Cores Suaves e Vertigem
Capítulo 10
Cores Suaves e Vertigem
Salão Principal. Café da manhã. Celina tinha uma xícara de chá esfriando nas mãos. Se alguém não fosse muito perspicaz para notar sua palidez, ela pareceria a Celina de sempre. Exceto o fato de não conseguir se alimentar, ela se comportava o mais naturalmente possível, dando bom dia à Dean, ouvindo as notícias do Profeta Diário que Seamus lia à sua frente.
Mas Hermione, sentada a seu lado, estava preocupada. Tinha passado metade da noite cuidando da amiga, primeiro achando que a qualquer minuto ela colocaria o estômago pra fora, depois conversando sobre o que tinha acontecido. Celina era capaz das reações mais estranhas, podia se abalar até vomitar, mas não soltava uma única lágrima, reconhecia que a causa fora Harry, mas não aceitava seus sentimentos por ele. Era forte, mas estava sendo uma grande cabeça-dura.
Hermione sentiu um impulso raivoso quando viu Harry se aproximando da mesa. Imediatamente Lavender se descolou de Ron, dando uma cutucada nada discreta em Parvati. Mione relanceou o olhar para o lado, Celina nem piscava, tinha no rosto a mais perfeita máscara da indiferença. Sabe-se lá como estaria por dentro. Por fora o verniz continuava intacto.
Hermione observou que Harry estava com olheiras, um ar abatido, nenhuma intimidade com Parvati, com quem mal trocou duas palavras de bom dia. Ele não olhou em direção a elas, mas também nada comeu. As olheiras pareciam mais fortes de perto. “Pelo menos teve a decência de sentir alguma coisa”, pensou a bruxa, mal se contendo para lhe passar uma descompostura. “Pensando bem, a ressaca moral parece ter cuidado disso”. Ele parecia bem miserável. Ela deixou que os primeiros sintomas de piedade surgissem. “Não é fácil se sentir rejeitado”.
- Não existem desculpas pra o que ele fez, eu sei, - um sentimento de lealdade a fez cochichar para a amiga. – mas as coisas podiam se resolver se vocês conversassem.
- Ok, eu falo com ele enquanto você se acerta com o Ron. – Celina sorriu docemente como se estivesse comentando o tempo.
O assunto estava encerrado.
“Alguém pode perder aquilo que nunca teve?” Ele tinha. Em meio à primeira ressaca de sua vida, física, mental e espiritual (até seu cabelo doía), Harry conseguiu se conectar com a verdade irrefutável de que era, sem equívoco, o maior boçal que já passara pela face da terra. Não podia olhar para Parvati sem se lembrar da burrada que fizera à noite passada. Não podia olhar para Celina porque queria fingir que não tinha feito aquilo com ela. Quer dizer, uma coisa era ser alucinado por uma garota, outra coisa era agarrar esta garota à força, e depois ofendê-la como se fosse qualquer uma. Se ela não gostava dele do mesmo jeito, pelo menos nunca tinha lhe faltado com o respeito, muito menos esfregado suas conquistas na sua cara.
Uma parte de si estava horrorizada com o próprio comportamento, outra, a do orgulho ferido, estava numa briga ininterrupta com a primeira, tentando achar um meio de justificar suas atitudes.
Harry encheu um copo com suco de abóbora, tomara que ajudasse na ressaca. Ao tomar o primeiro gole seus olhos caíram sem querer sobre Celina. Na verdade não tão sem querer. Ela estava alheia, os olhos postos na xícara de chá sem desviar a atenção.
Harry sabia que não tinha desculpas, mas ainda estava com muita raiva. Pena que ele fosse inteligente o suficiente pra saber que essa raiva vinha de ter sido desprezado. Pena mesmo. Se não fosse por isso poderia fingir que a indiferença que ela estava mostrando não tinha nenhuma relação com ele. Poderia mesmo sentar-se com Parvati e tentar repetir o interlúdio da última noite. Estranho, ele se lembrava de tudo que tinha feito, não fora contemplado com uma abençoada amnésia alcoólica. Mas não se recordava exatamente dos beijos com a morena, do seu gosto, cheiro ou do que quer que fosse. Tinha beijado Parvati como se fosse Celina.
- Diabo! – ele bateu com o copo na mesa, sua exclamação chamando a atenção dos colegas e de lambuja piorando as marretadas em sua cabeça.
Ao voltar o olhar novamente deu com os olhos frios da moça. Eram mais que frios, Celina o fitava numa fúria silenciosa, glacial. Como se dentro de um iceberg existisse um vulcão. Ele a encarou de volta, os dois brincando de quem tinha mais raiva. Brincadeira perigosa. O copo de Harry explodiu em sua mão em mil cacos e suco de abóbora para todo lado. O rapaz olhou incrédulo para a mão, um filete de sangue escorria enquanto toda a mesa da Gryffindor soltava assustados “ooh” e os colegas da mesa vizinha espichavam os pescoços, curiosos.
Ron limpou o suco espirrado no próprio rosto, com os olhos arregalados em sua direção. Parvati e Lavender soltando pequenos gritinhos, contornaram a mesa depressa para ver se ele estava bem.
- Eu não fiz isso. – ele moveu a boca silenciosamente para o amigo notando que Hermione, diferentemente do resto dos colegas tinha a atenção voltada para Celina. A garota ainda tinha o rosto corado de irritação e a boca completamente sem cor. Também estava admirada, mas de uma outra forma. Parecia não compreender como tinha ganhado aquela disputa de rancor.
Ele viu Celina se levantando e balançando a cabeça negativamente para Hermione, que se preparava para segui-la. Então acelerou, tomando sozinha a direção que levava à torre do leão.
Ou quem sabe estava indo para outro lugar? Talvez procurar o Travis para terminar o que Harry tinha interrompido, e ir à forra. Mesmo de olhos abertos ele podia até ver...
Sentiu vontade de dar cabeçadas na mesa. Só não o fez por que não seria muito esperto de sua parte. Ele tinha a mão sendo enrolada num guardanapo, aparentemente estando rodeado por todo contingente de garotas que a mesa oferecia e mais algumas atrevidas de outras casas. Todas tão preocupadas que qualquer aluno que aparecesse naquela hora julgaria que Harry fora atingido por um Cruciatus.
E ainda assim suas idéias continuavam na mesma espiral obsessiva. Celina. Celina. Celina.
Até isso aquele demônio em forma de mulher fazia consigo. O entorpecia a ponto de se esquecer de si mesmo, tendo alucinações visuais, falando sozinho como um maluco e sendo alvo de copos que explodiam por mera raiva direcionada.
Por um motivo ou outro, acabaria voltando a ser o Potter Pirado.
Para coroar sua manhã, do outro lado da mesa, Hermione o encarava com aquela expressão típica do “Eu bem que avisei, e você bem que mereceu” e Ron fazia um gesto nada discreto, sinalizando que queria falar com o amigo à sós. Harry suspirou resignado.
- Tem certeza de que não é melhor ir até a enfermaria? Eu posso te acompanhar.
- Não precisa, foi só um arranhão. - Harry negava pela terceira vez a ajuda de Parvati, saindo quase que fugido de perto da garota.
Ron se despediu de Lavender, que pareceu bem emburrada por ser deixada de lado, e saiu no encalço do amigo.
- Vai, desembucha!
- Humpt! – rosnou Harry. – Me deixa pelo menos respirar.
- Ah, vai... já te vi com fratura exposta, cabeça rachada, braço desossado. Agora vai começar a ficar fresco? – Ron puxou o pano da mão de Harry sem cerimônia.
- Episkey! – o feitiço envolveu a mão do bruxo fechando o pequeno corte imediatamente.
- Como você aprendeu isso? – Harry flexionou os dedos e fechou o punho. – E a propósito, me chame de fresco de novo e quem vai ter um braço desossado é você.
- Certo, certo. – Ron fugiu o corpo do cascudo que o amigo tentou lhe aplicar. – Bom, depois de seis anos convivendo com O-menino-que-amoleceu, digo, sobreviveu, é de esperar que a gente aprenda alguma coisa.
Harry deu um tapa estalado na nuca de Ron. Mas o ruivo apenas riu, esfregando o local com a mão.
Os dois se sentaram no saguão, perto de uma janela mais quieta.
- O que exatamente você quer saber? – Harry fez uma cara bem pouco disposta.
- Que merda você fez. – o ruivo o mediu com o semblante concentrado. – Deve ter sido das grandes.
- Obrigado pela sinceridade, Ron. – Harry o fitou emburrado. - Me lembre de retribuir.
- Bem, levar um copo de suco na cara não pode ser classificado como agradecimento pela noite maravilhosa, Harry. – disse o ruivo sensatamente. – Daí o resto e fácil de concluir.
- Verdade. – ele retrucou maldoso. - O Córmac bem que parecia muito feliz olhando pra Mione no café, nenhum suco na cara. O que você conclui?
Ron girou a cabeça tão rápido que o pescoço estalou.
- O que você viu? – ele nem tentou disfarçar.
Iniciando o relatório sobre a amiga, e enfeitando aqui e ali, só pra ver as orelhas do ruivo naquele hilariante tom de rabanete fosforescente, Harry acabou passando toda manhã contando tudo o que aconteceu, incluindo sua tragédia particular. Apesar dos pesares o amigo o apoiou do melhor modo que sabia.
Começou a dar tapinhas um pouco fortes demais nas costas de Harry, dizendo:
- Merda. Muito grande. Grande mesmo.
É, em se tratando de Ronald, até que era um grande apoio.
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Celina Lux podia ser muitas coisas, mas insensível não era uma delas. Ao subir para a sala comunal, não teve como não reparar numa figura igualmente solitária parada no alto de um lance de escadas. Aquela ali parecia ainda mais perdida do que ela.
Luna Lovegood fitava os degraus em descida de um jeito hipnotizado.
Celina subiu até ficar a quatro degraus de distância. A loira estava distante, decerto conversando com seus demônios pessoais.
- Você está pensando em se atirar? – Celina chamou a atenção da colega.
- Por que, vai me convidar para outro clube do suicídio? – Luna falou secamente sem olhar para a outra.
- Não é má idéia... A gente pode começar agorinha se você me deixar ir primeiro.
Luna deu um sorrisinho de viés.
- Desculpa, não é um dos meus melhores dias.
- Sei o que quer dizer... – Celina se postou ao lado da colega mirando a escada com atenção. – Daqui nem parece uma queda dolorosa.
- Só quarenta degraus... – Luna falou com descaso.
- Rolando ou quicando? – Celina confabulou com a loira.
- Talvez os dois.
- Sabe, você está tornando essa idéia muito atraente...
- E por que estaria? Sua vida é perfeita, seu lugar não é no cume da escada planejando uma morte dolorosa. – Luna a olhou com um travo de mágoa na voz.
- Perfeita? Que é isso, Luna... Eu devo ser a pessoa mais mentalmente perturbada dessa escola.
- E a mais desejada.
- Acredite, isso não é grande coisa. – a bruxa suspirou com uma pontada de pesar no peito. – Desejo não é carinho, não é ser amada. Eu não tenho nenhum Neville, sabe?
- Eu não tô falando sobre o Neville... – Luna tinha meio que soltado sem querer, ficando um pouco encabulada.
- Vocês ficaram? – Celina assuntou cuidadosa.
A loira pareceu ficar ainda mais deprimida.
- Anda, vamos dar uma caminhada. – Celina apertou seu ombro.
- Pra onde?
- Pro lugar mais próximo do chão que a gente encontrar. Essa escada já está me hipnotizando. – ela afastou firmemente a loira dali. – Estou achando que você precisa de um bom desabafo.
Celina praticamente arrastou Luna para uma das pequenas salas de estudo, anexas à biblioteca. Por serem tranqüilas e por ser um dia de domingo, seria muito difícil serem perturbadas.
- Não quero conversar sobre... isso. – Luna percebeu a intenção da colega.
- Pode te fazer bem.
- Você pode não gostar do que vai ouvir.
Celina contraiu os olhos sentindo que a tristeza da amiga talvez tivesse alguma relação consigo.
- Quero ouvir assim mesmo. – ela se sentou numa cadeira convidando a loira a fazer o mesmo. – Amigo é pra essas horas.
Luna tomou assento e contorceu o rosto caindo imediatamente num forte choro, não estava acostumada a ter amigos, nem ter alguém preocupado com ela. Celina não soube o que dizer, então a abraçou deixando a colega extravasar sua dor.
- Eu jurei... que nin-ninguém... ia saber... – ela soluçava. – A-ainda mais v-você...
- Tudo bem... – Celina repetia acariciando os cabelos dourados por um longo tempo.
- Não quero... que si-sinta... pena de mim...
- Não sinto. Eu gosto de você, Luna, de verdade. Só quero tentar te ajudar.
Luna soluçou mais um pouco e pareceu finalmente se acalmar o suficiente para se soltar do abraço da amiga. Celina a ajudou a limpar o rosto com um lenço.
- Estou cansada de ser... eu mesma. – Luna desabafou arrasada.
- Você é uma pessoa maravilhosa e original. Não é como uma dessas garotas aqui da escola, que parecem ter sido feitas em série.
Luna fez um gesto impaciente com a mão.
- Você não sabe como é. – disse amargurada. – Quando ninguém te leva a sério, só reparam em você pra serem maus, quando quem você mais gosta te enxerga como uma coleguinha qualquer. Uma maluca engraçada. Se eu fosse bonita, divertida, popular... eu podia tentar, ele ia me ver. – algumas lágrimas teimavam em escorrer. – Mas do jeito que eu sou... não tenho a menor chance de lutar, não quando ele já tem você.
- Mas Neville gosta é de você... – ela tornou confusa.
Luna deu uma risada amargurada:
- Não estou falando do Neville. Eu o beijei à noite passada, sabia? Pra esquecer. Mas foi pior. Ele não tem culpa... E eu o usei sem nenhuma consideração. Igualzinho ao que os outros fazem comigo. – ela franziu o rosto de novo. – Mas você tinha saído da festa com... “ele” e eu estava tão sozinha, e o Neville tão perto... Lamento tanto...
- Luna... – Celina começou a somar dois e dois e forçou a garota a encará-la. – Você está apaixonada... por Benjamin Travis?
Luna abaixou o rosto deixando mais que clara sua resposta.
- Eu nunca imaginei...
- Ninguém imaginou. Não é sua culpa, nem dele. – ela estava bastante envergonhada. – Juro que não estou querendo atrapalhar vocês. Foi só... um momento besta.
- Escuta uma coisa, eu não tenho e nem quero ter nada com ele. – Celina deu um meio sorriso para confirmar sua afirmativa. – Nada.
- Não estou falando por piedade. – continuou vendo a expressão de Luna. – Eu tive oportunidade, mas não quero. Não vai acontecer, Luna. Gosto dele como amigo e tenho certeza absoluta que com ele é mais ou menos igual.
Celina ficou vendo a colega piscar várias vezes os olhos arregalados. Sabia que depois do drama do beijo, ou semi-beijo, os dois acabariam por ser apenas bons amigos. Mas com a amiga tão fragilizada, seria uma enorme falta de sensibilidade contar o ocorrido.
- Mas, mesmo assim... ele não gosta de mim. – a ravenclaw concluiu de maneira reta.
- E Neville... – Celina se lembrou do amigo com um tremor.
- É adorável. Mas não consigo.
Celina assentiu pensando no quanto o garoto ia sofrer.
- Seria bom tirar logo as esperanças dele, Luna. O mais rápido possível. – ela aconselhou já sabendo que seria muito tarde. Neville era doce demais, carente demais. Mais um rapaz sofrido que teria o coração partido em mil pedaços.
O mundo não andava com um humor particularmente negro?
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O feriado de Natal tinha sido muito exasperante. Especialmente para Harry que recebia certas indiretas de Ron nos momentos mais inesperados. “Você sabe, ela está sozinha com os pais na sede da Ordem.”, “Ficar trancado no natal, sem nenhum amigo... deve ser muito depressivo”, “Bem que alguém podia mandar a Edwirges com um cartão, um pedido de desculpas... decente”. Frases soltas que o ruivo repetia a torto e direito, doido para os amigos fazerem as pazes, mas por um descuido cômodo, se esquecendo de que sua situação com Hermione não era nada melhor.
Harry trincava os dentes de raiva, só não dando uma boa resposta por que Ron tinha o cuidado em estar sempre perto de um dos pais quando dava seus conselhos preciosos.
O amigo podia estar certo, mas ela provavelmente faria picadinho da carta sem nem tirar o lacre. Isso se ele se dignasse a engolir o orgulho e admitir que precisava se desculpar de uma forma mais convincente do que a última.
Tinha se aproximado da garota na noite antes de ir para a Toca e balbuciado algo como “Desculpe o que aconteceu”, “Foi mal”, ou algo que o valha. Em resumo, deprimente.
Ela tinha permanecido muda o fitando como se ele não existisse de verdade ou fosse transparente.
- Olha aqui, - ele falou sem paciência. – eu errei feio, mas você também não é nenhuma rainha da perfeição. Nenhum dos dois foi santo, mas como a gente se conhece há anos e essa é a época ideal pra passar por cima de problemas... Não dá pra enterrar isso e ficar em paz? – o argumento era fraco, saiu sem raciocinar e terminou ainda pior. - É natal...
- Natal... Então me dê um presente, Potter. – ela falou quase sem mover os lábios. – Se atire debaixo do Expresso... e morra.
Nem precisa dizer que depois disso qualquer diálogo foi direto pro espaço.
No retorno às aulas a situação continuou a mesma, cada um para um lado, Hermione sendo assediada por Córmac, Ron dando beijos desentupidores de pulmão em Lavender (com um tantinho menos de empolgação, Harry notou), Celina brincando de muda e ele brincando de fantasma.
Harry andava de tão mau humor que não tinha a menor paciência com os assédios de Parvati e de outras meninas. A colega indiana parecia ser bastante insistente quando queria uma coisa. Outro lance que não passou despercebido ao bruxo foi a quantidade de vezes que andava topando com Cho Chang pelo castelo. Se estivesse menos emburrado teria achado graça. Entretanto estava numa fase muito temperamental para se incomodar em bancar o sedutor ou o sarcástico com a chinesinha.
No final de semana seguinte, Harry desceu sozinho para o pátio gelado de inverno. A neve ainda se acumulava fofa pelos jardins e alguns aluninhos do primeiro e segundo ano brincavam de guerra de neve. Ele sentou por ali apreciando a brincadeira e se lembrando de um dia muito parecido há dois anos quando os gêmeos propuseram esta mesma brincadeira. Celina quase o tinha sufocado com bolas enfeitiçadas que atingiam seu rosto sistematicamente. E tudo isso por que ele tinha insinuado que ela era muito frágil para a brincadeira. Naquela época já devia ter percebido que a garota adorava uma teimosia e uma boa desforra. Culpa sua não ter prestado atenção. Agora estava sofrendo as conseqüências.
Estava neste devaneio quando sentiu uma mão pousar em seu ombro.
- Oi, Harry. – era Cho, usando pesadas roupas de frio e seu mais bonito sorriso.
- Ah... oi Chang.
- Ué, não vai mais me chamar pelo primeiro nome? – ela ficou um pouco sem graça. – A gente não precisa de tanta formalidade.
- Me lembrando de nossa última “conversa”, - falou ele esfregando o rosto com uma entonação sugestiva. – achei mais prudente não arriscar.
- Ah, certo. – ela olhou para baixo um pouco encabulada, os longos cabelos negros soltos por baixo do gorro de lã. – Faz tempo que a gente não se fala, né? – ela tentou sair pela tangente.
Não tão depressa, pensou Harry.
- Na última vez você me pediu para não voltar a chegar perto de você. Estava apenas atendendo a seu desejo.
- Sobre isso, Harry, - ela voltou a olhá-lo um pouquinho aborrecida. – eu estava nervosa e disse coisas que...
- Pensava de todo coração. – ele estava se divertindo muito fazendo Cho passar por aquela saia justa.
- Será que não podemos esquecer aquilo? – ela falou docemente.
Desde quando Cho era tão meiga?
- A gente teve uma coisa tão bonita... – ela continuou com olhos de garotinha desamparada. – Eu realmente senti muito a sua falta durante este tempo.
Harry a fitou sem saber o que dizer.
- Queria que voltássemos a nos falar, - ela corou sob o sol fraco de inverno. – ser amigos...
- Por mim tudo bem. – Harry deu de ombros, já não se incomodava com aquela briga há muito tempo. – Não vai ser problema algum. Não é por que não deu certo que a gente precisa se ignorar.
- Talvez ainda não tenha dado certo, não é? – ela corou mais forte ainda fixando-se nos olhos verdes do rapaz de um jeito que ele entendeu imediatamente. – E quem sabe, talvez agora que o tempo passou e as coisas ficaram mais tranqüilas, a gente possa de ver mais vezes... se aproximar de novo.
“Inacreditável!”, Cho Chang estava parada sobre a neve mostrando todos os dentes e dando uma senhora chamada nele. A garota devia ter algum problema mental. Mas enquanto pensava num modo de sair dali sem alarde viu Celina passar acompanhada por Hermione, que arregalou os olhos, espantada. Harry podia jurar que Celina o olhara de relance com um faiscar rápido de seus olhos. Ou ele estava muito enganado, ou aquilo era ciúme puro e concentrado.
“Grande!”
Harry se viu devolvendo o sorriso para Cho, que ficou radiante.
- Claro vai ser ótimo! – ele decidiu que ódio era um sentimento muito melhor de se receber do que indiferença.
- Então... acho que vou entrar, está bem frio aqui. – Cho se despediu se inclinando charmosamente e beijando a bochecha do rapaz. – A gente se vê no próximo jogo... ou antes disso. Vou estar torcendo pra você. Tchau, Harry.
Harry acenou automaticamente pensando se tinha feito a coisa certa. Por mais que a idéia de Celina com ciúmes o agradasse, ficar desfilando com Cho pela escola absolutamente não estava em seus planos.
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Harry estava atolado até os cotovelos em lama viscosa. Mesmo os ingredientes nojentos da aula de poções e feitiços decididamente perigosos de DCAT não eram páreo para o cansaço que acometia os estudantes depois de cada aula de Herbologia, a cada dia mais estranha, perigosa e... suja.
Vendo os alunos puxando briga para ficarem junto com Neville, de longe o melhor na matéria, a Profª Sprout, imparcialmente, tinha sorteado as duplas para a próxima tarefa. Eles precisariam preparar um solo que fosse propício para o crescimento de Gloxínias Espinhosas, uma planta de flor bonita e mortal. Tinham que remexer a terra, adubar com uma gosma amarela (Harry preferia nem saber o que era) e finalmente colocar as temperamentais plantinhas nos buracos. Detalhe: sem uso de pás e luvas.
- Um bom herbologista deve ser habilidoso mesmo sem ferramentas e as Gloxínias são muito delicadas se ressentindo de qualquer toque mais rude, por isso sejam suaves e tenham cuidado! – a Prof.ª dizia continuamente ao andar entre os enojados estudantes.
Uma das raízes dos brotinhos acabara de tentar laçar violentamente a mão de Seamus, fazendo Harry achar a delicadeza das plantinhas bem discutível.
Ele olhou de soslaio para sua parceira. Celina Lux McGregor parecia duplamente insatisfeita, mais pela companhia que pela sujeira, ele podia imaginar. Depois de assistir sua conversa com Cho, a garota e ele iniciaram um novo tipo de esporte, troca de farpas e críticas mordazes. No mais, ela permanecia completamente muda consigo. Por este motivo, no momento em que foram sorteados como dupla, Celina tinha olhado para o teto envidraçado e perguntado à Deus por que não gostava dela. Agora, com terra respingada no rosto e os cabelos se soltando do coque e atrapalhando sua visão, o mau humor da bruxa parecia duplicado. Quando por acaso seus dedos se encontravam por baixo da terra ela o fuzilava com os olhos.
- Anime-se, Lux. Tudo que parece ruim, – Harry disse num sorriso sarcástico para a colega. – podia ser ainda pior.
- Gostaria de saber como. – ela resmungou mal humorada.
“Progressos, ela sabe falar!”, pensou ele zombeteiro.
Harry apontou com o nariz para o lado. No outro extremo da estufa, Hermione fazia par com Lavender Brown. Ao olhar para as garotas, Celina não controlou um sorriso contrafeito.
- Hoje decididamente não é um bom dia. – ela acabou por dizer.
- Depende pra quem. – Harry soltou a indireta espirrando um punhado de terra propositalmente nas vestes dela. – O dia está tão lindo... E tudo me parece tão bem...
Ela abriu a boca estupefata com a ousadia dele. Então virou a cabeça sorrindo forçadamente:
- Sua namorada não concordaria.
Ele seguiu a cabeça dela, vendo Parvati lançar olhares enraivecidos sobre os dois.
- Não. Tenho. Namorada. - Harry sibilou se voltando para os olhos violeta.
- Não é o que se tem ouvido... – ela cantarolou dissimuladamente.
- Cuidado com o veneno... – a professora falava em algum lugar.
- É, Lux, cuidado com o veneno... – ele falou com duplo sentido. – Você pode morder a própria língua. – a garota já devia saber que ele andava fugindo da morena como o diabo da cruz.
- Se isso me tirasse de perto de você, Potter, deixaria uma Naja me morder. – Celina deu um sorrisinho para Parvati enquanto terminara de cavar um buraco de exatos quinze centímetros. – Ou algum dragão chinês...
Antes que ele pudesse rebater ela avisou:
- Pronto! Terminei de cavar! Pode pegar a ferinha. A planta, não sua namorada... você sabe.
- Ciúme mata. – ele sorriu enviesado.
- Se isso é verdade você deve ser um milagre da medicina. – ela falou muito metida.
- Como você é engraçada... igualzinho a uma Gloxínia. Dá vontade de plantar nessa terra.
Harry pegou o brotinho roxo desajeitadamente, era muito escorregadio.
- Está caindo! – ele alertou, fazendo Celina tentar ampará-lo por baixo.
- Ai!! – a garota gritou abanando a mão, fazendo uma grande quantidade de lama atingir os colegas mais próximos e principalmente Harry.
- O que foi? – ele largou a planta vendo que Celina tinha se machucado.
Mas mesmo sentindo dor a garota ainda conseguiu rir, vendo os óculos do bruxo semi cobertos de lama.
- Deixe ver! – a Profª Sprout acudiu ligeira, a lama tampando a visão de qualquer ferimento.- Você a segurou por baixo? Menina distraída! É por baixo que ficam as raízes.
- E o que tem isso? – Celina disse em meio a uma careta de dor. A mão latejando dolorosamente.
- Os espinhos venenosos ficam na raiz. – Hermione se pronunciou apressada. – É melhor você se apressar.
- Por que? – a garota não gostou do tom funesto da colega.
- Vamos! – Sprout ajudou a garota a se levantar. – Vá procurar Madame Pomfrey pra retirar o espinho antes que seja tarde.
- Tarde pra quê? – Harry e Celina falaram ao mesmo tempo, o bruxo se levantando juntamente.
- Pra evitar que ela fique azul e durma durante dois dias. – a professora observou o tamanho do broto. – Talvez até mais. De todo jeito vai ter uma longa noite de sono.
- Se demorar muito pode até morrer. – Neville sentenciou, balançando a cabeça com uma expressão muito entendida sobre o assunto.
- Muito confortante. – Celina sorriu com humor negro para o colega. – Aposto que algumas pessoas ficariam bem felizes... – ela franziu a testa com descaso para Harry.
O bruxo a encarou de volta meio culpado com o acontecido. Se tivesse segurado a planta direito...
- Hei! – gritou Ron. – Temos jogo de quadribol depois de amanhã! Não podemos ficar sem uma artilheira!
Com o aviso a sala toda se ouriçou deixando seus lugares e rodeando a colega.
- Que bom saber que todo mundo se preocupa tanto comigo... – a garota falou irônica. – E tão desinteressadamente.
- Chega disso! Voltem todos ao trabalho! E a senhorita pode ir para a ala hospitalar. – a professora ralhou perdendo a paciência.
- Se ela foi envenenada não pode ir sozinha. – Harry se precipitou.
- Penso que não seria mesmo prudente. – a professora pareceu refletir. – Pode ir com ela.
- O Potter? – Celina arregalou os olhos. - Eu não estou tão ruim. Estou machucada, não louca. – ela disse arrogantemente. – Posso perfeitamente...
- Oho! – Ron se acercou – Já está ficando azul!!
Os colegas se apertaram outra vez para ver.
- Quê isso... Deve ser só o sangue azul dela. – Parvati falou com um sorrisinho maldoso.
- Então a gente devia te furar pra saber que cor tem um sangue de Trasgo, como o seu. – Celina rebateu fazendo os colegas incentivarem a confusão com uma série de “uuhh!”, “woou!”.
A professora se enfiou entre as duas, furiosa.
- Já disse para voltarem a seus lugares! Agora!!! Sr Potter, vá com sua colega por precaução. E depressa!
- Isso está me cheirando à armação. – Ron falou não muito baixo a Seamus e Dean. – O jogo de amanhã é contra Hufflepuff...
- Mais uma palavra sobre quadribol, - Sprout, diretora da Hufflepuff, rosnou bem atrás de Ron. – e eu mesma espeto todos os seus dedos Sr. Weasley. – um brotinho pendia ameaçador da mão da professora. – Um de cada vez.
Enquanto Celina saía apressada com Harry, os garotos olhavam muito receosos para a professora. Ninguém querendo ficar azul anil.
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- Hei, pra onde você está indo? – Harry seguiu Celina em direção ao lago.
- Não vou procurar droga nenhuma de ala hospitalar. – a garota falou decidida.
- Você não ouviu o que a Sprout falou?
- Ouvi sim, - ela se ajoelhou na beira do lago mergulhando os braços na água gelada. - só não processei. Eu não vou ser afastada do jogo! E é o que vai acontecer quando aquela enfermeira perfeccionista puser as mãos em mim. “Nada de esforço! Vai precisar ficar de repouso no mínimo por dois dias!” – ela imitou Madame Pomfrey enquanto lavava com dificuldade o rosto e o pescoço. - E aí o jogo já era.
- E o que diabos você pretende fazer quando ficar azul? – Harry imitou a colega, esfregando os braços e óculos e fazendo uma careta com o frio da água.
- Você não queria tanto me ajudar? Então chegou a hora. – ela tirou os fios de cabelo molhados sacudindo o rosto com impaciência.
- Não sei nenhuma poção para quem foi envenenado e Slughorn usou seu último Bezoar. – avisou o rapaz reparando numa mecha de cabelo grudada onde começava o decote da blusa encharcada. Com a pressa não tinham nem pegado os casacos, e o tecido fino moldava com perfeição o contorno dos seios da garota.
- Ah, meu Deus! Você não pode controlar seus hormônios maníacos por um minuto? – ela disse exasperada. – Não sou um pedaço de carne, se você não notou. Cadê o canivete do Sirius?
- Pra quê...? – ele olhou deliberadamente noutra direção.
- Depressa! – na mão machucada as unhas pareciam levemente azuis.
- Accio canivete! – Harry o apanhou no ar e esperou as instruções da garota.
- Tire o espinho. – ela estendeu a mão.
- Quê?
- Tire o espinho! Eu não posso sozinha.
- E o veneno? – Harry se exasperou. – Vai querer que eu chupe sua mão?
- Seu sonho. Quanto a isso... vou tentar uma coisa nova. – ela estendeu a mão sem maiores detalhes.
- Ok, só não vá chorar. – ele falou superior fazendo ela lhe lançar um olhar assassino.
A despeito do sarcasmo, Harry pegou a mão que ela estendia com muita suavidade. Era estranho estarem naquela situação e mal se falarem desde o natal. Foi preciso uma planta venenosa para a garota dar o braço a torcer e voltar a lhe dirigir normalmente a palavra.
- Estou fazendo isso pelo quadribol. – ela rosnou o fixando séria.
- Se você pretende ficar lendo meus pensamentos, não é necessário a gente conversar. – ele falou com maus modos.
- E se você pretende ganhar essa guerra é melhor aprender Oclumência. – tornou ela venenosa.
- Oclumência não é meu forte, - ele deu de ombros. - mas se quiser insistir, não fique muito chocada com o que pode ver. – e correu os olhos descaradamente pela a blusa transparente.
Celina leu o que ele estava pensando e abriu a boca, muito vermelha, bloqueando imediatamente o fluxo de imagens que vinha do rapaz.
- Pervertido!
- Ótimo, assim é melhor. – ele sorriu de lado satisfeito.
- Anda logo com isso! – ela disse rispidamente, sem olhar para ele.
Harry aproximou a lâmina mais fina do canivete enquanto ela sustinha a respiração. O local estava inchando rapidamente numa agourenta cor azulada. Harry colocou a ponta de leve no machucado, começando a cavoucar.
- Está fundo, vai doer. – olhou duvidoso para a garota. – Tem certeza que agüenta?
- Vai! – ela cerrou os dentes.
Conforme a faca se aprofundava e o sangue começava a gotejar, Harry era obrigado a fazer força para obrigar a mão dela a ficar aberta e a pressionar cada vez mais o canivete, suando a despeito do vento frio. Estava difícil enxergar com tanto sangue escorrendo. Se ao menos tivesse sido com ele... mordeu o lábio com raiva da dor que causava nela.
- Aaah!!! – ela ofegou, a lâmina tinha tocado em algo duro.
- Ok. Encontrei o espinho, agora preciso puxar. – Harry franziu o rosto numa careta concentrada. – Respire fundo.
- Puxe no três. – ela inspirou o ar com força, a dor a fazendo apertar a barra da blusa convulsivamente e torcer os dedos dos pés dentro dos sapatos.
- Tudo bem. – Harry começou. – Um , dois...
E ele puxou com a faca de uma vez.
- AAAIII!!! – Celina emborcou sobre a mão. – DROGA, POTTER!! ERA NO TRÊS!!!
Harry segurava satisfeito um afiadíssimo espinho ensangüentado de uns dois centímetros. Tinha um formato curioso, cheio de pequenas ramificações que mais pareciam garras, decerto para manterem o espinho bem cravado nas vítimas.
- Como isso cabia naquela raiz tão pequenininha?
- Raiz? Como isso cabia na minha mão?!! – Celina gemeu do chão enquanto Harry destruía o espinho e se ocupava em lavar a mão dela.
A garota endireitou a coluna, a água fria sobre a ferida lhe dando um pequeno alívio. Com custo puxou com a outra mão o colar de dentro das vestes. Harry observou com atenção ela colocar a pedra sobre a ferida limpa.
Nada aconteceu.
- Droga! – ela mordeu o lábio apreensiva. – Anda...
- Tem certeza que está fazendo certo?
- Não sei, deu certo uma vez.
- Mas não está dando agora. – ele falou preocupado com a cor dos lábios dela.
- É só o frio! – ela teimou lendo a mente dele de novo. – Eu nunca vou conseguir controlar isso direito. – ela largou o colar irritada.
- Me deixa tentar. – ele não sabia bem por que tinha falado isso, mas quando tocou o pingente parecia saber o que fazer.
A pedra fluorescente tocou a ferida e os dois se olharam desconcertados, sabendo muito bem o significado do brilho verde. Celina desviou os olhos para o lago enquanto o bruxo continuava se fixando no seu rosto. Correu a vista pelos cabelos vibrantes, pelo nariz delicado, os cílios espessos que sombreavam os olhos, naquele momento, intensamente azuis, a boca desenhada à mão. Toda ela era cor e vida. “Não existia mulher mais perfeita que Celina Lux”.
Ela olhou para o machucado abrindo a boca surpresa. Estava se fechando!
Depois de algum tempo, Harry pareceu despertar, vendo a mão gelada da garota completamente curada. Os lábios de novo da cor normal.
- Como...? – ela questionou.
- Não sei. – ele falou também surpreso, deixando o colar cair de volta à altura do peito da moça. – Como você conseguiu da outra vez?
- Só coloquei na Bast quando era criança.
- ?
- Nossa gata. – ela disse estremecendo. – Ela estava doente... e melhorou.
Harry viu que a bruxa estava batendo os dentes.
- Vamos tirar essas roupas molhadas.
- O quê? – ela arqueou a sobrancelha.
- Vamos sair daqui. – ele explicou com um sorriso, se levantando do chão. – Você está tremendo.
- Certo. – ela o avaliou tentando se levantar e não conseguindo. – Espera um pouco... Acho que estou tonta.
- Deve ser do veneno. – ele se inclinou a puxando pela cintura. – Nada de esperar, você precisa descansar agora.
- Eu posso andar sozinha. – ela se afastou cambaleante, preferindo caminhar por conta própria. – É só... um pouco de sono.
Mesmo em passos incertos ela insistiu em ir sem ajuda para a sala comunal, levando o triplo do tempo do que se fosse ajudada. Harry a seguiu cuidando que estivesse bem perto para apanhá-la numa queda.
No terceiro lance de escadas Celina viu o teto girar e sentiu suas pernas dormentes deixarem o chão e alguém continuar a caminhada por ela.
- Me ponha no chão. – ela falou grogue batendo com o punho fechado no ombro de Harry.
- Lamento, mas quem decide isso sou eu. – ele falou sem se incomodar. – E não, eu não vou te soltar até que ache conveniente.
Ela tentou ao menos não fechar os olhos, descobrindo que era imensamente difícil. Descansou a cabeça no ombro de Harry e se conformou com o fato de que agora quem dava as ordens era ele. Quando sentiu seu corpo repousar sobre uma superfície fria, diferente do calor que emanava dele, abriu os olhos vendo o rosto de Harry sobre si. Reconheceu surpresa que estava em seu quarto.
- Como você conseguiu subir? – sua voz custou a sair.
- Pra tudo tem um meio. – ele puxou o cobertor. – Eu também poderia tirar suas roupas molhadas, mas acho que você não ficaria muito feliz.
- Legilimência... não sabia que você era capaz. – até envenenada ela fazia troça dele.
Ela sentiu os dedos dele sobre si, tirando os fios molhados do rosto.
- Obrigada pela ajuda. – ela falou baixinho.
Ele a observou demoradamente:
- Obrigado por ter me deixado ajudar. – ele respondeu se abaixando. – Agora que eu provei que posso ser uma pessoa decente... ou quase, será que você um dia vai deixar de ter essa raiva ridícula de mim? – ele falou um pouco frio, mas a olhando intensamente.
Já estavam longe os dias de ira escaldante que ele teve dela. Para seu enorme desespero tinha que admitir, sentia falta demais de Celina em sua vida. Suas implicâncias com ela acabavam sendo uma desculpa para estar próximo ou despertar qualquer reação que não fosse indiferença.
- Você não é muito bom em pedir desculpas. – ela viu os dedos dele se aproximarem de seu rosto e recuarem hesitantes.
Contra todo seu orgulho, tudo o que ela mais queria era que ele a tocasse. O amasso no corredor não lhe saía da cabeça por um dia sequer. Até fraca como uma gata parida, como estava, tinha sentido um enorme prazer em ser carregada por ele. Estava sentindo falta daquele contato.
A princípio fora fácil não pensar nos dois juntos no corredor, estava com muita raiva. Depois começou a se pegar revivendo detalhe por detalhe, minuciosamente, os corpos juntos e ofegantes, o cheiro dele que tinha permanecido em sua pele como tatuagem, as coisas provocantes que ele tinha dito em seu ouvido. Cada vez mais, ela sentia essa vontade louca de completar o contato que ficara faltando. Sentir a boca dele, exigente, tomando posse da sua.
- Se eu conseguisse me desculpar, você voltaria a ser minha amiga? – ele insistiu enquanto ela deslizava para cada vez mais perto da inconsciência.
- Eu poderia... mas não seria seguro. – o sono entorpecia sua mente.
- E por que não? – ele juntou as sobrancelhas. - Eu faria... qualquer coisa que você quisesse. – os dedos dele tocaram o rosto dela com vontade própria.
- Não faça promessas que não pode cumprir. – ela se forçou a encarar o rosto dele.
Harry percebeu o que ela queria dizer. Ele refletiu por um instante se seria possível viver a vida inteira ao lado dela apenas como um bom amigo, sem qualquer contato mais íntimo, sem pelo menos uma vez que fosse, saber o gosto de fruta madura da boca que ela lhe negava.
- Eu faria qualquer coisa... se pudesse. – ele afastou a mão, relutante, olhando para as próprias cicatrizes. – Mas não devo contar mentiras.
Ela fechou os olhos por alguns instantes.
- O amuleto... como você fez? – nem a súbita lembrança teve o poder de fazê-la conseguir reabrir os olhos.
- Eu não sei. – ele tinha se colocado de novo em pé. – Mas tenho um palpite. Você gosta da gata? Bast?
- Muito.
- Bom, talvez seja isso, a gente só precisa se concentrar em alguma coisa que ama.
- Foi... o que... você fez? – ela quase não se fez ouvir.
- Foi sim. Você não sabe o quanto.
Ela o escutou de longe, muito longe, caindo num sono pesado que traria longos sonhos com ela mesma junto a um belo rapaz de olhos verdes.
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Celina estava na sala comunal na tarde seguinte, muito bem acordada e disposta. Estava copiando os deveres das aulas que perdeu. Dormiu uma noite inteira e parte do outro dia, mas parecia completamente restabelecida.
Acordara um pouco confusa, demorando algum tempo para recordar de tudo o que acontecera. Após o primeiro momento percebeu que estava vestida com uma camisola, mas não fora com ela que tinha adormecido. Um pensamento a fez corar intensamente e perguntar à Hermione, assim como quem não quer nada, quem a havia despido. A amiga devolveu a pergunta marotamente, questionando quem Celina preferia que fosse. Momentos depois Mione levava uma travesseirada na cara ao murmurar: “Sinto muito em decepcioná-la, mas fui eu”.
Agora precisava se apressar, Mione tinha ido mais cedo para a biblioteca combinando esperar por Celina para terminarem juntas os deveres.
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Harry estava estudando com Hermione numa sala reservada da biblioteca quando o impensável aconteceu. A colega parecia um pouco atrapalhada dizendo que precisava pegar um certo livro, mas não se demorava, Harry não deu muita importância então, continuando a ler sobre as maldições malignas, parentes próximas das imperdoáveis. Ao notar alguém se sentando a seu lado pensou ser a colega, mas para sua surpresa, Cho Chang sorriu charmosa, perguntando se não podia se juntar a ele. Como não soube sair da situação, o rapaz se viu numa circunstância peculiar, com Cho meio que forçando uma intimidade que os dois não tinham mais.
Ao ouvir a porta se abrindo, Harry pensou na cara que Hermione faria. Mas não fora a amiga que entrara.
Celina estacou com os lábios semi abertos, os braços carregados de livros.
- Desculpe interromper, pensei que Hermione estaria aqui. – ela disse para os dois friamente. – Devo ter me enganado.
- Ela está. – Harry disse tentando melhorar a situação. – Saiu pra pegar um livro.
- Ok, vou procurar por ela. – a garota se virou para a saída pensando em matar a amiga pela óbvia cilada.
- Você parece um pouco triste, meu bem. – a voz da oriental soou melíflua. – O que está te incomodando?
Celina, que tinha colocado um pé para fora, voltou-se para Cho muito séria.
- Triste não. Estou mais é decepcionada.
Harry sentiu uma pedra de gelo escorrer pelas entranhas.
- Com o quê? – Cho apoiou a mão soturnamente no ombro de Harry. – Talvez o Harry e eu possamos ajudar.
“Parabéns, Potter! Só com você.” O rapaz pensou enquanto retirava a mão da garota com um muxoxo.
- Obrigada pela gentileza, mas na verdade acabei de perder uma aposta e nisso ninguém vai poder me ajudar..
- Uma aposta? – A chinesa pareceu incrédula. –Tem certeza que sua decepção é apenas por isso, querida?
Celina balançou a cabeça afirmativamente.
- E você se incomodaria de dizer o que apostou? – Cho tentou coloca-la na parede.
- Na verdade Hermione apostou comigo que até o final do semestre você ia se arrastar atrás do Harry feito um filhote de Basilisco. – Celina explicou com os olhos cheios de piedade postos na garota. – Muito, muito decepcionante perder dez galeões desse jeito. Eu torcia tanto por você...
- Eu não estou me arras... – começou Cho irritadíssima.
- Ah, vamos Cho... – Celina deu uma piscadela. – Nem precisa ser um gênio como eu pra perceber... Agora deixa eu dar licença, você deve querer continuar à... implorar, e longe de mim te constranger. – e com um último aceno triste de cabeça, Celina os deixou.
Cho tremia como vara verde, o rosto marcado de fúria.
- Qual é a dessa garota? – ela olhou para o rapaz acusadoramente. – O quê?
Harry a fitava com uma certa expectativa.
- Pode começar.
- ?
- A implorar, é claro. – ele fez uma cara intrigada. - Não foi pra isso que veio?
A oriental embranqueceu.
- Não gostei da brincadeira de mau gosto. Acho que vou embora. – ela falou ofendidíssima.
- Espera, Cho!
A chinesa se voltou com a expressão arrogante. Agora ele lhe pediria mil desculpas.
- Você vai assim? – Harry segurou o riso. – Sem se arrastar, nem nada? Tava até pensando em te dar outra chance...
- Vá pro inferno, Potter! – ela perdeu a pose atirando o livro padrão de feitiços 6ª série no rapaz.– Você, aquela ordinária e todo seu rebotalho!
Nada, pensou Harry rolando de rir, pagava a cara chocada que a chinesa fez.
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Madame Hooch apitou, fim de jogo. Uma partida histórica, daí há dez anos ainda seria comentada. Nenhuma, NENHUMA goles conseguira atravessar o bloqueio de Ron Weasley, dando à casa dos leões sua vitória mais folgada em toda a história.
O ruivo desceu da vassoura sendo ovacionado pelos torcedores e colegas do time em gritos ensurdecedores de “Weasley é nosso rei!” De alguma forma, na mente do rapaz, seu desempenho estava relacionado à Hermione, que antes da partida rompera a parede de gelo e lhe desejara boa sorte com um sorriso um pouco torto, mas ainda assim um sorriso. Fora naquele momento que Ron percebera como a amiga era importante, um simples sorriso e sua confiança subira até as nuvens.
No momento em que o campo foi invadido pelos torcedores, Ron colocara os braços sobre os ombros de Celina e Harry, sacudindo os colegas de modo exagerado. Os dois se soltaram e se cumprimentaram constrangidamente, sem nem apertarem as mãos, mas para o ruivo nada mais tinha importância. Hermione havia surgido entre os colegas eufóricos, sorrindo tranquilamente. Ron nem pensou no que fazia, apenas foi empurrando todos que bloqueavam seu caminho até ela.
Hermione parou atordoada, seria sua impressão ou o ruivo vinha em sua direção sem parar para cumprimentar ninguém, com um sorriso que distendia todos os seus músculos faciais. Ele diminuiu a velocidade e seus olhos pareceram faiscar. Ele tinha noção do quanto estava lindo naquele uniforme? Do quanto seu cabelo molhado de suor, grudado na testa, parecia a coisa mais sexy que já tinha sido inventada? E aquele sorriso que parecia ser só para ela? Se ele resolvesse abraça-la não tinha nada que ela pudesse fazer, não era?
“Ah. Meu. Deus!”, foi o que ele fez.
Ron apertou a amiga nos braços ficando chocado com o quanto sentira sua falta. Não apenas de sua amizade, mas de tê-la daquele jeito, tão juntinho que pareciam um só. O perfume de Hermione era o melhor do mundo.
“Ah não, ah não, ah não!”. O suor daquele ruivo estava deixando a garota tonta. Será que até nisso ele precisava ser tão bom?
Mas um grito indignado fez com que os dois, ainda abraçados, se vissem cara a cara com uma Lavender Bronw, que na falta de descrição melhor, parecia o próprio capeta encarnado. Ron a soltou tentando conversar com a namorada, que pareceu apenas triplicar sua fúria e indignação.
Mesmo com os gritos ensurdecedores e a cena histérica que se desenrolava bem perto de si, Mione permanecia meio alheia, um sorrisinho bobo curvando os lábios. Sentiu alguém a puxar pelo braço gentilmente, e acompanhou Celina Lux de volta para o castelo sem nem saber onde estava e muito menos ver o rosto de satisfação da colega.
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Aquele estava sendo um dia bastante peculiar. Pra todo lugar que olhava estava vendo cenas inusitadas, ou ao menos incomuns. Ron brigara com Lavender, até aí tudo normal, o diferente era não ter ficado apenas na briga. Com a crise de ciúmes desencadeada, sem querer, por Hermione, os dois tinham realmente terminado. Acabado. Finite. The End. E tirando um olho meio roxo, que Harry com custo fingia não notar, Ron parecia contente demais com o resultado do jogo para se incomodar com o barulho de mil coisas se quebrando que vinha lá do dormitório feminino. Parvati tinha subido apressada dizendo temer uma tentativa de homicídio ou suicídio. Talvez as duas coisas.
- Já ganhamos o jogo, agora se Lavender matar Parvati e depois suicidar... a gente pode descer para o jardim e esperar uma chuva de ouro. Quer dizer, é o único jeito de ficar ainda melhor. – Celina tinha soltado sem a menor preocupação, fazendo Mione gargalhar e Neville sorrir.
Outra coisa, logo depois, Celina se retirou para um sofá mais no canto, as mãos de um triste Neville descansando entre as suas. Se Harry não estivesse vendo com os próprios olhos não iria acreditar. Isso sim, seria bizarro.
- Você a procurou? – Celina varreu a expressão do colega.
- E dizer o quê? – Neville falava desconsolado. – Luna tem me evitado desde o natal. Quando nos esbarramos ela mal balança a cabeça, e quando eu vejo, já sumiu. Será que eu fiz alguma coisa errada?
- Claro que não. – Celina apertou mais as mãos do colega. Não estava sendo de muita ajuda, sabia disso, mas não podia se intrometer mais ainda naquela estória.
- Se fosse com você... – Neville parecia desesperado por um conselho. – Você procuraria?
- Ah... – ela procurou escolher as palavras com cuidado. – Talvez, desde que estivesse preparada pra escutar qualquer coisa que tivessem pra me dizer.
- Quer dizer, algo como “se manca, eu não gosto de você”... – o rapaz baixou os olhos.
- Se você não liga pra uma pessoa não faz diferença ela deixar de falar com você. Mas quando a pessoa é importante... não dá pra deixar pra lá e ficar fingindo que está tudo bem. – o olhar dela foi atraído para Harry, a fazendo corar profundamente. Será que ele tinha escutado alguma coisa?
Quando se voltou para Neville o rapaz tinha os lábios curvados.
- Como você e o Harry?
Celina tirou as mãos cruzando os braços defensivamente sobre o peito.
- Cla-claro que não. Não vejo nenhuma ligação.
- Luna já tinha me falado a respeito. – Neville pareceu saber o que ela pensava e abaixou bem o volume da voz. – Sobre ele gostar de você.
- Não tem nada haver. O Harry é que tem essa mania de confundir tudo e de querer qualquer coisa que use saias.
- Acho que você está muito enganada. Devia ver o jeito dele olhar pra cá.
- Que jeito? – ela perguntou percebendo um pouco tarde que fora afoita demais.
- Do mesmo jeito que você olha quando acha que não tem ninguém vendo. – Neville sorriu de lado embaraçado. – Não sou tão cego, sabe?
- Achei que o assunto era sobre você e a Luna. – ela cortou emburrada.
- Assuntos mudam. E mesmo que quisesse, você não pode fazer mais nada por mim. – ele se apoiou no sofá se preparando para levantar. – Te agradeço pelo apoio, mas o problema é meu e acho melhor sair daqui antes que piore. Antes que o Harry comece a imaginar coisas e resolva me estuporar. – ele estava francamente rindo. - Você desperta nele uns lances muito violentos...
Celina ficou vendo Neville sair, totalmente sem reação, não sabia que a estória da azaração já estivesse rolando. E como se tivessem vontade própria, seus olhos procuraram Harry, vendo exatamente o que o amigo falara.
Uma tristeza, uma ternura, uma solidão. Tudo junto ao mesmo tempo agora. E se era verdade que costumava fita-lo do mesmo modo, então... devia sentir a mesma coisa. Sempre tinha sido corajosa, mas diante dos olhos verdes do bruxo não passava de um ratinho assustado.
Ela se levantou tão rápido que só percebeu o que fazia quando estava abrindo a porta do seu dormitório. Ficando assim entre quatro paredes, a salvo de perigosas tentações.
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O quarto das garotas estava bastante quieto. Parvati tinha ministrado uma poção calmante para Lavender e depois que esta dormira, caiu por sua vez num sono igualmente cansado. Ossos do ofício de ser melhor amiga.
Hermione terminou de ajeitar sua cama e olhou para a silhueta de Celina. Estava quietinha sentada no peitoral da janela, tal e qual quando os pensamentos ficavam confusos demais. Uma batida discreta fez Mione entreabrir a porta e arregalar os olhos para o visitante que menos podia imaginar.
- O que você está fazendo aqui? – ela sussurrou espantada. – Como subiu?
- Pra tudo tem um meio. – Harry cochichou dando de ombros. – Me faz um favor, Mione, peça a Celina para descer. Preciso dizer uma coisa pra ela.
- A uma hora dessas?
- A festa só acabou agora, – ele explicou paciente. – e se a cabeça dela estiver fervilhando como a minha, ainda deve estar acordada.
Hermione pareceu titubear por uns instantes:
- Tem certeza?
- Absoluta.
- Ok, pode descer que eu aviso. Harry! – ela chamou quando ele já descia. – Boa sorte.
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Estava de costas, folheando um livro qualquer esquecido sobre a mesa, quando escutou o ruído de uma pessoa se movendo.
- Obrigado por ter vindo. – ele viu Celina terminar de descer as escadas, usando nada mais que uma camisola comprida, e se dirigir até a lareira quase apagada.
A princípio ela não disse nada, ficou atiçando as brasas até reavivar o fogo.
- O que você quer? – ela se virou e falou sem encará-lo, inclinando a cabeça de um jeito que ele achava particularmente encantador.
- Me desculpar de um jeito decente. Pelo menos tentar.
- Eu não preciso mais escutar nada sobre aquilo.
- Mas eu preciso falar. Eu... sinto muito, Celina. Demais.
Ele ajeitou os óculos, nervoso, como se o que precisasse dizer fosse difícil para ele.
- Naquela noite... eu me senti completamente rejeitado. Arrasado. Mesmo sem querer, você provoca as reações mais malucas em mim, mas isso não me redime. Eu também podia usar a desculpa de que estava bêbado, mas isso não anula o que eu fiz.
- Suponho que não.
- Sobre aquele dia... eu lamento o que fiz, o modo como fiz, você não tem idéia do quanto. Não devia ter falado aquelas coisas. Não devia ter tentado... Não daquele jeito. – ele não queria tê-la magoado, mas tinha que admitir que mesmo sendo errado, tinha sentido uma felicidade irracional separando a garota do ravenclaw, sentido todas as células do seu corpo gritarem de vontade quando a prensou contra a parede.
- Tanto faz... – ela respondeu sem sequer olhar para ele. – Eu já esqueci. Pode ir dormir, você não precisa perder o sono por isso.
Ela endireitou a alça da roupa de dormir displicentemente, parecendo se sentir muito à vontade. “Como ela tem a coragem de ficar na minha frente com essa camisola como se estivesse usando uma roupa de verdade?”. Harry se fixou naquela boca cheia, era bom ela não saber no que ele estava pensando. Ela levantou os olhos para ele parecendo ligeiramente surpresa.
- Você ainda está aqui? – a entonação saiu mais indelicada do que ela pretendia, mas se sentiu satisfeita assim mesmo. Queria poder feri-lo de alguma maneira, o estranho é que não era mais por ele tê-la arrastado bruscamente no dia da briga, dizendo aquelas coisas estúpidas, para ser honesta consigo mesma estava sentindo mais raiva da reaproximação dele com a oriental e do beijo intenso que trocara com Parvati em sua frente. Um beijo que a fez ter vontade de separá-los, estapear com força o rosto dele e jogá-lo contra a parede do mesmo jeito que ele tinha feito com ela, e depois... não sabia direito o que vinha depois, mas a vontade de tomar o lugar da colega e ser quase devorada por ele aparecia inconvenientemente em sua cabeça.
- Eu agi como um idiota, devia ter esperado um momento melhor pra conversar com você, pra tentar te fazer entender umas coisas que estão acontecendo, que... estão ficando fora de controle.
“Que você nunca mais deve beijar ninguém na minha frente. Que não deve beijar nunca mais boca nenhuma que não seja a minha.”. Harry se forçou a continuar percebendo que aquele era o momento de alguém tomar uma decisão, mesmo que fosse desesperada. Não podiam continuar daquele jeito. Ele pelo menos não.
- E é verdade, eu não tenho conseguido dormir. Por sua causa. – ele pousou um olhar ardente sobre a figura distante dela.
- E o que você quer que eu faça? – ela manteve o tom frio. – Que dance até te dar sono?
- Duvido que eu conseguisse dormir com você dançando pra mim. - ele falou com a voz grave fazendo ela se trair e ruborizar. – Você não entende ou não quer entender e eu estou cansado de esperar. Estou cansado de te ver com medo, negando uma coisa que nós dois queremos. Eu não vou ser atingido por um raio luminoso, como você mesma me disse há muito tempo, e você não vai “acordar” sozinha, então tenho que tomar uma atitude definitiva. Drástica.
Ele a encarou, o rubor dela o deixando ainda mais decidido:
- Você sabe por que eu tenho fugido de você por meses a fio? Por que eu tenho me agarrado com qualquer garota que esteja interessada? Por que estuporei Benjamin Travis e depois agi com você daquela forma? Por que, Deus tenha piedade, tive vontade de azarar até mesmo o Neville hoje mais cedo?
A garota fez que não com a cabeça, engolindo em seco.
- Por que eu tenho ciúmes de você. Eu morro de ciúmes de você. – ele arrastou as sílabas com a voz muito rouca. – E não ter você e te ver sendo desejada por qualquer outro está me matando. Por isso, Celina, você também deve me perdoar por outra coisa... por uma coisa que eu preciso fazer, que já devia ter feito há muito tempo. Mas se você decidir me esbofetear... tudo bem, vai ter valido a pena.
Os olhos verdes começaram a correr sobre Celina fazendo com que ela se sentisse em perigo. Como se ele pudesse enxergar através de sua camisola, através de sua alma, do seu medo irracional de pertencer a alguém. Houve um silêncio tão forte que ela começou a escutar o som da própria respiração, cada vez mais tensa. E sem saber por que, sem querer saber por que, seu corpo todo começou a tremer.
Ele passou a mão nervosamente pela cabeça, mordendo o lábio inferior.
- Só entenda que eu preciso disso. Eu preciso muito...
Ele atravessou o salão comunal lentamente, quase contando os passos, dando tempo para que ela fugisse se assim desejasse. Conforme avançava via Celina parada no mesmo lugar, fazendo com que uma certeza ainda maior tomasse seus movimentos. A decisão estava tomada. Harry parou quando estava bem perto dela. Levou uma mão até seu rosto e tocou sua boca com as pontas dos dedos, como se fosse cego e só pudesse enxergar dessa maneira.
Ela precisava sair dali, precisava fugir, alcançar as escadas para seu quarto, mas seu corpo não reagia, parecia incapaz de fazer qualquer coisa, incapaz de pensar. Ele então segurou firmemente os braços dela e subiu o olhar da boca para seus olhos, por um momento eterno antes de se inclinar e respirar o mesmo ar que ela. Os dois respiraram forte, ofegaram juntos, como se tivessem acabado de correr. Ela viu os olhos dele pesarem, sentiu um arrepio subir por sua espinha até o último fio de cabelo, então soube que estava perdida.
Ele correu as mãos por suas costas apertando o corpo dela contra o seu, sentindo que seria consumido por fogo se não fizesse agora. Num movimento lento juntou seus lábios aos dela como já tinha ansiado tantas vezes em suas noites insones. Ela sentiu seu corpo soltar faíscas. “Isto não está acontecendo”. Sentiu seus lábios quentes e extáticos de choque começarem a se abrir para os dele. “Isto não pode estar acontecendo”. A língua dele pedia passagem para sua boca, a invadia, deslizando e se enroscando na língua dela. Então ela fechou os olhos e o mundo todo deixou de fazer sentido, se tornando um borrão de cores suaves e vertigem. Só existiam os dois. Só existiam as suas bocas unidas, as línguas se tocando pela primeira vez num mudo entendimento, como se tivessem sido feitas para aquele momento, para aquela função.
O gosto de Celina entrava na boca dele, correndo direto para seu coração, e seu coração se viciava em Celina, se afogava em Celina. Agora que tinha aquele corpo junto ao seu, se movendo no mesmo ritmo, ele soube que nunca mais iria se contentar com sonhos.
A boca de Harry se apoderava cada vez mais completamente da dela, a mente atordoada dela se desligando de tudo, aceitando tudo, se permitindo levar, confessar com beijos o que seu coração já desejava há tanto tempo. As pernas falharam e ela se sentiu derreter junto a ele. Harry era doce, violento, e ela soube que ele tinha esperado aquele beijo por tempo demais. Ele a segurava com paixão, com firmeza, como se quisesse fundir o corpo dela dentro do dele, fazer os dois virarem um. Ah, e ela queria. Por favor... ela queria.
Era mais que um beijo, era uma entrega.
Eles flutuaram pelo céu noturno, por estrelas e planetas distantes. Os ponteiros do relógio de parede se movendo, os dois se movendo, falando uma língua que só eles conheciam. Não querendo parar, não querendo respirar.
Só depois de muito voar eles se permitiram voltar devagar para o chão. Ela entreabriu os olhos para as esmeraldas que eram os olhos dele.
- Eu estou sonhando? – ele murmurou. – Estou?
Ela fez que não lentamente.
- Então... você... gosta de mim? – ela disse numa voz sumida. Precisava escutar.
- Eu sou louco por você. – ele tinha a voz rouca e ainda apertava o corpo dela, como se não acreditasse no que tinha acontecido, como se tivesse medo do que estava por vir, medo dela se dissolver em fumaça. – Completamente louco por você.
- É bom que seja... – ela ameaçou sorrindo um sorriso de mil estrelas, mil promessas. – É bom que seja... por que eu vou querer sentir isso de novo.
Ele riu um riso meio nervoso, um riso aliviado. A felicidade explodindo colorida no seu peito.
- Celina... – foi a última coisa que murmurou antes que ela tirasse seus óculos, envolvesse seu pescoço e o puxasse de volta para si.
“Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la com minha mão em seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.
Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de ciclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os ciclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.”
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N/A: Ah, Deus, como eu amo essa cena... Como amei escreve-la... Quem já esteve apaixonado sabe sobre essa sensação de flutuar, o mundo sumir, o coração disparar, ficar rindo para as paredes. E quando o beijo demora pra acontecer? E quando acontece? AAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!! Tudo o que a gente sofreu, esperou, vale a pena, some.
Tentei escrever me lembrando da sensação da primeira vez que eu me apaixonei (e de outras também, mas nem foram tantas assim.). Paixão pode doer pra caramba, mas é tão bom! Eu só espero sinceramente que vocês tenham gostado.
O trecho entre aspas é do Júlio Cortázar e está no livro O Jogo da Amarelinha. É tuuudo de bom.
Ticha: Como não tinha seu e-mail mandei o trecho da fic pelo fanfiction, espero que tenha chegado(não entendo lhufas desse site). Então a fic está surpreendente? Como? Diga tudo, não me esconda nada! (aponta uma lanterna de tortura pra cara da leitora.)
Mary: A fic está com o mesmo nome no fanfiction. V ainda não achou? Ai, ai, ai...
Pra todo mundo um beijo enorme, brigado pelo apoio, Georgea.
E a campanha FFF continua...
Mandem um REVIEWWWWWWWWW !
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