Close to you finally
(eu disse que não demorava...)
***
Serenna olhava o mar, distraída pelos próprios pensamentos. O sonho maluco da noite fizera tudo voltar com força a sua mente. Fora atirada no mundo bruxo de forma irremediável, mas ainda lutava para permanecer a mesma. Seu desenvolvimento como bruxa era notável, entretanto, evitava usar os novos recursos, como se isso a fizesse perder de vista a essência do que era. Ana comentara sobre a birra de sua tia Bianca, que passara a chamar os bruxos de “tacanhos”, e no fundo, isso representava o medo que sentia.
Então, viera aquela história de que sonhara com Sirius Black toda a sua vida e estava destinada a tirá-lo do véu! E tirara, às custas da própria tranqüilidade, pois os sonhos haviam se tornado constantes. Revivera aqueles breves instantes, a cada noite, por meses. Tentara evitá-lo por todas as maneiras, mesmo depois de saber a verdadeira natureza de seu vínculo – um casamento mágico, irreversível, até finalmente ceder aos próprios sentimentos e ao seu charme, naquela noite... e então, aquela tal de Doris quase punha fim a tudo!
Nossa... parecia que haviam se passado anos e, no entanto, fora há pouco mais de três meses Aquilo não podia estar certo. Como poderia ter esquecido de algo tão forte, pra se lembrar somente agora?
- Porque você ainda não estava pronta. Mas agora, precisa escolher: voltar a ser o que era antes, sem Sirius Black em sua vida, ou permitir a vocês dois um novo começo. Sem medo do futuro ou sombras do passado. Dumbledore gostava de dizer que são nossas escolhas que dizem quem somos. Então, só você pode escolher e decidir com certeza quem é, ou quer ser. Mas lembre-se de que amo você, assim como seus filhos, e os outros. Todos vão respeitar sua decisão, inclusive Sirius Black, por mais que lhe doa isso. Tenho que admitir, ele a ama verdadeiramente e sofreu como um cão danado esse tempo todo – ele riu da própria comparação tosca.
- Você está certo, como sempre... Aliás, está começando a falar que nem o Dumbledore, e a ter razão em tudo.
- Então, definitivamente, estou ficando velho. – Severus sorrira levemente, mas ela não poderia ver em seu pensamento.
Serena se levantou e começou a caminhar. Percebeu que os acontecimentos da noite anterior é que haviam forçado sua mente a repelir em definitivo os efeitos do feitiço de Doris. Só não entendia porque tivera aquela intuição maluca de que poderia achar o filho de Malu. Num impulso, soltou um forte assobio e chamou:
- Serelepe!
Imediatamente, um redemoinho se formou na areia, e ela cobriu o rosto, até que o garoto de uma perna só terminasse sua aparição.
- Oi, tia! – ele sorria, piscando maroto, até que olhou em volta e viu onde estavam. – O que é isso?
Serenna ria do Saci que olhava maravilhado para o mar, saltitando hesitante até a borda da água, pulando de volta quando a onda fria molhou seu pé.(1)
- Você nunca tinha visto o mar?
- Ninguém nunca me chamou da praia... – ele falou baixinho.
Serenna esperou que ele se cansasse de admirar aquele “mundão de água”, embora temesse que esse momento nunca chegaria. Como a criança que era, o Saci sentara-se na areia, ajuntando-a com as mãos.
- Olha só, o sol já vai nascer.
- Eu já tinha visto o sol nascer na beira do Solimões, mas... nossa, isso é muito incrível.
- Nunca ouvi algo assim: muito incrível. – Serenna ria agora com vontade, mas de repente ficou séria.
- Serelepe, eu preciso lhe perguntar sobre aquela profecia. O que significava a última parte?
- A “Chama da verdade”? É o seu poder. Pode achar qualquer um que quiser, em qualquer lugar, mesmo que a pessoa queira se esconder. O primeiro Laurent a nascer aqui também o possuía. Foi um dos motivos de sua briga com a família, pois queriam que o usasse para localizar escravos fugidos... Só porque você tinha o mesmo poder que Martinho Laurent pode te encontrar. Os poderes iguais se atraíram. Foi o que Mestre Paulo me disse.
- Mestre Paulo... O Prof. Paulo, do Centro Rio Negro?
- Sim. Ele tem os registros de toda a história dos Laurent, porque seu avô era amigo de Remy. Foi assim que eu o conheci.
- Ah...
O Saci não disse mais nada e ficou olhando para o mar, ainda com aquela expressão maravilhada. Serenna permaneceu em silêncio, pensando no que acabara de ouvir, até que ele levantou-se num salto ágil que seria impossível se ele não fosse a criatura mágica que era, e disse com um grande sorriso e um olhar pidão:
- Tia, eu cansei de papo sério... Trouxe um lanchinho? Estou com fome.
- Não, eu não trouxe, me desculpe. Mas apareça domingo para a caça aos ovos, certo?
- Certo! Tchau!
O Saci sumiu no seu costumerio redemoinho, deixando Serenna com novas perguntas. Então, seu poder latente despertara finalmente.
A água gelada veio beijar seus pés descalços e ela deu um pulinho para trás, rindo como uma criança. Depois, respirou fundo, olhando a vastidão do mar e a claridade que começava a colorir o horizonte.
Ela sabia, agora, o que fazer. Seu coração lhe dizia com todas as letras...
Dera seu sangue para selar um compromisso mágico com um homem que mal conhecia, mas que amava intensamente, e isso a assustava. E se tudo aquilo fosse um engano tremendo e eles não conseguissem viver juntos?
Mas... como prever o que ocorreria em um casamento? Se daria certo ou não? Lembrou-se de um filme, onde ouvira algo parecido sobre ouvir o coração e a previsão do tempo...
Serenna riu sozinha, “ouvindo” o silêncio em torno, onde apenas as ondas quebrando e o vento entre os ramos das árvores reinavam absolutos. Olhou em volta, preocupada inutilmente. Era muito cedo, ainda.
Num quiosque distante, apenas o vulto de alguém que dormia num banco de madeira. Provavelmente, um desses andarilhos sem teto, ou, na melhor das hipóteses, alguém que não conseguira voltar pra casa depois da farra da noite anterior. Serenna o observou por um momento, avaliando se oferecia algum risco. Podia ser um outro lobisomem perdido, lembrou-se de repente. Concluiu que não. Em todo o caso, estava com sua varinha, enfiada no bolso do blusão de moletom.
O sol já subia acima do mar e, depois de alguns minutos concentrada na maravilha à sua frente, Serenna olhou em volta. Até o homem adormecido já deixara a praia, que agora era toda sua. Nas casas da orla da praia, todos ainda dormiam, indiferentes ao espetáculo da Natureza bem em frente aos seus narizes.Os hóspedes da colônia de férias próxima ainda nem sonhavam em se levantar, quanto mais ir à praia.
Satisfeita, ela caminhou, sentindo a umidade gelada, sentindo o vento arrepiar a pele de suas pernas, vestidas apenas por um short jeans de barra desfiada.
O capuz caíra para trás, e o vento da manhã agitava seus cabelos. Entrou na água até os joelhos, e constatou que estava gelada. Sua mãe, provavelmente a repreenderia, se estivesse ali, dizendo que se arriscava a pegar um resfriado.
Percebeu que não era a única a pensar assim, quando viu que não estava mais só. Alguém, ou alguma coisa, brincava na água.
Olhando em torno, mais uma vez alerta, respirou mais relaxada ao perceber que havia apenas um cão, correndo contra as ondas e voltando para a areia ao se molhar, latindo, excitado, ao perseguir pequenos siris que afundavam rapidamente na areia.
Observou-o por alguns momentos, depois seu senso prático despertou. Um cão daqueles na praia não era correto. Era uma praia pública, logo teriam até crianças por ali. Aquilo não estava certo... Reparou melhor no animal: grande, preto, quase um gigante... e o reconhecimento foi imediato:
- Black! – exclamou, entre contrariada e divertida. Seu solitário passeio, pelo visto, acabara de ir pro brejo, pensou...
Sua voz chegou até o animal e ele parou, olhando para ela, até que, como se atendesse a um chamado costumeiro e conhecido, correu em sua direção.
Ela ergueu as mãos para tentar apará-lo, mas desequilibrou-se e caiu, de costas na areia molhada e fria, gritando de susto.
O cão latiu, depois deitou-se, apoiando a cabeça em sua barriga, surpreendendo-a.
- Seu danado! Que susto me deu! – ela estendeu a mão, afagando suas orelhas.
O cão soltou um latido rouco, virando a cabeça para ela. Era evidente que o carinho inesperado lhe agradava muito.
- Então, seu pulguento? Aparecendo aqui desse jeito... ia ser bem feito ser pego pela “carrocinha”... mas eles levariam um susto daqueles, também...
Ela continuava afagando atrás de suas orelhas, divertida, esperando para ver quanto ainda ia demorar. Mas o cão continuava a olhá-la como se não soubesse do que estava falando. Resolvera fazer o mesmo jogo que ela, o malandro.
- Venha, vamos fazer um pouco de exercício, você está gordo! – ela se ergueu, correndo pela orla da água, o cão a segui-la, agitado e feliz.
Quem os visse, imaginaria apenas ver uma mulher e seu grande cão de estimação, e Serenna se permitiu pensar que poderia ser apenas isso, ainda por mais um pouco.
Até se sentar na areia novamente, cansada da brincadeira. Esperou que ele também se cansasse de correr e investir contra a espuma, para vir se enroscar ao seu lado.
- E então? – ela perguntou, segurando o rosto do cão com as duas mãos, brincando com suas orelhas – Você não é nenhum sapo... não sei se funciona com cachorros...
Ela sorriu, antes de se inclinar, como se fosse beijar seu focinho frio. Mas...
- Eu também não sei – respondeu uma voz rouca – Então, prefiro não me arriscar, e beijar você como se deve.
- Sr. Sirius Black! Quando é que você vai aprender? – ela ralhou com ele, embora risse com vontade.
- Quando você parar com essa bobagem de achar que vai ser feliz em outro lugar que não seja perto de mim.
- E por que eu acharia tal coisa? Estar perto de você é só o que quero.
- Então, porque demorou tanto pra me dizer isso?
- Eu... – Serenna o fitou, bruscamente séria – Eu precisava ... depois de tudo que aconteceu, decidir quem sou, quem quero ser...
- E decidiu?
- Sim... – ela olhou para o mar, evitando os olhos do homem ao seu lado, mas Sirius não lhe deu trégua, moveu-se para a frente dela – Já sei exatamente o que sou e o que quero para a minha vida, de agora em diante.
- E está nesses seus planos voltar a ser a Sra. Sirius Black?
- Pensei que seria pretensão demais imaginar tal coisa, então... – ela tentou ser irônica, mas pensar que ele pudesse ter desistido dela provocou um nó em sua garganta.
- E você pensa que, depois de tanto esperar, vou deixar você escapar assim? Ainda mais que o Seboso já me aceitou como cunhado.
- Nunca mais chame meu irmão de Seboso! – ela o fitou, fingindo-se de brava.
- E você nunca mais me chame de Pulguento! Nem diga que estou gordo! Senão...
- Senão, o que?
- Vou fazer isso!
Sem lhe dar chance de dizer mais alguma coisa, ele a empurrou contra a areia, rolando sobre ela e cobrindo-a de beijos e... de cócegas.
- Sirius! Por favor...
- Por favor... o que? Diga, vamos!
Ela o encarou. e piscou os olhos, onde as lágrimas provocadas pelo riso ameaçavam cair, depois os fechou.
Sirius parou de provocá-la e sentou-se ao seu lado.
- Por Merlim! Será que não consegui mostrar a você o quanto a amo?
- Não. Acho que não... – ela ergueu a mão, pousando-a sobre seus lábios, antes que ele retrucasse – Acho que você vai precisar mostrar isso pelo resto de seus dias. Qual é mesmo a idade que um bruxo pode alcançar?
- Minha querida... não me importo que sejam cem ou duzentos anos, mas sei que vou precisar apenas de uma coisa: estar perto de você, a cada minuto, cada segundo de cada dia de cada um desses anos...
- Hum... então... acho que vou ter que tomar algumas vacinas, e também comprar um bom antipulgas pra você.
Dizendo isso, ela levantou-se de um salto, correndo pela praia, antes que ele conseguisse detê-la:
- Sua... Sebosa! – ele exclamou, correndo atrás dela, enchendo o ar matinal com suas risadas e os gritos dela, quando a alcançou, finalmente.
Depois de jogá-la novamente no chão e prendê-la contra a areia úmida, ele sorriu, antes de dizer pensativo:
- Sabe, eu poderia ensiná-la a ser uma animaga também... Aí, sim, formaríamos um belo casal. O que você acha? Você ficaria linda, uma bela poodle de lacinhos cor de rosa.
Ela entendeu que ele a estava provocando, por causa de seu bicho-papão, mas balançou a cabeça.
- E quem garante que eu me transformaria em um cão? Ainda mais uma poodle cheia de frescurinhas! Sirius Black, acho que você não faz idéia de com quem está falando...Poderia ser qualquer outro animal, um gato ou um...
- Uma onça – ele a interrompeu – Nada menos que uma onça muito brava, claro. Mas, quem segurava um lobisomem pode muito bem amansar uma onça linda...cheirosa...
Ele disse isso segurando seu rosto, fixando o olhar em seus lábios, e então a beijou. Um beijo carregado de saudade e doçura.
- Eu sempre tive uma curiosidade – ela perguntou, quando finalmente se separaram, tentando agir como se não pudesse ouvir o próprio coração descompassado.
- Sim? – Sirius a fitou, confuso, enquanto tirava a capa, sacudindo-a contra o vento do mar, e depois estendendo-a na areia para que se sentassem novamente.
- As roupas. – ela apontou para suas roupas, completamente impróprias para um passeio pela praia: calça, colete e paletó de veludo, a camisa escura, as botas de cano curto. – Para onde elas vão, e como voltam, quando você se transforma em cão e de novo em homem?
- Ah, isso? – ele riu – Faz parte do feitiço de transfiguração de um animago. Mas você tem que treinar bastante, até que aprenda como funciona, ou poderá se ver em situações constrangedoras... Nós passamos alguns apuros. Depois que se aprende, nem se pensa mais nisso, é automático.
- Ah, menos um mistério a atormentar a humanidade... Vou explicar isso pro pessoal dos fóruns, junto com quais são os 12 usos do sangue de dragão.
Sirius a fitou como se não fizesse nem idéia do que se tratava, mas então se lembrou do que ela lhe ensinara sobre internet e outras coisas de trouxas que ela fazia sem problema algum.
Mas esqueceu do assunto, porque ela apontava para o sol a se refletir nas ondas do mar e comentava:
- Olha só. Não é lindo?
- Lindo é você aqui comigo, finalmente e como eu sempre quis.
Serenna sorriu, e se aconchegou a ele, sentada entre suas pernas, encostando a cabeça em seu peito.
- Sabe de uma coisa? Você fica lindo de sarongue...
Ele piscou, a princípio surpreso, depois envaidecido, e ia dizer alguma coisa quando ela continuou:
- Mas eu prefiro a versão em toalha, principalmente se for de manhã cedinho... no nosso quarto. – ela virara o rosto para lhe dar uma piscadinha travessa.
- Você se lembrou!
- humhum... – ela murmurou, voltando a encostar-se no seu peito. Não estava com vontade de conversar, só queria aproveitar o momento e matar a saudade...
Ficaram assim por algum tempo, ouvindo o barulho das ondas quebrando próximo a seus pés, até que ele começou a cantar em seus ouvidos, bem baixinho, com sua voz rouca que ela achava tão sedutora, parecendo um latido morno:
-... “just like me, they long to be, close to you...”
Ela fechou os olhos, feliz, como em seu sonho… Mas desta vez e daí para sempre, não seria mais apenas um sonho. Porque, estava finalmente perto do homem de seus sonhos e nunca mais deixaria de estar…
*** Quase... Fim***
Hehe... bem, podia ser, não é? esse foi o capítulo final que escrevi primeiro, com várias modificações e inclusões, e exclusões, porque alterei o curso de algumas coisas, principalmente em relação à família Laurent, no andar da carruagem.
Uma das coisas que não mudou foi o papo Snape/Serenna (mas o capítulo anterior, "Sonhos que voltam", não existia até há dois dias atrás)
E uma dúvida crucial: o apelido de Snape seria "Seboso" ou "Ranhoso"? se for o caso de mudar, a gente edita, sem problemas, né?
Ah, ia me esquecendo:
(1) Quem assitiu ao Sítio do Pica-Pau Amarelo? A primeira versão da Globo? tinha uma cena assim, o Saci (ele era fofo) vendo o mar pela primeira vez. Hehe, até parecia mineiro...
Mas espero que vocês tenham gostado do presente de "Dia das Bruxas". não consegui desvincular os dois capítulos e fiquei aflita pra postar logo.
Bem, como eu disse que este seria o final, os capítulos seguintes são, digamos... bônus.
(um será especialmente dedicado às minhas duas betas, amigas, ídalas, modelos: Belzinha e Sally Owens )
Aguardem só mais um pouquinho, que tem uma harpia voando pra Inglaterra com uma carta urgente pra Ana... quando ela voltar com a resposta, posto mais um capítulopra vocês.
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