Lareiras, lágrimas e sangue
- Ai! Ai!
Com a pressa de aparatar o mais rápido possível e o jeito desastrado de sempre, Tonks e o trio acabaram caindo em cima de um balanço, numa praça em frente ao local onde ficava a “mui antiga e nobre casa dos Black”. Rony fora, sem dúvida, o mais azarado: ficara pendurado na haste superior do brinquedo pelo blusão, agora rasgado. Hermione e Harry caíram de cara na terra batida e Tonks, sentada num dos balanços molhados por uma estranha neblina. Era aquele fenômeno climático que Harry sabia não ser natural, mas sim provocado pelos dementadores rebelados de Askaban.
- Todos estão bem? – perguntou Tonks, levantando-se e tirando o pó da capa com uma das mãos, enquanto empunhava a varinha com a outra. – Nada de cuidados agora, precisamos estar em constante vigilância. – respondeu ao ver o olhar indagador de Harry em relação a varinha nas mãos dela em um local habitado por trouxas em plena luz do dia. Harry lembrou-se de Olho-Tonto Moody e achou que Tonks aprendera bem a lição do auror.
O Largo Grimmauld não era um local muito habitado. A sujeira espalhada pelo chão e as paredes pichadas davam a rua um aspecto perigoso, que os trouxas não gostavam. O trio acompanhou Tonks até a parede descascada que ficava entre a construção de número 11 e a de número 13. Harry precipitou-se a frente e murmurou quase como um mantra:
- A sede da Ordem da Fênix fica no Largo Grimmauld, número 12, Londres.
Os degraus negros se materializaram na frente do grupo, e a porta de madeira envelhecida apareceu diante de seus olhos. Estava entreaberta. Ao entrar, respiraram o ar modorrento e Hermione não conseguiu sufocar uma tosse abafada. Harry não podia acreditar que estivesse de volta àquela casa. Não depois de perder o padrinho. A casa que fora de Sirius e Harry herdara ainda estava enfestada de resquícios de artes das trevas. Será que Monstro, o elfo doméstico, ainda morava ali? Com os últimos acontecimentos, Hermione parecia ter se esquecido do Fale – Fundo de Apoio a Libertação dos Elfos. Havia coisas muito mais importantes e urgentes a se pensar. Mas Harry não gostaria de dar de cara com Monstro. E a este pensamento se seguiu o guincho horrível do elfo doméstico, que fazia comentários mordazes como se não tivesse percebido que alguém adentrara a casa.
- Sangues sujos... traidores do próprio sangue... escória da humanidade... aqui na nobre casa da minha senhora outra vez. Ah, o que diria minha senhora, por Merlim! Mas agora... agora aquele traidorzinho, filho detestado da minha senhora foi embora para sempre. Sim, ele foi, Monstro ouviu, ele não está mais em Askaban, foi embora para sempre e agora... Senhor, Harry Potter, senhor! O que monstro pode fazer pelo senhor, menino Potter, traidor do sangue, isso sim.
Monstro batera no joelho de Harry, que agora era seu dono. Se havia algo no mundo que o bruxo não gostaria de ter herdado era aquele elfo. Ao ver o grupo, Monstro parara abruptamente de falar, como se só tivesse notado a presença deles ali depois de dizer todas aquelas besteiras. Mesmo sabendo que devia obediência a Harry agora, ainda xingava o garoto entre dentes sempre que podia. Sem se importar com a criatura, Harry deu uma olhada geral pela casa, que estava às escuras. Parecia desabitada a algum tempo, talvez a Ordem não tivesse realizado mais suas reuniões por lá. Harry não conseguia se lembrar de nada que Dumbledore tivesse dito sobre a Ordem no ano anterior. Na verdade, o diretor e ele estavam tão absortos em descobrir o máximo de informações possíveis sobre as horcruxes de Voldemort que Harry nem tivera a curiosidade de saber como andavam as atividades da Ordem.
Tonks rumou para a cozinha, não sem antes fechar a porta de entrada e lacrá-la com um feitiço de imperturbabilidade. Ela parecia mais animada depois de resolver seus problemas com Lupin. Harry subitamente se lembrou do professor. Onde estaria ele agora? Ainda espionando os lobisomens? Harry pensou em como isso deveria ser um trabalho ingrato, mas Lupin, afinal, também era um deles, embora sua alma fosse bem diferente. E agora Gui Weasley também tinha traços lupinos por conta do ferimento que adquirira durante a última batalha em Hogwarts. Talvez Gui tivesse sido escalado para ajudar Lupin agora que podia ser meio lobisomem também.
A cozinha estava ainda mais escura e imunda que a sala de entrada. Tonks conjurou e acendeu algumas velas, deixando-as dispostas nos archotes com formato de serpente que pendiam das paredes. Depois, sentou-se e olhou para Harry com censura, mas sem perder o ar brincalhão que só alguém com cabelos verde-limão poderia ter. De Harry, lançou o mesmo olhar para Hermione e Rony, sentados ao lado.
- Muito bem. Nós fazemos de tudo para cuidar de vocês, e vocês resolvem simplesmente abandonar o barco seguro e sair remando num bote sozinhos? – disse ela, com a voz ligeiramente baixa. – Não consigo entender o que se passou pela sua cabeça, Harry. Achou que a Ordem, depois de tantos planos para te proteger, abandonaria você no momento mais difícil da batalha? Não é porque Dumbledore... (e nesse momento, Tonks engoliu em seco, Rony pigarreou e os olhos de Hermione se encheram de lágrimas) ...se foi, que deixaremos de estar ao seu lado, Harry! Você tem noção do perigo em que se meteu?
Harry não queria discutir se agira certo ou errado. Sabia que aquela batalha era dele e de mais ninguém. Dumbledore lhe dera as armas que precisava no ano anterior. Estava cansado de gente se arriscando e se metendo em perigos por causa de sua vida. Mas a este pensamento egoísta se seguiu um outro, mais forte: a Ordem da Fênix não lutava apenas pela vida de Harry, mas lutava para deter o avanço de Voldemort rumo ao poder. Apesar de isso fazer Harry compreender a repreensão de Tonks, não o fazia se sentir melhor. O peso da morte que provocara momentos antes permanecia em seus ombros com força total.
- Tonks, eu matei uma pessoa – foi tudo que Harry conseguiu murmurar.
A conversa se encerrou por ali. Tonks achou que era melhor que eles dormissem até receber novas instruções. Ela sabia que teriam trabalho a fazer. Mas antes que pudesse rumar para os quartos, Harry perguntou de chofre, como se tivesse acordado de um sonho ruim naquele exato momento.
- Onde está a taça?
- Está comigo, no bolso das minhas vestes – respondeu Tonks, apalpando o local com a mão. – E vai permanecer aqui até que eu possa descobrir o melhor jeito de destruí-la. Isso tem magia das trevas poderosa, e precisamos ter cuidado ao lidar com ela.
Para Harry, aquela foi uma noite de trégua em que conseguiu conciliar o sono, coisa que não fazia há dias. E as semanas seguintes também foram marcadas pela calmaria. Tonks saia pela manhã e o trio permanecia em casa. Aos poucos, tentavam tornar o Largo Grimmauld novamente um local habitável. Monstro não facilitava o trabalho. Mas a quantidade de objetos que ainda havia na casa era bem menor se comparado a primeira limpeza que a Ordem havia realizado por lá. Em compensação, o pó tomava conta da mobília e do chão.
Depois de algumas semanas sozinho na casa com os dois amigos, Harry começou a se sentir impaciente. Estava de novo encalhado, sem notícias do que acontecia no mundo bruxo. Mesmo com a assinatura do Profeta Diário, não dava para saber muita coisa. E o grande problema de não ter muito o que fazer era que Harry se pegava constantemente pensando em Gina. Ainda mais pelo fato de que Rony e Hermione vinham se entendendo perfeitamente bem. Claro que os dois amigos não deixavam Harry sozinho um só minuto, mas talvez esse fosse um dos problemas. Ele se sentia como se precisasse de babás todas as vezes em que Tonks chegava e, mais uma vez, dizia para Rony e Hermione, entre dentes, ficarem de olho no amigo. O que havia de errado afinal? Era como se Harry fosse uma criança mimada e irresponsável, e não um adulto que precisava enfrentar uma maldita profecia e acabar com a ameaça das trevas ao mundo bruxo! Isso o irritava, e a vontade de falar com alguém que o compreenderia fazia com que o tempo todo ele desejasse entrar em contato com Gina.
Os dias passaram todos com a mesma cara, até que numa tarde gelada a campainha do Largo Grimmauld ribombou pela casa. Logo a mãe de Sirius estava berrando numa voz esganiçada “Traidores do sangue, escória da humanidade, sangues ruins manchando o sagrado lar dos meus antepassados” e blá, blá, blá. Hermione correu para atender a porta, enquanto Rony e Harry precipitaram-se para as cortinas afim de calar a senhora Black. Enquanto isso, Arthur e Molly Weasley adentraram a sede da Ordem. O coração de Harry disparou ao ouvir Hermione conversando com o casal no andar de baixo. Largando Rony a meio caminho de fechar as cortinas, com a mãe de Sirius ainda retinindo em seus ouvidos, Harry correu na esperança de encontrar Gina. Decepcionou-se a meio caminho do saguão de entrada da mansão, quando percebeu que a ruiva não acompanhava os pais. A senhora Weasley, sem perceber a decepção de Harry, precipitou-se para ele e o envolveu num longo e triturador abraço.
- Harry, querido! Estávamos tão preocupados! E você, Rony, meu filho! Como faz uma coisa dessas com seus pais, menino?
Rony vinha descendo as escadas exausto, o suor escorrendo pela fronte na tentativa insana de fechar a cortina para calar a mãe de Sirius. Foi igualmente envolvido no abraço da senhora Weasley, que continuava ralhando com ele. Harry só conseguia se perguntar porque Gina não havia acompanhado os pais, e não foi capaz de se conter, apesar da tentativa discreta:
- Senhora Weasley, está tudo bem com o pessoal? Fred, Jorge, Gui... Gina? – e Harry enfatizou demais o nome da menina, de um jeito que o fez se sentir tolo.
- Gina foi para Hogwarts, querido.
E um bolo desceu pelo estômago de Harry, Rony e Hermione ao mesmo tempo. Hogwarts reabrira, então! Será que Neville e Luna também estavam em Hogwarts? E o trio não havia concluído o curso da Escola de Magia e Bruxaria. Como seria depois? Bruxos não formados conseguem empregos? Ou eles teriam que trabalhar em locais inferiores por causa disso. Não, não podia ser, com toda a experiência que tinham, não podiam considerar apenas a formação intelectual e não a prática. Será que teriam chances de voltar aos estudos depois que... bem, depois que tudo se resolvesse? Hermione tinha os olhos marejados de lágrimas, mas tentou se manter impassível. Harry imaginava que o sonho de ser auror estava caminhando para longe. Mas afinal, o que eles eram naquele momento? Aurores mirins, afinal, pois estavam caçando o Lord das Trevas mesmo sem estar vinculados ao Ministério da Magia. E Harry pensou com amargura que não fazia mesmo a menor questão de se vincular a eles.
A noite caiu e o casal Weasley acompanhou o trio e Tonks no jantar. Rony tentou perguntar sobre o resto dos membros da Ordem, mas a resposta foi evasiva. Disseram que cada um tinha uma importante missão a cumprir, e Harry engoliu em seco, contrariado, porque eles queriam continuar a esconder as coisas dele como se ele não fosse maior de idade. Alegando um sono repentino, Harry resolveu subir para o quarto no primeiro andar. E qual não foi a surpresa do garoto ao se deparar, na janela, com a figura alva de Edwiges, sua coruja. Precipitando-se para ela, Harry afagou a penugem da ave e percebeu que havia um pequeno pergaminho no pé que ela estendia. Era um bilhete, e o coração de Harry pareceu inchar e palpitar com mais força no peito quando reconheceu a letra redonda, meio desleixada e caída para a esquerda.
“Harry,
Estou em Hogwarts. As coisas estão estranhas por aqui, muita gente não voltou. Sei que mamãe vai visitá-lo, mas não sei onde você está, ela não quis me contar. Envio Edwiges na esperança de que ela possa encontrar você, para dizer que eu te odeio por ter me abandonado, mas te amo cada dia mais, tanto que seria capaz de morrer por você. Por favor, mande-me notícias suas, e daqueles desnaturados Rony e Hermione.
Inteiramente sua,
Gina”
Edwiges olhava para o rosto do menino de um jeito indagador, como se esperasse uma resposta para levar a Gina. No entanto, Harry não podia correr o risco de que a coruja fosse interceptada por algum Comensal, denunciando assim seu paradeiro a Voldemort. Mas como responder e deixá-la mais aliviada? Num estalo, Harry se lembrou do jeito como falara com Sirius quando ele estava no Largo Grimmauld: lareiras! Era provável que a Rede de Flu continuava sendo vigiada, mas Harry precisava arriscar. Mandou um bilhete a Gina, sem assinatura, marcando um horário para a noite do dia seguinte, na lareira do salão comunal da Grifinória. Depois de despachar Edwiges, não sem antes retribuir o serviço com um petisco para corujas, Harry deitou-se na cama e adormeceu instantaneamente com o bilhete de Gina entre as mãos.
No dia seguinte, Harry checou as proximidades da lareira e encontrou o que precisava para o prodecimento. O Pó-de-Flu que havia na casa dos Black era bastante velho, e Hermione temia que Harry tivesse algum problema de respiração com ele. Mas o bruxo estava disposto a arriscar, precisava falar com Gina. Dizer a ruiva que estava bem, e mais ainda saber como ela estava e como andavam as coisas em Hogwarts. Foi como se aquela vida estivesse anos luz distante da que Harry levava agora. Eles precisavam despistar Tonks, pois ela passava as noites no Largo Grimmauld com eles. Mas isso não seria uma missão difícil, pois Tonks tinha o sono pesado e dormia no quarto com Hermione. Sendo assim, ficou combinado que a garota avisaria Harry caso Tonks acordasse. Ela utilizaria os galeões falsos que esquentavam, antiga forma de comunicação da Armada de Dumbledore que ela guardava com carinho.
Depois do jantar, ficaram na sala conversando antes de ir dormir. Tonks parecia cansada, e Hermione, aproveitando a deixa, disse que gostaria de dormir. Harry ficou esperando o barulho da porta e também se recolheu aos aposentos do primeiro andar. Fechou-se no quarto com um Rony ainda acordado, e ficou esperando pelo horário que havia combinado com Gina. Rony avisara o amigo que todo o cuidado era pouco, afinal Aquele-que-não-deve-ser-nomeado (e o ruivo insistia em não falar o nome de Voldemort) poderia ter outros jeitos de saber onde eles estavam. Faltando cinco minutos para o horário combinado quando Harry desceu as escadas com cuidado, sem calçar os tênis para não fazer barulho. Chegou à lareira, ajoelhou-se e jogou o Pó-de-Flu, que produziu as características chamas verdes. Colocou apenas a cabeça na lareira, mantendo os joelhos firmes no piso gelado da sala da mansão Black. Ao murmurar “Salão Comunal da Grifinória, Hogwarts”, sua cabeça começou a rodar, primeiro lentamente, depois acelerando sem parar até que Harry sentisse vontade de vomitar. Não se lembrava mais de como era a sensação de ter a cabeça viajando pela lareira enquanto os joelhos permaneciam pregados no chão de pedra da mansão dos Black. As cores misturadas perderam o foco e quando este voltou, Harry parou de girar e conseguiu enxergar além da lareira. Gina ressonava suavemente na poltrona a frente, vencida pelo sono. Harry olhou em volta, certificando-se de que não havia mais nenhum aluno no local, e chamou com carinho:
- Gina....
- Harry! Nossa, Harry, eu... – e Gina não pode reprimir um enorme bocejo que interrompeu sua frase. A ruiva levantou da poltrona e caminhou para a lareira – Eu estava te esperando. Mas de repente, fiquei tão cansada. Tenho me sentido assim constantemente, como se algo estivesse sugando minhas energias.
Harry ficou pensativo enquanto Gina fazia uma pequena pausa.
- Mas aqui em Hogwarts estão todos tensos. Não estranho que eu esteja cansada, as aulas andam puxadas e muito teóricas. Bem ao estilo de nossa nova diretora, Professora McGonagall. Muitas pessoas não voltaram, acho que preferem estar com suas famílias agora que... bem... que a batalha está iminente (e nesse momento os olhos da ruiva se encheram de lágrimas, que ela tentou em vão esconder). Mas eu quero saber de você, Harry! Onde você está?
Havia um tom de urgência na voz da ruiva que não combinava com as lágrimas. No entanto, Harry não encarou isso como um problema. Gina deveria estar passando por uma pressão tão grande quanto a dele, com os pais, irmãos e Harry envolvidos em tantos problemas que ameaçavam constantemente suas vidas.
- Agora estou no Largo Grimmauld, Gina. Mas já passei por outros lugares desde o dia em que saí da Toca. Ainda tenho muito o que fazer em relação às horcruxes, mas já fiz progressos. Tonks encontrou-nos num momento delicado, e estamos há algumas semanas na sede da Ordem.
- Entendo... sei também que você não pode me dar muitos detalhes destes outros lugares por onde passou, não é? – o tom de urgência continuava.
- Melhor não, Gina – Harry começou a se sentir um tanto inquieto com a voz diferente da menina. – Vamos esperar até que nos encontremos, até que eu tenha resolvido tudo e possa te ver em segurança.
- Ok. Eu espero... – e nesse momento os olhos da ruiva se perderam em algum ponto indefinido a direita, que Harry não conseguia enxergar.
- Gina, você não quer saber sobre seu irmão? Hermione?
- Ah, sim, Harry! Como eles estão? – e agora parecia que a ruiva voltava a si, o tom de voz normal de novo.
- Eles estão bem também. Eu não queria que tivessem vindo, pois não gostaria de colocá-los em perigo. Mas eles me ajudaram bastante, tem sido ótimos companheiros. E estão juntos agora, resolveram assumir que se amam ao invés de ficar constantemente brigando.
- Que legal, Harry! – e os olhos de Gina brilharam levemente – Agora Hermione deve estar feliz de verdade!
- Sim... ambos estão – e agora era a voz de Harry que se tornara diferente, soava um tanto melancólica. – Gina, tenho que ir, não quero que ninguém nos veja conversando assim. Estou com saudades de você. Mas quero que me prometa que não vai se arriscar por mim, entendeu? Prometa, por favor.
- Prometo – e os cabelos da ruiva balançaram de um lado a outro. – E eu te amo!
- Também te amo Gina. Finite Encantatem.
A cabeça de Harry voltou a girar, o vermelho dos cabelos de Gina misturaram-se ao restante das cores do salão comunal, depois ao verde das chamas produzidas pelo Pó-de-Flu, e no momento seguinte Harry tossia, ajoelhado em frente a lareira coberta de cinzas. O bruxo se levantou, caminhando lentamente rumo ao quarto no primeiro andar. Agora pensava em todas as outras coisas que gostaria de ter perguntado. Ele não sabia quem era o novo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas. Também poderia ter perguntado sobre Hagrid, embora ele tivesse certeza que o meio-gigante não estava em Hogwarts. Ao entrar no quarto, viu Rony enrolado nas cobertas, dormindo com a boca aberta. Os cabelos vermelhos, precisando de um corte, se espalhavam pelo travesseiro branco. Harry lembrou-se do cabelo de Gina. E deitou a cabeça na cama, muito embora soubesse que demoraria a conciliar o sono.
Os dias no Largo Grimmauld continuavam parados demais. Agora os membros da Ordem tentavam novamente proteger Harry e evitavam que o garoto recebesse informações sobre os acontecimentos externos. Harry se sentia exatamente como Sirius, quando todos estavam trabalhando e ele ficara trancado na mansão que fora de seus antepassados. Rony e Hermione estavam insuportavelmente juntos e quietos agora, e Harry não queria ficar muito junto com eles. Percebia que os amigos achavam melhor permanecer escondidos enquanto os adultos cuidavam de tudo. Apesar de irritado, não os culpava. O trio já havia passado por perigos demais e a batalha contra os Comensais da Morte estava cada vez mais próxima. Não era de se estranhar que eles preferissem adiar o momento da luta. Mas Harry sabia que aquela batalha era sua. Ele precisaria vencer Voldemort. Não adiantava contar com a ajuda de ninguém, não era uma questão de egoísmo ou de auto-suficiência. Era questão de fazer aquilo que precisava ser feito.
A manhã do primeiro dia de outubro chegou como mais um dia para um Harry que já não suportava o ostracismo e a falta de notícias do mundo fora do Largo Grimmauld. Mas nada poderia prepará-lo para o que aconteceria ao anoitecer. O dia fora cansativo porque, antes de sair da casa, Tonks tropeçara no porta guarda-chuvas com formato de perna de trasgo e tentara se segurar nas cortinas que cobriam o quadro da mãe de Sirius, rasgando-as. Resultado: a senhora Black passara quase a tarde toda berrando, até que Hermione descobrira um feitiço para refazer as cortinas, depois de perceber incredula que um simples Reparo não funcionava. A cabeça de Harry latejava quando eles terminaram o jantar naquela noite. Tonks avisou que chegaria tarde, e que eles não precisavam esperá-la. A cicatriz de Harry formigava na testa, e ele acreditava que fosse por conta da dor de cabeça. Depois de comerem uns sanduíches de pasta de amendoim, Harry decidiu que deixaria Rony e Hermione um pouco a sós e iria descansar no quarto. Ao se levantar, a pontada na cicatriz foi mais forte, fazendo com que ele comprimisse a testa com as costas da mão direita, ainda marcada pela cicatriz que conseguira no quinto ano.
- Harry, está tudo bem? – Hermione questionou ao ver o que Harry estava fazendo.
- Sim, tudo certo, Mione. Só um pouco de dor de cabeça, vai passar assim que eu dormir. – disse Harry de forma pouco convincente.
- Tudo bem então... qualquer coisa, estamos aqui em baixo, é só chamar, ok?
- Claro, Mione, claro.... – disse Harry, distraído, já na ponta da escada. Ao olhar de relance para trás, Harry viu Hermione acariciando os cabelos revoltos de Rony e por um momento teve raiva de tudo e de todos por não poder estar com Gina.
Jogou-se na cama de roupa e tudo, desejando que aquela cicatriz maldita parece de ribombar em sua testa o tempo inteiro, lembrando-o do que ele mais queria esquecer. Uma raiva cega pulsava junto com seu coração e só fez aumentar quando a imagem de Snape se formou nitidamente em seu cérebro, dizendo com desdém “Você não esvaziou a sua mente, Potter. Se continuar assim, não vai durar dois segundos nas mãos do Lorde das Trevas”. Agora Harry sabia porque Snape chamava Voldemort como os Comensais costumavam chamar: o ex professor nunca deixara de ser um deles. O ódio por Snape fez a opressão no peito de Harry aumentar mais ainda. Afinal, se não fosse a traição do ranhoso, Dumbledore ainda estaria vivo e poderia ajudar Harry. Envolto em seus pensamentos de rancor, adormeceu com a cicatriz formigando...
Harry se viu parado diante de uma casa enorme no alto de uma colina. O mato do jardim estava alto, o limbo cobria os degraus da escada que levava àquela que tinha sido uma bela construção um dia. As janelas meio quebradas e o aspecto de abandono faziam com que arrepios percorressem a espinha do garoto. Ao mesmo tempo, ele parecia sentir-se estranhamente feliz. Caminhou a passos largos, a varinha em riste, como se estivesse prestes a atacar um inimigo que, até então, era invisível.
Ao menor toque da mão de Harry, a porta se abriu com facilidade, como se estivesse apenas esperando a chegada do garoto. Dentro da casa, Harry sentiu um arrombo maior ainda de felicidade. De repente viu, como num flash back, três corpos no chão da ampla sala. Um deles, moreno, lembrava muito alguém que Harry conhecia. Tom Riddle... aquele era Tom Riddle pai. E provavelmente os outros dois caídos eram os avós trouxas de Voldemort. No chão, ao lado de Harry, uma cobra gigantesca se enrolava ao redor dos corpos, fitando os olhos do bruxo como se sorrisse. Harry sibilou para a cobra:
- Venha para mim, Nagini, venha. Dividirei com você um pedaço da minha alma.
Uma gargalhada vitoriosa encheu o ar e a cicatriz de Harry ardeu dolorosamente. O garoto acordou assustado, suando frio, e olhou sem foco para um Rony desesperado ao seu lado. Enquanto pegava os óculos caídos no meio das cobertas, ouviu o amigo dizer:
- Cara, o que está acontecendo? Você está murmurando coisas desconexas a um tempão e, de repente, começou a gargalhar como louco. Harry, já vi você fazer isso em Hogwarts e não foi nada legal. É o Você-Sabe-Quem de novo?
Rony parecia assustado. A cicatriz de Harry queimava, enquanto o cérebro trabalhava freneticamente. Hermione chegou, atraída pelo barulho dois dois.
- Eu estava indo me deitar e... o que está acontecendo?
- Rony, Hermione, achei mais uma horcruxe. Precisamos voltar para Little Hangleton.
- O orfanato de novo, Harry? – perguntou Hermione.
- Não, Hermione. Agora é “a mui antiga e nobre casa dos Riddle”.
Um bilhete curto escrito às pressas era tudo o que Tonks encontraria ao chegar no Largo Grimmauld. Era claro que os três não poderiam avisar gentilmente que estavam saindo de casa para ir novamente atrás das horcruxes sozinhos. Hermione tentou argumentar com Harry que ele deveria esperar Tonks chegar e contar a ela sobre o sonho. E se fosse uma armadilha? Afinal, Voldemort já os enganara uma vez, quando os atraiu para o Ministério da Magia com o falso rapto de Sirius Black. Mesmo assim, Harry não quis ouvir os argumentos da amiga. Sentia-se elétrico e precisava fazer alguma coisa, a pasmaceira dos últimos meses explodia em adrenalina agora. Informou aos amigos que, se eles quisessem ficar, estavam livres para decidir, o que Rony e Hermione negaram. E assim, o trio rumou para Little Hangleton, novamente infringindo as regras do Ministério e aparatando. O bilhete deixado para trás informava as intenções do grupo, portanto a Ordem saberia onde achá-los caso a coisa ficasse fora do controle.
Ao aparatar próximo a casa, Harry sentiu o vento gelado bater no rosto descoberto. Percebeu tarde demais que o casaco que usava era insuficiente para conter a brisa gélida do inverno que se aproximava. No entanto, sentia-se tão excitado que o frio não era realmente um problema, pelo menos não para ele. Mas não pode deixar de notar que os lábios de Hermione ficaram roxos quase instantaneamente: a amiga também estava com blusas de menos.
Harry caminhou ao redor da casa, olhando de um lado para o outro a procura de um sinal que nem mesmo ele sabia o que era. O portão da casa que dava para o jardim estava com o cadeado aberto, enferrujado. Rony precipitou-se e empurrou o portão, que rangeu agourento. Um calafrio percorreu a espinha do trio, que parou, Rony e Hermione olhando de Harry para a casa abandonada, Rony com uma cara de quem havia comido um feijãozinho-de-todos-os-sabores com gosto de cera-de-ouvido. Harry colocou a mão no bolso de trás da jeans e retirou a varinha, seguido quase instantaneamente pelos outros. De longe, dava para ver que a porta da frente da casa se encontrava aberta, tal qual no sonho. O jardim também tinha o mesmo aspecto descuidado, o mato crescendo desenfreado ao redor da construção. Ao ultrapassar a porta, o coração de Harry batia no pomo-de-adão, como se esperasse encontrar ali três pessoas mortas há anos. A casa estava aparentemente vazia, embora o cheiro de morte fosse evidente. Na fração de segundo em que Harry tentava enxergar o patamar de cima da casa na ponta da escada, um lampejo branco correu em direção a Rony e Hermione:
- Encarcereous!
Harry virou, já com a varinha apontada para o alto, mas era tarde demais: Rony e Hermione foram içados por cordas para cima da escada, de onde viera a voz. Sem pensar em nada, Harry precipitou-se para os degraus, subindo-os de dois em dois. Mas tudo o que conseguiu foi ouvir um gemido feminino sufocado, ao que se seguiu só o silêncio e o escuro. O desespero tomou conta de Harry. Tudo o que havia a sua frente agora era um corredor repleto de quartos abandonados.
- Lumus!
A ponta da varinha emitiu um brilho fraco, que produzia sombras assustadoras nas paredes da antiga mansão. Harry caminhou decidido, a cicatriz formigando, munido da coragem que só um membro da Grifinória poderia ter. Mas o desespero em seu coração era real: Rony e Hermione capturados! Os únicos com quem ele poderia contar agora estavam nas mãos de alguém que Harry não sabia quem era, mas podia julgar pela voz esganiçada e um tanto parecida com o guincho de um roedor.
Harry tinha a sensação que percorrera corredores demais para uma única vida. Era sempre a mesma história, já estava ficando cansado: corredores no Ministério, corredores em Hogwarts, corredores em Askaban, corredores no Orfanato. Portas entreabertas, perigos a espreita o tempo inteiro. Por que afinal ele não podia levar uma vida normal, só para variar? A raiva corroía o coração do garoto quando murmurou Lumus! e ascendeu a varinha, caminhando displicente e olhando as portas trancadas no caminho. Em alguma delas Rabicho havia entrado carregando Rony e Hermione. Aquela hora, será que ainda estariam lá ou teriam desaparatado? Será que Harry se deixara enganar de novo e fora atraído por Voldemort a um beco sem saída?
Uma luz prateada brilhava no fim do corredor. Essa luz lembrava estranhamente um artefato mágico que Harry conhecia muito bem. Na verdade, estivera envolvido com este artefato durante todo o ano anterior e o início daquele também. Ao se aproximar sem, no entanto, passar pela porta do quarto, Harry viu uma bacia de pedra que se parecia muito com a Penseira de Alvo Dumbledore. Devagar, olhando para os lados, ele entrou no aposento amplo, sem janelas, com as paredes descascadas e o líquido da Penseira iluminando suavemente o teto alto. Ao ver que estava sozinho no quarto, Harry se aproximou mais do objeto. O líquido viscoso e prateado rodopiava. Aquilo sempre atraíra Harry de uma forma estranha. Aproximou o nariz, pensando de quem seria a lembrança depositada naquela bacia de pedra. A janelinha superior automaticamente se abriu e Harry enxergou uma noite muito escura, em algum lugar que lhe era muito familiar. Encostou o nariz no líquido e tudo começou a rodar freneticamente.
Ao cair no chão com um baque, Harry se viu na Sala Precisa de Hogwarts. Ela assumira o mesmo formato do dia em que precisara esconder o livro de poções do Príncipe Mestiço antes das férias do verão passado. Observava ao redor, intrigado, tentando descobrir de quem era aquela lembrança em meio a tantas tranqueiras guardadas ali desde que Hogwarts existia. De repente, ouviu uma voz conhecida murmurando apavorada. Não conseguia entender, mas foi seguindo na direção da qual parecia vir o som. Atrás de uma montanha de freesbies dentados da Gemialidades Weasley, Harry conseguiu divisar uma cabeça muito loira e penteada, que andava de um lado para o outro em frente a um armário, consultando o relógio de minuto em minuto.
- Deve estar quase na hora, por Merlim, o que eu fui prometer? Eu me meti em coisa de gente grande e agora não dá para parar no meio do caminho. Odeio aquele metido do Potter, odeio! Odeio as idéias do Dumbledore também, mas daí a fazer o que eu prometi? Como pude, estava cego! O Lord das Trevas não vai livrar meu pai de Askaban, não vai, ele vai é me mandar para lá também. Isso se não fizer questão de me matar pessoalmente – os olhos cinzentos se encheram de um brilho medroso, e o rosto se torceu num esgar. – Não! Eu não posso falhar, eu não vou falhar, já está quase na hora. E se eu falhar, Severus fará o trabalho por mim. Veja, falta pouco e tudo isso vai ter acabado e eu vou me dar bem, sim, e aí terei o prestígio e a admiração do meu Senhor e meu pai será solto e minha família voltará a ser normal outra vez. E talvez minha mãe pare de chorar, ela não fica nada bonita quando...Está na hora! Agora... a qualquer momento...
Harry sabia muito bem quais eram os planos de Draco Malfoy. Sabia também que aquilo se tratava apenas de uma lembrança, e ele não teria como influenciar nos acontecimentos do passado. Mas o estômago do bruxo revirava dolorosamente: ele ia reviver a morte de Dumbledore. De um outro ângulo, claro, e talvez assim fosse possível entender de verdade o que aconteceu.
Um a um os Comensais da Morte saiam do Armário Sumidouro na Sala Precisa, suas máscaras horrendas brilhando como novas, as capas farfalhando pelo chão coberto de toda sorte de porcarias. Draco sorria de um modo nervoso, segurando a porta do armário, a varinha em riste segura na mão de forma tão firme que os nós dos dedos estavam brancos. Indicava a porta próxima ao local, e os Comensais ultrapassavam-na para o castelo. Logo mais Gina, Hermione, Rony, Neville e Luna tomariam a Felix Felicis, e a Ordem da Fênix chegaria tão logo os professores avisassem sobre o tumulto. Quando Draco fechou a porta do Armário Sumidouro e precipitou-se correndo para fora da Sala Precisa, Harry seguiu de perto seus passos. O loiro parecia mais pálido do que normalmente, gotas de suor gelado molhavam a testa comprida. Correu pelo corredor, dirigindo-se a ala da Torre de Astronomia. Perto da sala comunal da Grifinória, Harry percebeu que um vulto estava tentando passar pelo buraco do retrato da Mulher Gorda. Os cabelos compridos e ruivos não enganavam: era Gina. Harry ouviu-a murmurar, ao entrar no salão da Grifinória, antes de a Mulher Gorda girar para fechar novamente a porta: “Rápido, a Felix Felicis, Malfoy e os Comensais da Morte entraram no castelo!”. Daria tudo para continuar ali, com seus amigos, observando como fora a batalha pela visão deles. Mas sabia que aquela lembrança era de Draco, e precisava acompanhá-lo.
Draco tomou um caminho gigantesco para a Torre de Astronomia e Harry não entendia porquê. Mas percebeu logo que o garoto estava indo para um lugar diferente. Ao invés de subir as escadas no fim do corredor, Draco desceu rumo às masmorras. Uma porta de carvalho grande foi escancarada pelo garoto, que tremia dos pés a cabeça quando parou. Snape fitava Draco de surpreso a excitado, Harry não saberia dizer. A voz do loiro soou desesperada quando falou:
- Severus, está feito. Os Comensais estão no Saguão. Precisamos ir para a Torre, Dumbledore deve estar chegando e então farei o que precisa ser feito.
- Sim, Draco – e o estômago de Harry deu uma nova cambalhota: a voz de Snape, diferente da de Draco, era calma, precisa, calculada e muito fria. – Vamos acabar logo com isso.
Pareceu a Harry que, por um instante, o corpo de Snape trairia sua própria voz. Ele vacilou ao retirar a varinha do bolso interno das vestes, e Harry podia jurar que sua mão tremeu ligeiramente enquanto os olhos deixavam transparecer um pequeno lance de medo. Snape com medo? Mas foi tudo tão rápido que, no instante seguinte, Harry voltar a ver o mesmo Snape de sempre, aquele Comensal da Morte que enganara até mesmo o diretor de Hogwarts.
Antes de sair da sala, Snape deu de cara com McGonagall. A professora olhou de Draco para Snape com um olhar indagador, mas pareceu decidir que tinha coisas mais urgentes a fazer do que indagar porque o loiro estava na sala do diretor da Sonserina.
- Severus, o castelo foi invadido! Rápido, vamos para a ala Norte, na base da Torre de Astronomia. Draco, você deve ir para o seu quarto e não sair de lá!
Snape saiu com McGonagall enquanto Draco tomou o caminho contrário. Harry sabia que ele chegaria primeiro a Torre de Astronomia. Seguia Draco de perto, e viu que os amigos que tentavam lutar contra os Comensais da Morte não notaram a presença de Draco. A porta da escada que levava para a Torre parecia ter sido lacrada com um feitiço invisível, pelo qual passavam apenas os servos de Voldemort. Draco passou ileso e Harry, que não tinha um corpo físico, não teve problemas em atravessar também. Ao chegar no alto da Torre, a cena era chocante. Dumbledore acabara de petrificar alguém, que Harry sabia ser ele mesmo. Olhou para o lado onde seu corpo inerte permanecera, desesperado, escondido pela Capa da Invisibilidade e escutando tudo ao redor sem poder fazer nada. Dumbledore e Draco começaram a conversar, e o diretor parecia muito interessado em fazer o aluno voltar para o lado da Ordem. Draco vacilava, Harry escutava, o bolo no estômago aumentando cada vez mais. Snape chegou em seguida, olhou para Dumbledore com um misto de raiva e uma pena dissimulada que tentava esconder.
- Snape... por favor... Snape...
O lampejo de luz verde atingiu Dumbledore, que voou sobre a murada da Torre e despencou para baixo. Draco, Snape e os outros Comensais desceram as escadas, mas Harry ainda teve tempo de ver o efeito em si mesmo se quebrar, o seu eu do passado se desvencilhou da Capa e saiu desabalado atrás dos fugitivos. Harry seguia a si mesmo pelos corredores, viu-se ajudando Gina a se livrar de um Comensal, correu para fora do castelo no encalço de seu eu, alcançando-o ainda a tempo de se ouvir gritar:
- Covarde!
- Não me chame de COVARDE, POTTER!
Harry largou seu eu no chão, impossibilitado de se mexer, e continuou correndo atrás de Draco, Snape e os Comensais. Antes de ser arrastado para fora da Penseira, ainda conseguiu ouvir Draco perguntar a si mesmo, cheio de medo e num sussurro, se a ira do Lord das Trevas cairia sobre ele.
O susto de Harry não podia ser maior ao se sentir arrastado pelos cabelos. O oponente puxava-o, obrigando o bruxo a ficar na ponta dos pés. A voz que soou em seus ouvidos em seguida foi como um choque em todos os sentidos de Harry.
- Divertindo-se com as minhas lembranças, Potter? – sussurrava baixinho um Malfoy agora de carne e osso, que segurava Harry de forma firme, impossibilitando o garoto de se mover. – No entanto, deve perceber que não sou mais tão fraco assim.
- Malfoy, você não cansa de se gabar? Não cansa de errar? O Lord das Trevas perdoou seu último erro então? Deprimente... – o cérebro de Harry trabalhava de forma frenética, pensando num jeito de escapar do braço forte que torcia seu corpo. Draco crescera bem uns 30 centímetros da última vez que se viram, e o rapaz já era muito alto em Hogwarts.
O quarto continuava na penumbra e o conteúdo da Penseira ainda girava. Harry só conseguia ver a frente e não sabia se Draco estava acompanhado ou não. O loiro silenciara por um momento, parecendo se controlar, e então berrara com todas as forças de seus pulmões:
- NÃO FALE DO QUE NÃO SABE, POTTER! – e a cólera fez com que Draco atirasse Harry ao chão, não sem antes tomar-lhe a varinha e arrancar-lhe um bom número de fios do cabelo negro.
Harry caiu de mau jeito e acabou torcendo o pulso esquerdo. Com a mão pendurada de maneira agourenta, tentou se levantar e encarar Malfoy, que ria desdenhoso.
- Você acha realmente que não o Lord das Trevas não tem planos maiores para mim? Você acha que ele ia desperdiçar a chance de contar comigo em suas fileiras? Não que eu não tenha sofrido o peso de sua ira por falhar... (e nesse momento, a voz firme de Draco pareceu vacilar) Mas Severo estava lá, não é mesmo, Potter? Como você se sentiu ao ver que todas as suas suspeitas, as quais mais uma vez ninguém quis acreditar, foram confirmadas da pior maneira possível? Hein, Potter Pirado, como foi? Como foi? Crucio!
Harry sentiu como se o crânio fosse rachar ao meio, dividido pela cicatriz em brasa. A dor era lancinante, cada parte do corpo do bruxo parecia querer se despedaçar em mil pedacinhos. Ao mesmo tempo em que ele ansiava pelo fim, pela morte que traria o alento, sabia que não poderia sucumbir, não agora, não nas mãos de um nojento Malfoy. Ao decidir que faria de tudo para permanecer vivo e impedir Draco de triunfar, fosse qual fosse sua nova missão, o loiro pareceu entender o recado e parou, abruptamente.
- Não posso... matá-lo. Devo apenas levar você para o Lord das Trevas. Dessa vez você não vai escapar. Eu não deixarei.
- Pois vai ter que passar por cima de nós, Draco!
Harry virou a cabeça numa fração de segundo e conseguiu visualizar, parados a porta vestindo pesados casacos de trouxas e empunhando as varinhas, Tonks e Lupin. Os cabelos agora amarelo-canário de Tonks brilhavam na penumbra da casa como um farol de esperança. No entanto, o rosto de Lupin estava mortalmente pálido. Ele parecia ferido. Harry não conseguiu reparar em mais nada, pois na velocidade da luz um raio vermelho voou pelo quarto em sua direção, saindo da ponta da varinha de Draco e obrigando-o a se jogar no chão. Foi para o lado da porta, por estar sem varinha e sem possibilidade de defesa. Tonks e Lupin começaram um duelo feroz com Draco, mas ele parecia disposto a não facilitar as coisas. Harry conseguiu recuperar sua varinha com a distração do loiro em enfrentar os oponentes, e correu para fora do quarto em direção ao corredor da mansão Riddle. Agora podia ouvir o barulho no andar de baixo. Ao chegar ao patamar da escada, o coração do garoto parou por um instante: vários membros da Ordem da Fênix duelavam com os Comensais da Morte. Ele não poderia passar por ali. E também nem pretendia sair da casa enquanto não encontrasse Rony e Hermione.
Voltou para o corredor a tempo de ver Lupin desabar e Malfoy pular por cima dele, fugindo dos lampejos da varinha de Tonks. A raiva no peito de Harry rugiu, e ele seguiu Draco para o que parecia ser um andar superior, talvez o sótão da mansão dos Riddle. A cicatriz formigava na testa de Harry conforme ele avançava pelo corredor, que se tornava mais escuro. Ao localizar a escada que levava ao cômodo, ele parou, tentando escutar os barulhos que poderiam sair da parte de cima da casa. Mas só conseguiu ouvir um silêncio que pareceu anormal, pois sabia que Draco havia entrado por ali.
- Lumus
A ponta da varinha de Harry acendera enquanto ele subia cautelosamente as escadas. Ao chegar ao sótão, não conseguia enxergar muito além da fraca luz da varinha. Mas foi capaz de divisar um sibilo na escuridão, chamando claramente.
- Venha Potter, venha para mim...
A luz da varinha de Harry apagou e um grito morreu em sua garganta antes que ele pudesse soltá-lo.
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