Uma Trégua

A vida é cheia de pequenos problemas, pequenos detalhes, pequenos desvios do caminho. Severo Snape era, de longe, a pessoa que sabia disso melhor. Agora já fazia seis meses que Voldemort havia sido morto. Os comensais todos já tinham sido presos e devidamente cuidados. E ele voltara ao seu cargo de mestre de Poções em Hogwarts.
Havia naquele sétimo ano, entretanto, dois alunos que não eram daquela turma. Alunos que haviam parado em seu sexto ano para ajudar na guerra, e agora voltavam para concluir o colégio. Ronald Weasley estava morto. Harry Potter e Hermione Granger lá estavam, com o velho lugar na sala de Poções, mas com uma turma de um ano antes. Na sala de Gina Weasley. Snape os punha em lados opostos da sala e tirava pontos por qualquer olhar entre os dois.
Entretanto, havia algo um pouco diferente na aula do detestável mestre de Poções. Agora, ele punia os sonserinos – bem pouco – que ofendessem demais alguém da Grifinória, e até conseguia conceder pontos – no máximo 5 – para a insuportável Sabe-Tudo.
A mudança começara desde o primeiro dia de aula. Via-se agora que ele tinha um peso imenso a menos nas costas. Mesmo a morte de Dumbledore fora devidamente explicada pelo próprio, no quadro. Algo que ainda o espantava era o fato de que, sete meses antes, quando Harry e Hermione haviam encontrado seu esconderijo, enquanto todos ainda achavam que ele era um comensal da morte, ela o vira escondido, mas não dissera a Harry...

Estava frio naquela noite. Harry e Hermione entraram na velha casa. A velha casa de Snape. Haviam demorado para encontrá-la, mas agora Dumbledore seria vingado. Snape estava fraco, escondido como um maldito rato, todos sabiam. Só não sabiam onde. Agora ele e Hermione haviam encontrado. Sabiam que ele estava lá. Só não poderiam usar magia para encontrar, porque a casa era altamente protegida.
Adentraram a casa com varinhas em punho, olhando em volta. Estava tudo muito escuro, muito sujo. Um verdadeiro buraco. Decidiram se separar. Harry tomou um lado e ela, o outro.
Hermione Granger subiu as escadas e averiguou tudo no andar de cima, não encontrando nada. Por fim, chegou ao sótão. Porta trancada. Nenhum problema para alguém que abrira portas em seu primeiro ano. Ela o viu. Ele não fizera questão de se esconder além do que já estava escondido. Estava sentando no sofá, largado, com um semblante doentio.
Quando ela entrou, ele apenas olhou para ela, sem nenhuma expressão de desdém ou de que pretendia revidar. Parecia querer ser preso.
- Professor Snape – sussurrou ela.
O título de “professor” era algo que ele visivelmente não esperava. Ele olhou para ela.
- Granger, faça logo o que tem que fazer. Possivelmente o Potter ficará muito feliz em me matar bem devagar – disse ele com desdém, em seu tom de voz sibilado.
- Ele não é esse tipo de pessoa – retrucou ela, bem baixo, olhando em volta. – Nem o senhor.
Snape olhou para ela, com os olhos arregalados.
- Mione – uma voz veio de fora, do andar de baixo.
- Já vou, Harry – gritou ela. – Estou terminando de ver aqui o sótão.
- Achou? – veio a voz de Harry.
- Nadinha – disse Hermione, com os olhos fixos em Snape. – O desgraçado deve ter fugido antes que chegássemos...
- Merda, escapou de novo! – veio a voz de Harry. – Está bem, já estou descendo. Você já vem?
- To indo – gritou ela de volta.
Snape tinha um ar espantado, embora procurasse não demonstrar, e ela ensaiou um sorriso e sussurrou:
- Confio no julgamento do professor Dumbledore e não no que Harry viu. Já errei feio no primeiro ano por acreditar só em meus olhos...
Ela pareceu querer dizer mais alguma coisa, mas não disse; apenas deu as costas e foi embora.

- Professor, o senhor está bem? – perguntou um sonserino de sua turma.
Snape saiu de sua lembrança.
- Ah, parece que não muito, não, Black? – perguntou ele, com sua voz letal. – E então, vocês já acabaram a poção de hoje ou será que insistem em fingir que não estão no sétimo ano?
Os alunos já haviam acabado. Snape lançou um olhar para Hermione, que separava uma amostra de sua poção. Eles nunca haviam comentado sobre aquele incidente. Nunca. Depois que ficou provado que ele fizera tudo a mando do próprio Dumbledore, depois que ele provou que era ele quem passava as informações das ações de Voldemort para a Ordem e que tudo se resolvera, a única coisa que ela dissera fora “Bem vindo de volta, professor Snape”, e ele havia dito “Obrigado, srta. Granger”.
Mas falar sobre o sótão e sobre a misteriosa confiança nele sem nenhuma base sólida, isso nunca haviam falado. Ele já tentara perguntar, mas não conseguia ficar sozinho com ela se não fosse por uns poucos segundos. E não tinha motivos para dar detenção a ela. Ela era extraordinária como aluna.
Todos deixaram as amostras de suas poções em cima da mesa de Snape e começaram a deixar a sala. Hermione estava demorando para arrumar suas coisas, como sempre, e Harry a estava esperando. Ele ainda não gostava de Snape.
- Mione, eu... – Harry viu o professor sentado à mesa, fingindo que não prestava atenção. – Eu tenho que falar com a Gina e...
- Vai lá, Harry – disse a jovem com um meio sorriso.
Harry agradeceu e correu para fora da sala. Aquela era a última aula antes do almoço; Hermione não tinha pressa. Terminou de arrumar sua mochila. Snape viu a sua oportunidade perfeita para falar com ela; só estava um pouco indeciso quanto à reação dela de uma ordem para ficar mais um pouco.
Ele decidiu não perder mais tempo; ela saía da sala e ele chamou:
- Srta. Granger.
Ela parou à porta e virou-se para ele.
- Professor? Fiz algo errado?
- Na verdade, estou esperando há algum tempo para falar com você – admitiu Snape, fazendo sinal para ela se aproximar.
Hermione fez uma cara de curiosidade que ela sempre fazia quando ele explicava alguma coisa e não dava muitos detalhes. Ele fez um gesto, sem varinha, e a porta fechou-se e trancou-se. Ela teve um sobressalto e olhou para trás e depois para ele.
- Eu fiz algo muito errado? – perguntou ela, apreensiva.
- Na verdade, srta. Granger, estou um pouco curioso. Se você estiver com fome, pode deixar que eu peço para os elfos trazerem comida para você; acho que a conversa vai ser longa.
- Não, não precisa – disse ela, abrindo a mochila e pegando uma maçã. Ele arqueou a sobrancelha e ela explicou, tentando sorrir, para tornar o ambiente menos ácido: – No ano passado eu aprendi a sobreviver de frutas... Não tinha muito tempo para comer... Agora não vivo sem elas.
- É um hábito saudável, esse de comer frutas – concordou ele, esforçando-se para não voltar ao velho hábito de ser insuportável.
Ela assentiu e, sentando-se à bancada à frente da mesa dele, mordeu a maçã.
- Então, professor?
- Você provavelmente se lembra de um episódio há uns meses, antes da queda do Lorde das Trevas – começou ele com cuidado. – Quando você e o Potter acharam a minha casa.
Ela assentiu, entendendo qual era o assunto.
- Bom, o senhor quer saber o que me levou àquela atitude de confiança?
Snape assentiu, agradecendo aos céus que ela tivesse entendido logo.
- Seus olhos – disse ela séria.
- O que tem eles? – perguntou Snape, sem entender.
- Eles não mentem – esclareceu ela. – Escondem muito bem qualquer coisa que queiram, mas mentir não mentem não. Eu já disse que confiei no julgamento de Dumbledore. Às vezes, as palavras e o que vemos não são suficiente para nos mostrar a verdade. O meu primeiro ano me mostrou isso, e não admito cometer duas vezes o mesmo erro. Além do mais, o senhor estava na sua casa, no seu domínio. Se quisesse, poderia ter nos matado e nem teríamos visto. Um bruxo que matou Dumbledore certamente daria conta de dois jovenzinhos.
Snape deu um sorriso no canto da boca, demonstrando uma pequena trégua. Ela sorriu em resposta.
- Agora, não consigo explicar exatamente por que confiei tanto em tudo menos no que as evidências apontavam – continuou ela. – Sinceramente, não sei.
Severo Snape assentiu.
- Agora, já que eu esclareci uma dúvida sua... talvez o senhor me deixasse fazer uma pergunta só, irritante?
Snape arqueou a sobrancelha e suspirou, mas aceitou. Hermione perguntou:
- Como foi ter que suportar todas aquelas acusações de traição sendo inocente de todas elas?
Snape suspirou. Detestava falar sobre aquilo. Em uma palavra, ele definiu tudo:
- Terrível.
E o silêncio ficou entre eles por um momento.
- O senhor é lacônico; havia me esquecido – ela disse, terminando com sua maçã. – Tem mais alguma coisa que queira me perguntar?
Snape ia falar alguma coisa, mas se decidiu a permanecer em silêncio.
- Não; já pode ir.
Ela assentiu, pegou sua mochila e, depois de desejar a ele uma boa tarde, saiu da sala.
Ela está diferente. Havia qualquer coisa nela, na espontaneidade com que ela falara, que havia mudado. Não era uma mudança exagerada, mas algo sutil. Snape lembrou-se de que fazia seis meses – desde o começo das aulas – que a srta. Granger não era mais uma insuportável Sabe-Tudo. Agora, ela conseguia não erguer a mão toda vez que ele insinuasse querer fazer uma pergunta. Ela conseguia não atropelar ninguém.
Durante a tarde, Severo Snape permaneceu em sua sala, corrigindo provas, trabalhos, reclamando mentalmente de tantas bobagens que os alunos escreviam. Decidiu que deixaria para depois as poções do sétimo ano. Resolveu fazer algo que havia tempos não fazia: andar pelos jardins da escola.
Estava precisando pensar. Gostava de dar aulas, mas faltava alguma coisa em sua vida, alguma espécie de realização. Não sabia o que poderia ser, mas a sensação de que havia algo por fazer, algo por dizer, o perseguia.
Deixou suas pernas o guiarem para onde queriam levá-lo e ele logo se viu na orla da floresta. Era um lugar bonito. Fazia tempo que ele não apreciava um lugar bonito. Ele olhou melhor. Ouviu o som de passos leves sobre as folhas das árvores e procurou saber de onde vinha. Sabia que nenhuma criatura ficava na orla da floresta; elas preferiam o coração, mais inatingível e mais seguro contra humanos.
Ele viu Hermione Granger, com uma grande cesta, recolhendo algumas plantas e anotando qualquer coisa numa pranchetinha. Snape permitiu-se ficar observando-a trabalhar por um momento. Era bom ver que existia pelo menos um aluno organizado no mundo.
Hermione parecia muito concentrada, pois não notou a presença dele. Snape quis saber o que ela fazia tão concentrada, tão presa à sua tarefa. Aproximou-se em silêncio e perguntou em seu tom de voz habitual:
- O que será que a srta. Granger faz por aqui a essa hora quando temos NIEMs daqui a quatro meses?
Hermione teve um sobressalto e olhou-o. Suspirou – aliviada.
- Ah, professor, o senhor me assustou! Da próxima vez que quiser tentar me matar, acho que um pouco de cicuta no meu suco pode ser mais eficiente.
- Não seja dramática, srta. Granger – retrucou Snape, mas sem tom de irritação. – Eu só estava passeando por aqui e ouvi seus passos. Passei uns bons quinze minutos observando as suas atividades e senti uma certa curiosidade de saber o que você está fazendo.
Snape estranhou seu próprio tom com ela. Nenhum traço de agressividade, nenhum traço de deboche. Era apenas uma pergunta normal, casual. Ela olhou-o e deu um risinho e depois de olhar a erva que acabara de pôr na cesta, escreveu alguma coisa em sua prancheta.
- Bom, eu andei ouvindo conversas atrás da porta...
Snape arqueou a sobrancelha; ela permitiu-se dar uma risadinha contida.
- Ah, foi sem querer, professor. É que ouvi o senhor e a professora McGonagall conversando outro dia, quando eu estava indo para a Torre da Grifinória.
- Eu converso muito com a professora McGonagall, sabe, srta Granger; ela é diretora e eu sou vice-diretor – lembrou Snape, um tanto sarcástico.
- Ah, sim, eu sei – disse Hermione, abaixando-se para cortar outra erva com cuidado. – É que eu ouvi o senhor e ela falando sobre a necessidade de estagiários. Bom, estou muito, perdoe a expressão, de saco cheio de estudar para os NIEMs. Posso parecer pretensiosa, mas eu sei que eu vou passar. Sempre fiz por isso, desde o primeiro ano. Então pensei: bom, a minha vida tá um porre, quem sabe se eu me candidatasse a uma dessas vagas de estagiários? Eu andei observando; chega uma época do ano em que os professores ficam loucos com tantas coisas para fazer. Bom, pelo que ouvi, a diretora vai anunciar o início das inscrições na próxima semana. Apesar de não ser sonserina, professor, tenho uma característica bem da sua casa: não gosto de perder desafios. Então, aqui estou eu, fazendo um trabalho divertido e levezinho, para ver o que consigo.
Snape assentiu.
- Vai se candidatar para ser monitora da Sprout? – perguntou ele, aproximando-se e olhando para a cesta.
Ela ensaiou um sorriso e corou um pouco.
- Na verdade, eu esperava me candidatar a monitora de Poções – ela disse, mas muito rápido, e logo se virou para cortar outra erva.
Snape não escondeu muito bem o assombro.
- Poções, srta. Granger? – perguntou ele, dando muita ênfase ao nome de sua matéria, como se ela houvesse se confundido.
- Ah, eu sei que sou patética, porque o senhor provavelmente vai querer alguém da sua casa, que tenha mais... como posso dizer? Mais compatibilidade de gênios com o senhor – desabafou ela. – Mas mesmo assim, professor, ainda vou tentar. Sou teimosa mesmo. Tenho que levar uns três tombos antes de ver que estou errada.
Severo Snape não respondeu. Até onde se lembrava, não tinha achado ninguém de sua casa que quisesse como monitor. Ele aproximou-se mais dela e pediu para ver as anotações; ela estendeu para ele a pequena prancheta e voltou os joelhos ao solo para cortar com cuidado outro tipo de ervas.
- Ah, tente não reparar na desordem que isso tá; eu pretendia passar a limpo antes de mostrar ao senhor.
Snape franziu o cenho. As anotações não tinham defeito nenhum; estava tudo muito bem catalogado. No máximo um ou outro risco em cima de uma palavra que havia sido substituída por outra. O que será que ela pretendia passar a limpo?
Ele não planejava elogiá-la, e estava um pouco desapontado por não conseguir achar defeito nenhum naquilo. Em geral, ele era especialista em ver problemas em tudo.
Devolveu as anotações a ela sem dizer nada e apenas observou-a cortar as plantinhas. Cada tipo de planta ela cortava de um jeito. Parecia que havia estudado Herbologia muito bem. Pegou a prancheta e anotou de novo algumas coisas. Organização ímpar. Concentração. Capacidade de ouvir e obedecer. Ah, sim, ela tinha as características de uma boa monitora.
Ela pegou a cesta num braço, a prancheta no outro e ajeitou-se.
- Bom, eu não tenho onde fazer essas coisas certas... Uso o mesmo banheiro assombrado das meninas que usei pra fazer a poção...
Hermione parou bruscamente de falar e olhou para ele com cara de culpada.
- Polissuco, no segundo ano – completou ele, até divertindo-se com a expressão de espanto no rosto dela.
- Como o senhor...?
- A mente do Potter sempre foi muito aberta. Eu vi isso quando estava ensinando oclumência para ele no quinto ano.
Hermione corou.
- E lá se vão as minhas chances...
- Bom, pelo contrário – esclareceu Snape, ensaiando um sorriso, que nem ele sabia de onde vinha. – Não conheço muitos alunos que tenham feito uma poção como essa no segundo ano em Hogwarts. Mesmo tendo sido contra as regras... Bom, quem sou eu para falar em regras?
Hermione sorriu. Olhou-o de um modo que ele não se lembrava de já ter sido encarado por ela.
- O que foi, srta. Granger?
- O senhor tem... qualquer coisa de muito diferente – ela respondeu de modo sutil.
- É meio que uma dívida com você – esclareceu ele. – Acho difícil eu ter escapado de um beijo do dementador se tivesse ido para Azkhaban naquele dia.
Hermione arregalou os olhos, parecendo horrorizada.
- Mas eu não... não fiz aquilo porque queria que o senhor estivesse em dívida comigo, ou sei lá como o senhor queira chamar! Só fiz o que achei que era certo!
- Calma, srta. Granger – disse Snape, sério. – Eu não disse isso. Estou falando apenas o que eu penso disso. Em nenhum momento acusei você de ter interesses próprios. Até porque sei bem que isso não é verdade.
Ela olhou-o, sem entender. Ele esclareceu:
- Seus olhos também não mentem.
Ela sorriu abertamente pela primeira vez para ele. Trovejou alto.
- Ai, ai, ai... – murmurou ela. – Se importa se eu correr? Eu to de branco porque fiquei com muita preguiça de trocar o uniforme e essas plantinhas aqui tem que estar secas pra exercer a função delas...
Snape assentiu. Mas não espere me ver correndo na chuva, srta. Granger.
Ela pegou a cesta e a prancheta e caminhou a passos bem largos de volta para o castelo. Snape teve um impulso de convidá-la a concluir o trabalho com as ervas em sua sala, mas rapidamente afastou essa idéia. O que estava acontecendo com ele?

Era hora do jantar daquele mesmo dia, aquele dia em que Snape se reconhecera intrigado com as atitudes de Hermione Granger. Ele ainda passou algum tempo pensando quando é que ela mudara, e ficou surpreso ao constatar um fato: ela crescera. A mudança fora tão sutil, tão aos poucos, que ele nem notara. Só se deu conta de que Hermione agora era uma mulher – apesar de ser jovem – quando a metamorfose estava completa.
Snape adentrou o salão principal a passos largos, com a capa farfalhando, como de praxe, e sentou-se em seu lugar à mesa dos professores.
Seu olhar, ainda como de costume, correu pelo salão, pelos alunos, mas desta vez parou em uma grifinória em especial. Ele sacudiu a cabeça negativamente. Por que não conseguia tirá-la de sua cabeça?
McGonagall levantou-se e todos os alunos silenciaram-se.
- Bem, imagino que possa fazer um anúncio antes de jantarmos – ela não esperou resposta e disse, muito segura: – Estamos abrindo vagas para estagiários. Era um sonho antigo de Dumbledore, mas, em meio àquela guerra, não tivemos tempo. Agora, será uma realidade. Vamos procurar primeiro dentre os alunos do sétimo ano e ex-alunos de Hogwarts e só depois abriremos as portas a outros bruxos de outras escolas de magia. Os alunos que quiserem se inscrever para serem selecionados devem ir falar com o professor da matéria desejada o quanto antes. O critério de avaliação é decidido pelo professor da matéria e eu não tenho nada a ver com isso. A única coisa que exigi dos professores é que os escolhidos sejam bons alunos, com boas notas. Agora, podemos comer.
Ela sentou-se e um burburinho logo se fez; Snape lançou um olhar a Hermione, que, para sua surpresa, já o encarava. Ela sorriu um sorrisinho discreto e depois desviou o olhar.
Snape entendeu bem o que o olhar dela dizia. Sim, professor Snape, estou dentro dessa disputa.
Ah, ela tinha tudo para vencer. Ele demorara algum tempo decidindo os critérios de avaliação, mas sabia que ela preenchia todos. Não importava o que ele fizesse. Se não achasse um sonserino que se encaixasse perfeitamente em sua lista de características exigidas, ele não via por que não selecioná-la.

Passaram-se duas semanas. Alunos e professores haviam realizado várias atividades extracurriculares com relação ao estágio oferecido e agora, numa hora de jantar de sábado, McGonagall tinha uma lista em mãos. Todos a encaravam com ansiedade, mesmo os alunos que não tinham nada a ver com a disputa.
- Agora temos aqui alguns nomes – disse a velha diretora. – Para Herbologia a professora Sprout chamou Amanda Bones, de Lufa-Lufa.
Alguns aplausos rápidos e cumprimentos por parte dos colegas.
- Para Feitiços, Flitwick aceitou Johnnantan Armstrong , da Corvinal...
Mais alguns estagiários anunciados; Hermione quase comia os dedos de tanta ansiedade, pois as unhas já não existiam mais. Snape olhava para ela de esguelha com um meio sorriso.
Quando finalmente McGonagall resolveu anunciar o aluno selecionado de Poções, que parecia ser o último da lista, ela parou e leu o nome duas vezes, para ter certeza se estava certo. Por fim, um pouco incerta, olhou para o salão e anunciou:
- Hermione Jane Granger.
Hermione só não gritou para manter a postura; ela sorriu abertamente, e fez um aceno de cabeça para Snape, que retribuiu, enquanto seus colegas de casa chamavam-na de “louca” e coisas do gênero.
- Os alunos selecionados devem ir à sala do professor de suas matérias depois do jantar, para receber as instruções.
E a diretora sentou-se. Ainda havia comentários no salão principal; Harry virou-se para Hermione e disse:
- Nossa, Mione, eu não tinha acreditado quando você me disse que ia se candidatar a Poções.
- Pois é – disse Hermione calmamente.
- E o mais estranho é o Snape ter aceitado você – ajuntou Gina.
- Ei! Quem é que tá duvidando da minha competência?
- Ninguém, mas o Snape sempre favorece os sonserinos – disse Harry.
- Ele tá... diferente – murmurou Hermione pensativa. – Não sei, mas acho que esse negócio de a guerra ter acabado tirou um peso das costas dele...
- Ah, isso a gente vê – disse Gina. – Rony costumava dizer que as noites dele não eram boas, porque ele sempre estava de mau humor pela manhã...
Os três riram. Embora ainda sentissem falta de Rony, era nos pequenos momentos que se lembravam do amigo com carinho.
Quando o jantar acabou, Hermione pediu desculpas e foi logo para as masmorras. Sabia que Snape não tolerava atrasos. Mal bateu à porta da sala de Poções e o próprio Snape veio atendê-la.
Ela assustou-se um pouco, e deixou transparecer isso. Ele nunca levantava para abrir a porta.
- Ah... boa noite, professor – murmurou ela, desconcertada.
- Boa noite, srta. Granger – disse ele, abrindo caminho para ela passar. – Entre, entre. E não precisa ter medo de mim.
- Ah, não, não é medo – apressou-se ela a dizer, entrando na sala. Ele fechou e trancou a porta, como era seu hábito quando tinha algo importante a dizer. – É só que o senhor não costuma abrir a porta... pessoalmente.
- Talvez um pouco de civilidade da minha parte facilite o nosso relacionamento, não concorda, srta. Granger? – perguntou ele, mirando-a, com algum sarcasmo em seu olhar.
- Ahn... sim, senhor – disse ela.
Ele fez um gesto para que ela o seguisse e ela obedeceu. Ele caminhou até o fundo da sala, onde havia uma escada ligeiramente camuflada, que dava para seus aposentos. Ela não hesitou em segui-lo, por mais que achasse estranho.
Snape subiu as escadas e abriu a porta, que estava destrancada naquele momento. Fez sinal para ela entrar primeiro e ela obedeceu. Ele entrou depois.
Estavam em uma espécie de sala de estar; ele fez sinal para que ela se sentasse. Novamente e em silêncio, ela obedeceu.
Ele sentou-se e disse:
- Agora, srta. Granger, só alguma regras. Aqui, onde estamos, é o máximo onde você pode chegar, em qualquer circunstância, não importa o que aconteça. Não passe dessa sala.
Snape indicou displicentemente uma porta e disse:
- Ali é o meu quarto, e você não pode entrar lá. Você pára aqui. Aliás, só permiti o seu acesso a esse lugar porque às vezes eu fico por aqui à tarde e é possível que você precise falar comigo um dia e não me ache lá em baixo na minha sala.
Hermione assentiu, mirando o lugar à sua volta. Era mais bem decorado do que ela esperava para uma parte dos aposentos de Snape.
- E... aquela porta ali? – questionou ela, indicando uma porta do lado oposto ao da porta do quarto dele.
- Quer ver? – perguntou ele, levantando-se. E não esperou resposta para dizer: – Venha cá.
Hermione levantou-se e foi até lá. Ele abriu a porta e disse:
- Meu laboratório particular, minha oficina de trabalho.
Hermione, sem pedir autorização e nem nada, adentrou o lugar, olhando em volta um tanto extasiada. Para qualquer um que gostasse de Poções, aquele lugar era o paraíso. Snape deixou-a avaliar seu local de trabalho, algo que nunca imaginara deixar alguém fazer um dia. Nem Dumbledore podia entrar lá.
- Se divertindo, srta. Granger? – a voz dele a despertou.
- Ah, me desculpe, professor, eu... Nossa, esse laboratório é simplesmente o melhor que já vi na minha vida inteira!
Snape permitiu-se um leve sorriso no canto da boca.
- Ah, mas você não pode entrar aqui, a menos quando estiver comigo ou sob minhas ordens – disse ele.
Ela saiu do lugar e voltou à sala.
- Desculpe, professor. Acho que perdi a noção por um momento.
- Percebi.
Ele sentou-se no sofá; ela sentou-se logo no outro, perpendicular ao dele.
- Agora, algumas regras para trabalhar comigo. Jamais experimentar, cheirar ou tocar qualquer substância que você não saiba o que é. Regra básica e absoluta; se desobedecer está fora. Não mexa em nenhum dos meus armários a menos que eu mande. A única exceção é o armário de ingredientes, que está sempre uma bagunça e precisa ser organizado de vez em quando. Algum problema até aqui?
- Bem... é que já vi que o senhor tem ingredientes nos outros armários além do que é próprio para ingredientes...
- É, alguns ingredientes a que nenhum aluno pode ter acesso. Esses eu mesmo mexo sozinho.
Hermione assentiu. Sabia desde o começo que seria difícil trabalhar com ele. Ainda assim, achou que poderia gostar.
- Mais alguma regra, professor?
- Sim. Você me obedece sem questionar.
Hermione arqueou a sobrancelha em resposta.
- Sempre que eu falar algo em relação a alguma poção – acrescentou ele.
- Ah, claro, claro – disse ela, parecendo até um pouco aliviada. – Entendo que o senhor é Mestre de Poções e eu sou uma aluna mortal.
Ela sorriu ao ver Snape arquear a sobrancelha.
- Desculpe... eu não podia passar sem agulhadas – ela disse. – Sei que o senhor ainda vai me alfinetar bastante... Só queria deixar o ambiente menos pesado.
- Isso parece uma trégua, srta. Granger – considerou Snape por um momento. – Eu aceito. Ah, e que bom que você sabe que ainda vai levar muitas agulhadas na vida.
- Alfinetadas do senhor, eu disse – corrigiu ela.
- Ah, é a mesma coisa – ele disse, ensaiando um sorriso que procurou não expandir muito.
- Sinceramente, professor, um dia ainda arranco do senhor um sorriso que não seja de escárnio – disse Hermione, o mais simpática possível.
- Você pode tentar, srta. Granger – disse ele.
- Aha, mas o senhor já parou de me chamar de Sabe-Tudo – tornou Hermione. – Isso já é um belo começo.
- E será um começo melhor ainda se você parar de me chamar de narigudo idiota pelas costas – retrucou Snape, sarcástico.
- Eu nunca falei isso! – exclamou ela, um pouco mais alto do que desejaria. Ao perceber, reduziu o tom de voz e acrescentou: – Quem falava era o Rony.
Por um momento, Hermione pareceu voar para longe dali, mas logo voltou à sala de Snape e acrescentou:
- Eu e o Harry só ficávamos rindo...
Snape assentiu.
- Para começar, você vai me mostrar o seu trabalho final do que estava fazendo aquele dia, que ainda estou curioso. Amanhã é domingo. Sei que é seu dia de descanso, mas, mesmo assim, gostaria que você gastasse um pouco do seu tempo aqui comigo. Quero que me mostre o que estava fazendo.
Ela concordou.
- Gastar um pouco de tempo faz parecer que será uma tortura. Se o senhor não me chamar de sangue-ruim nem nada do gênero, tá tudo certo.
- Parece que você também tem as suas regras de trabalho, srta. Granger – comentou Snape com sarcasmo. Ainda assim, sem problemas. Respeito é o mínimo que eu tenho obrigação de dar a você.
Hermione abriu um sorriso, mas era um sorriso diferente. Um sorriso espontâneo, sem forçar uma emoção que não existia.
- Claro, professor. Tem mais alguma coisa que eu deva saber?
Snape sacudiu negativamente a cabeça e levantou-se.
- Tenha uma boa noite, srta. Granger. Amanhã, depois do almoço aqui – disse ele.
Hermione assentiu e estendeu a mão para ele, que a apertou num gesto cortês.
- Parece que temos uma trégua – constatou ela com um meio sorriso encabulado.
- É, parece que sim – concordou Snape.
Ele a acompanhou até a porta e abriu a mesma para que ela saísse. Depois que fechou a porta, sussurrou para si mesmo:
- É, srta. Granger, temos uma trégua.

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