O retorno do Eleito
Durante a tarde, Edwiges voltou de sua habitual caçada, com um rato no bico e uma carta amarrada à pata. Fez um vôo rasante sob a janela de Harry, que levantou os olhos de seu pergaminho, onde escrevia uma redação sobre as invasões bárbaras no mundo bruxo, e avistou a coruja muito alva brilhando no céu ensolarado de verão. Percebeu que ela carregava algo e seu coração acelerou. Será que enfim a Ordem resolveu quebrar o silêncio das férias para explicar a Harry o que estava acontecendo? Talvez eles quisessem chamar o garoto para um combate iminente! Afinal, ele não sabia mesmo o que andava acontecendo no mundo dos bruxos desde que terminara o ano letivo em Hogwarts. Pelo menos dessa forma, talvez, ele pudesse vingar aquilo que martelava em seu peito, aquela lembrança que o fazia engolir em seco cada vez que se lembrava dos acontecimentos no Ministério da Magia. Harry jurou para si mesmo que se vingaria de Belatrix Lestrange, e ela passou a quase que fazer parte da própria profecia que ele sabia que deveria cumprir. Seu coração ficava cada vez mais oprimido por essas lembranças, e a raiva era quase tão forte quanto a dor.
Harry observou, com os olhos quase cerrados por conta do sol forte, o pouso de Edwiges no parapeito da janela. Ele desamarrou a carta da pata da coruja e percebeu o símbolo de Hogwarts: as quatro casas com a águia, o leão, a serpente e o texugo e a frase Drago Dormiëns Nunquan Titillandus. “Nunca faça cócegas em um dragão adormecido” – pensou Harry. E aquela frase fazia todo o sentido para o momento pelo qual ele passava, muito embora ele não tivesse feito cócegas no dragão voluntariamente. A coruja bicou levemente a mão de Harry, como que para agradecer, e foi se encarapitar na gaiola para degustar seu jantar. O bruxo, que antes estava empolgado, agora havia se conformado ao abrir a carta e perceber, olhando rapidamente, que aquela era a lista de material escolar para o sexto ano de Hogwarts. Mas, enrolado junto com o pergaminho para as compras no Beco Diagonal, vinha uma carta de Dumbledore, avisando que ele iria buscar Harry. “Buscar?” - Harry leu novamente a carta várias vezes, tentando compreender o que havia naquelas palavras, tentando em vão descobrir porque Dumbledore viria até a casa de seus tios trouxas para buscá-lo. O que poderia estar acontecendo? Algo de muito grave, o menino supunha, pois Dumbledore não perderia seu tempo. Ele era um homem muito ocupado, o maior bruxo de todos os tempos, e ele viria buscar Harry. Dali a duas semanas.
A correspondência, que dera uma esperança momentânea a Harry , agora enchia-o novamente de perguntas. Não conseguiu esclarecer suas dúvidas, nem tampouco saber onde se encontravam os membros da Ordem nesse momento. Apenas sabia que Dumbledore viria buscá-lo. Dali a duas semanas.
Foi como se o tempo de repente resolvesse não passar. Demorou muito até que o dia chegasse. Mas enfim chegou, e a situação não foi nada agradável. Harry se esqueceu de avisar os Dursley, e a recepção, claro, não foi nada agradável. Mas Harry descobriu, enfim, qual era o assunto que Dumbledore queria tratar com ele: aulas particulares. E nada de aulas de Oclumência com Snape, “Professor Snape, Harry” – dissera Dumbledore milhões de vezes. Mas sim aulas exclusivas com o diretor de Hogwarts em pessoa. Harry arrumou seu malão, que na verdade estava uma verdadeira bagunça, pois ele não tinha acreditado realmente que Dumbledore viria. Quando conseguiu fechá-lo e sair livremente para o ar fresco da noite, sentiu que jamais voltaria para a casa dos Dursley. Apesar de Dumbledore dizer que a proteção mágica sobre aquela casa só iria expirar quando Harry atingisse a maturidade do mundo bruxo (aos 17 anos), ele sabia que não iria voltar a ver os tios. Não entendia de que forma, nem como, mas olhou para trás para divisar pela última vez aquela que fora sua moradia durante anos, mas nunca fora o seu lar.
Harry não sabia aparatar e nem tinha permissão para isso, mas Dumbledore fez com ele uma aparatação acompanhada. Foi a primeira vez que Harry viajou dessa forma, o que fez o garoto pensar como preferia as vassouras. Suas experiências de viagem tinham sido todas um tanto quanto dramáticas: com o Pó-de-Flu, pelas lareiras, Harry foi parar na Travessa do Tranco, mais precisamente na Burgin & Burkes, em seu segundo ano. No quarto ano, para ir ao Campeonato Mundial de Quadribol, quase vomitara as tripas quando viajou com a chave-de-portal, vulgo bota-velha-e-rasgada, e ficou com dor nos quartos durante o campeonato inteiro pela queda. Agora a aparatação, que deu a Harry a impressão de que ele havia sido sugado por um cano ou enfiado a força dentro de uma mangueira. Portanto, não era de se estranhar que ele preferisse mesmo viajar de vassoura. Depois de passar na casa de Slughorn, o novo professor de Hogwarts que Harry ajudara a contratar, eles se dirigiram para a Toca.
Ao chegar, Harry se sentiu quase em casa. O mundo bruxo era seu lugar, ele sabia disso. E a forma como ele era tratado, como se fosse da família, mas sem cabelos ruivos, fazia com que a sensação aumentasse ainda mais. Enfim, ele estava em seu habitat, e teria muito o quê conversar com todos para tirar o atraso.
Gina acordou sobressaltada. Ouviu o barulho de alguém aparatando nos jardins da Toca e seu coração podia quase dizer com clareza que se tratava de Harry. Ela sabia que o garoto estava para chegar, trazido por Dumbledore. Gina estranhou porque seus pais não quiseram contar a ela e seus irmãos porque o diretor de Hogwarts iria buscar Harry na casa de seus tios. Mas Gina imaginava que deveriam ser sérios os motivos para isso. Talvez Harry estivesse em perigo e só Dumbledore pudesse ajudá-lo. Várias preocupações se passavam na cabeça da ruiva, e não seria possível resolver nenhuma delas no momento, pois caso se levantasse de sua cama e fosse correndo até a cozinha onde provavelmente Molly estaria servindo o jantar a Harry, ela correria o risco de dar na cara que estava preocupada com ele. E não podia fazer isso. Não podia demonstrar, não podia deixar o trabalho de três anos se desfazer só porque a coisa estava ficando cada vez mais perigosa e complicada para o lado de Harry.
As orelhas extensíveis de Fred e Jorge haviam sido muito úteis para escutar pedaços de reuniões da Ordem nos meses anteriores. Mas depois das últimas ocorrências no Ministério, a Ordem não havia se reunido mais. Gina imaginava que agora todo o cuidado era pouco para discutir assuntos relacionados Àquele que-não-deve-ser-nomeado. Afinal, seus seguidores estavam voltando aos poucos, e dessa vez eles não eram movidos pela Maldição Imperius. Alguns voltavam por medo, mas Gina sabia que muitos voltavam porque simplesmente acreditavam no poder do Lord das Trevas. Ela não se surpreendia com isso. Era inegável que sua alma era forte, poderosa e bastante atraente. Ela sabia disso, pois quando ele se apossou de sua alma por meio de uma lembrança do seu eu de 16 anos, encerrada no diário, ele também acabou mostrando uma parte de si. E aquele Tom Riddle que Gina conheceu sabia como ser astuto, elegante, educado e muito, muito sedutor. A ruiva chegou a pensar, sem saber de quem se tratava, que Tom Riddle teria sido um namorado perfeito. Ela chegou a compará-lo com Harry, achando-os bem parecidos naquela vontade de ser corajoso, de lutar, de se afirmar perante as pessoas que não acreditavam nele. Afinal, Tom Riddle também era órfão e fizera de Hogwarts o seu lar, assim como Harry. Mas quando Gina se deu conta do que o diário estava fazendo com ela, descobriu que as características que uma pessoa guarda dentro de si podem ser até parecidas, mas a forma como você as usa, para o bem ou para o mal, mostra verdadeiramente quem você é. Sábias palavras de Dumbledore.
Gina se levantou da cama e, pisando suavemente, foi até a escada. Suas suspeitas se confirmaram quando avistou Molly conversando com Harry na cozinha. Eles estavam de costas para a escada, e Gina via os cabelos muito pretos de Harry espetados no alto da cabeça. Como ela gostaria de poder passar a mão suavemente neles, acariciar um Harry que era tão forte, mas que ao mesmo tempo parecia tão frágil. Ela sabia que Harry não gostava mais de Cho Chang, e isso era um alívio. Mas ao mesmo tempo, fazia com que Gina criasse ainda mais esperanças em relação a um possível relacionamento com ele. E quanto mais esperanças a ruiva criava, menos coragem ela tinha para tentar algo. Ela se sentia estúpida, idiota e vários outros adjetivos que seria melhor nem citar, quando se tratava de Harry.
Permaneceu mais um tempo ali, como que hipnotizada pela cena, até que uma frase de Molly acordou-a do transe.
- Vamos, Harry, querido, você pode descansar um pouco no quarto dos gêmeos. Fred e Jorge agora estão dormindo numa quitinete em cima da Gemialidades Weasley, no Beco Diagonal. Não que eu me sinta muito satisfeita com a atitude deles, mas o que eu posso fazer? Eles já são bruxos maiores de idade, não é mesmo?
E Harry acompanhou Molly pelo corredor do quarto dos gêmeos. Gina espiava pela fresta da porta, mas precisou fechá-la quando eles se aproximaram demais de seu quarto. O problema é que a porta velha havia rangido, mas sua mãe sequer olhou para o lado. Quem pareceu ter percebido alguma coisa foi Harry, que provavelmente andava bem astuto ultimamente, com os ouvidos e olhos aguçados para qualquer movimento diferente, imaginou Gina.
Difícil foi adormecer depois disso, sabendo que o garoto estava no quarto dos gêmeos e que teria que esperar até amanhecer para conversar com ele. Gina não andava satisfeita com o movimento da casa. A menina gostava muito de Fred e Jorge, mas agora eles não moravam mais na Toca. Gina era uma espécie de discípula sagaz dos gêmeos, pois tinha herdado deles o mesmo bom humor e o jeito brincalhão de ser. Mas era também muito corajosa, sabia o momento de agir e lutar por aquilo que queria, como uma boa bruxa Grifinória deve ser. No entanto, sua coragem desaparecia por completo quando se tratava de Harry. Ela não conseguia explicar os motivos, além de saber que jamais o esquecera. E nem esqueceria. Gina já tinha lido muitos romances bruxos de autores consagrados, e sabia que havia encontrado sua alma gêmea. Ela tinha uma ligação com Harry que ia além dos limites do explicável, tanto que sabia quando ele estava em apuros, e era capaz até mesmo de sentir dor quando ele sentia. Gina não havia contado a ninguém, mas também acordou assustada na noite em que seu pai havia sido atacado no corredor de Mistérios do Ministério da Magia. Ela sabia que algo havia acontecido, mas não com tantos detalhes como Harry. Mais tarde, ela descobriu que Harry presenciou toda a cena da cobra mordendo Arthur, coisa que ela não havia visto. Mas ela sentiu cada pulsação, cada impulso de adrenalina correndo pelo corpo dele. E foi assim durante todo o tempo em que permaneceu na sala comunal, acordada, enquanto aconteciam aquelas coisas terríveis no Ministério.
Enfim, a vontade foi maior que o bom senso. Gina se levantou da cama, vestiu o robe azul royal pendurado na cabeceira, prendeu os cabelos e pensou em calçar os chinelos. “Melhor não, faço menos barulho indo descalça” – decidiu assim e saiu, pé ante pé, tentando fazer a porta ranger o mínimo possível. “Droga de porta velha!” – saiu do quarto reclamando consigo mesma e achou melhor deixar a porta aberta para fazer menos barulho quando voltasse. Sorte que o quarto dos gêmeos era logo ali ao lado, não precisaria caminhar pelas tábuas soltas do assoalho da Toca. Ao se aproximar da porta, o coração da ruiva batia descompassado e ela poderia jurar que iria acordar a casa toda com o barulho. Ficou parada por um tempo, examinando as nervuras da madeira e tentando pensar o que faria se Harry de repente acordasse e desse com sua presença no quarto. Mas agora não era hora para medos, afinal, ela já havia percorrido mais da metade do caminho. Por que deixar de ver o rosto que poderia significar um alento para a noite de sono? Ou simplesmente mais insônia...
Num ímpeto, abriu a porta rapidamente. Harry dormia um sono agitado, a testa suada e a cicatriz brilhando com o fino feixe de luz do luar que incidia sobre a fronte do bruxo. A cena era, ao mesmo tempo, maravilhosa e perturbadora. Gina sabia que Harry não dormia bem há muito tempo, Hermione sempre mencionava os pesadelos do menino como sendo assombrosos e responsáveis por diversas madrugadas insones, olhando o pouco movimento pela janela da torre da Grifinória. Mas Gina nunca havia presenciado tal cena. Aliás, esse era o momento de maior intimidade que já havia compartilhado com Harry Potter, mesmo que inconscientemente para ele. Ela ficou ali, parada, hipnotizada, até que Harry soltou um gemido e ela saiu correndo de volta para seu quarto.
Soltou-se na cama com um baque surdo e se deixou ficar, a ruminar idéias, com a cabeça fixa na cena de seu eleito adormecido. Gina também tinha achado ridículas as maluquices do Profeta Diário no ano anterior. Mas era obrigada a concordar que o termo “o eleito” servia perfeitamente para designar o que Harry representava para ela. Não haveria outro. Era Harry, e se não fosse, Gina preferia uma vida solitária e sem amores.
Foi quando se lembrou da primeira pessoa para quem confidenciou o segredo: Tom Riddle. Novamente, na mesma noite, Gina estava pensando nele. Havia algum tempo que tinha lembranças estranhas sobre os episódios daquele período de sua vida, e alguns sonhos com Riddle também. Ele não era de todo mal... talvez se alguém o tivesse amado de verdade, tivesse oferecido carinho, amor, cuidados, ele não teria se transformado num bruxo das Artes das Trevas. Nós podemos cometer loucuras em nome do amor, mas também pela falta dele. Era assim que Gina via o inteligente Tom Riddle: um garoto estupendo, um talento real, desperdiçado pela falta de amor. Antes de saber de quem se tratava, Gina confidenciara seu amor por Harry Potter ao diário, contando detalhes de como o achava maravilhoso, como ele era corajoso sem nem ao menos perceber. Achava bonito o jeito como ele era destemido, meio que avesso às regras, assim como ela. Pensava em ter filhos com ele. Imaginava quais seriam ruivos e quais teriam os cabelos pretos e espetados do pai. Escrevia fervorosamente seus planos de conquista no diário, e Tom Riddle guardava tudo. Agora ela sabia para que: machucar Harry. Riddle obtinha informações sobre Harry por meio de Gina. Ela lhe contou sobre a forma como ele fora acusado de açular a serpente contra um aluno no Clube dos Duelos. Riddle descobriu que Harry era ofdioglota por intermédio de Gina. O Lorde das Trevas sabia o quanto Harry era importante para a ruiva, e ela se culpava por isso todas as noites, tanto que continua se afastando do único homem com quem poderia ser feliz de verdade. Para preservá-lo do perigo de ter Gina Weasley como mulher.
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