíssimo. Mas superou o choque. Eu o visito quando vou a Londres. Ainda continua um chato, coitado.

Sorriu angelicamente e Gina desatou a rir de novo. Tia Beth não fora tão leviana quanto gostava de parecer, mas também não levara uma vida monótona.

- E agora? Nada mais de maridos? - Agora eram amigas. Podia perguntar.

- Na minha idade? Não seja ridícula. Quem ia querer uma velha? Estou perfeitamente satisfeita como estou, porque curti a vida quando era mais jovem. Não há nada pior do que uma velha fingindo não o ser. Ou uma moça fingindo que é velha. Você e Hermione se saem muito bem nisso.

- Eu não era assim.

- Nem ela, quando o Tom era vivo. Está na hora dela encontrar outra pessoa e queimar aquela tumba de mansão. Acho que é estarrecedora.

- Mas é tão bonita, Tia Beth. Mais do que bonita.

- Os cemitérios também são bonitos, mas eu nem sonharia em morar num deles... Até que não tivesse outra opção. Enquanto a pessoa tem a opção, deve usá-la. Mas Hermione está chegando lá, acho que a sua loja pode fazer-lhe algum bem. Por que não a vende para ela?

- E então o que eu iria fazer?

- Alguma coisa diferente. Há quanto tempo tem a loja?

- Sete anos faz nesse verão.

- É tempo suficiente para qualquer coisa. Por que não tenta outra coisa?

Tempo suficiente para um casamento, também?

- Harry queria que eu ficasse em casa e tivesse um filho. Pelo menos, era o que estava dizendo recentemente. Há alguns anos ele esteve perfeitamente feliz com as coisas do jeito que estavam.

- Talvez você tenha encontrado uma das respostas que anda procurando.

- Tal como? - Gina não compreendia.

- Que há alguns anos ele estava “perfeitamente feliz com as coisas do jeito que estavam”. Quanto mudou nesses poucos anos? Talvez você tenha se esquecido de fazer mudanças, Gina, de crescer.

- Crescemos...

Mas como? Não tinha certeza se tinham crescido mesmo.

- Creio que não quis ter filhos.

- Não, não é que eu não queira ter tido, é só que ainda não era a hora. Era cedo demais, e nós estávamos felizes sozinhos.

- Não há nada errado em não se ter filhos. - Tia Beth olhava para ela diretamente, um pouco diretamente demais. - Hermione também jamais quis. Disse que não era para ela, e acho que tinha razão. Creio que nunca se arrependeu. Além disso, o Tom já era meio velhinho quando se casaram. O seu marido é moço, não é, Gina? - Esta assentiu. - E quer filhos. Bem, minha querida, você sempre pode continuar a tomar a pílula e dizer a ele que está tentando, não pode?

Os olhos da mulher mais velha caçavam os do Gina, mas a ruiva desviou ligeiramente o olhar; ficou pensativa.

- Eu não faria isso – disse por fim.

- Não, é? Que bom.

E então os olhos de Gina voltaram a fitar os da Tia Beth.

- Mas já pensei nisso.

- Claro que sim. Tenho certeza de que muitas mulheres pensaram, e muitas delas provavelmente fizeram mais do que apenas pensar. Sensato, em alguns casos, imagino. Parece uma pena ter que ser tão desonesta. Sabe, nunca tive muita certeza de que queria ter filhos, e Hermione foi uma surpresa. - Tia Beth quase enrubesceu, mas não completamente. Foi mais um enternecimento dos olhos, enquanto olhava para o passado, parecia esquecer de Gina por um momento. - Mas acabei por gostar dela de verdade, foi uma doçura quando pequenina e simplesmente horrível, durante alguns anos posteriores! Mas ainda uma doçura, de um jeitinho cativante. Eu a curti muito, para falar a verdade. - Fazia Hermione parecer mais uma aventura do que uma pessoa, e Gina sorriu, olhando para o seu rosto. - Foi muito boa para mim quando o pai morreu. Pensei que o mundo tinha acabado, exceto por Hermione.

Gina quase a invejava, enquanto escutava. Fazia parecer que a vida era menos solitária por causa da filha, ao invés de ainda mais.

- Sempre tive, bem, medo, acho. Medo de ter filhos, porque achava que seriam um obstáculo entre mim e Harry. Achava que isso me faria solitária. Ele sempre foi louco por crianças, sempre que via uma, seus olhos brilhavam. Acho que sempre foi o sonho dele, dizem que as mulheres nascem com instinto maternos, o Harry nasceu com o instinto paterno.

Bethanie sorriu e sacudiu a cabeça.

- Não, Gina. Não se seu marido a ama, jamais um filho será um obstáculo entre vocês. Então, ele apenas a amará ainda mais por causa da criança. É um elo adicional entre vocês, uma extensão de ambos, uma mistura do que mais amam, mais detestam, mais precisam e acham mais graça em você dois. É uma coisa muito linda. Posso pensar em vários bons motivos para se sentir medo de ter filhos, mas este não deve ser um deles. Você não pode amar mais de uma pessoa?

Era uma boa pergunta, e Gina decidiu ser sincera.

- Acho que não, Tia Beth, não mais. Há muito tempo que não amo outra pessoa que não o Harry. Portanto, acho que não consigo imaginá-lo amando alguém além de mim... Mesmo um filho. Sei que deve parecer muito egoísta, mas é assim que me sinto.

- Não parece egoísta. Parece assustada, mas não realmente egoísta.

- Quem sabe um dia eu mude de idéia – comentou.

- Por quê? Porque acha que deve faze-lo ou porque quer? Ou para poder punir, ainda mais, o seu marido? - Tia Beth não tinha papas na língua. - Aceite o meu conselho, Gina, a não ser que realmente queira um filho, não o encomende. São uma chatura, e estragam mais os móveis do que os gatos - falou com a maior cara de pau, enquanto alisava o gato malhado sentado ao seu colo. Gina riu, surpresa, ante o comentário. - Quanto se trata de bichos de estimação, prefiro os cavalos. A gente pode deixá-los do lado de fora sem se sentir culpada. - Ergueu os olhos com outro dos seus sorrisos de santa, e Gina abriu um sorriso. - Não me leve sempre a sério, e ter filhos é mesmo questão de escolha pessoal. Faça o que fizer, não se deixe pressionar pelo que outras pessoas pensem ou digam... Exceto o seu marido. E ora, você não é uma moça de sorte, tendo a mim para deitar falação, quando as outras pessoas fazem cerimônia?

As duas mulheres riram e passaram para outros assuntos, mas Gina ficou surpresa ao se dar conta da profundidade dos tópicos que haviam abordado. Surpreendia-se revelando segredos e sentimentos, para Tia Beth, que anteriormente só teria compartilhado com Harry. Parecia estar constantemente mostrando a Tia Beth um pedaço ou outro de seu íntimo, puxando-o para fora para exibi-lo, tirando-lhe o pó, questionando, mas estava começando a se sentir inteira de novo.
Os dias na fazenda eram encantadores e relaxantes, cheios de ar fresco e manhãs agradáveis passeadas a cavalo em meios-galopes solitários pelas montanhas, ou em caminhadas ociosas. As noites passavam voando, rindo na companhia de Tia Beth. Gina descobriu-se tirando sonecas à tarde, lendo Jane Austen pela primeira vez desde a escola secundária, e fazendo pequenos esboços num caderno. Fez até alguns esboços secretos que podiam ser transformados num retrato informal da Tia Beth. Sentia-se encabulada de pedir à nova amiga que posasse para um retrato, mas era o primeiro que tinha vontade de pintar desde o do Harry, há anos. O rosto da Tia Beth se prestaria muito bem para esse tipo de coisa, e daria um belo presente para Hermione... Que apareceu, para grande contrariedade de Gina, duas semanas mais tarde.

- Quer dizer que tenho que voltar para casa, agora? – perguntou frustrada.

Hermione parecia cansada, mas feliz, e Gina teve a sensação de desalento que tinha quando era criança e a mãe chegava cedo demais para apanhá-la numa festa de aniversario.

- Não ouse voltar para casa, Gina Potter! Vim só ver como mamãe estava passando.

- Estamos nos divertindo muito.

- Ótimo. Então não pare agora. Vou ficar infeliz quando você voltar para a cidade e me roubar o meu brinquedo.

Contou a Gina sobre a viagem de Kasuco a Paris, e a linha de primavera estava tendo mais êxito do que Gina ousara esperar. Parecia que fazia anos desde que comprara aquela coleção em tons pastéis, ou desde que viera para casa, e Harry fora preso, séculos desde o julgamento. O choque de tudo aquilo estava finalmente começando a se desvanecer. As cicatrizes mal apareciam. Ganhara dois quilos e pouco, e parecia descansada. Hermione trouxe-lhe uma carta do Harry, que ela só abriu mais tarde.

... Não posso acreditar, Gina. Não posso acreditar que diria aquelas coisas para você. Talvez esse desastre esteja finalmente fazendo sentir as suas conseqüências. Você está bem? O seu silêncio é estranho, agora, a sua ausência mais ainda. E descubro que realmente não sei o que quero: que você reapareça ou que aquele maldito vidro entre nós desapareça. Sei o quanto você o odeia, querida, eu o odeio com igual intensidade, mas podemos superar isso. Como vão indo as férias? Fazendo maravilhas, estou certo. Você as mereceu. Suponho que seja por isso que eu não estou recebendo notícias suas. Está “ocupada descansando”. O que é ótimo, provavelmente. Como sempre, estou envolvidíssimo com o projeto. Está indo incrivelmente bem, e estou esperando que...

O resto era todo sobre o projeto. Rasgou a carta pelo meio e a jogou no fogo.

Mais tarde, Tia Beth interrogou-a sobre a carta, depois que Hermione tinha ido para a cama. Entre elas havia agora uma espécie de conspiração, que excluía até mesmo Hermione.

- Ah, ele diz que me ama e que o projeto vai indo bem, tudo no mesmo fôlego – falou tentando parecer contente, e só conseguiu parecer um pouco menos amarga.

- Ah-ha! Então você tem ciúmes do trabalho dele! – sorriu, os olhos de Tia Beth refulgiam. Agora via algo que não tinha visto antes, pelo menos com clareza. Estava tudo entrando foco.

- Não tenho ciúme do trabalho dele. Que ridículo!

- Concordo inteiramente, mas por que se ressente do trabalho dele como engenheiro? O que aconteceria, se ele desse um basta na sua mania de sustenta-lo? Então não teria controle sobre ele, não é mesmo? E se ele realmente tivesse êxito? Então, o que faria você!

- Ficaria radiante por ele – mas novamente não soava convincente, nem mesmo aos ouvidos de Gina.

- É mesmo? Acha que conseguiria enfrentar isso? Ou tem tanto ciúme que nem consegue tentar?

- Que absurdo.

Não estava gostando da teoria de Beth.

- É, é absurdo, mas acho que você ainda não sabe disso, Gina. O fato é que ou ele a ama ou não a ama. Se não ama, não poderá ficar com ele e se a ama, provavelmente não poderá perdê-lo. E se você insistir em sustentá-lo para sempre, minha querida, ele acabará por encontrar alguém a quem possa sustentar, que o deixe sentir-se um homem. Alguém que poderá até dar-lhe filhos. Escute o que estou lhe dizendo, não se esqueça que seu marido é um homem rico, só aceitou tudo até agora por você, ele nunca dependeu de um centavo seu e pelo que sei, ele anda transferindo dinheiro para sua conta e para a da loja.

Gina ficou calada, o foram para a cama, mas as palavras de Tia Beth tinham atingido o alvo. O próprio Harry lhe dissera a mesma coisa, ao seu modo. Quando tiraram o fim de semana longe da loucura que estavam vivendo, dissera-lhe que as coisas teriam que mudar. Bem, iam mudar, mas não do jeito que Harry imaginava.





Beijnhos



N/B: Tudo bem, eu confesso, eu demorei! Desculpa! MAS QUE CAP PERFEITO NÃO? Ameeeeei tia Beth!!! Que amor, que comedia, que doçura e nem tanto!!! Ameeei o cap, como sempre!!! Agora, ela merece comentários não é? Beijos!



Anny W. P Obrigada por estar sem comentando e acompanhando a fic espero que goste desse capitulo bjos.

Ana Martinez Que bom que gstou espero que goste desse tb, obrigada por estar sempre acomanhando. Bjos

Day Pereira Obrigada pro estar sempre comentando e acompanhado espero que goste desse capitulo bjos



ESTOU MUITO TRISTE COM VOCÊS, SÓ A ANNY, ANA E DAY QUE COMENTARAM O CAPITULO 8, ESPERO MAIS COMENTÁRIOS NESSE

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