Aos Poucos...
Domingo. Hora do almoço. Snape viu Hermione entrar no salão principal sem lançar olhar nenhum em sua direção. Ele não soube como naquele momento, mas sentiu que queria que ela tivesse ao menos lançado um olhar para lá.
Ela sorriu para Harry e para Gina, que estavam meio que abraçados, e sentou-se perto deles, mas não muito.
- Nem parece que vai ter que passar um pedaço da tarde com aquele narigudo... – disse Gina, rindo.
- Não fale assim dele, Gina – repreendeu Hermione. – Ele tá mesmo diferente, juro. Eu até consegui sorrir de vez em quando enquanto tava conversando com ele ontem à noite...
- Ah, credo – resmungou Harry. – Ah, sabe o que ouvi dizer?
- O que? – perguntou Hermione curiosa.
- Que os outros professores tão se roendo de inveja do Snape, porque você quis ser estagiária de Poções, quando todo mundo sabe que o Snape sempre perseguiu você...
Hermione riu.
- Ah, mas é de Poções que eu gosto mais, oras – retrucou Hermione.
O almoço terminou e Hermione novamente pediu licença aos amigos e apressou-se. Andou rápido pelos corredores e alcançou a Torre da Grifinória. Apanhou tudo o que precisava em seu quarto e foi até as masmorras com alguma dificuldade, carregando tantos vidros numa caixa.
Quando finalmente alcançou as masmorras, ouviu a voz de Snape, um pouco atrás de si, dizer:
- Srta. Granger, será que você precisa de ajuda?
A voz dele vindo tão de repente a assustou e ela tropeçou e derrubou tudo no chão, mas a caixa com os vidros ficou inteira.
Ela virou-se para ele com uma expressão mal humorada.
- Tudo bem, o senhor me odeia, mas qual é a função de me matar do coração?
- Achei que tivéssemos uma trégua, srta. Granger – tornou Snape secamente, abaixando para pegar os papéis espalhados.
Hermione corou e abaixou-se para pegar os papéis também.
- Desculpe, professor, a sua fase de pessoa sociável é difícil de ser adaptada a... alguém... como eu... acostumada a... Bom, o senhor sabe...
- Sim, eu sei srta. Granger – disse Snape, segurando os papéis, dando um suspiro algo aborrecido. Ele levantou-se e ajudou-a a se levantar.
Ela apenas pegou as caixas no chão, enquanto ele, calmamente, segurava os papéis em desordem em suas mãos.
Andaram lado a lado pelo corredor. Alguns sonserinos passaram por ele, vindo de lugar nenhum, e fizeram comentários entre si, que Hermione sabia serem sobre ela. Ela baixou o rosto e seguiu em frente. Não ia discutir com sonserinos na frente de Snape. Não ia perder a oportunidade que ele, estranhamente, lhe dera.
Snape, entretanto, disse, sem alterar o passo e sem olhar para os alunos:
- Dez pontos a menos para a Sonserina; eu escolho quem eu quiser para ser meu monitor.
Hermione estacou e olhou-o, espantada. Snape a estava defendendo? Contra sua própria casa? Ela anotou mentalmente que nunca mais acharia nada impossível.
Snape abriu um meio sorriso ante o desconcerto dela, mas nada disse. Chegaram à sala de Poções e ele abriu a porta e deixou-a passar primeiro. Ela agradeceu e adentrou a sala. Ele começou a olhar os papéis, mas ela correu e tirou-os das mãos dele.
- Ah, isso tá desordenado. Deixe-me arrumar.
Com uma rapidez imprevisível, ela pôs todos os papéis em ordem; mal corria os olhos pela folha e já sabia o lugar dela em meio às outras. Era uma boa organizadora.
Depois, ela pôs os papéis sobre uma bancada e começou a tirar os vidros da caixa, pondo-os na mesma bancada dos papéis.
- Ah, será que finalmente vou descobrir algo a respeito das atividades obscuras de Hermione Granger?
Hermione sorriu e fez sinal para ele se aproximar.
- Bom, quando eu tava em aula com o senhor e tinha que ir ao seu armário pegar ingredientes, eu me aproveitava da bagunça de todo mundo e anotava os seus ingredientes que estavam no fim... E alguns que com certeza acabariam logo por serem muito usados. Bom, fiz isso durante umas quatro ou cinco aulas.
Snape arqueou a sobrancelha, olhando-a com uma expressão fechada. Aquilo a deixou um pouco nervosa, mas ela se concentrou em ignorar a pressão psicológica que ele lhe fazia.
- Bom, eu queria mostrar a minha capacidade de organização, e eu não ousaria mexer no seu armário – explicou ela, e, com o assentimento de Snape, ela até suspirou aliviada. – Só que, em vez de organizar alguma coisa indiferente ao senhor, eu procurei fazer alguma coisa que lhe fosse útil, pelo menos. Aí resolvi pegar os ingredientes que estão disponíveis pelo colégio, só para dar uma idéia dos meus métodos de trabalho e... Bom, o senhor tem que avaliar o que eu fiz aqui, se tá certo ou não tá.
- Mas que dúvida mais modesta – ironizou Snape... gentilmente?!
Céus, alguma coisa muito estranha tinha acontecido com ele!
Ele começou a mexer nos papéis com olhar de avaliador e, ao constatar o que era, arqueou a sobrancelha e olhou para ela. Com um certo ar de superioridade, perguntou:
- Para que isso? Será que eu não sei para que os ingredientes servem, de onde eles vieram e como misturá-los?
Nos papéis, havia todas as informações úteis sobre cada ingrediente.
- Bom, professor – disse ela corando. – Já notei algumas vezes, quando o senhor está preocupado ou com dor de cabeça... o senhor não se concentra... Aí, quando alguém pergunta alguma coisa... Nossa, dá até pra ver o seu cérebro funcionando...
Diante do olhar de Snape, ela baixou os olhos, mas continuou:
- Além disso, professor, achei que os alunos não fariam mais tanta bagunça no seu armário quando precisassem procurar alguma coisa se tivessem acesso a algo assim...
Ela ficou olhando para o chão em silêncio, esperando. Snape suspirou e olhou de novo os papéis.
- É, isso pode servir.
Daria uma boa esposa, pensou Snape, mas sem maldade. Logo se recriminou por ter deixado seus pensamentos irem para aquele lado perigoso, que ele sabia que deveria estar bem fechado, bem trancado, o mais profundo possível em sua alma.
Hermione ainda olhava para baixo quando viu Snape se aproximar da bancada e abrir os vidros bem lacrados. E os manteve baixos enquanto ele avaliava o trabalho dela.
Por fim, depois de algum tempo em silêncio, sorriu para si mesma ao ouvi-lo dizer:
- Venha, Granger, me ajude a guardar isso.
Com imensa satisfação, ela acompanhou-o ao armário. Aquilo estava ainda pior do que da última vez que ela estivera lá. Ante o olhar inquisidor da jovem, ele disse:
- Eu estava procurando um ingrediente hoje de manhã... Com dor de cabeça. Tive que sair umas três vezes e voltar para lembrar o que eu estava procurando.
Ela riu.
- Está bem; vou confessar que você é uma boa observadora, srta. Granger – disse ele, a contragosto.
- Claro que eu sou – concordou ela sem nenhum traço de modéstia. – Olha a merda do ano passado na minha vida.
Ela subiu um pouco a blusa, mostrando um pedaço da barriga, mais na altura do estômago.
- Fiquei muito mais observadora depois disso aqui.
Sem entender direito de onde Hermione tirara tamanha intimidade, ele aproximou-se e observou melhor o que ela lhe mostrava.
- Cicatrizes por Cruciatus são a pior coisa que existe – ele disse, em tom grave. – Tenho... algumas.
Hermione baixou a blusa e olhou para baixo.
- Dois dias antes da queda de Voldemort... os aurores do ministério descobriram que... eles souberam que...
Ela olhou para o outro lado. De repente, seus olhos tinham lágrimas. Snape não entendeu; parecia muito abismado.
- Foram... aurores que lhe fizeram isso?
Ela apressou-se em enxugar as lágrimas que afloraram com a lembrança; estava de costas para ele. Ele virou-a de frente para si, segurando-a com firmeza nos ombros e fazendo-a encará-lo nos olhos e perguntou:
- Por que fizeram isso com você? O que foi que eles descobriram dois dias antes da queda do Lorde das Trevas?
Ela fez que não com a cabeça.
- Será que terei que usar Legilimência?
Hermione não sabia por que raios começara com a porcaria do assunto, mas teve medo que ele soubesse de tudo, então disse logo:
- Eles descobriram de algum jeito que... que eu tinha visto... – a voz dela falhou, mas ela esforçou-se para continuar: – que eu tinha visto o senhor... naquele da... na sua casa... e que... que não fiz nada...
Que espécie de tortura era aquela que Snape tinha que suportar? Hermione não era burra, certamente sabia como os aurores reagiriam ante uma informação daquelas. Ainda assim, ela não o entregara. Mas, como ela não falara nada sobre o assunto, ele não achou que tivesse havido conseqüências.
- Professor, seria difícil explicar se alguém entrasse aqui e visse o senhor me segurando desse jeito – murmurou Hermione desconcertada.
Snape saiu de seus pensamentos e olhou para ela. Soltou-a e afastou-se.
- Você não precisava ter feito aquilo. Poderia ter me entregado. Nunca lhe dei motivos para confiar em mim ou para me ajudar.
Ele retomara o tom grosseiro; Hermione não pôde deixar de sorrir. Alguma coisa mudara muito dentro dele. Ele era grato a ela pela estranha confiança, mas agora estava voltando à habitual grosseria. Se Hermione não tivesse aprendido tanto sobre pessoas no ano anterior, talvez aquilo a assustasse. Mas Snape era uma pessoa, mesmo sendo um tipo incomum. Ele só estava agindo assim porque se sentia culpado por dentro.
- Pois eu digo que valeu muito à pena o que eu fiz – retrucou ela, olhando para ele, e algo no tom de voz dela o fez encará-la. – E ainda tenho que acrescentar que, com todo o prazer, se hoje eu pudesse voltar no tempo, teria feito tudo igualzinho.
Severo Snape arqueou a sobrancelha; talvez um pouco desconcertado. Não tinha entendido o porquê daquilo, mas não estava disposto a pedir a ela que explicasse. Fingindo que não tinha ouvido nada, voltou-se e olhou para as prateleiras. Não havia modo humano de pôr algo organizado em meio a tanta bagunça.
Hermione sorriu.
- A sua presença não é nem de longe a desgraça que eu pensei que ia ser – disse Hermione, fazendo Snape olhá-la com as sobrancelhas erguidas. Ele já ia falar alguma coisa, mas ela disse antes: – Por isso, posso passar mais tempo da tarde aqui, ajudando o senhor a arrumar essa baderna que o povo do segundo ano deve ter feito...
Snape assentiu em silêncio. A cicatriz dela ainda fulgurava em sua mente. Estava tudo muito estranho. Ele mesmo estava estranho.
- Professor, o senhor está me ouvindo? – ela suspirou e murmurou: – Eu não devia ter mostrado a merda da cicatriz. Vai me odiar agora porque se sente culpado, certo?
- Olha o tom que usa comigo, mocinha – tornou Snape, severo. – Se você entendesse, de longe, o que é ter que matar a única pessoa que confia em você e, depois disso, ver que mais alguém pode fazê-lo, e depois saber que essa pessoa, a quem você supostamente deve gratidão, teve problemas por ter lhe ajudado... Não é exatamente a melhor sensação do mundo.
Mas que inferno, por que falei isso a ela? Ele não entendia. Nunca falava suas sensações a ninguém. Estava tudo muito rápido. Duas semanas apenas que começara a conversar com ela. Duas malditas semanas! E já se achava em tal estágio de abertura. Absurdo. Ela também pareceu achar aquilo estranho, mas ela disse:
- Olha, professor, eu não queria isso... Eu nem sei por que raios lhe mostrei a cicatriz... É só que... achei que o senhor pudesse saber agora, que ainda não temos mais que uma trégua...
Snape arqueou a sobrancelha.
- Olha, eu... – ela corou muito; Snape ficou alarmado. – Eu sei que sou muito chata, presunçosa, mas... Acho impossível que... Ai, vai parecer muito estranho o que vou falar, mas... Acho que o senhor talvez possa me considerar um dia uma aluna... ahn... apreciável. Talvez... Se eu conseguir me controlar... deixar de ser a Sabe-Tudo e... Ah, merda, eu sei que estou me enrolando toda, mas...
Hermione suspirou, olhou para baixo. Ela tremia um pouco, pelo que Snape pôde notar, mas logo ela se recuperou e disse:
- Certo. O senhor está uma pessoa mais sociável esse ano, desde que a guerra terminou e a sua inocência foi provada. Tá. Então, aqui estou eu, como sua estagiária. O senhor provavelmente ainda tem de mim a imagem daquela menininha insuportável do primeiro ano e, antes que eu possa mudá-la, achei que pudesse fazer o senhor me detestar mais de uma vez só, assim, quando as nossas relações se acertarem, eu não terei medo do senhor descobrir nada, entendeu?
Ela falara muito rápido, muito nervosa, mas Snape entendeu o que ela quisera dizer.
- Respire, srta. Granger; eu entendi o que você quis dizer. Sim, ao que parece, eu sou um professor menos insuportável e você é uma aluna menos irritante agora. Os resultados do fim de uma guerra. Já que você quer conversar sobre isso de uma vez, vamos lá. Sim, estou com um pouco de remorso. Olhe que interessante; Severo Snape também sente isso!
A ironia dele havia sido carregada de amargura; Hermione disse:
- Eu nunca pensei o contrário, professor.
- Que bom, Granger – disse ele, como se não tivesse ouvido o que ela lhe dissera. – Eu não suporto o fato de dever algum favor a alguém e...
Hermione recuou dois passos, parecendo verdadeiramente ofendida.
- Olha, professor, com todo o respeito que eu lhe devo pelo fato de o senhor ser meu professor e pelos esforços pela Ordem... Eu não fiz nada porque queria que o senhor me devesse alguma coisa. O senhor só está me acusando disso porque o senhor pensa assim. É o senhor que faz as coisas com esses propósitos e não eu. Se estou aqui só porque o senhor acha que está em dívida, pode me mandar embora. Não preciso da pena de ninguém. Meus pais morreram, vários amigos morreram, mas não fui a única que perdeu. Tem mais gente aí... Sonserinos, talvez.
Ela deu as costas e saiu a passos largos; algumas lágrimas nos olhos. Antes que Snape pudesse pensar em falar alguma coisa, ela já estava longe. Ele derrubou vários vidros vazios no chão, irritado. Lembrou-se de que devia tomar cuidado quando se dirigisse a Hermione Granger.
Jantar de domingo. Hermione não apareceu. Era raro ela não aparecer para as refeições; pensar demais dava fome. Mas ela não estava lá. Só Snape parecia ter realmente se preocupado com o fato, embora fingisse que nem tinha visto.
As pessoas que haviam notado, achavam que ela estava na biblioteca, só para variar. Snape, muito a contragosto, levantou-se e dirigiu-se à biblioteca. Era realmente provável que ela estivesse lá.
Não era mais o insensível Snape. Perdera a única pessoa que via nele o que ele era e não apenas a sua máscara. Agora, quando alguém lhe aparecia, alguém parecia realmente confiar nele, ele seguira seu velho hábito e a afastara de si. Mas mandou o orgulho pelos ares e decidiu que não ia perder mais nada em sua maldita vida. Esperara morrer na guerra, mas sobrevivera. Agora, tinha que arrumar algo. Pensou em algo bom para se desculpar com a nova pessoa que – para seu espanto – lhe importava.
Hermione estava lá sim. Numa das últimas mesa, com os braços cruzados e a cabeça apoiada nos braços, dormindo. Ah, fora difícil demais conseguir coragem para chegar até ali; o sono dela não ia impedi-lo de nada.
Tocou o ombro dela – o contato mais próximo que tinha com alguém em alguns anos. Ela piscou lentamente e por fim abriu os olhos. A visão ainda estava difusa, mas, ao vê-lo, arregalou os olhos.
- Ahn... professor... eu... Desculpe-me por hoje à tarde, eu só... – gaguejou ela.
- Acalme-se, Granger – disse ele. – Venha comigo até a minha sala; quero falar com você.
Hermione engoliu em seco, mas levantou-se e seguiu-o.
Durante o caminho pelas masmorras, foram calados. Hermione imaginava o que vinha a seguir, tentando supor quantos pontos sua casa teria perdido.
Uma vez na sala, Snape trancou a porta, mas Hermione já se acostumara ao hábito dele.
- Hoje à tarde... – começou ele, e fez sinal para que ela se calasse quando ela tentou falar alguma coisa. – Eu falei algo que não gostaria. Eu dei a entender que você só está como minha estagiária porque acredito estar em dívida com você. Isso não é verdade. Sei que mudei um pouco, mas ainda não tenho piedade de alunos. Você está aqui por mérito – ele ignorou o brilho nos olhos dela ao ouvir aquilo. – Eu acredito mesmo que lhe devo alguma coisa, mas são eventos distintos. Não tem nada a ver com o seu estágio. Bom, eu não estava preparado para deixar uma aluna se intrometer nos meus trabalhos, mas, em vista das circunstâncias... Vou tentar pagar a minha dívida de outro jeito, está bem?
Hermione olhou-o sem entender, mas, ainda assim, disse:
- Não tem essa história de dívida, professor. Foi bom para a Ordem o senhor ter continuado vivo e conosco, mesmo que ninguém soubesse. Estávamos todos do mesmo lado; era minha obrigação agir de acordo com o que eu sentia, com o que eu sabia. Só isso.
- Tudo bem; mesmo assim, siga-me.
Ele deu as costas e caminhou para as escadas que levavam a seus aposentos, ainda ponderando se não se arrependeria depois. Decidiu que nunca saberia se não tentasse.
Levou-a até seu laboratório particular e abriu a porta para que ela entrasse. Sem entender nada, ela obedeceu.
Ele entrou no lugar, mas deixou a porta aberta. Ela olhava-o, curiosa. Snape fez sinal para ela se sentar e ele mesmo sentou-se à bancada à frente dela.
- Bom, não sei se vou me arrepender, porque não costumo compartilhar nada de meu com ninguém. Ainda não entendo por que estou deixando você invadir a minha vida assim, mas não estou muito preocupado com filosofia agora. Por isso, quero lhe mostrar algumas coisas. Algo que ninguém sabe, além de mim e, agora, você, e ninguém vai saber. Entendeu?
Ela assentiu. Não pedira a confiança de Snape, e ele a depositara nela sem ser cobrado. Aquilo podia ser um passo bom para uma relação mais amigável entre os dois.
Snape levantou-se e abriu um pesado armário de muito bom gosto, combinando com o resto do ambiente – não tão sombrio quanto a sala de aula dele.
O professor pegou alguns papéis e colocou-os à frente dela. Hermione olhou-o com um ar de curiosidade pura, e ele fez sinal para que ela olhasse tudo.
Hermione assentiu e começou a folhear os papéis, prestando atenção ao que estava anotado, ordenadamente, mesmo sendo um grande rascunho.
Snape sentou-se no mesmo banco de antes e observou-a avaliar seu trabalho. Sabia que ela iria gostar. Ela era ávida por conhecimento, ansiosa por saber mais, sempre, sempre. Assim como ele.
E, pela primeira vez em duas semanas, Snape percebeu que, realmente, “mente vazia é oficina do diabo”, como dizem os trouxas. Enquanto esperava ela terminar, ele apenas a observava calmamente. Não gostou, entretanto, para o lado para onde seus pensamentos correram.
Snape notou o quanto Hermione estava diferente em tudo. Uma jovem mulher, de fato. Estava mais bonita; os cabelos haviam perdido aquele volume espalhafatoso. As roupas já não lhe caíam desajeitadas. Ele sacudiu negativamente a cabeça, condenando-se por esses pensamentos, e atribuiu-os ao tempo sem contato sexual de nenhuma espécie.
Para o fim de sua tortura particular, Hermione ergueu a cabeça com um meio sorriso.
- E então? – perguntou ele.
- Céus, dívida paga – ela disse, com um sorriso mais largo. – Um gênio como o senhor não podia mesmo morrer!
Snape passou a mãos pelo cabelo, um pouco encabulado. Não entendeu por quê, mas um elogio tão direto de um aluno que – ele sabia – não era puxa-saquismo de sonserino querendo nota, era algo muito raro.
- Essa teoria é... é perfeita – ela disse, pondo os papéis em cima da mesa, espalhando-os de modo a olhar para eles. Parecia maravilhada.
- Ah, srta. Granger, parece que você achou o meu problema – disse ele, um pouco mais calmo, com os pensamentos anteriores já afastados. – A teoria é perfeita. Isso ainda não saiu do papel.
- Grandes obras demoram a sair do papel, professor – ela retrucou. – Além do mais, e só terminar de dosar, verificar os ingredientes, os tempos de cozimento, é mais um trabalho braçal... A parte intelectual tá todinha aqui...
Snape ponderou um momento. Mostrar seu trabalho a ela já pagava a dívida, mas ele pensou se não poderia fazer algo a mais por ela. Não viu razão para isso; apenas... apenas queria vê-la alegre. Sensação estranha.
- Srta. Granger, acho que podemos fazer um acordo.
Hermione ergueu o olhar para ele, mostrando-se atenta.
- Sim?
- Além de minha estagiária, você pode ser minha assessora – disse ele. – Para eu terminar essa minha pesquisa. Claro, uma descoberta como essa leva alguns anos e, agora que a guerra terminou, tenho mais tempo para me dedicar a esse estudo. Bom, sei que não sou um excelente professor em meio aos cabeças-ocas da sua turma, mas acho que posso ser um bom orientador. Já li seus relatórios e sei suas pretensões. Você quer ser mestra de Poções.
Hermione corou; ele prosseguiu:
- Você pode ser minha assessora. Quando a pesquisa for concluída, sairá em todas as revistas bruxas do mundo. Posso indicar você para onde você quiser ir trabalhar. Não querendo ser pretensioso, mas já sendo, uma indicação minha sempre foi algo bastante... positivo para um aluno. E você já terá tido treinamento suficiente. McGonagall com certeza assinará o que for para você... Que acha?
Hermione tinha um sorriso entre alegre e incrédulo. Não queria quebrar o clima de cortesia, trégua e até um princípio de respeito mútuo, mas tinha que perguntar:
- Mas... não me leve a mal, mas... o que o senhor ganharia com isso?
- Terei minha pesquisa concluída logo. Terei alguém para quem passar um pouco do que sei... Você não sabe como é insuportável sentir que tudo o que você sabe está sendo desperdiçado... Perco muito tempo ensinando criancinhas do primeiro ano a cortar ingredientes para preparar uma poção para dor de cabeça.
Hermione riu.
- Ah, pode rir, mas apenas entenda que é bom sair dessa rotina irritante de vez em quando. E então, que me diz?
Hermione sorriu e assentiu, satisfeita.
- É... perfeito.
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