Revelações



Cap.6 – Revelações


‘Eu não posso mais agüentar’ – Just Like a Woman, Bob Dylan

‘Olá

anjo do meu pesadelo

sombra na escuridão’ – I Miss You, Blink-182



Lílian olhou pensativamente para o garotinho na sua frente. Depois de dois dias completamente calado, ele lhe contara sua história. Ela anotara tudo aquilo mentalmente. Ele estava com o semblante menos carregado, agora que desabafara. Ela estava feliz por ele. Ele seria levado para a casa da tia, que morava em Provance.
Agora ela teria que dar um jeito na própria vida. Como prometera a si mesma. O garotinho se foi, junto com a tia, que viera buscá-lo. A ruiva continuou a olhar pensativamente para o nada.
- Querida! – Foi a fala de James assim que ele entrou no quarto. – Eu tive uma idéia! – Ela olhou com uma sobrancelha levantada para o marido – Dessa vez é uma boa idéia. – Ela sorriu e ele continuou – você pode criar um jornal!
Ela olhou estupefata para ele. James deu de ombros:
- Achei que seria uma boa idéia.
- Não é má. – Ponderou Lílian. Então ela pegou pergaminho e tinta e começou a escrever cartas para seus contatos.

******

Escovei os dentes e fiquei me olhando no espelho. Cara, eu estava vivo. Que coisa maravilhosa. Me sentia feliz pelo simples fato de respirar. Saí do banheiro e fui para a sala, que estava na destruição habitual. Com um gesto de varinha, arrumei a sala, coisa que poderia ter feito muito antes e não fizera por pura preguiça.
Resolvi que iria sair, passear por aí, conhecer pessoas. Levantava a mão para a maçaneta quando, para minha surpresa, a porta abriu sozinha. E, na soleira da porta, estava a mulher mais bonita que já vi.
Lílian Evans olhou para dentro de meu apartamento e só então me notou.
- Posso... Entrar? – Ela perguntou, meio incerta. Como minha garganta resolvera parar de funcionar, eu simplesmente saí da frente, para que ela pudesse entrar. Ela entrou e sentou numa cadeira. Agradeci mentalmente por ter arrumado o cômodo pouco antes de ela chegar.
A situação era tão estranha que comecei a rir. – Você costumava vir aqui toda semana. É muito esquisito ver você com esta cara deslocada na minha sala. – Ela olhou para mim e ajeitou-se na ponta da cadeira. Depois jogou a chave com a qual tinha aberto a porta por cima da mesa.
- Achei que deveria devolver sua chave.
- Pode ficar. Não me importo. – Empurrei a chave de volta para ela, enquanto sentava do lado oposto da mesa. – A que devo a visita?
Ela não respondeu de imediato. Apoiou os cotovelos na mesa e o queixo nas mãos, como se a cabeça pesasse. Como se os pensamentos a deixassem cansada. Olhou-me pensativamente, mordendo levemente os lábios vermelhos. Só então falou:
- Vou te contar tudo. Você merece saber. – Eu não respondi nada. Fitei-a de volta, um pedido para que ela continuasse. Ela continuou. – Eu devia ter te contado antes. Sei que devia. – Ela riu. Aquela risada nervosa que ela costumava usar quando queria que o chão abrisse para ela se esconder. Era nesta hora que eu costumava interrompe-la, para que seu desconforto fosse embora. Não desta vez. Desta vez eu queria saber, mais do que tudo que eu já quis na vida. Excetuando, talvez, ela.
- Tome. – Empurrei um copo de suco para ela. A ruiva olhou enjoada para o líquido, como que, se abrisse a boca, fosse vomitar. Mas quando ela a abriu, só saiu sua linda voz, um pouco tremida, porém fácil de entender.

- Eu estava com medo. Muito medo. Não me sentia preparada para isso. Muita responsabilidade. E ainda tinha dois amantes! Comecei a entrar em pânico. Mesmo. Quando James me pediu em casamento, foi como se tivessem me oferecido uma saída para aquela confusão toda. Se eu tivesse casada, tudo seria fácil.
- Do que diabos você está falando?! – Eu perguntei, irritado. Na cabeça dela, tudo parecia fazer um sentido enorme. Só que para mim, tinha uma peça crucial faltando. Ela falou alguma coisa em um fôlego só, muito rápido, e eu não entendi. Ela repetiu, olhando para baixo.
- Eu estava grávida. – Murmurou ela, e por pouco eu não perco as palavras novamente.
- Desculpe? – Eu perguntei incrédulo – Você estava o que?
- GRÁVIDA! – ela berrou desta vez, com lágrimas brilhando em seus olhos verdes. Ela levantou-se da cadeira e começou a andar de um lado pro outro. – Descobri uma semana antes do pedido de James. Entrei em desespero. Eu acabara de conseguir um emprego, mal podia me garantir. Estávamos no meio de uma guerra, e meu maior problema é que eu seria mãe. Ah, sem contar o fato que eu traía meu namorado. Eu não sabia o que fazer.
Considerando que Lílian Evans (Potter?) é uma pessoa que sempre tem todas as respostas na ponta da língua, eu podia imaginar que não saber o que fazer era uma desgraça próxima ao final do mundo. Ela começou a andar mais rápido, sem nunca olhar para mim. Começou a falar sem parar.
- Sem contar o que minha própria mãe iria dizer. Você viu como ela era. Foi assim a vida inteira, e só piorou quando meu pai morreu. Prometi a mim mesma que quando eu tivesse filhos (se eu tivesse filhos) eu seria uma boa mãe. E do nada eu me descubro grávida, estando envolvida numa guerra. E sem poder dar a minha criança uma casa, segurança ou um pai. Claro que eu poderia simplesmente abortar, mais não parecia certo. Nada parecia certo naquele momento. E eu não conseguia nem odiar aquele projeto de gente, porque a culpa não era dele. Era minha. Totalmente minha. A bem da verdade, eu amava meu futuro filho. – Uma lágrima silenciosa escapou do olho esmeralda dela, e ficou escorrendo, molhando seu lindo rosto.
Eu me controlava para não ir até lá e abraçá-la. A ruiva parecia totalmente desamparada.
- James sabia? – Perguntei, discretamente me servindo de um copo de cerveja.
- Oh, não! Ele nem desconfiava. Só ia contar quando não desse mais para esconder.
- Onde está a criança? – Porque era sobre isso que tudo se tratava, certo? Sobre uma nova vida, certo?
- Eu abortei. - Eu olhei para ela em choque. Lílian Evans tão desesperada a ponto de negar a existência de outra pessoa é algo além de minha imaginação. – Não é o que você está pensando. Eu tive um aborto natural, por causa daquele incidente no dia do casamento. Estava com três meses. Não foi nada divertido. – Então ela começou a chorar. Ela tinha perdido completamente o controle. Levantei-me e a abracei. Demorou um pouco para o choro diminuir de intensidade e ela poder pronunciar alguma coisa novamente.
- No dia do ataque eu encontrei uma criança escondida. Um garotinho. A vida dele parecia ter acabado, ela parecia ter desistido de viver, parecia que continuava vivo somente por engano de alguém. Aí eu pensei que para deixar uma criança nestas condições era melhor que ela não tivesse nascido... Porém será que eu não poderia ter sido melhor? Se fosse meu filho, eu poderia cuidar dele, então ele cresceria feliz e longe da destruição... Mas será mesmo?
Tive a sensação que ela desmoronava aos poucos. Fique com vontade de prendê-la junto de mim, para que não pudesse nunca mais ir embora. Lambi as lágrimas que escorriam pela sua bochecha enquanto a prendia firme em meus braços. Seu gosto salgado ficou impresso em minha língua. Ela tremeu um pouco, mais não se soltou. Então me lembrei de um ponto importante.
- O filho era meu ou do James?
Os lábios dela tremiam quando ela falou, corando, possivelmente envergonhada:
- Huum... Seu. – Deixei-me cair na cadeira, perplexo. Informação demais. Ela olhou-me com uma cara culpada:
- Desculpe. – Porém não pude exatamente entender do que ela se desculpava. O que não entrava na minha cabeça de jeito nenhum era como eu estivera perto de ter um filho. Fiquei horrorizado. – Achei que você iria me odiar. Me rejeitar.
Não respondi. Não sabia o que dizer. Ela enxugou as lágrimas com as costas da mão e levantou-se para sair. Seus cabelos vermelhos incendiavam minha vista e coração. A chave continuava jogada em cima da mesa. Ela não iria pegar de volta.
- Lílian. – Eu chamei, enquanto as delicadas mãos dela giravam a maçaneta. – Volte.
Levantei-me, fechei a porta. Ela ficou me olhando, sem saber o que pensar. Prensei-a contra a parede e murmurei em seu ouvido:
- Fique mais um pouco. – O corpo da ruiva tremeu todo, e eu fiquei feliz por saber que era por minha causa. Um sorriso foi o que recebi em resposta. O cheiro de flores, lírios do campo, invadiu minha narina com tal intensidade que foi por pouco que controlei o ímpeto de beijá-la. Meus lábios chegaram a roçar naquelas faces vermelhas de frio (só frio?).
- Aparece lá em casa amanhã. Vou fazer um jantar. – Ela sugeriu antes de escapulir. Dei um murro na porta. Pura raiva. Estava tão perto... Porém... Perto do quê?. Ela escapara como uma corça foge de seu caçador. Ela estava... Com medo? Ou vergonha?

******

Eu ouvi a campainha tocar lá dentro. Pouco depois, James Potter abriu a porta com o maior sorriso do mundo.
- Paddfoot! Faz séculos que não te vejo! – Isso não era exatamente verdade. Fazia só uns quatro dias, no máximo, que a gente não se via. Porém James era uma pessoa exagerada por natureza. Entrei na sala do casal.
Apesar de ter freqüentado a casa de meu amigo durante toda minha adolescência, me senti incrivelmente deslocado ali no meio. Porque ali não era mais uma sala da Mansão Potter. Ali era a sala de estar da casa de Lílian e James Potter. Era tão revelador estar ali quanto se eu estivesse no meio de uma conversa íntima dos dois.
Fotos, pequenos objetos e quadros revelavam o possível sobre uma feliz vida a dois. Meu primeiro ímpeto foi me arrepender de estar ali. Depois relaxei, e sentei no sofá. Poderia ser muito pior.
- Olá! – A ruiva apareceu, vinda da cozinha, com um casaco. Só então percebi o quanto a sala da mansão era fria. – Oi Sirius! – ‘Ela mal me olhou!’ não pude evitar pensar. Depois cheguei à conclusão que ela devia estar envergonhada. Mulheres. – Vocês não querem ir para a cozinha? Aqui está frio.
E lá fomos os três para o próximo compartimento. Eu, o marido da mulher da minha vida, e a mulher da minha vida que perdera meu filho. Definitivamente, alguém estava brincando com o script da minha vida.
A cozinha era um pouco mais quente, porém não deixava de ser fria. A mesa para quatro pessoas estava com posta bonitos pratos azuis e taças combinando. Uma comida era mexida aos poucos no fogão por uma colher enfeitiçada. De cima do balcão, Lílian tirou pequenos salgadinhos e serviu como entrada. Estava se esforçando. Imaginei como seria se ela cozinhasse para mim todo dia. Afastei o pensamento com um olhar culpado para o James.
- Então – Eu perguntei, antes que um silêncio que eu temia se instalasse – Como vai sua mãe, Lils? – Ela olhou para mim com uma cara surpresa.
- Ela morreu.
- Mas... – Perdi as palavras – Ouvi dizer que ela tinha se casado e ido para os Estados Unidos! – Droga, onde eu havia conseguido essa informação?
- Ah... Isso. Na verdade, ela morreu. Só que como no mundo trouxa não daria para ela simplesmente sumir, então eu criei esta história e vendi todas as empresas dela. – Achei que não seria uma boa idéia perguntar como ela havia morrido. Era tão absurdamente claro que a ruiva não queria falar nisso. Mas James sabia. Sabia como ela havia morrido e sabia como era difícil para a mulher dele. Sabia tanto que apertou a mão dela por baixo da mesa. Para dar apoio. Fiquei com raiva. Tirei do bolso uma garrafa diminuída de Cachaça. A coloquei em cima da mesa e a fiz voltar ao tamanho normal.
- É uma bebida trouxa. – Falei. – Gostosa. – Acrescentei, de modo patético. Me servi e servi meus companheiros. Virei o copo num só gole.

******

‘A comida está gostosa’, uma parte de mim percebeu. Esta mesma parte sabia que Lílian havia se esforçado para fazer minha comida favorita. A mesma parte que me dizia para fazer um comentário sobre a comida. Qualquer coisa. Só que, como esta parte era minoria no meu cérebro, ela foi ignorada.
Em vez de elogiar a comida, me servi de mais um copo. James bebera um copo e não parecia inclinado a acabar o segundo. Lílian bebera dois goles e me olhara com jeito recriminador. Ela sabia o que era aquilo. Eu? Bem, devia estar lá pelo sexto. E me sentia aquecido. Feliz. Estranho. Bêbado.
‘Você devia ir para casa’, informou o pedaço racional do meu cérebro, cada vez menor. Eu o ignorei. James levantou-se para ir ao banheiro. ‘Levante-se e vá para casa’. Mais um copo. ‘Levante-se e vá embora antes de cometer alguma besteira!’ Virei o copo. ‘Vá embora agora!’ Ia me servir de mais, porém uma mão delgada e branca me impediu.
- Acho que você já bebeu o suficiente, Sirius. – Disse Lílian Potter (Evans?) com um sorriso preocupado. Odiei aquele sorriso. Odiei ela naquele momento. Então, bem, obedeci aquela insignificante voz racional. Quer dizer, em partes. Pois, naquele momento, eu me levantei. Mas não para ir embora.
- Não me diga o que fazer! – Não pude me impedir de berrar. Desconfio agora que meu cérebro no momento boiava em álcool. – VOCÊ NÃO TEM ESSE DIREITO!
- Não tenho. – Concordou a ruiva surpresa – Mas como amiga, acho que você deve parar.
- Como amiga. – Eu repeti. – Quem disse que eu quero você COMO AMIGA?! – Ela olhou para mim e baixou os olhou magoada. – EU QUERO VOCÊ COMO AMANTE! Eu quero apertar teu corpo contra o meu! Eu quero te jogar na cama e te fazer gemer. Eu quero ver você tremer ao gritar meu nome!
Nesta hora, James, o perfeito-marido da mulher que eu odeio entrou na sala. Eu sabia que ele iria ouvir. Aliás, era capaz de ter ouvido desde o começo, já que eu não sussurrava. Ao contrário. Gritava os pulmões para fora. Se eu continuasse, sabia que isso iria fazer Lílian infeliz. Sabia que ela sofreria. Sabia que ela sangraria lágrimas. Sabia que as lágrimas vertidas a atemorizavam. Eu sabia tudo isso. Então, com um sorriso cruel, continuei. A idéia me deixava excitado.
- Você já foi minha amante, lembra? JÁ FOI SIM!
- Você está bêbado. – Foi o débil murmúrio da parte dela.
Eu comecei a rir. E a rir, e a rir. James me pegou pelo braço e arrastou-me até a porta.
- Vou deixá-lo em casa. – Informou irritado para a mulher. Mas, antes de me levar, eu pude dizer para ela:
- As lembranças estão frescas em minha memória.
E era pura verdade.

******

Meia hora.

Nada com que se preocupar. Ele pode ter passado mal e James o está ajudando.

Uma hora.

Talvez tenha resolvido ficar um pouco lá para ver se ele não ia se afogar com o vômito ou algo assim

Uma hora e meia.

Isso é ridículo.

Duas horas.

Eu vou lá.

Lílian calçou a chinela mais próxima e apertou mais o casaco contra o corpo. Ela respirou fundo e ia aparatar quando viu um barulho de porta abrindo. Saiu correndo do quarto, esquecendo-se de tudo, feliz, aliviada, despreocupada.
Mas não durou muito tempo. O cheiro de álcool impregnou suas narinas assim que seu chinelo derrapou no chão de madeira. Era James. Disso não havia dúvida. Mas ele estava... Bêbado?
- Lííííííly... Onde está você?!
- Você está bem? Sirius está bem? Porque você demorou tanto?
- Sabe, Lily, Sirius me contou uma história muito interessante... – O homem de cabelos negros a abraçou carinhosamente e sorriu. . Intimamente, ela sentia nojo daquele toque! Nojo! ASCO! Não há coisa que merecesse mais o desprezo da mulher do que um homem que bebia. Um homem que não se controlava.
- Ele te embebedou, não foi? – Uma careta acompanhou a pergunta, enquanto a ruiva tentava soltar-se. Ao conseguir, o foi puxando escada acima. – Você deve estar cansado.
Alguma parte dela tremia. Alguma parte sabia que ele sabia. Essa parte queria chorar. Sabia que eles iriam discutir isso. Mas não agora, e definitivamente, não enquanto ele estivesse bêbado.
- Espera aí! – James parou e riu. – Deixa eu te contar a minha história!
- Pode me contar amanhã.
- Você não quer ouvir? – Não, ela não queria. Mas ficou calada. – Mas eu vou te contar. Era uma vez, um garoto. Esse garoto tinha um amigo. Esse garoto tinha uma namorada. Esse garoto era cornado por ela. MAS, ESPERA! VOCÊ JÁ CONHECE ESTA HISTÓRIA! – Por algum motivo, o tom da voz dele a assustou. – TALVEZ VOCÊ SEJA A GAROTA DA HISTÓRIA! VOCÊS DEVIAM RIR MUITO DE MIM, NÉ?

Em um movimento assustadoramente rápido ele virou o braço dela. Lílian arfou de dor, e logo em seguida foi jogada na parede. James não iria perdoá-la. E não a deixaria sair. Enquanto um braço dele prendia seus braços como algemas, o outro se dirigia lentamente ao seu pescoço.
- COMO VOCÊS DEVIAM ME ACHAR TAPADO! – Ele sorriu e começou a sussurrar cheio de ódio em seu pescoço. Ela queria que ele voltasse a gritar. - Sabe, Lílian, o que esse garoto fez quando descobriu?
Ela não sabia e desconfiava que não queria saber. Mas ele não queria resposta, pois imediatamente respondeu a pergunta.
- Ele tentou matar a namorada. – Finalmente, a mão dele alcançou o pescoço da mulher. E começou a apertá-lo.

N/A: Desculpem, hoje não dá para responder comentário por comentário, porque estou com pressa. Mas agradeço a Sofiagw, Diana Black, Beca Black, Nanny* (que comenta usando meu nick o.O’) e Alexandra Zabini que comentaram ;]

Kisses,

B.Black x)

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