Ruivas da nossa vida
Capítulo 3 – Ruivas das nossas vidas
The last girl in the last reason to make this last for as long as I could
First kiss in your first turn that I felt connected to anything. (Make this go on forever, Snow Patrol)
- Agora é o momento em que você acorda do seu sono de beleza, levanta o rabo da cama e vem tomar o café comigo.
Harry entreabriu um olho, tentando inutilmente esquivar-se ao contacto brusco com a luz que entrava pela janela. Viu que Ginny andava pelo quarto a abrir todas as cortinas, inundando o quarto de uma claridade quase insultuosa.
- Gi, o que faz aqui? – resmungou ele, girando de barriga para baixo e tapando a cara com um travesseiro. Até onde se lembrava, ele fora para Grimmauld Place sozinho. Tinha certeza que, se ela tivesse estado lá, ele não teria adormecido tão rápido.
A ruiva voltou-se, um sorriso nos lábios doces, e sentou-se ao lado dele na cama.
- Vim aqui para passarmos o dia juntos. – fez uma leve carícia no peito descoberto do moreno, que se sentiu imediatamente mais desperto – Ultimamente, por causa de toda a agitação dos preparativos do casamento, não temos passado tempo de qualidade juntos.
- Hm, eu acho que vou adorar. – largando o travesseiro, Harry puxou-a para cima de si e dedicou-se a beijar cada centímetro da cara da ruiva. A sua mão escorreu por debaixo da blusa dela, as pontinhas dos dedos contactando agradavelmente com a pele suave dela. Um arrepio percorreu-a por completo, mas forçou-se a recuar e seguir com a conversa que tinha em mente.
- Pára, Harry. – ele fitou-a intrigado, os olhos verdes queimando de desejo e amor. Ela pulou da cama e foi até à janela, olhando para a rua calma.
Harry estava cada vez mais inquieto com aquele silêncio desconfortável dela, tão pouco característico. Franziu o sobrolho e saltou da cama, percorrendo o espaço que os separava. Enlaçou-a pela cintura e, com delicadeza, forçou-a a voltar-se.
- O que se passa? – inquiriu, emoldurando-lhe o rosto de porcelana com as suas mãos grandes e firmes.
- Nada. Acho que é apenas preocupação com o casamento… – ela desviou os olhos e ele soube que havia algo mais.
- Não é apenas isso, eu sinto. Tem algo mais te incomodando. – ele pressionou ligeiramente o rosto dela, para que o encarasse. Ela mergulhou nos olhos verdes dele e, por fim, suspirou.
- Sim…na verdade, sim.
- E então? – questionou ele, ansioso.
- Bom… – ela começou, mas acabou por hesitar. Puxou-o pela mão em direcção à cama, onde se sentaram – Eu me pergunto, por vezes, se tudo isso é real.
- Ginny… – ele preparou-se para a interromper, mas ela apertou-lhe a mão para que a deixasse prosseguir.
- Eu sonhei tanto com esse momento. Daqui a três dias eu passarei a ser Mrs. Potter, por isso eu pensei que eu estaria pulando de felicidade, despreocupada.
- E você…não está? – Harry engoliu em seco. E se ela estivesse com dúvidas? Se tivesse compreendido que ele não era o bastante para ela?
- Harry, eu estou muito feliz. – ela sorriu levemente e o coração de Harry pareceu voltar ao seu peito – Mas eu tenho medo de que você esteja cometendo um erro. Eu te esperei por tanto tempo, eu não quero que você sinta que casar comigo é sua obrigação. Não faça isso apenas porque acha que é o que eu espero de você, porque, na verdade, não é.
- Quê? – o moreno sentia-se demasiado atónito com aquela súbita insegurança, para formular qualquer outra resposta mais articulada.
- Eu espero que seja sincero. Apenas isso. Não se prenda a mim, apenas porque eu fui um alento e um apoio durante uma fase difícil. Eu quero mais do que isso, você também merece mais.
- Gi, você está com medo…? – murmurou, como se só agora tivesse percebido. Ela deu um breve aceno de cabeça e ele, subitamente, riu. Gargalhou tanto que o seu estômago já dava mostras do seu desagrado, perante uma Ginny estática.
- Qual foi a piada? – resmungou ela, as bochechas pintando-se de vermelho. Os olhos faiscavam e, sentindo o perigo, Harry imediatamente ficou sério.
- Eu te amo. – disse ele, a voz grave e séria retumbando pelo quarto – Tanto que chega a ser ridículo. Eu respiro você. Bebo você. Eu me afogo miseravelmente no meu amor por você, Ginny Weasley. Se alguém aqui tem que se sentir inseguro de merecer ser amado, sou eu. Todos os dias, eu agradeço à vida pela oportunidade de te ter na minha vida. Ela me tirou muita coisa… – ele sorriu-lhe docemente, os olhos reflectindo carinho e devoção. A ruiva sentia-se maravilhada e sorriu-lhe de volta, suspirando quando ele começou a brincar com uma mecha do seu cabelo vermelho – Mas me deu você. Eu acho que acabei ganhando com a troca.
- Então, o nosso casamento não é uma obrigação? – insistiu ela, quase rendida.
- Um sonho, um prazer, uma alegria. Talvez até seja mesmo uma obrigação… – um sorriso irresistível desenhou-se nos seus lábios – mas apenas para com o meu coração.
Ela riu abertamente e encontraram-se num beijo profundo, aconchegante, seguro.
- Afinal, de onde saiu toda essa história? – inquiriu, observando enquanto ela se espreguiçava.
- Da minha cabecinha vermelha e cabeluda? – tentou ela, mas ele estreitou os olhos e ela desfez a carinha inocente – Ok, acho que você vai acabar sabendo de qualquer forma.
Foi até ao saco que trouxera e retirou um jornal, que ele imediatamente identificou como O Profeta Diário. Atirou-o a Harry, que o apanhou no ar e passou os olhos pela primeira página.
Uma fotografia dele e de Ginny, tirada há alguns dias num evento do Ministério, e um grande cabeçalho com o título “Todos os motivos pelos quais Ginny Weasley fisgou Harry Potter”. Percorreu as colunas e palavras como “manipuladora”, “falso conforto em tempos negros” e “caçadora de homens” sobressaíram de imediato. A matéria era assinada por uma Sabrina Undertown, amplamente reconhecida como a sucessora de Rita Skeeter no escárnio e calúnia.
- Como é que você sequer pondera a hipótese de ligar ao que esse antro publica? – balbuciou, indignado.
- Eu não sei, Harry. – ofegou ela, voltando para junto dele – Eu estava cansada, cheia de ouvir todo o mundo buzinando ao meu ouvido sobre centros de mesa, convites e lingeries de noiva. Queria dormir e acordar apenas quando você estiver me esperando no altar. Acho que tudo isso – apontou o jornal caído no chão – veio num momento em que me sentia particularmente frágil.
- Meu amor, da próxima vez, apenas fale comigo. E que história é essa de lingerie? – murmurou perto da orelha dela. A ruiva molhou os lábios com a pontinha da língua, de forma provocante.
- Certo, mais tarde irá descobrir tudo sobre isso. Bom, eu vou preparar algo para comermos. Quando estiver pronto, desça. – deu-lhe um selinho rápido, antes de caminhar de forma enérgica para fora do quarto.
Enquanto descia os primeiros degraus ainda ouviu Harry reclamar algo sobre não gostar de tomar banho sozinho. Sorriu, sentindo-se muito mais leve.
Harry tomou banho, ainda que menos demorado do que gostaria. Queria ir logo para junto da sua noiva. Sua futura mulher. Ao colocar uma camiseta prática, pensou que dali a três dias eles estariam definitivamente juntos. Ele poderia tê-la a todas as horas e dividir cada minuto da sua vida com a sua garota. A mulher da sua vida inteira.
Quando se voltou para a cabeceira, para pegar o relógio de pulso, o seu olhar depositou-se numa moldura que ele colocara ali, logo nos primeiros dias após ter começado a sua vida pós-Voldemort.
A fotografia que a moldura exibia era de um casal muito apaixonado. Um casal que, agora que realmente pensava no assunto, era extraordinariamente parecido a ele e a Ginny.
Uma fotografia do casamento dos seus pais, James com um olhar brilhante de felicidade e Lily radiosa e magnífica nos seus trajes de noiva.
Demorou-se na sua mãe. Ginny iria ficar igualmente linda vestida de noiva, os cabelos ruivos fazendo aquele mesmo contraste com o branco. Só os olhos eram diferentes, mas ele sabia que, dali a três dias, umas íris exactamente da mesma cor reflectiriam aquela alegria.
Sentou-se na ponta da cama e segurou a moldura entre as mãos. Aquela fotografia era perfeita. Não porque eles fossem invulgarmente bonitos: eram pouco mais do que pessoas normais. A perfeição que qualquer pessoa notaria naquele retrato ia um pouco além disso.
James e Lily Potter se completavam. Na estatura, no temperamento, até na forma como dividiam o espaço da foto. Eles eram iguais. Não existia um comandante ali, mas um grande companheirismo e um amor devotado.
À medida que os seus dedos trémulos acariciavam o vidro da moldura, Harry compreendeu que ele tinha uma relação semelhante com Ginny. Ele, tal como o seu pai, amava uma ruiva mais do que a si próprio – e essa ruiva fora bondosa (“Ou persistente”, pensou com uma careta ao lembrar-se de que a mais nova dos Weasley o amara desde que o vira pela primeira vez, uma época que já parecia pertencer a uma outra vida) ao ponto de retribuir o seu amor.
Apesar das diferenças existentes, eles seriam muito felizes, apenas porque estavam cientes do que sentiam. Eles sabiam quanto a vida lhes exigira para que chegassem até ali, todas as batalhas e obstáculos vencidos, os sonhos de tantas pessoas perdidos para sempre num tempo de escuridão.
Morte, dor e horror haviam sido os príncipes durante o reinado de Lord Voldemort. Mas, no final, apenas eles, aquilo que os sustinha, tinha restado. E era preciso lutar, sempre e a cada dia, para que existisse um pouco mais de amor no mundo.
Sorrindo, ao mesmo tempo que uma vaga de emoção o preenchia, Harry pensou que, na verdade, não importava muito o que o amanhã trouxesse. Ele estaria com Ginny e isso era o bastante para que qualquer amanhã fosse sensacional.
Devolveu o objecto ao seu lugar inicial, desejando de todo o coração que os seus pais pudessem estar ali, assistindo aquele que seria o dia mais importante da sua vida.
Uma saudade intensa apertou-lhe o peito, enquanto ele acabava de se arrumar e se dirigia para a porta.
Quando Harry estava prestes a cruzar a soleira da porta, um brilho intenso e prateado invadiu o quarto. Voltou-se, a varinha já na sua mão, pronta para qualquer eventualidade.
A luz era demasiado intensa para discernir a sua fonte, por isso Harry protegeu os olhos com a mão livre. No momento em que a misteriosa claridade diminuiu, o jovem abriu os olhos e examinou o quarto.
Depressa descobriu que existia algo que não tinha estado ali antes: uma caixa embrulhada em veludo branco jazia em cima da grande cama.
Começou a andar devagar rumo a ela, sentindo-se estranhamente atraído por aquele embrulho. Os seus instintos naturais gritavam-lhe que fosse cuidadoso, mas algo lhe murmurava ao ouvido que, independentemente do que fosse, aquele presente não viera por mal.
Ergueu a varinha e decidiu executar uma série de feitiços de detecção. Rastreou maldições, poções perigosas, objectos de magia negra, entre outros feitos mágicos diversos. A caixa não reagia a nada e Harry foi obrigado a aceitar que não havia nada de perigoso dentro dela.
Sentou-se novamente na cama e puxou-a para perto de si. Passou a mão pela tampa, uma sensação de reconhecimento invadindo-o. Havia também um perfume envolvendo aquele objecto, um aroma que ele sabia conhecer e, no entanto, poderia jurar nunca ter sentido na vida.
Sustendo a respiração, tirou a tampa. Lá dentro estava um envelope branco, um objecto escuro que ele reconheceu como sendo uma fita de vídeo trouxa e uma caixa forrada a cetim vermelho e dourado.
Pegou no envelope, hesitando apenas levemente, e abriu-o com os dedos frios. O mesmo perfume que ele havia sentido pareceu soltar-se após ele ter rebentado o lacre. Retirou um pedaço de pergaminho dobrado de dentro dele e desdobrou-o com cautela.
“Harry,
Nós sabemos que isso pode constituir um grande choque para você, mas não tema: nenhum conteúdo dessa caixa lhe fará qualquer mal. Ela foi pensada para essa altura especial da sua vida numa eventualidade que, nós esperamos, não venha a se realizar. Veja o vídeo, ele tirará todas as suas dúvidas.
Com amor,
L.J.P.”
- Porque é que ainda está aí? – ouviu a voz de Ginny perguntar-lhe, vinda da porta. Desviou os olhos da carta, a confusão estampada no seu rosto.
- Eu… – respirou fundo, tentando acalmar-se – Essa caixa materializou-se aqui, achei que devia descobrir o que há dentro dela.
- E então? – ela juntou-se a ele, investigando o seu conteúdo com um olhar rápido. Harry estendeu-lhe a carta e ela leu-a rapidamente.
- Bom, o que estamos esperando? – Harry franziu a testa, mas Ginny fez uma careta como se fosse óbvio – Você tem uma coisa onde se colocam fitas como essa, não tem? – Harry relembrou, com um sorriso safado, que eles já tinham assistido vários filmes trouxas enroscados no sofá. Se bem que nem sempre vissem o final.
- Sim, vamos até à sala. – jogou a carta para dentro da caixa e segurou-a com um braço, enquanto puxava Ginny pela mão com o outro.
Ajoelhou-se em frente à TV, que conseguira fazer funcionar apesar de toda a magia que existia naquela casa (um pequeno feitiço muito útil, descoberta do seu futuro sogro), colocando a fita no aparelho de vídeo. Sentou-se no sofá ao lado de Ginny e preparou-se para as revelações.
A primeira imagem que apareceu foi o chão, como se a pessoa que tivesse filmando não tivesse muita experiência. Em seguida, a imagem subiu e parou diante de um sofá vazio.
Harry sentia um nó na garganta, que ameaçava sufocá-lo. Se fosse realmente quem ele pensava…ele não tinha certeza de que estaria pronto para ver. Ginny, ao seu lado, parecia apenas curiosa.
Uma figura feminina apareceu e sentou-se no sofá, olhando desconfiada para o ecrã da câmera. Então, como se tivesse percebido que a coisa funcionaria, sorriu.
Ginny ofegou ao lado de Harry e ele percebeu que ela também tinha reconhecido aquela mulher: Lily Potter.
- Harry, – ele sobressaltou-se ao ouvir a voz da sua mãe dizer o seu nome, o coração galopando descontrolado – se você está assistindo a isso, significa que algo correu tremendamente mal e nós já não estamos mais aqui. Eu lamento, meu amor.
O peito do jovem ganhou a consistência de uma rocha, o estômago inundado de um frio terrível. Pela primeira vez, ele estava realmente vendo a sua mãe falar consigo. Era uma experiência simultaneamente maravilhosa e desconcertante.
Observou que Lily parecia inquieta, mas mantinha-se calma e delicada. Os seus olhos brilhavam e sorria, como se realmente o pudesse ver através do tempo, de coração nas mãos olhando para uma das pessoas que mais desejara ver nos últimos dias.
- Nós fomos avisados de que corremos um grande perigo…penso que, nessa altura da sua vida, você já saberá tudo sobre isso. – ela torceu as mãos – O seu pai e eu decidimos que devíamos te deixar alguma coisa, uma memória que fosse importante numa altura da sua vida…caso o pior venha a acontecer.
A mão de Ginny fechou-se sobre a sua, quando uma figura masculina apareceu no campo de visão. James Potter acabava de se juntar à sua esposa, parecendo bem-disposto.
- Oi Harry! – ele riu um pouco, certamente achando a situação cómica. O filho não conseguiu evitar sorrir também – Espero que tudo esteja bem por aí e, na verdade, que você nunca chegue a ver essa fita.
- Como eu estava dizendo, – Lily lançou um olhar autoritário a James, por tê-la interrompido – nós discutimos o assunto, para decidirmos qual o melhor momento para essa memória aparecer na sua vida.
- Nós discutimos? Eu só me lembro de você dizer que seria assim e pronto. – James sorriu de forma marota, enquanto sussurrava para a esposa. Ela bufou, corando ligeiramente. – Mas, ainda assim, achamos que esse seria o momento em que você sentiria mais a nossa falta. Você está prestes a se casar, Harry. – a expressão do homem revelava todo o caricato da situação (Harry lembrou-se que, naquela altura, teria ainda menos de um ano de vida), bem como um certo orgulho.
- Nós queríamos estar aí, querido. Te apoiar nesse momento, chorar durante a cerimónia. – James interrompeu-a, protestando que não choraria por uma coisinha como um casamento – Dizer o quanto te amamos e estamos orgulhosos da sua escolha.
A mão de Ginny apertou mais fortemente a sua. Silenciosamente, ela sabia que a emoção ameaçava tomar o seu noivo. Na verdade, até ela se sentia à beira das lágrimas.
- Embora nunca cheguemos a conhecer a sua noiva, não temos a menor dúvida de que ela é a garota certa para você. Apenas uma pessoa muito especial pode conquistar o coração de um Potter. Eu me pergunto se ela será uma ruiva.
Lily rodou a cabeça para o marido, franzindo a testa. Ginny riu baixinho, encostando-se mais a Harry.
- Aliás, eu tenho certeza de que será uma ruiva. – afirmou convicto – Potter adoram ruivas, especialmente as temperamentais. – Lily resmungou entredentes, dando-lhe um leve tapa no braço – Au! Mas é verdade, amor!
Ginny olhou interrogativamente para Harry, que sorriu suavemente e encolheu os ombros como se dissesse “Bom, foi ele quem disse”. A ruiva não perdeu tempo em imitar a mulher da fita, acertando-lhe no ombro.
- Não me entenda mal, elas apenas nos completam. Costumo até dizer que por trás de um grande Potter existe sempre uma grande ruiva. – a frase pareceu acalmar Lily, que suspirou e devolveu a atenção à câmera, um ligeiro sorriso desenhando-se nos lábios – Sabe o Arthur e a Molly Weasley? Ela está novamente grávida e todo o mundo está torcendo para que seja uma menina. Quem sabe você não acabou com a mulher forte dos Weasley? Se assim for, tenho certeza de que você será muito feliz. Se não for, será feliz do mesmo jeito, mas confesso que ficarei com pena.
Harry abriu a boca, descrente. Ninguém lhe dissera que o seu pai tinha jeito para a Adivinhação. Lançou um olhar a Ginny, notando que ela estava incrédula e muito comovida.
- Trate-a bem, Harry. – era a vez de Lily falar – Ela será a sua base, o seu forte seguro. Case com alguém com quem você goste de conversar, que te desafie bastante, pois será isso que você fará na maior parte do tempo.
- Não que o físico não seja importante, filho. Mas a sua mãe tem razão, – James fez uma cara desgostosa – você deve considerar a sua noiva como uma igual, alguém que te poderá acompanhar em tudo.
Os jovens sorriram um para o outro, entendendo-se silenciosamente. Harry lembrou-se de que já havia tido aquele mesmo pensamento naquele dia.
Na TV ouvia-se agora um som de choro morno e James levantou-se correndo. Lily sorria abertamente, olhando para algo fora do campo de visão dos dois jovens. Passado alguns instantes, James voltou carregando uma criança pequena nos braços.
Harry olhou para a si próprio, no colo de James. O seu pai ria e fazia barulhinhos com a língua, brincando com ele. Lily observava-os, enternecida. Uma onda de emoção submergiu-o e Harry chorou algumas lágrimas silenciosas e quentes. Ginny entrelaçou a mão na sua e o jovem viu que ela também chorava.
Ver a sua família…ele tivera uma família. Fora amado para além das palavras, ainda que por um tempo breve. A dor de ter perdido tão prematuramente aquele lar, combatia com a noção do quão afortunado era. Quantas pessoas existiriam no mundo, que nunca tinham provado aquele tipo de amor intrínseco, que nem o tempo ou a morte destruíra?
James aninhou-o entre ele a Lily, continuando a fazer carinhos e caretas que faziam rir o jovem Harry.
- Nós pedimos esse equipamento emprestado para gravar, temos alguns amigos trouxas. Colocaremos a fita numa caixa e realizaremos um feitiço especial, uma magia antiga. O nosso presente ficará preso nas malhas do tempo, até que chegue o momento certo para que ele te seja entregue.
- Dentro dessa caixa está uma coisa que deverá pertencer à sua encantadora mulher – James virou a cabeça, como se pudesse ver Ginny por detrás da câmera – Foi da sua mãe, dado por mim, e a tradição deverá ser mantida. Será apenas mais uma forma de estarmos sempre juntos.
- Mesmo não podendo estar aí agora, – o casal ficou subitamente sério e os jovens sentiram que a tensão tinha subido na sala – pode estar certo de que olharemos sempre por vocês. Não vamos falar de tristezas pois confio que, a essa altura, o bem tenha triunfado definitivamente sobre as trevas. E algo me diz… – Lily olhou de James para o filho – que você teve um papel importante em tudo isso.
- Ame muito, Harry. Ame a sua noiva como eu amo a sua mãe, porque o amor é uma herança. A mais importante e preciosa de todas. Cultivando o amor, você cultiva a justiça e os bons valores. Amor desperta amor e, no final, tudo se resume a isso.
- Temos que ir, James. Seja feliz, meu amor.
- Nós te amamos, filho. Tenha um dia grandioso, pode crer que eu estarei assistindo na primeira nuvem à direita.
- James!
- Não seja mandona, Lily. Estou falando com o Harry. – abespinhou-se o homem.
- Você está me chamando de chata? – os olhos de Lily chisparam. Harry riu interiormente, pensando que, pelo menos, não tivera oportunidade de sofrer com aquele temperamento forte da mãe. Bom, ele teria adorado até isso.
- Não, claro que não! – James abanou a cabeça e as mãos, numa tentativa vã de acalmar a esposa.
- Potter, você é um cobarde. – Lily sorriu vitoriosa, rindo depois do ar abananado do marido. Ele avançou para ela e beijou-a suavemente nos lábios. Harry desviou os olhos. Aquela demonstração de amor dos pais era tocante, mas ele sentia que era um pouco privado demais. Se ele tivesse crescido em Godric’s Hollow com eles, provavelmente seria a coisa mais normal do mundo.
- Não é um adeus, Harry. É apenas amor. – Lily disse, a voz baixa e os olhos cintilantes de lágrimas por chorar. Segurou o pequeno Harry ao colo e acenou-lhe, enquanto James desligava a câmera.
- Harry… – Ginny chamou-o. Ele sabia que ela queria reconfortá-lo, mas ela própria estava bastante abalada com o que tinham acabado de visionar.
Harry ficou uns momentos a olhar para o ecrã, que agora apenas mostrava chuviscos. Levantou-se e premiu o botão para desligar o equipamento.
Ginny seguiu-o e, quando ele se voltou para a encarar, abraçou-a com força. Era um gesto simples, contudo ambos sabiam que era tudo o que precisavam. A ruiva sentiu-o tremer ligeiramente e percebeu que ele soluçava, chorando baixinho. As lágrimas dele molhavam a curva do seu pescoço.
As suas lágrimas depressa se juntaram às dele, o seu coração cheio de um desejo surgido há já muito tempo: ela daria novamente uma família a Harry e esse seria o seu maior presente de amor.
- Eles tinham razão, Gi. – a voz de Harry soou mais calma, contra o seu ombro – Eu precisava disso. Nem imaginava o quanto, até agora. Apenas desejei que eles estivessem aqui, ouvi-los dizer que eu fiz as coisas certas, as melhores escolhas. E eles já sabiam tudo o que eu faria, apenas porque o amor dá a maior clarividência.
- Eu sei. – ela acariciou o rosto ainda dolorido dele – Todas aquelas pessoas tinham razão, sabe? Você é mesmo como ele, até tem o mesmo gosto para escolher uma mulher.
Ginny fez uma cara engraçada, entre feliz e apreensiva, fazendo-o rir sinceramente. Estreitou-a contra o seu corpo com um pouco mais de vontade, antes de se separar.
- Parece que tenho um presente para você, vamos descobrir juntos? – estendeu a mão, convidando-a. Ela aceitou prontamente e foram até ao embrulho.
Harry retirou a caixa forrada de vermelho e, com um ar galante, colocou um joelho no chão e ofereceu-a a Ginny. A ruiva demorou-se um momento a pensar que ele era, de facto, o seu cavaleiro em armadura reluzente.
Fez um ar sério, de grande dama, e aceitou o presente. Ele segurou a outra mão dela e deu-lhe um beijo repenicado e demorado, que logo lhe lançou um frémito pelo braço. Riram ambos, felizes e estranhamente mais leves, e juntaram as cabeças para descobrirem a sua herança.
As mãos de Ginny revelaram um medalhão dourado, delicadamente gravado com a letra “P”, aludindo à família Potter. Dentro existia espaço para duas fotos reduzidas: uma mostrava James e Lily e a outra o pequeno Harry. Sorriram, sabendo que em breve aquelas imagens seriam substituídas por outras – não com menos amor, apenas diferentes.
Enquanto colocava o medalhão no pescoço de Ginny, Harry soube que já era um homem completo. Aquele Potter também já tinha a sua ruiva.
A Toca mais parecia um campo de guerra, repleto de refugiados. A algazarra e confusão eram indescritíveis, tal o estado de agitação que os seus ocupantes viviam. O casamento de Harry e Ginny seria dali a dois dias e a família juntara-se para um jantar de convívio – “Como se não estivéssemos juntos todos os dias”, reclamara Ginny.
Enquanto passava a couve-flor a Fred, Harry pensou que ele andava um pouco estranho. Não que tivesse perdido o seu humor característico, mas andava bem mais calado e discreto.
Ginny também notara e até comentara com os outros irmãos. Eles tinham encolhido os ombros e dito que os gémeos viviam num mundo só deles, portanto talvez aquele fosse algum estado de antecipação por algum logro especialmente bem sucedido. A ruiva não acreditara muito nessa hipótese e, por isso, fora ter com a fonte mais segura para além do próprio: George.
O outro gémeo tentara desconversar e dirigir a conversa para a loja, a meteorologia e a hipótese de Harry fugir dela no altar, mas a garota forçara. Ele acabara por fazer um ar misterioso e dizer que “Já devia estar habituada aquela cara de carneiro mal morto, já que olhava para uma igual a maior parte do tempo”.
A jovem fora obrigada a tirar uma única conclusão: Fred Weasley estava apaixonado. Soltem os fogos de artifício, preparem o fim do mundo.
Harry tinha que admitir que a sua noiva era tremendamente persistente. Assustadoramente persistente, na verdade. Bombardeara o irmão com perguntas, mas ele mantivera-se num silêncio desinteressado. Actualmente, adoptara uma outra estratégia: atirava-lhe a pergunta de chofre, nas ocasiões mais estranhas, na esperança de que ele se descuidasse e acabasse por revelar quem habitava agora a casinha no coração de Fred Weasley.
George parecia apenas divertir-se com aquilo, oscilando entre defender o irmão e troçar dele até que lhe caíssem lágrimas riso. De alguma forma, eles sempre se entendiam.
Servindo-se de mais um pouco de frango com bacon, Harry reparou que as coisas entre Ron e Hermione estavam um pouco frias.
Talvez geladas fosse uma expressão mais apropriada.
Sentados lado a lado, mantinham os olhos no prato como se a comida que deglutiam fosse a coisa mais fascinante e absorvente que existisse. Mantinham-se em silêncio e respondiam apenas por monossílabas – mas nunca um ao outro. As caras sérias e a expressão emburrada de Ron não enganavam ninguém.
- O que há com aqueles dois? – Ginny soprou-lhe ao ouvido, aparentemente seguindo a linha do seu olhar.
- Não sei, mas algo me diz que isso tem a ver com o nosso casamento. – respondeu o moreno, entredentes. A ruiva ergueu uma sobrancelha, numa expressão interrogativa – Hermione espera um pedido do Ron há muito tempo, mas ele diz que só não pede porque ela não passa tempo suficiente com ele.
- Hm, obviamente uma coisa leva à outra. – constatou a ruiva, bebendo um gole de cidra – Eu pensava que eles acabariam por se entender, mas estou vendo que eles precisam de um empurrãozinho.
- O que você vai armar, ruiva? – Harry riu, entre o divertimento e a preocupação. Aquela garota podia ser bem inconveniente, por vezes.
- Me aguarde. – provocou ela, os olhos brilhantes de entusiasmo.
Quando todos tinham terminado a refeição e conversavam alegremente, espalhados pela sala, Ginny aproximou-se da mesa. Ron e Hermione permaneciam sentados exactamente na mesma posição, como duas estátuas de mármore. Em vez dos pratos, Hermione fixava um livro e Ron dava atenção a um tabuleiro de xadrez.
A ruiva sentou-se na cadeira diante deles, olhando-os fixamente. Pela posição relaxada dela e a forma como abanava a perna, Harry soube que ela iria aplicar o golpe.
- Ron… – chamou ela, mas o irmão permaneceu mudo e quieto – Ron!
- Quê? – resmungou ele, finalmente desviando os olhos para ela.
- O que, exactamente, você está esperando para pedir a Hermione em casamento? – a ruiva questionou descuidadamente, como se falasse sobre escolher um par de meias.
A voz dela soara propositadamente alta e a sala inteira congelara. Harry observou enquanto todas as cabeças Weasley da sala (bem como Fleur e Anya – a noiva de Charlie que finalmente viera para o casamento) se viraram num só golpe em direcção ao trio sentado na mesa, assemelhando-se ao movimento sincronizado de um monstro de múltiplas cabeças.
Hermione parara de fingir que lia e os seus olhos apresentavam a dilatação de dois pratos. Ron estava branco e parecia prestes a desmaiar.
- Eu…bom…erm… – o ruivo engasgou-se e tossicou.
- Tal como eu pensei, não existe motivo nenhum. Bom, tirando obviamente da equação a sua cabeça dura.
- Hey! – indignou-se o jovem, sendo imediatamente silenciado por um olhar altivo da irmã.
- É isso que você quer fazer, irmãozinho. E é isso que ela espera de ti. Por isso, eu vou te fazer um favor e pedir ela para você. Não precisa ter mais medo.
Harry dirigiu um olhar atónito à sua noiva pela ousadia. Ah, aquela era a sua garota!
- Hermione, você ama o Ron? – a cabeça da ruiva girou para Hermione. A morena torceu as mãos, mordeu o lábio, mas acabou por acenar. – Excelente! Quer se casar com ele?
A bruxa olhou para Ginny como se ela fosse positivamente louca e potencialmente perigosa, dando uma mirada pelo canto de olho a Ron. Suspirou, baixando os olhos.
- Sim, eu realmente quero isso. – a voz saiu mais firme do que a própria parecia esperar.
- Ron, ela aceitou. Agora, pare de ser idiota e dê um beijo de cinema nela! – Ginny riu de forma sapeca, perante os olhares confusos de todos. Certo, ela andava assistindo demais a esses filmes com Harry – Beije-a, Roniquinho!
O irmão presenteou-a com um olhar de ódio puro pelo nome que ela usara, as suas orelhas mais vermelhas do que nunca. Como se fosse a única atitude digna que lhe restasse, ergueu-se e puxou Hermione pela mão. A jovem também corara, mas parecia aliviada por alguma atitude ter sido tomada.
Quando os dois se beijaram, Ginny acenou aprovadoramente e a sala inteira explodiu em assobios e palmas.
A ruiva sentiu uma quentura no pescoço e ouviu Harry suspirar-lhe ao ouvido.
- Como você faz isso?
A ruiva virou-se, aproximando o rosto ao do namorado, ambos sorrindo muito.
- Um dia eu disse e repito: quando se é criado com os gémeos, meio que se aprende que nada é impossível. Basta ter audácia suficiente.
E enquanto Ron e Hermione, já separados do beijo, discutiam por terem sido forçados a se acertarem, empurrando um para o outro a responsabilidade de terem demorado tanto, Ginny recebia mais um beijo do seu garoto, como presente por mais aquela manobra.
N/A – Finalmente! Eu não tinha esquecido A Noiva, mas estava complicado conseguir escrever esse capítulo. Eu tinha escrito metade e, num momento de crise de escritora, apaguei tudinho -.- Eu espero realmente que gostem, o próximo capítulo será o último: toda a verdade sobre o amor de Fred, mais Ron e Hermione e as atribulações do casamento. Eu pretendo colocar o último capítulo dessa fic simultaneamente com o último da Estranho, só para terem uma ideia. Por isso, até lá vou me dedicar aos capítulos que faltam da Estranho.
Obrigado pelas reviews! ^_^
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