A Maldição



“Os dois já se separaram. A hora está próxima e o destino está em suas mãos!”.



Sirius acordou, respirando pesado. Olhava em volta, como se esperasse que alguém estivesse ali, falando-lhe aquilo que passava em sua mente.

- Isso só pôde ter sido um sonho... Foi um sonho... Eu tenho certeza que foi um sonho... É, foi, sim, um sonho! – Disse, embora não acreditasse em nada que dissesse. As palavras de Remus soavam em sua cabeça o tempo todo: “Você tem medo de descobrir quem é!”.

- Seria verdade? Eu tenho medo de fazer o que eu quero fazer? Como posso ter certeza? Nada faz sentido... – Ele levantou-se e afastou as cortinas. O quarto ainda estava escuro, iluminado apenas pela ligeira luz do luar. Ele caminhou, inconscientemente e, no momento seguinte, viu-se a afastar as cortinas da cama de Remus. – O que estou fazendo? É óbvio que ele não está aqui!! – Pensou, mas viu os olhos pelos quais apaixonara-se um dia reluzirem ao toque do luar. Remus estava a sua frente, em sua forma humana, sem reação ao ver o amigo.

- Remus... Como...? – Sirius parecia mais que surpreso, era receoso. Talvez achasse que Remus pudesse transformar-se ali e agora.

- Eu... Não sei. – Remus ignorou-o após responder. Virou-se a mochila e tirou o livro antigo que pegara na biblioteca. – Aqui deve haver uma resposta melhor. – Disse a si. Reabriu o livro na página 307. – Isso só pode ser parte da Maldição. Releu o trecho:



“Pedimos (a sociedade científica) que não machuquem o espécime, se puderem, pois cedo ou tarde, o fim da maldição cairá e com ela virá sua morte. É só uma questão de tempo”.



- Fim da maldição? – Ele voltou ao índice e revirou-o até achar o título “morte”. – Página 896. – Ele parecia trêmulo. Sirius continuava fitando suas costas, pensando no que o jovem dizia.



“Então a maldição tem como ser quebrada?”, pensara Sirius, um sorriso cortando o rosto. “Mas ele não está feliz. O que será que o preocupa?”.



Lupin lia a página sem respirar. Nada fazia sentido, mas ele podia entender.



“O lobisomem é uma criatura metade homem, metade lobo, que vivem num equilíbrio perfeito. Porém, se o homem cede à criatura, esta passa a controlar sua vida. Com o tempo, o humano é extinto totalmente, deixando apenas a fera. Ele perde a racionalidade e predominam os extintos animais. Essa é a morte do lobisomem, quando ele torna-se apenas um lobo, sem o homem”.



Lupin deixou seu sangue esvaecer do rosto, empalidecendo de imediato. Sirius começou a entrar em desespero. Por que ele estava pálido? O que teria descoberto? Qual o motivo que levou-o a não transformar-se em lobisomem? Ele estaria... Bem?

- Remus? Você está bem? Parece um pouco... Chocado. – Arriscou Sirius.

“Eu vou morrer! Vou virar um monstro! Eu me perdi como Sirius não quis. Tamanha é a desgraça... O que leva um homem a ponto de ser vencido por seu monstro? Tristeza? Desconfiança?”, pensava Lupin, relâmpagos trovejando em sua mente. “Talvez seja... Solidão”, sentenciou.

- Remus, me responda! – Pediu Sirius, agarrando-o pelo colarinho da camisa. Remus olhava-o, mas não via Sirius, via seu próprio vazio. A esperança dentro dele cessara e ele não via salvação. Ficou parado, olhando através de Sirius, sem respondê-lo. – Me responda! Por favor... – Sirius não via Remus, via algo sem vida, não o jovem pelo qual se apaixonara. O que estaria acontecendo com ele?

“Se a culpa for minha, jamais me perdoarei!”, pensou desesperado.

- Remus, ouça-me: O que está havendo? Eu posso... Ajudá-lo? – Arriscou, baixando a voz, como se fosse difícil pronunciar as palavras. Remus saiu do choque e viu Sirius, o verdadeiro Sirius, pela primeira vez em dias.

- Sirius? É você mesmo? Pensei que você houvesse se... – Ele continuou olhando-o vaziamente. Seu corpo estava ficando mais pesado nos braços de Sirius e seu corpo parecia estar amolecendo. – Perdido.

Ele apagou.

Sirius sentiu uma lágrima forçar a sair e rolar pelo rosto. Ele havia se achado aos olhos de Remus.

- Mas do que adianta, Remus, eu me encontrar se agora você desaparece? Volte, garoto! – Dizia fracamente, abaixando-se ao colocar Remus em sua cama. – Amanhã estará tudo bem, eu sei. Tenho certeza disto. Você ficará bem, não vai? Vai melhorar e tudo ficará perfeito. – Ele aproximou-se do rosto de garoto, por uma espécie de magnetismo. Sentiu sua respiração, ouvira-a mais perto que nunca, sentira os lábios de Remus roçarem nos seus, um aperto no peito forçou-o a entregar-se, finalmente, e ele cedeu ao que era de verdade. Encontrara-se e, para seu espanto, gostou.

- Boa noite, Remus. Durma bem e melhore, por favor. – Disse e rumou a sua própria cama, ainda preocupado com o garoto.

“Devia ter me encontrado antes”, pensou e, logo em seguida, adormeceu. Um sorriso de real felicidade fazia daquela noite diferente.



***//***



“Uma lua enorme e redonda mostrava seu esplendor no céu escuro, porém, ao contrário de outras muitas vezes, ela fazia-se seca, cruel. Sua sombra caira sobre a terra pela primeira vez. Ela brilhava vermelha, espalhando o segredo do silêncio das florestas e dos sussurros do riacho. Sangue fora derramado aquela noite, marcando o fim para um ser da Floresta Proibida, marcando o SEU fim. Não podia sentir o sangue correr pelas veias, mas conseguia, ainda, ver, ao longe, aquele enorme cão negro a observá-lo, vazio”.

- Lupin, acorde!! – Berrara alguém ao seu ouvido. Ele quase caira da cama, mas agarrara-se a beira. Ele olhou, aturdido, a sua volta e pôde ver Sirius a fitá-lo, um sorriso largo estampado no rosto.

- Hein? O que foi? – Disse, sonolento, esfregando os olhos.

- É hora de acordar! – Exclamou Sirius, em um tom de cantoria. – É hora de acordar, é hora de acordar! – Afastando as cortinas em volta da cama de Remus, já ia saindo.

- Por que está tão feliz? – Perguntou Remus, curioso, ajeitando o lençol que quase caira da cama.

- Hora, Remus, é muito simples: - Ele fez uma pausa em que observou o jovem. – Eu me encontrei e gostei do que vi! – E saiu de lá, ainda cantarolando. Remus pareceu um pouco desajeitado depois de ouvi-lo. “Ele disse o que acho que disse? Ele quis dizer o que acho que quis? Ele... Ele...”, neste ponto, o garoto, que descia as escadas do quarto ao Salão Comunal, começara a corar de leve. “Será que...? Será que...? Será que será? Aff!! Será que ele gosta de mim do jeito que gosto dele?”, perguntou-se. Balançou a cabeça, afastando os pensamentos. “Mesmo que Sirius gostasse de mim, não poderíamos ficar juntos, porque... Eu vou morrer”. Remus desejou não ter lembrado daquilo, mas não podia fazer nada.

Olhou ao lado, examinando o Salão Comunal. Viu, não muito longe dali, James, Sirius e Peter. Também pôde ver que Sirius flagrou-o a olhá-los e, em troca, piscou para o garoto. Este último ficara muito embaraçado. Tropeçara no último degrau e corara furiosamente. Correu para fora do Salão, passando pelo quadro da mulher gorda.

Ele descia as escadas ao Salão Principal, afim de tomar o café, mas antes que chegasse lá, ouviu uma voz conhecida às suas costas.

- Remus!

Ele virou-se e pôde constatar com os olhos o que o coração já sabia. Era Sirius.

- Olá, Sirius. – Disse tímido.

- Er... Podemos conversar? – Pediu. – Sugiro que vamos até o lago.

- Certo. – Confirmou. Os dois passaram pelo Saguão de Entrada. Remus podia sentir que Sirius estava mais próximo dele que o normal. Estavam ombro a ombro, até Sirius apoiar um dos braços sobre o ombro oposto de Remus e conduzi-lo por um caminho diferente do que seguia. Logo Remus percebera por quê. Pararam no mesmo lugar que da última vez, perto do Salgueiro, mas longe o suficiente para não serem atacados.

- Eu pensei no que você me disse, Remus. Pensei... Muito. Eu venho sido um idiota, não? – Disse. Remus continuou calado, olhando-o. – Eu ficaria muito grato se... Você puder me perdoar. – Ele fez uma pausa e continuou. – E mais grato ainda se você puder me aceitar.

- Sirius, eu... – Começara Lupin. “Eu vou morrer, eu sei. Tenho certeza, porque está escrito no livro, visto nos sonhos e, até mesmo, desenhado no céu, junto com as estrelas. Não posso aceitá-lo, pois, se eu morrer assim que ficarmos juntos, Sirius sofrerá ainda mais. Mas... Se souber que eu o deixei por amor, não ficará tão triste. Eu acho...”, pensou. – Eu posso perdoá-lo, com certeza, mas... Não posso aceitá-lo.

Sirius pareceu mais que triste, estava decepcionado. Decepcionado não com a atitude de Remus, mas sim consigo mesmo. “Deveria tê-lo aceitado de primeira. É isso que mereço mesmo”.

- Remus...

“Se eu ficar aqui, posso deixar algo escapar. Se Sirius souber, não irá deixar-me ir. É melhor eu ir embora. Será melhor para nós dois”.

- Adeus, Sirius. – E rumou para o castelo, sem olhar para trás. O peito contraía-se, ele podia sentir.

Ao longe, pôde ver James, conversando com Lily.

- Licença! – Disse, arrastando James para um canto do Salão Principal. – Precisamos conversar!!

- Não tem outra hora, não? É que eu... – Começou, mas foi interrompido.

- É urgente!! – Exclamou Remus. – Tenho de lhe contar uma coisa! – E narrou a história da transformação, só tirando as partes em que Sirius estava no meio.

- Cara, não tem nada que possamos fazer para acabar ou retardar essa maldição? – Perguntou James.

- Creio que não. Bem, não conte isto a ninguém. Hoje a noite será a transformação, eu sinto, e não há nada que ninguém possa fazer. – E antes que James pudesse dizer qualquer coisa, ele virou-se e rumou ao Salgueiro Lutador, para seu derradeiro fim.



***//***



Sirius estava sentado nos degraus que dão aos dormitórios masculinos no Salão Comunal. Perdera a fome e refletia sobre sua própria ignorância.

“Sou tão idiota! Sou o mais idiota de todos os idiotas! Sou o rei dos idiotas!! Não, espera, o rei se destaca, então eu sou a ralé dos idiotas, tão idiota que nem entre os idiotas é alguém!! Ah, mas isso não faz sentido, Remus! Como você pode deixar de me amar de uma hora para outra? Ei! E aquilo de coração e razão? Eu não estaria desistindo fácil demais? Bem, vamos pensar”, pensou, apoiando o rosto numa das mãos. “Se Remus é meu coração, o que seria a razão? A razão seria estar longe dele, porque é o contrário dele. Não, deve ser algo mais difícil. Se eu ficar com Remus, terei de, mais cedo ou mais tarde, anunciar isso aos meus amigos. Eu teria coragem? É, deve ser mais ou menos isto. Mas, mesmo assim... Eu preferiria ficar com Remus e ser discriminado pelo resto do mundo do que perdê-lo, deixá-lo ir-se. Ou não preferiria? Acho que minha cabeça vai explodir... Pensei demais! Normalmente eu nem penso...”, concluiu.

Ele ouviu o ranger do quadro a dar passagem a alguém e, na curiosidade humana, virou-se para ver quem era. James acabara de entrar no Salão Comunal. Ele levantou-se para saudar o amigo, mas percebeu que o outro parecia preocupado, pensativo em algo complexo.

- Armando outro plano de conquista à Lily, James? – Indagou Sirius. O outro virou-se a ele, muito sério.

- É muito mais complicado, Sirius. É sobre o Remus. – Ele fez uma pausa. Sirius quase pulou em cima dele, tendo em mente sacudi-lo e arrastá-lo pelo Salão se o outro não concordasse em contá-lo a verdade, mas não foi necessário. – Eu não devia lhe contar isso por um pedido do próprio Remus, mas não consigo ficar calado. O Remus vai perder sua metade humana hoje à noite, Sirius. Sabe o que significa? Ele vai morrer!

Sirius sentiu os joelhos fraquejarem e o sangue virar água dentro de suas veias.

“Então esse era o motivo dele não me aceitar”.

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