No Fogo da Lareira
“A maior covardia do ser humano é despertar o sentimento de outro sem ter a intenção de amá-lo.”
Autor Desconhecido
Haylla pegou o novo envelope em suas mãos, aproximou-o de si e beijou-o. Cada vez sentia-se mais atraída pelo Mestre. Não o conhecia, não fazia a menor idéia do que pensava, do que vivera, de que modo agira e agia. Mas estava o amando. Não havia mais dúvidas dentro de seu coração. Só pensava nele, só suspirava por ele, só respirava por ele. Estava apaixonada pelo Mestre dos Desejos.
Querida Haylla,
Jura que tem certeza que conhece o gato de algum lugar? É incrível! Bichento é muito esperto, mia e come demais. Mas sua inteligência compensa todos esses atos impensados. Já que gosta tanto de gatos, deveria conhecê-lo e conviver com ele! Tenho certeza que adoraria. Espantar-se-ia com as atitudes que ele toma! Iria se impressionar muito.
Como já lhe falei, a dona dele era a mulher que mais amei em minha vida. Creio que fora a única que realmente amei. Por isso, empolgo-me e sempre me empolgarei ao falar dele. Ela morreu há aproximadamente dois anos. Foi realmente muito triste para mim e para todos que conviviam com ela, já que era muito jovem e cheia de alegria. Era extremamente inteligente, você não faz idéia do quanto. Adorava ler, estudar, demonstrar que sabia das coisas. Era uma mulher fantástica. E, o pior de tudo, é saber que me amava e eu não soube aproveitar esse sentimento dela. Sempre a amei, mas nunca consegui ter coragem o suficiente para declarar-lhe isso. Todos sabiam. Todos sentiam o que eu sentia. Inclusive ela. Porém, fomos orgulhosos demais para dizer a verdade.
É triste escrever essas coisas, sendo que ultimamente a única coisa que faço é tentar esquecê-las. Impossível? Eu diria que sim. Você não tem nada a ver com isso e já está tendo que ler minhas lamentações sobre o caso. Porém, todo meu desespero é verídico. Quando ela morreu, meu mundo desabou. Tudo caiu sobre mim como numa louca tempestade, destruindo e deixando em pedaços minha alegria e todos os meus sonhos. Tudo acabou para mim. Não tive mais forças para nada. Comprei um apartamento e tranquei-me nele. Hoje, vivo solitário, a não ser pela visita de meus parentes, que realmente são muitos. Vivo triste. Fiquei assim após a morte dela. E nunca mais consegui mudar.
Desculpe estar falando isso. Sei que deveria lhe falar de outras coisas, até mesmo para tentar esquecer meu grande amor. Mas não consigo. Só finalizando, por causa das lembranças dela, adoro o gato. Bichento é a única pessoa (sim, assim o considero) que me faz companhia. Nunca vai reclamar comigo, nem de minhas lamúrias. Estará sempre comigo, para o que der e vier. Sei disso. Sinto isso. Os animais são assim, amigos dessa maneira. Nunca irão nos retrucar, nem dizer que estamos errados. São eles os mais certos amigos para quem devemos fazer confidências. Jamais nos dedurarão. E, se Bichento morrer, eu morro também. Hoje, para mim, tornar-se-ia impossível viver sem ele. Sem ele e as lembranças que me traz, sucumbirei.
Prometo que os próximos bilhetes serão mais animadores.
O Mestre dos Desejos
- Espero que sejam. – resmungou Haylla para si mesma. – Não gosto de ouvi-lo falar dessa mulher.
Ficara chateada com o que acabara de ler. Esperara muito mais do Mestre, principalmente agora que se sentia apaixonada por ele. Esperara a mesma alegria de antes, as palavras animadoras, as confidências leves que a faziam se sentir tão importante para ele. Esperara mais amor.
Pegou papel e caneta e sentou-se em sua cama. Iria respondê-lo de maneira fria, para que deixasse bem claro não ter gostado nem um pouco da conversa mais recente. Mas como faria isso? Diria o que sentira? Não, era melhor não. Ficaria na sua. Mas precisava fazer alguma coisa. Não queria que ele voltasse a falar sobre seu grande amor, não queria que ele voltasse a falar sobre ela. Não a conheceu, mas a odiava mais do que tudo.
Mestre,
Gostaria de saber seu nome. Por favor, conte-o a mim. Só o primeiro nome, para que eu pare de chamá-lo dessa maneira. Sinto-me encabulada.
Sinto muito pela mulher de quem me contou. Mas, se ela já está morta, não seria melhor esquecê-la e continuar a vida?
Beijos,
Da sua Haylla
Ótimo. Colocara toda a perspicácia e sutileza de uma mulher em poucas linhas. E o “Da sua Haylla” deixara bem claro o seu apreço por ele. Ficara perfeito. Ele entenderia tudo logo que o lesse e mudaria o rumo da conversa. Haylla também esperava que lhe dissesse ao menos seu nome. Fora sincera ao dizer que se sentia envergonhada em chamar-lhe de Mestre dos Desejos. No começo não se importara com isso, mas depois passara a achar ruim e subentendia certa malícia no apelido.
- Ele vai parar de falar daquelazinha, eu sei que vai. – falou Haylla para si mesma, rubra de raiva.
Ela acordou com o habitual toque da campainha pela manhã, o qual indicava a chegada de mais correspondência. Sua vida, ultimamente, significava apenas ler e escrever bilhetes para o Mestre. Não se importava e não queria se importar com mais nada.
Pegou o habitual envelope pardo, sabendo que não ouviria mais nada sobre a tal mulher. Não queria ouvir, não queria saber, gostava que ela estivesse morta. Sentia raiva profunda dela.
Haylla,
Espero que não tenha ficado chateada na menção de meu grande amor. Senti frieza em seu bilhete, coisa que jamais havia sentido neles. Fiquei preocupado. Só gostaria que entendesse que eu precisava lhe falar disso. Algum dia iremos nos conhecer pessoalmente, talvez fiquemos amigos, talvez nos tornemos namorados e se isso acontecer, você precisará saber de todas essas coisas. Ela jamais sairá de minha vida, já se instalou nela há muito tempo! Ao conviver comigo, você sentirá o quanto ela ainda é presente. E então, como lhe explicar tudo?
Espero sinceramente que tenha me entendido e, principalmente, me desculpado caso eu tenha lhe feito alguma coisa. Porém, desde já é necessário que saiba que de maneira alguma ela sairá de minha vida. Ninguém nunca conseguirá tirá-la de minha mente. Como disse, ela está lá e não vai sair. Não quero que saia, apesar de saber que é errado e esses pensamentos só irão continuar me prejudicando.
Não lhe disse nada ainda, mas achei sua família muito bonita. Vou lhe dizer o penso deles, olhando para a imagem de cada um. Seu pai parece ser um homem extremamente calmo. O olhar dele passa muita confiança, amor e segurança. Você deve adorá-lo. Sua mãe, diferentemente de seu pai, parece ser mais nervosa, mas nem por isso deixa de ser uma ótima pessoa. Sua irmã... sou suspeito para falar dela! Principalmente depois daquele bilhete que recebi onde ela me escreveu. Ela é muito simpática! Não poderia ter imaginado outro rosto para ela. Assim, sempre sorridente e fazendo brincadeiras! Já pude constatar que vocês se dão muito bem e que ela é a alegria da casa. Obrigado mesmo por ter enviado a foto. Fiquei muito feliz quando a recebi. Estou a guardando muito bem aqui comigo, caso algum dia queira de volta.
Ah, não vou revelar meu nome! Desculpe mais uma vez, mas acho que ainda não é o momento adequado para se fazer isso. Já nos conhecemos bem, sim, mas acho que ainda não o suficiente. Logo, muito logo, saberá.
Até mais, Haylla!
O Mestre dos Desejos
Haylla gritou. Mais uma vez o Mestre falou sobre ela. Mais uma vez ele achou necessário gastar papel e inglês para lhe falar dela. Por quê? Uma pessoa que já morreu não deveria ter tanta importância! Ele a amou, tudo bem, muito compreensível que ainda queira lembrar-se dela, mas será que não entende que Haylla não gosta disso? Também é mulher! E uma mulher que já deixou bem claro gostar muito dele, e de uma forma diferente do normal.
A moça não conseguiu conter toda a sua raiva e amassou o bilhete que acabara de ler. O jogou o mais longe que pôde para tirá-lo da sua frente. Por que ele fora fazer aquilo? Por que, mesmo sem saber, tentara destruir a vida dela? Haylla não conseguia entender. Tudo estava tão bem, para que tocar em um assunto tão delicado e que já deveria ter sido esquecido?
Uma lágrima silenciosa fluiu e desceu lentamente pela sua face. A raiva que sentia era enorme, não conseguia se controlar. Precisa fazer algo para descontá-la, para acalmar-se. Correu até seu quarto e pegou a foto que ele lhe enviara há pouco tempo. Fitou o gato e amaldiçoou-o por ajudar a manter a lembrança daquela mulher viva. A odiava. Mesmo morta, ela estava prejudicando sua vida. Jamais saberia o mal que estava causando.
- Maldita! Saia da minha vida! Volte para seu lugar! – berrou Haylla, com todas as suas forças.
A moça chutou o bidê, fazendo todas as suas coisas caírem no chão e espatifarem-se. O barulho das coisas se quebrando a deixou ainda mais irritada e isso resultou-se na transformação do espelho do banheiro em milhares de cacos reluzentes.
- Saia! Saia!
Para sua fúria não havia mais limites. Tudo que encontrava em seu caminho Haylla chutava, jogava na parede, quebrava e estraçalhava. Não sabia por que sentia-se assim, apenas não podia se conter. Na cozinha, jogou no chão todas as garrafas de vidro que possuía, quebrando-as. Alguns cacos ficaram em suas mãos que, em poucos segundos, estavam completamente ensangüentadas.
O choro de raiva alcançava cada vez mais decibéis, mas ela não se importava. Sabia que todos estavam ouvindo e talvez até ficando preocupados, mas não se importava. Queria que todos morressem, que sumissem, que... uma dor aguda perfurou seu pulso. Ela gritou novamente, desta vez de dor. Arrancou, ofegante, o vidro que ali entrara.
Sentiu-se inútil, imprestável, prepotente e mal-amada. As dores agora eram físicas e morais e pareciam aumentar cada vez mais a força com que lhe atingiam. Estava se tornando insuportável... Arrancou as gavetas de sua cômoda e jogou-as longe. Tirou todos os papéis que haviam por lá até finalmente encontrar o que queria.
Acendeu a lareira. Gritava e quebrava mais coisas enquanto esperava o fogo crescer. Iria tirar o Mestre de sua cabeça, iria acabar com ele e com todos os sentimentos que tinha por ele de uma só vez... Mas precisava acabar com o que era material também. Senão as lembranças ficariam cada vez mais vívidas e sempre presentes. Fitou o fogo na lareira, que já estava alto, e começou a picar as cartas. Rasgou-as todas em pedaços muito pequenos e jogou-os um por um, observando o efeito.
Depois, quando não havia mais resquícios de nada, nem da foto das sobrinhas e do gato, ela jogou-se sobre o sofá, exausta. Porém, o choro permaneceu. Mais acuado, mais dramático. A dor era interna, a pior das dores tomava conta de todo seu ser. Rolou para o chão, apoiando a cabeça sobre uma almofada macia. Olhou ao redor e observou tudo muito bagunçado, várias de suas coisas quebradas, a maioria delas com valor sentimental. Arrependeu-se.
- Deus, como fui fazer tudo isso...? – disse, com mais uma lágrima escorrendo silenciosa.
Próximo capítulo: Haylla toma uma decisão que vai mudar completamente sua vida. Por mais incrível que pareça essa decisão é levar os sacos de lixos até a lixeira do condomínio.
N/A.: Nossa, hoje eu só tenho que pedir desculpas. Primeiramente, peço pela demora. É que, como já expliquei, estava esperando o restante dos capítulos serem betados. Recebi esses capítulos ontem mesmo e até teria postado, se o tempo não tivesse resolvido colaborar com vários raios, trovões e falta de luz. E a segunda é pelo capítulo mínimo. Sei que muita gente não gosta de capítulos tão pequenos, eu mesma não sou muito a favor, mas era só isso que eu havia planejado para este. Não poderia colocar mais idéias aqui, pois as idéias estão reservadas para o próximo capítulo. A partir de agora todos eles voltarão a seu tamanho normal – média de cinco páginas.
Falando sobre este especificamente, gostei dele. Cenas de ciúmes aparecem muito em livros, televisão, até realmente... E foi nelas que eu me baseei para fazer isso. Se ficou confuso, sim, era essa minha intenção. Que Haylla ficasse maluca por um motivo fútil, quase inexistente. É como uma espinha grande e horrível. Os outros podem nem estar a vendo, mas se você a viu vai ficar com aquilo na cabeça. Espero que tenham entendido o espírito da coisa e gostado do capítulo!
Pretendo postar antes de uma semana e com certeza farei isso se tiver muitos comentários, visualizações e votos! Apesar de que estou imensamente satisfeita com os que tive até agora. Obrigada!
Manu Riddle
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