A QUESTÃO INICIAL
CAPÍTULO 1.
A QUESTÃO INICIAL
Potter:
Acho que o mais produtivo para começar é tratar logo da questão inicial básica. Sem resolvê-la, esses volumes não terão utilidade nenhuma. Qual questão? É óbvia: por que você deveria confiar em mim?
Como eu sei que você já naturalmente não confia em mim, imagino que, depois dos próximos acontecimentos, terá toda a justificativa para não acreditar em nada do que eu escrevi. Por isso, sinto que preciso, antes de mais nada, deixar algumas explicações.
Não gostaria de ser óbvio, mas, em todo o caso: é verdade, Potter, eu não gosto de você. Assim como sei que você não gosta de mim. E você estava certo ao pensar que eu já não gostava de você mesmo antes de conhecê-lo, antes de você vir estudar em Hogwarts. Eu detestava a lembrança da sua existência. E detestava ainda mais a sua sobrevivência. Detestava saber que sua mãe morreu para salvar você.
Você é extraordinariamente parecido, praticamente idêntico, ao seu pai. Quase uma cópia do arrogante Tiago Potter. Eu sempre detestei o seu pai, desde o primeiro dia de aula em Hogwarts. Eu o odiava tanto que a simples semelhança sua com ele já seria suficiente para me fazer mal. Mas era ainda pior. Porque você também herdou uma característica marcante da sua mãe. Você tem os olhos dela.
Os olhos de Lílian Evans. Impossíveis de esquecer ou confundir. Assim, cada vez que você olhava para mim, eram os olhos dela que eu via. Olhos que pareciam querer me lembrar a todo o momento da promessa que eu fiz a ela, pouco antes dela morrer. A promessa de que eu faria todo o possível para proteger o filho dela do mal... E de que, quando fosse necessário, iria ajudá-lo na missão que, sabíamos pela Profecia, você teria que cumprir. Essa promessa tornou-se um compromisso mais forte e importante do que um Voto Perpétuo. Porque foi um compromisso mágico em nome de dois grandes amores. O amor dela por você, e o meu por ela.
Como eu sei o quanto você é lento, Potter, deixe-me colocar as coisas de um modo bem claro e fácil de entender: eu amava Lílian Evans. Eu sempre amei. Amava desde os tempos de escola e continuei amando, mesmo depois que ela morreu. Esse foi o meu único e grande amor.
É preciso que você saiba que Lílian Evans era uma garota muito popular na época de escola. Uma bruxa inteligente e talentosa, excelente aluna. Mas também era linda, cheia de vida, animada, charmosa. Mais do que isso, uma qualidade única de Lílian Evans era conseguir ser gentil e atenciosa com todos, mesmo aqueles menos populares. Ela conseguia enxergar qualidades e beleza onde ninguém mais via, nem mesmo a própria pessoa. Talvez por isso ela tenha se tornado minha amiga. Pelo menos por um tempo. Ajudou também o fato do professor Slughorn, ao notar nosso talento em Poções, ter-nos colocado como par nas aulas dele. Com esse contato, ficamos próximos. E era só conhecer Lílian Evans um pouco mais para se apaixonar por ela. Ela e eu nunca fomos namorados, ou algo do gênero. E eu nunca revelei meus sentimentos, não naquela época. Por isso, tenho certeza de que a maioria das pessoas nunca desconfiou do que eu sentia.
Não creio que isso seja assim tão difícil de acreditar. Mas, de qualquer maneira, você viu algo que pode parecer em conflito com o que estou dizendo agora naquela lembrança na Penseira. Aquele momento desagradável em que seu pai e seu padrinho resolveram se divertir com a minha humilhação pública. O que você certamente não entendeu é que o motivo pelo qual aquela lembrança é tão dolorosa para mim não é a cena grotesca com o seu pai ou Sirius. Vivi momentos semelhantes, ou bem piores até, nas mãos daqueles dois, durante os tempos de escola. E também consegui retribuir à altura.
Não, o motivo era outro.
Você deve se lembrar muito bem do modo rude, grosseiro, como eu me dirigi à Lílian naquele momento. Ela se levantou para me defender, quando ninguém mais faria isso, e eu a ofendi brutalmente. Pois é esse meu comportamento com ela que faz essa lembrança ser tão dolorosa. Porque eu fui cruel com Lílian, e foi proposital. Quis feri-la, porque a simples idéia de que ela tivesse pena de mim era intolerável. E eu detestava o quanto eu dependia dela, o quanto eu vivia em função da atenção dela, e ela nem mesmo percebia. Ela era minha amiga, minha parceira nas aulas de Poções. Nunca olhou para mim de outro modo. Detestava o quanto isso me doía, o ciúme e a dor que ela me causava. Mas aquilo me custou muito mais do que eu podia imaginar. Custou a amizade dela, o pequeno convívio diário que tínhamos. E eu acabei sofrendo ainda mais por isso.
Alguns anos mais tarde, quando a Profecia foi feita, eu trabalhava como espião para o Lorde das Trevas seguindo e espionando o professor Dumbledore. Apesar de jovem, eu já era um Comensal da Morte de prestígio. Estava lá no Cabeça de Javali naquela noite, e ouvi tudo, ou pelo menos a maior parte, do que Sibila Trelawney disse a ele. Logo soube que aquela era uma Profecia importante. E, claro, corri a contar ao Lorde das Trevas.
Mas quando soube como ele havia interpretado o que eu contei, quando soube que ele pretendia matar você, seu pai e sua mãe, eu me desesperei.
Não tenho tempo, nem disposição para mentiras ou falsidades, portanto vou ser explícito e direto: eu não me importava minimamente com a sua vida ou a do seu pai. Tudo o que eu queria, o que eu precisava, era salvar Lílian Evans. Porque era com ela que eu me importava.
E foi por esse motivo que procurei o professor Dumbledore. Eu sabia que só ele poderia me ajudar. Ele sempre foi um homem muito inteligente, um bruxo poderoso e sábio. Era o único bruxo que até mesmo o Lorde das Trevas sempre respeitou e temeu. Contei tudo a ele e expus minhas intenções. Ele conseguiu entender mais até do que eu havia contado. Dispôs-se a ajudar, em troca da minha colaboração.
Quando ele me propôs ser um agente duplo, eu me surpreendi. Muitas vezes, depois de ter aceitado e começado a espionar para a Ordem da Fênix sob seu comando, eu mesmo cheguei a duvidar e perguntar: “Professor, por que confiar em mim?” Eu estava preparado para ser analisado, questionado, dissecado, ser alvo de especulação e desconfiança. Imaginava que seria um tipo de informante. Mas isso nem me incomodava. Eu só queria a ajuda dele para salvar Lílian Evans. Mas ele enxergou muito mais em mim. Ele confiou, mesmo depois de saber das coisas mais horríveis que eu fiz. Ele passou a dividir comigo seus receios, suas idéias, seus planos.
Eu conquistei a confiança dele, a sua aceitação, sem disfarces. E ele conquistou a minha lealdade e dedicação incondicional para toda a vida.
O professor Alvo Dumbledore foi uma espécie de pai que eu não tive. Foi o meu mentor, e a única pessoa com quem pude me abrir. Eu daria minha vida por ele. E, no entanto, o que ele me fez prometer foi muito pior do que a morte.
No início desse ano, Narcisa Malfoy e sua irmã, Bellatrix Lestrange, foram me procurar, na minha casa. Draco havia se tornado um Comensal da Morte e o Lorde das Trevas havia lhe dado a missão de assassinar Dumbledore. Tenho certeza de que isso foi feito como uma vingança pela falha de Lucius. O Lorde das Trevas não acreditava realmente que Draco fosse capaz de cumprir a missão e pretendia usar isso como desculpa para matá-lo. Narcisa desconfiou disso também. Por isso me procurou, para pedir ajuda para o filho. Suplicou por um Voto Perpétuo. Bellatrix, assim como alguns outros Comensais, já desconfiava da minha lealdade, o que punha meu disfarce em risco. Se eu não aceitasse o pedido de Narcisa, imediatamente ficaria sob suspeita. Então, concordei em fazer o Voto Perpétuo. Estava disposto a morrer para manter meu disfarce.
Logo em seguida, voltei a Hogwarts e procurei Dumbledore. Depois que eu contei a ele sobre o Voto Perpétuo que Narcisa Malfoy praticamente me obrigou a fazer, ele pensou muito, por vários dias. Depois, quando me chamou, foi categórico.
- Severo, quero que você me dê sua palavra de que cumprirá o que o Voto Perpétuo exige!
- Mas, professor...
- Entenda, Severo. Você sabe, tão bem quanto eu, que eu estou morrendo... Quero proteger o jovem Draco. Eu sei que ele não é um assassino. Não conseguiria me matar. Mas sei que Voldemort não terá escrúpulos em eliminá-lo se ele não completar a missão. Pretendo, com a sua ajuda, fazer tudo para que Draco perceba o erro e venha para o nosso lado, para que possamos escondê-lo, protegê-lo. Prometa que, quando a hora chegar, você irá me matar, Severo.
- Mas... Por que, professor? Eu...
- Prometa, Severo! A sua vida é muito mais importante para essa causa do que a minha. Eu sou um velho bruxo... E não tenho o menor problema em morrer. Mas posso me dar ao luxo de escolher a forma e momento da minha morte... questão, claro... – E piscou, sorridente, como se aquilo fosse uma piada. – Mas, para mim, a morte será só uma nova aventura... É muito importante, para todos nós, que o seu disfarce junto a Voldemort seja mantido e que você continue vivo. Por isso, prometa!
- Sim, senhor.
- Muito bem.
Eu saí da sala logo em seguida e, depois disso, por muito tempo, Dumbledore não tocou mais nesse assunto. Até que, pouco antes das férias de verão terminarem, ele me chamou para uma conversa.
- Severo, resolvi fazer algumas mudanças para esse ano.
- Sim?
Ele mantinha uma expressão indecifrável quando continuou:
- Pretendo convidar Horácio Slughorn para voltar a lecionar aqui na escola.
Por um momento, eu não entendi o que ele estava tentando me dizer. Mas acho que Dumbledore imaginava a minha confusão, porque continuou:
- Eu sei que você sempre ambicionou o cargo de professor de Defesa contra as Artes das Trevas... Acho que agora chegou o momento de fazer sua vontade, Severo. Quero convidá-lo para assumir esse posto, e trazer Slughorn para lecionar Poções novamente.
Ora, mesmo sendo lerdo, Potter, você deve ter percebido que nenhum professor de Defesa contra as Artes das Trevas consegue ficar por mais de um ano em Hogwarts. Eu já sabia disso, e Dumbledore já havia mencionado algo sobre uma maldição colocada pelo próprio Lorde das Trevas nesse cargo. Apesar de querer essa vaga, eu sabia que a razão pela qual o professor não me deixava ocupá-la era, além de ajudar a proteger meu disfarce, proteger a minha permanência em Hogwarts. Diante da minha surpresa, ele continuou:
- Preciso de Slughorn, Severo. Só ele tem uma lembrança fundamental... uma conversa com Tom Riddle... que é fundamental para nós. Sobre a quantidade de Horcruxes...
Eu estava, é claro, acompanhando de perto a pesquisa de Dumbledore atrás das horcruxes do Lorde das Trevas. Nem por um momento duvidei da veracidade da explicação. Mas naquele instante eu soube: ele já imaginava que eu teria que sair de Hogwarts ao final do ano, de qualquer maneira, e, por isso, queria aproveitar para contentar minha ambição e também trazer Slughorn para cá. E isso só podia significar uma coisa: ele tinha certeza de que eu teria que matá-lo.
Ao longo do ano, eu protestei várias vezes. Mas o professor foi inflexível. E eu percebi que essa seria a segunda promessa difícil que eu teria que cumprir, mesmo à custa do máximo da minha determinação e da minha força.
Então, a partir do início do ano letivo, comecei a organizar meus escritos, porque sabia que eles seriam a sua única fonte de informações quando o seu sexto ano aqui terminasse. Porque Dumbledore estaria morto, eu estaria foragido ou preso em Azkaban. E ninguém mais sabe a maioria das informações escritas aqui.
Como você talvez um dia compreenda, Potter, eu acho que, apesar de tudo, não somos tão diferentes assim. Nós dois tivemos infâncias muito difíceis e traumáticas. Nós dois somos muito parecidos com nossos pais (com a diferença de que você tem algum tipo de idolatria pela imagem ilusória do seu pai enquanto eu odeio o meu). Nós dois encontramos na figura do professor Alvo Dumbledore muito mais do que simplesmente o diretor da escola. E, mais importante de tudo: Eu quero que o Lorde das Trevas seja derrotado, seja eliminado definitivamente, tanto quanto você. Quero porque é o certo, porque é o melhor para toda a Comunidade bruxa, mas, principalmente, por vingança. Vingança pela morte de Lílian Evans.
Enfim, Potter, espero que esse início tenha resolvido a questão. Assim, vamos ao que realmente interessa...
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Obrigada a todos, beijos!! E até o próximo capítulo!!
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!