Difícil Resistir
A semana foi a mais leve que Snape já tivera em anos. Ele e Hermione viram-se nas aulas e algumas vezes depois do jantar. Conseguiam conversar amigavelmente, embora algumas farpadas ainda fosse trocadas entre eles de vez em quando.
A estranha amizade que começava a surgir não deixava de ser positiva. Às vezes Hermione tinha alguma grande idéia ao ler algum livro, grifava tudo e saía correndo para mostrar a Snape. Ele lhe dera essa liberdade. Ela ia quando sabia que ele não estava em aula e eles conversavam; ele a corrigia sempre que necessário – nunca deixando de ironizar.
Ainda assim, era esquisito imaginar a cena. Por seis anos os dois nunca se deram bem; ele sempre sendo desagradável e ela sempre tentando impor sua presença. Mas agora estava tudo diferente.
Já no sábado, Snape convidou Hermione para almoçar com ele em seu laboratório, e ela aceitou sem hesitar. Ele parecia ter algo importante a noticiar. E avisara que tinha uma surpresa para ela.
Hermione chegou à sala dele e bateu à porta. Sempre avisava a ele que estava chegando; não queria fazê-lo se sentir invadido. Seria muito ruim desperdiçar o progresso que fizera com ele.
Mas ele não estava em sua sala. Ela subiu as escadas para os aposentos dele e bateu à porta. Ele veio abri-la. Estava só de camisa preta e calça com seu corte habitual.
Hermione olhou-o, estranhando.
- Que foi? – perguntou ele.
Ela fez uma careta.
- Se o senhor nunca teve nenhum caso com aluna nenhuma, acho que sou a primeira estudando de Hogwarts que o vê sem aquelas vestes enormes...
E desatou a rir. Isso ela sabia que podia fazer.
Snape arqueou a sobrancelha muito sério.
- Sim, você é a primeira aluna que me vê sem as vestes de aula e NÃO, nunca tive nenhum caso com aluna nenhuma.
Hermione se fez séria de repente, pensando se não tinha ido longe demais, e imediatamente disse:
- Desculpe, professor, eu não tencionava ofendê-lo, eu só... tava brincando.
Snape assentiu.
- Dessa vez passa – mas a frase viera irônica. Ele desistira de ser insuportável. Era muito agradável ter alguém com quem conversar e com quem discutir a qualquer momento.
Ele deu passagem para ela entrar e depois trancou a porta. Ela sentou-se no sofá e ele depois, no sofá perpendicular ao dela.
- Então? Que grande notícia tem pra mim? – perguntou ela, parecendo ansiosa.
- Você vai esperar – disse ele, algo sarcástico. – Vamos almoçar calmamente, falar sobre a existência na Terra. Aí, quem sabe, eu posso falar o que descobri...
Ela sentou-se mais reta no sofá.
- Descobriu alguma coisa? Da pesquisa?
Snape fez que não ouviu. Olhou-a e depois desconversou. Achava engraçado vê-la tão curiosa.
- Então você não está preocupada com o fato de que seus amigos podem pensar que você está ficando demente? – perguntou ele sarcástico.
- Nunca liguei pro que pensam de mim. Além do mais, o Harry já diz que estou louca desde que me candidatei à vaga de estagiária de Poções. Então... – ela sacudiu os ombros num gesto de descaso – nem ligo.
Snape ensaiou um sorriso.
- Calma, você vai ver que não é nenhuma tortura almoçar comigo...
- Eu não acho que seja, professor – ela disse, relaxando um pouco os ombros e encostando-se ao encosto do sofá. Houve um silêncio incômodo, que ela quebrou dizendo: – O senhor nunca aparece no salão principal nos fins de semana...
Ele desviou o olhar, fazendo-se sério. Imediatamente ela se desculpou pela intromissão e disse que não perguntaria mais, mas ele disse:
- Não, não é isso – disse ele. – Já aceitei o fato de você bisbilhotar tudo por aqui; eu realmente não me importo mais.
Hermione ensaiou um sorriso; ele continuou:
- Dumbledore me obrigava a estar sempre presente durante as refeições, mas agora não há mais quem me obrigue. Odeio estar entre todos, sempre me olhando como se eu fosse o pior demônio. Eu sei que sou, mas é porque eu me conheço. Os outros apenas me julgam porque sou muito sério e reservado.
Aquele tipo de confissão era o tipo de coisa que acontecia esporadicamente de vez em quando entre eles. Às vezes ele desabafava, às vezes era ela. Aquilo era um gesto simples de aproximação, mas eles não percebiam isso exatamente. Aos poucos, mesmo em tempo tão curto do início da estanha amizade – pouco mais de um mês – eles aproximavam-se em momentos simples como aquele.
Aquele era o primeiro convite que Snape fizera para Hermione almoçar com ele. A experiência se repetiria, mas de modo tão inconsciente, tão espontâneo, que nenhum dos dois perceberia.
Snape indicou uma mesa mais afastada na agradável sala de estar e disse que já era hora do almoço. Ele puxou a cadeira para ela se sentar, e a jovem debochou do cavalheirismo insuspeito dele. Snape apenas ensaiou uma risada e sentou-se depois.
Apesar de seus pensamentos às vezes correrem para lados que ele não desejaria, Snape não tencionava fazer qualquer coisa contra as regras em relação a Hermione; apenas apreciava a companhia dela – o que já era esquisito o bastante.
A comida apareceu no prato exatamente como acontecia no salão principal. Hermione sorriu e disse:
- Que bom; já estava com fome! – disse ela.
- Passou a manhã toda na biblioteca de novo, srta. Granger?
- Bom, mais ou menos... – ela disse. – Eu tava lá de corpo, mas não em pensamentos... Fiquei tentando imaginar o que o senhor tinha pra me contar. E viu só no que deu? Não estudei nadinha! E sabe o que é pior? Não tenho nenhum peso na consciência por causa disso! Estou virando uma vagal!
Snape deu um sorriso no canto da boca, mas nada disse. Apenas fez que não com a cabeça, meio que sorrindo.
- Isso, pode debochar! O senhor não tem NIEMs esse ano!
- Srta. Granger – ponderou Snape calmamente, – você sofre de uma modéstia irreversível, apesar de ser uma orgulhosa. Se você não obtiver bons NIEMs, quem vai obter?
Hermione já ia retrucar, mas corou ao notar que ele lhe fizera um elogio. Cruzou os braços e olhou para seu prato.
- Essa preocupação toda é a única coisa que pode atrapalhar você, então trate de se acalmar.
Ela fez uma careta.
- É porque o senhor já fez seus NIEMs – murmurou ela, voltando a almoçar.
Comeram o resto da refeição meio que em silêncio, até que ela suspirou e perguntou:
- Quando mesmo é que eu vou poder saber?
Snape fez algo que Hermione nunca o tinha visto fazer: riu. A risada dele era seca, controlada, mas era deliciosa de se ouvir. Por um momento ela apenas o observou rir de sua cara, um pouco admirada.
- Ah, perdoe-me, srta. Granger, mas é que acabo de descobrir que deixá-la curiosa é muito mais divertido que deixá-la irritada. Eu devia ter feito isso desde o seu primeiro ano.
Ela fechou a cara, mas com certa ironia, meio brincando.
- Olha que legal: o senhor sabe rir. E o mais legal ainda: está rindo de mim!
Snape deu um sorrisinho no canto da boca e arqueou a sobrancelha.
- Se você fosse minha amiga há mais tempo eu teria respondido de um jeito engraçado, mas vou respeitar o fato de você ainda ser minha aluna...
Hermione achou que não tinha ouvido bem. Olhou para Snape, que terminava sua refeição, aparentemente inocente do que tinha dito. Se você fosse minha amiga há mais tempo. Não importava o resto. Snape realmente a estava considerando uma amiga? Snape usara-a para substituir a amizade de Dumbledore? Quanto honra!
Ela terminou a refeição, um pouco transtornada. Deixa disso, Mione, ele falou sem pensar. Mas ela olhou para ele mais uma vez. Ele estava concentrado em seu copo de suco agora. Ela sacudiu negativamente a cabeça. Apesar de negar, um pensamentozinho insistia em martelar em sua cabeça. Snape nunca fala nada sem pensar. Isso era algo que nunca mudara e jamais mudaria. Tudo o que ele falava era cuidadosamente planejado.
Terminaram de comer, mas Snape insistiu que deviam comer a sobremesa. Hermione estava à beira de uma crise de chiliques.
- Ai, eu não era cara-de-pau assim; antes eu me controlaria.
- Ah, então fui eu que deixei você cara-de-pau? – satirizou Snape.
- Não. Eu fui ficando aos poucos.
Comeram a sobremesa e ele levantou-se primeiro.
- Venha; vamos logo para o laboratório.
Ela quase pulou de felicidade e foi atrás dele. Snape não sabia como nem quando, mas tinha começado a sentir vontade de fazê-la sorrir mais. Era tão mais agradável vê-la sorrir que vê-la chorar por sua causa!
A bancada dele estava cheia de anotações e um caldeirão fervia numa ponta. Ela não tirou os olhos da bancada, mas Snape disse:
- Calma, srta. Granger.
- Ahn, professor... – ela sussurrou. – Sei que vai parecer estranho, mas... Olha, durante as aulas continue me chamando de srta. Granger, mas aqui... Sei lá, acabei de almoçar com o senhor; o senhor ficou tirando uma com a minha cara, então... Pode me chamar só de Hermione...
Snape assentiu em silêncio. Fazia já uma semana que vinha pensando no quanto gostaria de chamá-la pelo primeiro nome. Ele não sabia por quê; apenas queria. Ele não sorriu, embora quisesse. Não ofereceria seu nome a ela. Não ainda.
- Mas então já posso ver? Posso? Posso? – ela ficou imitando uma criancinha.
- Por que você está imitando uma criança? - perguntou ele, arqueando as sobrancelhas.
Ela sacudiu os ombros; ele disse:
- Primeiro: você teve participação nisso. Algumas das coisas que você me trouxe para ler foram realmente úteis.
Hermione corou violentamente, mas não disse nada.
- Ah, os seus ingredientes também ajudaram, então... – ele não dizia aquela palavra fazia muito tempo, mas diria agora: – obrigado.
O sorriso que Hermione abriu foi algo estonteante. Por um momento, Snape perdeu a linha de raciocínio e sorriu também. Algo tão corriqueiro, tão simples, mas tão sublime!
Ele logo fechou a expressão de novo – mas bem menos sisudo do que costumava ser – e disse:
- Bom, tive mais tempo para me dedicar à pesquisa, andei me preocupando menos. Ela já estava em estágio bem avançado antes, se você se lembra, e agora... Creio que está terminada.
Hermione deixou cair o queixo.
- Pronta? Mas eu achei que... achei que o senhor tinha feito um grande progresso, mas...
- Eu fiz um grande progresso, Hermione.
A jovem olhou-o. De fato, um grande progresso. Mas a qual dos dois progressos ele estava se referindo: à pesquisa ou a eles?
Hermione sorriu.
- Mas isso é só uma notícia – ele disse. – Eu tinha falado que tinha uma surpresa para você.
- Isso não é uma surpresa? – perguntou ela. – Claro que é; estou tão feliz que...
- Eu disse que tinha uma surpresa para você – interrompeu ele.
Hermione arqueou as sobrancelhas, sem entender, e ele indicou a ponta da bancada oposta à do caldeirão.
Curiosa, ela foi até lá. Havia umas cinco revistas lá com o mesmo tema de capa: imunidade às Imperdoáveis descoberta. Como subtítulo havia a seguinte chamada: o mestre de Poções da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, Severo Snape, e sua estagiária, Hermione Jane Granger, descobriram aquilo que há muito se procura: uma poção de imunidade às maldições Imperdoáveis.
Hermione olhou para ele boquiaberta. Ele olhava para ela com uma semi-incerteza, um pouco ansioso pela reação dela.
A jovem mal tinha palavras. Snape não assumira a descoberta como obra exclusivamente sua.
- Professor, eu... Eu não... eu não o ajudei a descobrir, eu só... Céus, eu só dei uns palpites furados e trouxe uns rabiscos porcos! Nada que pudesse realmente fazer a diferença em algo tão grandioso como...
- Eu disse que você era bem modesta, você diz que não é... – cortou Snape. – Eu não sou o mesmo Snape de antes, eu sei. Não era isso que você estava pesando?
Hermione fez que sim com a cabeça e olhou de novo para as revistas. Eram as mais renomadas do mundo bruxo, em Poções.
- Nossa, eu... não sei o que dizer...
- Você me perdoa pelos anos em que fiz da sua vida um inferno? – perguntou ele, decididamente abandonando momentaneamente a pose de grandiosidade que lhe era habitual.
Hermione não tinha palavras. Snape pedindo perdão. Coisas demais no mesmo dia. Sua cabeça começou a girar.
- Professor, eu... Eu nunca detestei o senhor por ser injusto, não precisava disso...
- Só descobri porque você me deu tempo para isso e me deu idéias. Lançou algumas luzes na direção certa do labirinto. Tudo bem, a idéia foi minha, mas você me ajudou a desenvolvê-la.; se isso é pouco para você, não está no lugar certo, Hermione. E pare de ser grifinória um pouco; tente ser um pouco sonserina!
Ela sorriu para ele.
- Obrigada, professor.
Hermione, meio sem pensar, aproximou-se para abraçá-lo, pegando-o completamente desprevenido. Ele não soube como reagir; suas mãos ficaram no ar enquanto ela o abraçava com força. Ah, não faça isso, Hermione! Tempo demais sem contato com uma mulher; por mais que não tivesse segundas intenções em relação a ela, sentiu os seios delas comprimindo-se em seu peito, a respiração dela em seu pescoço. Ela não tinha feito de propósito, mas, ainda assim, seu corpo teve uma reação indesejada.
Hermione percebeu, porque se afastou imediatamente, talvez um pouco espantada. Pela primeira vez em sua vida, viu Snape desviar o olhar, constrangido, e virar-se para pegar uma capa no cabideiro, colocá-la e fechá-la.
- Desculpe-me, Srta. Granger – ele disse, com a voz mal saindo de tanta vergonha. – Não tive a intenção de... de provocar esse... constrangimento a você.
Srta. Granger. Medo de se aproximar mais. Ela previra que ele poderia estar há muito tempo sem nenhuma proximidade com o sexo oposto, mas estava tão alegre que se esquecera disso por um momento. Não tivera a intenção de provocá-lo.
Snape devia estar vendo seus pensamentos e, sacudindo negativamente a cabeça, disse:
- Não, não é culpa sua, Hermione – ele parecia ter se acalmado. – Você está certa. Sei que não fez de propósito.
Ela corou muito e baixou os olhos.
- Por que o senhor veio olhar os meus pensamentos?
- Tive receio que você me julgasse um velho pervertido – respondeu ele, sem rodeios e sem expressão, mas tão constrangido com a situação quanto ela.
- Ah, não, eu não acho isso! – apressou-se ela a dizer.
Snape fez que sim com a cabeça.
- E o senhor não é velho – acrescentou ela com um sorrisinho amistoso.
Snape assentiu e, para recobrar um pouco de sua dignidade, ignorou o acontecimento.
- Pode levar as revistas; são um presente. Mas tenho algo mais a noticiar.
Hermione ergueu a sobrancelha, curiosa, parecendo mesmo ter esquecido o desconfortável incidente, e esperou-o começar a falar.
Snape foi até um armário e pegou três cartas com diferentes brasões.
- Sabe o que é isso? – perguntou ele, mostrando as cartas, mas não mostrando brasões.
- Se o senhor me deixasse ver... – murmurou ela, com um sorrisinho divertido.
- Recebi várias cartas de várias instituições de ensino especializado na área de Poções, convidando você a fazer vários cursos em vários países – ele disse e ficou internamente satisfeito ao ver o sorriso radiante que ela abriu. – Tomei a liberdade de separar as mais interessantes. É que vieram tantas cartas, e algumas não tão atraentes quanto outras.
- Tantas quanto? – perguntou ela.
- Umas cinqüenta – ele aproximou, mas não tinha certeza. Achava que eram mais.
Hermione deixou o queixo cair.
- Céus, professor! – exclamou ela. – Eu... nossa, eu nunca vou ter como pagar essa dívida com você!
Snape arqueou as sobrancelhas.
- Vamos combinar uma coisa, Hermione: eu aceito que não tenho nenhuma dívida com você e você não começa a achar que tem uma comigo.
- Aha! Agora o senhor viu como é chato isso!
Snape fez que sim com a cabeça.
- Sim, senhor. Trato feito. Ninguém tem dívida com ninguém.
Ela estendeu a mão direita; ele apertou a dela com a sua. Teve um impulso de puxá-la para si, mas conseguiu freá-lo antes que fizesse alguma bobagem. Ficou transtornado com isso; ele conseguia se controlar, mas não sabia por quanto tempo.
Ele não queria magoá-la, não queria fazê-la achar que ela estava ali só para ser a distração do professor solitário. Não era com essa intenção que ele havia permitido uma aproximação. É que de repente viu-se apreciando a companhia dela, cada coisa que ela dizia, que ela fazia, cada vez que ela ria. Aquilo fazia seu coração doer às vezes, e ele tinha medo de confessar a si mesmo o que estava sentindo. Nunca sentira algo parecido antes, mas bem imaginava o que era.
Hermione passou a mão no ar à frente dele, para ver se ele piscava. Os olhos dele voltaram ao foco e ele olhou-a.
- O que é? – perguntou ele, um pouco mais ríspido do que desejaria.
- Nossa, calma – disse ela, sem ao certo saber o que tinha feito de errado. – É que de repente seu olhar se tornou distante... Espero que não estivesse lembrando algo ruim...
Snape fez que não com a cabeça. Algo ruim? Como, se é a melhor coisa que já me aconteceu na vida?
Mas ele não pretendia dizer isso a ela.
- Estava imaginando como sua vida vai ser corrida no ano que vem – mentiu ele. – Com tantas coisas para fazer... Já sabe onde pretende trabalhar?
- Bom, eu... eu sempre sou melhor tratando coisas do que pessoas – considerou ela. – Então, é bem provável que eu queria trabalhar com pesquisas e coisas assim...
- Ah, um dia você terá seus próprios projetos – assegurou ele. E de repente pensou que em quatro meses ela estaria indo embora de Hogwarts. Aquilo fez seu coração apertar de um modo que chegou a doer; ele apoiou-se na bancada.
Hermione correu e parou ao lado dele.
- Tudo bem, professor? – perguntou ela, com uma das mãos nas costas dele e a outra na mesma bancada em que ele se apoiava.
Snape assentiu.
- Acho que é só o cansaço – ele mentiu outra vez. – Tenho trabalhado muitas noites seguidas...
Hermione assentiu e puxou uma cadeira para ele.
- Talvez seja bom beber um chocolate quente – sugeriu ela. – Posso pedir?
- Fora de questão – disse ele. – Acabei de almoçar; não tenho estômago para nada. É só um cansaço momentâneo.
Fosse outra época, ele a teria expulsado da sala aos berros, teria odiado a preocupação dela. Como as coisas mudavam rápido!
Hermione suspirou e puxou um banco para si.
- Que que tá acontecendo, professor?
Severo Snape olhou-a de modo inquisidor; ela explicou:
- Mesmo quando eu não era exatamente a sua aluna preferida, eu conseguia saber quando o senhor estava bem e quando não estava. Mesmo que o senhor não demonstrasse um grama de preocupação, eu via em seus olhos que tinha algo errado. Exatamente como vejo agora. O que tá acontecendo?
Snape suspirou. Até cogitou dizer a ela, mas a idéia logo lhe pareceu ridícula.
- Não tem nada de errado – disse ele levantando-se bruscamente. Passei tempo demais com esses vapores daqui; falta de hábito. Tive um mal estar. Satisfeita?
Hermione cruzou os braços. Não estava, mas não queria discutir com ele para não irritá-lo.
- Se o senhor diz...
Ela se levantou e foi até o caldeirão.
- O que tem aqui?
- Essa é a segunda das poções – esclareceu ele. – A primeira já foi testada e está devidamente anotada.
- Testada? – perguntou ela. – Em quem?
- Adivinhe – disse ele.
- O senhor só pode ser louco! – exclamou ela em tom de reprovação. – E quanto ao que me disse sobre não experimentar nada que não tenha certeza de que está certo?
- Bom, em quem queria que eu testasse? – perguntou ele. E, muito ironicamente, acrescentou: – Professora.
Ela fez uma careta.
- E por quanto tempo ela age no corpo? – perguntou Hermione, curiosa.
- Por volta de 72 horas.
- Quanto tempo faz que o senhor tomou? – insistiu ela.
- 63 horas – disse ele, consultando o relógio.
A jovem sacou a varinha; Snape deu um sorriso no canto da boca.
- Você vai me lançar uma imperdoável?
Hermione fechou a cara ante o deboche dele.
- E desde de quando a correta srta. Granger lança imperdoáveis? – perguntou Snape, ainda ironizando.
- Desde o ano passado – disse Hermione, um tanto cabisbaixa. – Tentei salvar os meus pais, mas minhas habilidades em feitiços não foram suficientes...
Ela sentiu as lágrimas correrem aos seus olhos; Snape olhou para o caldeirão. Não queria vê-la chorar. Não ali. Não naquele momento.
Mas ela rapidamente controlou a tristeza e virou-se para ele.
- Então vamos fazer diferente – sugeriu ela. – Eu bebo a poção e o senhor me lança a imperdoável.
O olhar de Snape correu para ela.
- Quando esta aqui ficar pronta.
Hermione assentiu.
- Bom, já mostrei o que tinha para mostrar – disse ele, cortando o silêncio que começava a se fazer ali. – Agora acho justo você pensar no assunto. Vou pegar todas as cartas para você e você decide o que lhe interessa.
- Acho que o senhor já teve o trabalho de separar as mais interessantes – disse Hermione gentilmente. – Pode pegar aí as que o senhor selecionou. Vou aceitar seus conselhos.
Snape assentiu e entregou a ela o que ela pedira. Um pouco indecisa se teria autoridade o bastante para o que pretendia, ela disse:
- Obrigada, professor.
E deu um beijo no rosto dele, corando um pouco e se afastando logo para a sala de estar.
Snape não ficou irritado por pouco. O que ela achava que estava fazendo, brincando desse modo com ele?
Mas, quando foi à sala de estar, viu-a à porta, com uma expressão quase inocente.
- Desculpe, professor – disse ela, por fim. – Não fique bravo comigo. Eu só queria agradecer... E dizer que o senhor pode encostar em mim; eu não sou nociva como posso parecer.
Não é bem essa a questão, Hermione, pensou ele.
Ela se despediu e saiu do lugar.
Snape votou ao laboratório e olhou o caldeirão. Não queria afastá-la de si, mas precisava. Não queria fazer nada de errado. Não queria ofendê-la. Teria que dar um jeito de fazê-la aparecer menos vezes, por mais que seus pensamentos – e seus sentimentos – quisessem o contrário.
Ela provocava não só seu corpo, mas seu coração. Ele lutava muito para não admitir, mas acabaria cedendo à verdade logo.
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