A professora de Matt
Há tempos Harry não havia se sentido tão bem. Livre de qualquer compromisso, fora de situações de risco e sem o estresse diário da divisão dos aurors. A não ser quando Matthew dizia: “Olha, tio Harry! Olha o que eu sei fazer!”, e pulava, chutava, quebrava, derrubava, esfolava e no fim sempre caia.
Hermione contara que Matthew ainda não tinha demonstrado algum sinal de magia, mas isso era um alívio para ela. Não esperava que a bagunça fosse diminuir com ele podendo recorrer a truques quando quisesse. Mas por precaução o havia colocado em uma escolinha no povoado para ele ir tendo noções gerais e para ela própria poder descansar. Então, durante toda tarde, a casa ficava estranhamente silenciosa e vazia.
Rony não treinava todos os dias. Tinha uma folga pelo menos dois dias durante a semana, que era aproveitada por muitos jogadores para curar alguns ferimentos e hematomas adquiridos durante os treinos. Nesses dias, ele convidava Harry para ter a experiência de como era viver em um povoado inteiramente mágico e tranqüilo. Foi em um desses passeios, quando eles estavam tomando cerveja amanteigada no bar local, que Harry tocou no assunto do seqüestro de Anne Rostagni.
_ Não. – Rony parou de repente de beber quase se afogando – Não vai me dizer que veio aqui para investigar esse caso e falou que estava de férias só para não levantar suspeitas?
_ Se o Ministério não quisesse levantar suspeitas, mandaria justo o auror mais conhecido? – perguntou Harry apontado com a cabeça para o balcão onde todos olhavam abertamente para ele – Já perdi a conta de quantos autógrafos eu dei hoje.
_ Então por que você quer saber sobre o caso? _ perguntou Rony curioso.
_ Acontece que... _ Harry parou pensando no alerta que recebera de Moody sobre manter em segredo as investigações. Mas Rony desde criança sempre esteve nas piores situações com ele, e não seria certo esconder isso dele. – Acontece que Moody me pediu para investigar por conta própria.
_ Moody? Ele ainda está vivo e trabalhando? Já o revistaram para ter certeza de que ele não está escondendo uma lasca da Pedra Filosofal?
Harry riu e olhou para o seu copo meneando a cabeça:
_ Sabe como ele é... Deve ter imaginado que eu aproveitaria as minhas férias para te visitar e já arranjou uma desculpa para eu fazer algo que ele não pode mais.
_ E você pretende mesmo investigar?
_ Acho que não custaria nada fazer umas perguntas só para ele não ficar me atormentando depois.
_ Então, _ Rony esvaziou o seu copo em um só gole _ Vamos buscar o Matthew na escolinha hoje.
Harry lançou um olhar interrogativo para o amigo. O povoado não era perigoso e a escola não ficava longe da casa, então Matthew vinha sozinho. Sem contar que ele era conhecido de todos que moravam ali.
_ E converse com a professora dele! _ Rony deu um largo sorriso.
Quando deu o horário de saída da escola, Rony e Harry já estavam esperando no murro da grande casa antiga de madeira. Assim que as portas se abriram uma algazarra de um estádio de quadribol lotado foi ouvida por todos os lados enquanto as crianças saiam. Matthew foi um dos primeiros, e saiu em uma corrida tão alucinada pelo portão que nem ao menos viu o pai. Rony o pegou pela gola do casaco há quase 50 metros de onde estavam esperando.
_ O que estão fazendo aqui?! _ ele perguntou surpreso _ Eu juro que não sabia que a Sarah ela alérgica à cola de baba de dragão!
_ Sr. Weasley! Sr. Weasley! _ uma mulher rechonchuda, baixinha e de aparência bondosa veio correndo o máximo que pode em direção de Rony. Ela parou ofegando e começou a falar _ Ainda bem que o senhor veio, sr Weasley. Assim que todas as crianças tivessem saído eu iria imediatamente mandar uma coruja para o senhor.
_ O que o Matt aprontou dessa vez, sra Griffiths?
A sra Griffiths começou a enumerar uma série de travessuras que Matthew aprontava e como ele era difícil de ser controlado. Rony parecia demonstrar um intenso interesse no que ela falava, mas Harry podia ver que ele já sabia o discurso dela de cor.
Harry teria que esperar a sua vez de falar com a professora e passou a olhar em volta. Viu Matthew se aproximar com a cabeça baixa de uma menininha de cabelos rosa presos em uma trança que estava sentada na escada em frente à escola, provavelmente esperando que alguém viesse buscá-la. Ela estava com o rosto cheio de pontinhos verdes, e ele deduziu que fosse a Sarah da cola de baba de dragão. Matthew estava pedindo desculpas para ela, sem tirar os olhos do chão. A menina sorriu e falou alguma coisa que Harry não conseguiu ouvir e logo depois os dois olharam para a porta, como se alguém os tivesse chamado. Então uma moça surgiu lá de dentro, carregando uma pilha de pergaminhos em baixo de um braço e com a outra mão segurando uma mochila no ombro. Ela tinha os cabelos curtos e lisos e de uma cor estranhamente violeta, como uva bem madura. Ela sentou ao lado da menininha e largou a mochila e os pergaminhos ao seu lado. Passou a mão pelo rosto da menina e a segurou pelo queixo fazendo perguntas, as quais a menina respondia que sim ou não com um aceno da cabeça. Depois a menina falou sobre o que Matthew havia lhe dito e a moça sorriu para ele e o elogiou, ao que o garoto respondeu com um sorriso orgulhoso.
Harry ficou encarando a cena por uns instantes e sentindo um comichão no peito. Ele lembrou-se que a escola antes de Hogwarts nunca havia sido um lugar agradável, devido ao fato de Duda sempre tornar isso impossível. Suas professoras não se preocupavam com seus esfolões e machucados, e tia Petúnia muito menos. E ele sentia um pouco de inveja das crianças por terem alguém que se preocupasse com eles.
_ Harry. _ ele ouviu Rony chamar de repente _ Não quer ir falar com a professora do Matthew enquanto eu converso com a sra. Griffiths?
_ Mas... _ ele olhou confuso do amigo para a senhora _ Eu pensei que...
_ A Srta Rostagni ficará orgulhosa de falar com o senhor, senhor Potter! _ disse a sra. Griffiths com um sorriso de orelha em orelha _ E nós pelo senhor ter nos dado a honra da sua visita!... Julie! _ A moça procurou quem a chamava e avistou a sra Griffiths. _ O sr Harry Potter que lhe falar! Mostre a nossa escola para ele, sim? _ acrescentou ela com um enorme sorriso.
A expressão sorridente que a moça usava com as crianças desapareceu e foi substituída por um ar mais sério. Ela pegou a mochila e os pergaminhos, falou algo para a menininha que acentiu coçando o nariz e depois convidou Harry a entrar.
Então ela era Julie Rostagni, a irmã mais velha e tutora de Anne. Se Rony tivesse falado mais abertamente desde o início, ele não teria ficado surpreso quando a sra Griffiths falou o nome dela. Sem perder tempo, ele a seguiu.
Ela o levou para a sala onde lecionava, sem dizer uma palavra, e indicou uma cadeira para ele se sentar. Em seguida fechou a porta, largou tudo o que trazia em uma das mesas baixinhas para os alunos, e disse como se não estivesse encantada em poder falar com ele:
_ Até que enfim, senhor Harry Potter!
Harry permaneceu em silêncio, tentando ao máximo não deixar sua confusão transparecer, e esperou que ela continuasse.
_ Há tempos venho solicitando e exigindo que o departamento de Aurors mande alguém que saiba o que faz! Mas parece que o famoso Harry Potter não pode deixar de fazer suas grandes capturas para cumprir uma promessa!
Mais perdido ainda, Harry permaneceu calado a encarando. Ela tinha grandes olhos azuis que pareciam faiscar nesse momento.
_ Não tem nada a dizer em sua defesa?! _ ela perguntou cruzando os braços, como se ele fosse um aluno como Matthew.
_ Na verdade, Harry começou, eu não faço idéia do que está falando.
_ Como assim não sabe?!
Dessa vez Harry teve a sensação de que raios elétricos estalavam a sua volta, e que Julie parecia estar se contendo ao máximo para não lançar uma maldição em cima dele. Furiosa, ela puxou uma cadeira e sentou de frente para ele. Ela pensou um pouco, tentando se controlar, e perguntou o mais calmamente possível:
_ O que, exatamente, você não faz idéia que eu esteja falando?
Harry olhou em volta tentando buscar alguma saída e sentindo-se um tanto constrangido sobre o olhar mortal de alguém duas cabeças mais baixa que ele:
_ De nada. Não sei por que esta furiosa dessa maneira sendo que nem ao menos a conheço.
_ Eu também não conheço você. _ disse ela desafiadoramente _ O Harry Potter de que eu ouvi falar era alguém que dedica a sua vida em ajudar as pessoas!
_ E que neste momento está de férias e sem obrigações! _ disse ele em uma resposta seca.
Ela parou e sua expressão mudou. Aparentemente, a resposta de Harry havia lhe deixado sem saber o que falar.
_ Como assim está de férias? _ ela perguntou sem poder esconder um tom de desapontamento _ Não veio aqui para encontrar minha irmã?
Harry se sentiu mal por ter parecido grosseiro com ela. E tentou remediar explicando o que viera fazer ali:
_ Eu estou de férias. Não vim aqui para reabrir um caso que já foi arquivado. Vim visitar meus amigos e descansar um pouco.
_ Então por que veio falar comigo? _ ela perguntou perplexa.
Agora ele não sabia o que dizer. Começou uma frase, mas parou. E no fim, decidiu que o melhor seria contar a verdade para ela:
_ No meu último dia no departamento, um Auror veterano me entregou a pasta com o Caso Anne Rostagni e pediu para eu investigar-lo enquanto estivesse aqui.
_ E não vai fazer isso?
_ Na verdade eu não participei das investigações e só sei o que está no relatório. Não faço a mínima idéia de por que ele me pediu isso.
Ela o encarou como se procurasse alguma resposta de que ele mesmo não fazia idéia de qual era:
_ Não faz?
Ele já estava perdendo a paciência com as perguntas dela. Preferia que ela estivesse gritando furiosa do que mantendo aquele ar de desapontamento, como se ele fosse o culpado por tudo o que acontecera.
Julie Rostagni levantou da cadeira e ficou de pé olhando pela janela. Apesar de ser primavera, a paisagem daquele lugar ainda não demonstrava o colorido da época.
_ Então, Alastor Moody não lhe contou por que queria que você viesse aqui?... Eu deveria ter ido ao Ministério e feito greve de fome até me deixarem falar diretamente com você!... Mas eu não podia deixar a Sarah, ela não quer se afastar de mim. Ainda está traumatizada com o seqüestro da Anne.
_ Tem certeza de que foi um seqüestro? _ Harry perguntou, mas descobriu no mesmo instante que havia sido a pior coisa que ele já tinha dito.
A sensação de ondas elétricas que estalavam voltou e ela respirou fundo para dizer alguma coisa que ele não iria gostar de ouvir. Mas no mesmo instante a porta abriu e a menininha de cabelo rosado entrou na sala e pediu em um tom choroso:
_ Julie, vamos para casa! Eu estou com fome e quero tirar isso do meu rosto que está coçando.
_ Já vamos, Sarah. Antes eu tenho que... o que vai fazer?
Harry havia levantado da cadeira e se ajoelhado na frente da menina para examinar o seu rosto coberto por pintas verdes. Ele retirou a varinha do casaco e com um aceno rápido fez com que elas desaparecessem. A menina passou a mão pelo rosto e sorriu para ele agradecendo.
_ Não há de que. – ele retribuiu o sorriso e acrescentou para Julie – É um encantamento simples que aprendemos na academia. Se quiser eu posso te ensinar para quando precisar de novo. Ela parece ter a pele bem sensível.
Pela terceira vez Harry sentiu que havia dito algo extremamente errado. O sorriso da menina desapareceu e ela ficou sem graça, e Julie pegou sua mochila e pergaminhos dizendo:
_ Muito obrigada pela a ajuda, sr Potter! Mas quando eu precisar curar a alergia da minha irmã eu sei a quem recorrer. Vamos Sarah!
E ela saiu se olhar para trás, com Sarah seguindo seus passos.
Naquela mesma noite, durante o jantar, Harry narrou o que acontecera para os amigos, que o deixaram terminar antes de dizerem qualquer coisa.
_ Foi minha culpa, Harry, eu devia ter te avisado antes. _ começou Rony pedindo desculpas _ Mas estou tão acostumado com o fato de aqui todos saberem... _ ele não continuou.
_ Saberem o que? _ perguntou Harry.
_ Julie é um aborto. _ disse Hermione um tanto dramaticamente _ Sem um pingo de magia, apesar de seus pais serem bruxos fabulosos.
_ Um aborto? _ Harry finalmente compreendeu a reação dela quando tirou a alergia de Sarah.
_ É difícil para ela. _ comentou Hermione comendo o seu terceiro prato de ensopado _ Ela cresceu em um povoado inteiramente mágico, mas nunca se sentiu parte dele, entende? Mas ela ficou realmente feliz quando a sra. Griffiths propôs que ela ensinasse as crianças a lerem e outras coisas básicas que não precisam de magia. E as coisas pioraram muito pela morte dos pais e depois do avô, seu último parente vivo. E pela sua situação, ela quase perdeu a guarda das irmãs mais novas. Matt! Sopa deve ser tomada com a colher, não direto no prato!
_ Mas, mãe, como eu posso ser um cachorro quando crescer se nem sei tomar sopa como um cachorro?
Harry não ouvia mais Hermione tentando impor bom comportamento ao filho. O fato de Julie ser um aborto explicava algumas coisas que ela dissera, mas, porém, anulava algumas outras que ele sabia. No relatório que ele havia recebido não constava essa informação, que não era nada relevante para não ser mencionada. E, agora, Moody parecia realmente saber o que fazia.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!