Sonhos que voltam
...
Ela despertou no meio de uma névoa espessa, e quando deu por si, não podia acreditar que era verdade.
Uma princesa cansada de protocolos e obrigações reais, que abandonara tudo por um belo e arrogante escravo. Sim, lembrava-se bem da primeira vez que o vira, recém-capturado, altivo mesmo sob o chicote. Seus olhos claros haviam encontrado o seu, enquanto seu rosto se contorcia não de dor, mas de raiva. E ela se sentira presa a ele por algum mistério... Fingira não ligar cada vez que seu pai o castigara, convencera o rei a fazer dele seu escravo pessoal, alegando querer apenas se divertir humilhando-o ainda mais, mas fora inevitável: apaixonara-se. Por isso o ajudara a fugir, afinal era um rei que tinha o direito e o dever de voltar para seu povo. E, na aflição de uma vida sem perspectivas além do casamento com o sucessor de seu pai, ela cedera a seu apelo e o acompanhara na fuga... somente para ser agora transformada em escrava, instrumento de vingança daquele homem contra seu pai, que dizimara seu povo e o fizera prisioneiro. E ela o amava tanto... Por que ele não entendia que ela apenas fingira humilhá-lo com suas brincadeiras e ordens absurdas? Que ela tentara apenas evitar que ele fosse levado para trabalhos pesados ou, pior, morto? Por que a fazia sofrer daquele jeito, humilhando-a em frente às suas mulheres, rindo dela o tempo inteiro, tentando tirar-lhe toda a dignidade?(1)
E a névoa a envolveu, enquanto corria pelo jardim chorando ao tentar escapar de seu jugo, e ela sentiu-se perdida.
Onde estava? O que acontecia com ela? Por que se via novamente quase uma menina, sendo arrancada da casa do pai, para integrar o grupo de mulheres dentre as quais o rei escolheria sua nova esposa?
Será possível que teria novamente que viver sob humilhações tão grandes?
Mas sua tristeza e doçura cativara o rei, que se apaixonara por ela e a escolhera entre tantas. O mesmo homem de olhos claros, que agora prometia lhe proteger de tudo e de todos, como era possível?(2)
E ela adormecia confiante em seus braços para despertar novamente... em outro lugar, outro tempo.
O que estava acontecendo? Ela não sabia. Só o que sabia é que precisava partir antes do amanhecer. Estranho... ela se ergueu da cama de palha e ele tentou retê-la, mas ela não voltou. Afirmou que precisava ir e que ele não podia evitar. Ele pediu que ela voltasse, ela disse ser impossível, mas ele a fez prometer voltar pelo menos uma vez, enquanto saía pela porta, sumindo no meio da névoa que tinha um gosto de mar desta vez...e o mais estranho, não estava vestindo nada, apenas seus longos cabelos cobriam seu corpo.(3)
Ela devia estar ficando louca ou então... assistiu a filmes demais. É isso, só pode ser isso! E agora, sonha que está no lugar de cada uma daquelas heroínas...
Mas a música que toca agora é tão doce! E ela a conhece bem, reconhece os versos enquanto dança em um salão enfeitado de velas flutuantes, o teto transparente mostrando o céu estrelado, onde a alfa de Cão Maior brilha intensamente...
“...Just like me, they long to be close to you!...”
E ela repete o verso para o homem de olhos claros que lhe sorri, dizendo que ela precisa encontrá-lo para que isso possa acontecer.
Ele some na névoa, ela o segue, para ver-se numa floresta escura, rodeada por cães ou lobos que uivam aflitos e a fazem fugir apavorada.
E de novo aquela névoa, e no fundo da névoa, um imenso cão a chamar por ela, e ela finalmente o encontra.
Cortando seu pulso com uma faca em forma de meia-lua, ela repete um feitiço, o beija, e eles estão fora daquela névoa fria e medonha, atravessando um véu num arco de pedra...
****
E Sarah despertou. Que sonho estranho! Era como se visse trechos de velhos filmes ou livros lidos há muito tempo.
Seria possível que ela e Sirius tivessem vivido outras vidas juntos? Ou tudo aquilo não passava de fantasia de sua mente superexcitada pelos acontecimentos?
Pensar nele pareceu fazer com que o sono e o sonho se dissipassem de vez e foi aí que ela percebeu não estar sozinha. Dormindo ao seu lado, o rosto apoiado em uma mão enquanto a outra segurava a sua junto ao peito, Sirius respirava pausadamente, num sono profundo que ela temeu perturbar.
Por que ele estaria ali? Ou, melhor, por que Ela estava ali? Era o quarto dele, não dela.
De repente, uma dor intensa quase a fez gritar. Sua cabeça parecia ter sido atravessada por uma espada fina e ardente.
Esquecendo-se do desejo de não despertar o homem ao seu lado, ela pulou da cama.
Sirius acordou e de um salto estava ao seu lado.
- Você está bem?
- Sim... acho que sim. Foi só uma dor de cabeça e um... pesadelo. – Ela respondeu sem olhá-lo nos olhos. Sentia-se ainda muito confusa – Eu... vou caminhar um pouco.
Ela abriu o armário, pegando um agasalho de moletom e vestindo sobre a roupa amassada. Pegou a varinha na mesinha de cabeceira – nem se lembrava de tê-la deixado ali – e caminhou para a porta.
- Posso ir com você? – ele perguntou, num fio de voz, como se temesse assustá-la.
- Não. Por favor, eu preciso ficar um pouco sozinha, e nesta casa isso é impossível – ela riu ao se lembrar de quanta gente tinha naquela casa. -. Daqui a pouco eu volto.
- Promete?
Sarah o fitou, alarmada. Parecia estar vendo de novo o homem do sonho à sua frente. Sacudiu a cabeça com veemência, o que provocou nele um soluço angustiado, que a fez sorrir e tentar tranqüilizá-lo. Ele parecia um garoto, os olhos de cachorro perdido cintilando daquele jeito...
- Olha, é só uma volta na praia. Preciso... ajustar algumas coisas no lugar, e é a melhor maneira que conheço de fazer isso.
Ela tocou seu rosto com doçura, enquanto falava. Ele virou o rosto até conseguir beijar a palma de sua mão.
- Está bem, eu espero você, mas não demore, senão...
- Senão...
- Eu vou atrás de você.
Ela sorriu, saindo de mansinho.
Sirius deixou-se cair na cama. Passando as mãos pelo cabelo, respirou fundo, tentando manter a calma.
Ela prometera que voltaria logo. Ele esperaria um pouco, não muito, como também prometera.
Alguns minutos depois, Sirius se ergueu novamente. Estava ansioso demais pra ficar esperando.
Abriu o armário para também pegar um agasalho, pois podia ouvir o vento lá fora, frio como sempre antes do clarear completo do dia. Só então notou que Sarah pegara o “seu” agasalho de moletom, em “seu” armário. Riu, pensando em como aquele detalhe poderia significar intimidade, se fossem um casal comum...
Mas qual o problema? Eles eram um casal! Claro, comum não era uma definição para seu caso, em nenhuma circunstância...
Trocou-se com rapidez, vestindo suas roupas instintivamente – as que usava ao vir da Inglaterra e, pegando sua capa e a varinha, aparatou, sem se preocupar em avisar alguém da casa. Todos deveriam estar dormindo ainda.
Já não era mais tempo de esperar. Já estava na hora de “fazer acontecer”.
Ele só não sabia que tinha sim, pelo menos uma pessoa acordada. Um antigo espião, que registrou tanto os passos suaves da irmã saindo, quanto a sua súbita aparatação logo em seguida. E sorriu, enquanto dizia em voz alta:
- Já está mesmo na hora.
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(1) baseado em um trecho de “O amor venceu” – espírito Lucius, psicografia Zibia Gasparetto
(2) Baseado em um trecho de “Conquista de reis” (só porque achei o rei parecido com o Sirius)
(3) Baseado em um trecho de “A floresta das sombras”, que não vou contar qual é. Se ainda não leram a fic, leiam, não vão se arrepender, tá linda!
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Pessoal, a partir do próximo capítulo, passo a usar o nome Serenna o tempo todo, ok? Fora nos momentos em que os Laurent chamarem nossa heroína pelo nome. Porque até eu já to confusa, hihi...
Ah, importantíssimo, este capítulo e o seguinte contaram com betagem dupla: tanto a Belzinha (deu até vontade de deixar os comentários dela “a la Ana” no meio do texto...) quanto a Sally os revisaram pra mim. Desde já gradeço a elas de coração, que são as excelentes autoras que vocês já conhecem e minhas “Ídalas”.
E até o próximo, que não demora muito não.
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