No Pasquim



Capítulo três: No Pasquim

Maluquices. Maluquices por todo o lado. Era tudo o que Cho conseguia enxergar em qualquer canto que olhasse. Estava cercada por esquisitices dos mais variados tipos. A sede do Pasquim era, com absoluta certeza, o lugar mais estranho onde já pusera os pés durante toda a sua vida. Pôsteres de Bufadores de Chifre Enrugado estavam afixados nas paredes, disputando espaço com réplicas de capas antigas do jornal, ampliadas de modo a ocupar boa parte dos murais dos escritórios da meia dúzia de jornalistas oficiais do estabelecimento.

Cho encontrava-se parada de boca aberta em frente a porta do Pasquim, observando espantada os cubículos pertencentes aos repórteres, onde as paredes eram forradas por artigos do jornal. Erguendo uma sobrancelha, ela constatou que a matéria daquele dia era a respeito do casamento de Harry, como a reportagem que fora retratada no Profeta Diário.

Olhando com mais atenção, ela notou que na capa da edição havia uma charge malfeita de Harry, apenas reconhecível pelos cabelos despenteados e a cicatriz em forma de raio que fora ressaltada, ocupando metade da testa do desenho do homem. O bruxo estava em pé em cima do que, aparentemente, seria um altar. Suas mãos estavam entrelaçadas às da Weasley e ele abria a boca ao mesmo tempo que ela, dizendo “sim”, Cho pôde ler no movimento dos lábios das gravuras.

Resmungando, ela desviou o olhar e seguiu com o queixo erguido por entre os jornalistas que miravam-na com interesse, os pescoços esticados por cima de seus respectivos cubículos. Tentava parecer o mais segura de si possível, levando em conta o estado deplorável em que se encontrava. Por estar eufórica por informações que poderia vir a conseguir com Luna Lovegood sobre o matrimônio de Harry, ela somente notara seu perfil totalmente desapresentável quando adentrara o saguão de entrada do prédio que servia de sede para O Pasquim.

O prédio ficava dentro do Beco Diagonal e certamente não passava despercebido pelos transeuntes que protegiam-se da forte chuva utilizando-se do feitiço da impermeabilidade. Mas ela, de tão transtornada, não se dera ao trabalho de aplicar o feitiço em suas roupas para manterem-nas novamente secas. Na verdade, esperava aparatar diretamente para dentro do jornal, não lembrando-se que a maioria dos prédios mágicos eram protegidos pelo feitiço anti-aparatação e a sede do Pasquim não era uma exceção, apesar das tantas outras que demonstrava.

Resultado: Ela tivera de caminhar desde o início das ruas do beco Diagonal até o prédio de dois andares onde uma placa torta informava: “O Pasquim”. Quando entrou no local, imediatamente viu-se sendo seguida por olhares curiosos e estranhamente desejosos, vindo da população masculina que freqüentava o lugar. Intrigada, ela não pôde deixar de conter um grito ao notar seu estado: Estava encharcada dos pés á cabeça. A veste azul-marinho que usava grudava em seu corpo, modelando suas curvas enquanto os cabelos ensopados moldavam delicadamente o formato do rosto e do colo exposto por um leve decote quadrado. Seus sapatos, aos quais minutos antes mergulhara numa poço d’água ao andar distraída, deixavam atrás de si um rastro de pegadas lamacentas.

Ela até tentara tornar-se um pouco mais apresentável durante o caminho até a sala de Luna, mas não conseguira obter muitos resultados, pois, devido ao nervosismo, acabar esquecendo as fórmulas mágicos dos vários feitiços de beleza que conhecia. Agora, ao ser vigiada por olhares interrogativos, ela amaldiçoava-se por não ter se produzido um pouco mais antes de desaparatar de Hogwarts. Afinal, mesmo que ela não se importasse, estava ali à trabalho, esperando para prestar uma entrevista com a editora substituta de um jornal de fama, apesar de ter obtido esta fama através de críticas nada bondosas.

Respirando fundo na tentativa de se acalmar, ela atravessou o cômodo até o final do mesmo, não se importando com o chão lustroso que molhava a cada passo que dava, graças às suas vestes encharcadas. Assim que alcançou a maçaneta da porta da sala onde uma pequena placa especificava: “Luna Lovegood - Editora substituta”, foi barrada por uma jovem que colocou-se na sua frente, impedindo sua passagem.

- Com licença - pediu Cho, forçando a entrada, mas a mulher não permitiu, empurrando-a suavemente para trás.

- Quem é você? - perguntou a moça num tom de voz etéreo, não obedecendo a ordem da outra.

Colocando as mãos na cintura, Cho mirou-a, notando a semelhança dela com Luna. Ela tinha cabelos louros presos com uma pena no alto da cabeça, de onde duas mechas douradas escapavam do coque, caindo em forma de cachos rebeldes em frente aos olhos de um tom sonhadoramente azul. Usava um crachá laranja que a identificava como sendo: “Lana Lovegood - Secretária”.

- Eu digo quem sou depois de você me dizer quem você é - respondeu Cho em tom de desafio.

- Eu sou Lana, Lana Lovegood - ela apontou para o crachá, encarando-a com calma.

- Isso eu sei - a mulher revirou os olhos, impaciente - Mas qual é o seu parentesco com a Di-lua... digo, Luna?

- Sou irmã dela, por quê?

- Irmã, é? - os olhos de Cho brilharam e ela prontamente estendeu a mão, ao qual Lana apertou ligeiramente desconfiada - Muito prazer sou... - um momento de hesitação. Ela quase dissera seu verdadeiro nome, mas então lembrou-se de que não havia marcado hora e que, provavelmente, Lana não a deixaria entrar. Sendo assim, resolveu inventar um nome qualquer, pensando em algo bem esquisito e imponente para tentar dobrar a moça - ...a Condessa Consuelo Bananahamick - disse forçando um sotaque espanhol - Vim aqui para congratular a editora do jornal pelo belo trabalho em favor dos... Bufadores de Chifre Enrugado - lembrou-se dos animais imaginários que Luna gostava de relatar - Eu mesma já encontrei um na minha cidade Natal.

- Sério? - animou-se Lana, os olhos brilhando - Uma condessa, aqui? Mas que honra! O corpo docente do Pasquim vai se sentir honrado em conceder-lhe uma entrevista, Sra. Bananahamick!

- Srta, por favor - disse Cho, contendo uma risada.

- Claro! Será um enorme prazer se a Srta. relatar-nos sobre a espécime de Bufador que vossa excelência encontrou em sua terra Natal... como vossa senhoria disse que ela se chamava mesmo?

- Eu não disse - respondeu Cho, enrolando-se ao tentar imitar o linguajar dos espanhóis.

- Ah! Então poderia me dizer, Srta.?

- Mas é claro! - confirmou Cho, sentindo-se realmente patética ao esquecer-se de suas noções básicas em Geografia e não lembrar-se de nenhuma cidade espanhola - É.... hum... a minha cidade se chama... erm... Bananaville! - e se sentiu uma idiota completa.

- Bananaville? - Lana coçou o queixo com a varinha, pensativa - Nunca ouvi falar... é uma cidade bruxa?

- Obviamente! Uma cidade bruxa importantíssima! - Cho controlou-se para não deixar o queixo cair diante da inocência, ou idiotice mesmo, da moça, que caía feito um patinho em seu papo furado.

- Sinto muito, não me recordo desse nome... Eu, papai e Luna saímos uma vez numa expedição até a Suécia para ver se capturávamos um Bufador, mas não conseguimos nada... - ela fungou, inconformada.

- Que lástima! - Cho fingiu solidariedade, quando na verdade estava louca para ver-se livre daquela maluca que estava fazendo-a perder tempo ao obstruir seu caminho, sendo que para ela, na situação em que se encontrava, tempo valia mais do que uma centena de galeões.

- Realmente... Nós só encontramos algumas testemunhas oculares, mas nada do bicho! - Lana soltou uma risada escandalosa - Mas creio que em Bananaville não haja esse problema, não é mesmo?

- Não, acho que não... - Cho olhou para a porta fechada enquanto tentava controlar-se. Uma imensa vontade de agarrar a varinha de Lana e enfiá-la pelo nariz da moça adentro tomou conta de seu corpo, fazendo-a fechar os olhos com força, repetindo mentalmente: “Controle-se, controle-se!”. Enquanto isso, Lana continuava a falar, imune aos pensamentos homicidas de Cho contra si:

- Nunca pensamos em viajar até o México atrás de Bufadores, sabe? Mas quem sabe seja realmente uma boa idéia, não? Vou falar com papai, ele vai adorar a idéia...

- Escute, Lana - Cho cortou-a secamente, tremendo de fúria - Eu realmente preciso falar com a sua irmã...

- ... Os Bufadores são bem raros, não encontramos um desde a última visita de papai até Marrocos, entende? Papai jura que viu um Bufador enorme, mas tem gente que não acredita nele, dizem que ele andou bebendo umas garrafas de uísque de fogo antes de dizer ter visto o bicho, sabe? Mas eu acredito nele, papai não é de beber... Ele não bebe desde a ressaca que teve após tomar um galão inteiro de batida de basilisco... Hehehehe, eu ainda lembro dele fazendo um strip-tease no Caldeirão Furado, dançando ao som de “Eu tenho uma enorme vassoura, baby”... - e seguia-se o falatório interminável de Lana que parecia não ter escutado as palavras de Cho.

- Olha aqui, garota... - começou Cho, cansando-se do monólogo da moça e resolvendo partir para a ignorância. Mas antes que pudesse demonstrar seus “bons modos”, mandando-a ir para um lugar nada agradável, a porta a sua frente abriu-se e Luna Lovegood apareceu atrás da irmã.

- O que está acontecendo aqui? - perguntou ela com seu ar sonhador de sempre.

Cho engoliu em seco. Sabia muito bem que de burra Luna não tinha nada e logo descobriria sua evidente mentira. Apesar de nunca demonstrar, a moça sempre fora muito inteligente e Cho sabia muito bem que deveria haver um motivo para a garota mais aluada e biruta da Corvinal ter sido selecionada para a casa dos mais espertos.

- Luna! - exclamou Lana animada, apontando freneticamente para Cho que encolheu-se, tentando passar despercebida por Luna, mas os olhos prateados e protuberantes da mulher já estavam fixos nos seus antes que ela pudesse pensar em algum esconderijo - Essa é a Condessa Consuelo Bananahamick, especialista em Bufadores do Chifre Enrugado!

Luna examinou Cho longamente, observando-a sem piscar, como costumava fazer. Sentindo-se incomodada com o olhar constante sobre si, Cho desviou o olhar, ouvindo Luna perguntar, o tom de voz sonhador acobertando uma quase que imperceptível desconfiança:

- Nós já não nos conhecemos?

Cho se assustou tanto com a pergunta, que acabou virando-se para olhá-la. Grande erro. Os olhos saltados da moça miravam-na astutamente e as sobrancelhas claras imediatamente ergueram-se assim que um lampejo de memória perpassou o rosto de Luna, assustando Cho que tratou de desviar o olhar novamente, desejando ardentemente que Luna não tivesse lembrado dela, pois achava que seria muito mais fácil se ela não o fizesse.

- Ora, não seja tola, Luna! - riu Lana, olhando com admiração para Cho, a suposta Condessa Consuelo - Você, conhecida de uma Condessa? Não me faça rir!

- Eu não falei com você, Lana - Luna cortou a irmã, olhando fixamente para Cho - Nós nos conhecemos?

- Creio que não, Srta. Lovegood - respondeu Cho, engasgando com a pergunta. Tentando se recompor, ela corou ligeiramente quando continuou, tentando soar o mais verdadeira possível - Eu moro no México desde que nasci, então, a não ser que a Srta. tenha visitado meu país, nós não podemos nos conhecer...

- Viu só, Luna? - Lana retrucou bem-humorada - Ela viu um Bufador de Chifre Enrugado em sua cidade natal, Bananaville!

- Bannanaville? - Luna disse serenamente, como que se perguntando se ouvira direito.

- É, Bananaville! Nunca ouviu falar, sua sem-cultura? - Lana sorriu, caçoando da irmã.

- Não, não tive o prazer de conhecer - Luna sorriu gentilmente, os cantos de sua boca contraídos na tentativa de conter uma risada - Mas, diga-me, Condessa, será que a Srta. podia me relembrar de um pequeno detalhe sobre o seu país? Qual é a capital dele mesmo? Sabe como é, essa cabeça esquecida minha...

Cho arregalou os olhos, engolindo a saliva com dificuldade, como se ela tivesse virado pedra em sua garganta. “Ela sabe” - pensou, olhando para Luna que fitava-a com um sorriso feliz, não deixando transparecer qualquer desconfiança que pudesse estar sentindo.

- Ãh... hum... erm... desculpe-me, Srta. Lovegood, mas eu também ando meio esquecida, compreende? - Cho riu nervosamente, fazendo Luna abrir um meio-sorriso repleto de significado.

- Compreendo... - sussurrou ela lentamente, piscando discretamente para Cho - Isso acontece com todos, não é verdade?

- Creio que sim...

Luna riu, dando um passo para o lado, abrindo espaço para Cho passar. Ela entrou desconfiada, lançando um olhar nervoso à Luna que segurava a porta aberta para ela. A mulher tratou de fechar a porta assim que passou por ela, fechando-a na cara de Lana, deixando a irmã irritada para trás.

- Então, no que posso ajudá-la, Cho Chang?

Cho congelou. Prendendo a respiração, ela virou a cabeça vagarosamente para trás, o coração batendo forte. Luna encarava-a com os olhos brilhando, parecendo duas luas-cheias iluminando a penumbra da sala. Ao perceber o desconforto de Cho, ela soltou uma risada pelo nariz, encostando-se de braços cruzados na porta. Os únicos sons que ecoavam no âmbito eram os da chuva fustigando as janelas e os resmungas e murros de Lana do lado de fora do cômodo.

- Co... como... - gaguejou Cho, sentindo o rosto queimar de vergonha - Como você descobriu quem eu era?

- Bom, digamos que não se esquece muito rapidamente de alguém que sempre te humilhou, inventando apelidos ridículos para você - respondeu Luna com simplicidade.

- Eu... eu não... bem, eu... - Cho tentava articular uma resposta, em vão.

- Sim, você me chamava de Di-lua, como todos os outros corvinais - disse Luna, sem demonstrar resquício algum de mágoa no rosto. Já o rosto de Cho contorceu-se no mais explícito embaraço com as palavras dela e Luna concertou cinicamente - Mas fato de você ter sido uma das melhores apanhadoras corvinais também ajuda...

Cho tentou sorrir, mas os músculos de sua face estavam contraídos dolorosamente e ela apenas acenou com a cabeça nervosamente. Luna mirou-a por mais alguns segundos, deixando que um incômodo silêncio se instala-se no local, interrompido somente pelo barulho dos trovões lá fora.

Durante a troca de olhares, Cho examinou Luna, notando que ela continuava quase que a mesma de anos atrás: Continuava usando seu famoso colar de rolhas de cerveja amanteigada que agora era intercalado com tampas de rum de salamandra, a varinha continuava guardada atrás da orelha e os cabelos ainda eram embaraçados e com aspecto sujo, a única mudança fora em seu cumprimento, agora os fios louros estavam vários centímetros menores, batendo nos ombros num corte mais curto.

Suspirando, Luna andou calmamente até sua mesa, como se flutuasse. Sentando-se com delicadeza sobre sua cadeira, ela entrelaçou os dedos, sustentando o queixo sobre as mãos unidas. A mulher mandou Cho sentar-se a sua frente com um gesto largo, o que a moça fez prontamente, obedecendo-a com um pouco de nervosismo. Teria que dar uma explicação para Luna e não tinha a menor idéia de como o faria.

- Então, a que devo a honra de sua ilustre visita, Chang?

Cho engoliu audivelmente. Pigarreando, ela respondeu duvidosamente:

- Bom, meu amigo Miguel Corner marcou uma entrevista minha com você, Luna...

- Eu sei - respondeu ela, cruzando as pernas e apoiando as costas no estofado da cadeira - Eu me prontifiquei a entrevistá-la, afinal, seria um enorme... prazer entrevistar uma antiga colega minha, não?

- Creio que sim... - sussurrou Cho, corando com a ironia da moça “Já vi que terei problemas... Também, que sorte que eu tive! Tentar obter informações logo da pirada Lovegood que, obviamente, me odeia!”

- É, mas eu tenho a estranha sensação de que você não veio aqui para falar da sua entrevista, não é mesmo? - Luna disse, perspicaz.

- Bom, não... - respondeu Cho, dando uma risadinha discreta - Na verdade, eu queria falar com você sobre outro assunto...

- Sou toda ouvidos...

- Bem - começou Cho incerta, após um breve momento de silêncio - Eu soube, pelo Miguel, que você é amiga da Gina Weasley, é verdade?

- Sim, somos amigos desde os tempos de Hogwarts -confirmou Luna, franzindo o cenho - Mas qual é o seu interesse nisso?

- Eu acho que você já deve estar sabendo do casamento da Gina e do Harry, certo? - Cho fez uma careta ao pronunciar aquelas sofríveis palavras. Mas era preciso, afinal, tinha de mostrar ser íntima do casal para conseguir as novidades que queria.

- Obviamente... Formam um belo casal os dois, não? - Luna disse animada.

- Acho que sim - Cho praticou cuspiu aquelas três palavras dificílimas de pronunciar, os olhos apertados - A Gina tirou a sorte grande, não é mesmo? Casar com o grande Harry Potter...

- Na minha opinião, os dois tiraram a sorte grande. Gina é uma pessoa muito especial, uma grande amiga e certamente será uma boa esposa. E quanto ao Harry eu nem preciso falar, não é? Você deve conhecê-lo muito bem, não é mesmo? Namoraram durante um ano após a formatura em Hogwarts, se não me engano...

- Nos conhecemos muito antes disso - falou Cho saudosamente - Não sei se você chegou a saber, mas eu e ele tivemos uma espécie de... relação nos tempos de colégio, mas não chegamos a oficializar nosso relacionamento...

- Mas nem por isso que a sua “relação” com o Harry não virou motivo de fofoca, não é? - riu Luna - Não só eu, mas Hogwarts inteira soube do “caso” entre você e ele...

- Verdade? - espantou-se Cho - Eu não soube disso...

- Você não soube porque a fofoca não chegou em seus ouvidos, mas toda a Corvinal já sabia. Parece que a namorada do Rogério Davies espalhou para todo mundo que te viu dando um maior escândalo na Madame Puddifoot no primeiro encontro entre você e o Harry, morrendo de ciúmes da Hermione Granger - ao pronunciar o nome da rival, o rosto de Luna contorceu-se numa expressão ligeiramente nauseada - Ciúmes estes sem razão, não é mesmo? Já que a Hermione casou-se com o Rony... - a náusea se intensificou, tornando a face da mulher um misto de nojo e saudade. Evidenciando, assim, os sentimentos que um dia ela sentira pelo irmã caçula dos Weasley.

- Nem imaginava... - Cho sentiu uma contração no estômago ao lembrar do barraco que aprontara em seu sexto ano - Então quer dizer que aquela oxigenada da namorado do Rogério abriu o bocão para vocês, é?

- É... - Luna sorriu coma lembrança - E você começou a ser a garota mais odiada pela parte feminina da escola, principalmente pelas meninas do fã clube do Harry. Todas ficavam te olhando torto por ter dado uns amassos no Harry Potter e ainda por cima ter o tratado mal depois.

- Então era por isso que um bando de lufa-lufas ficavam me olhando esquisito? - Cho abriu a boca, estupefata.

- É, pelo Harry e pelo Cedrico - acrescentou Luna - Foi por causa desse triângulo amoroso que você acabou ganhando o apelido de Chô Changalinha e o Harry, coitado, acabou indo na onda e ficando com fama de destruidor de corações...

- Merlin!

- Realmente, foi um caso sério... - uma lágrima de riso escorreu pelas bochechas coradas de Luna quando ela soltou uma risada - Mas acho que você não veio aqui para ficar relembrando o passado, certo?

- Errado - respondeu Cho, ainda balada pela notícia que acabara de receber. Luna ergueu uma só sobrancelha - Na realidade, meio certo, já que o assunto que eu tenho para tratar com você envolve o passado e o futuro...

- Que mistério - interessou-se Luna, inclinando-se sobre a mesa para mais perto de Cho - O que, exatamente, você quer falar comigo?

- Bom, vou ir direto ao ponto porque já enrolei muito... - ela respirou fundo, tomando coragem para iniciar o assunto - Eu vim aqui para te perguntar se, por um acaso, durante alguma conversa que você pudesse ter tido com o Harry, ele tenha, por obsequeio, mencionado, talvez...

- Você não disse que iria direto ao ponto? - Luna riu, fazendo Cho corar.

- É, acho que estou me enrolando de novo... Bem, para início de conversa, eu preciso te perguntar uma coisa...

- Pergunte.

- Você e Harry são amigos, não são?

- Sim, eu me considero amiga do Harry, sim...Por quê?

Cho olhou dentro dos olhos prateados da mulher a sua frente e suspirou fundo, vendo que a hora da verdade chegara. Precisava urgentemente saber daquilo que a atormentara durante anos e talvez pudesse sondar um pouco e descobrir algo sobre a Weasley, mas somente depois de ter certeza de que valia a pena fazer o que pretendia, era fundamental saber se Harry Potter ainda sentia algo por ela, nem que fosse o mais singelo carinho e admiração, precisava saber.

- Luna, o Harry já falou com você sobre mim?

Uma pausa momentânea. Luna olhou para a mulher a sua frente com um sorriso discreto, seus olhos tornando-se anuviados. O coração de Cho batia rapidamente dentro do peito, disparando seus batimentos cardíacos.

- Sobre você? - Luna murmurou.

- É, sobre mim - confirmou Cho ansiosa.

- Talvez ele tenha mencionado, uma ou duas vezes, quando vocês ainda namoravam...

- Mas eu não estou falando de tempos atrás, estou falando de agora - Cho pressionou-a.

- Pode ser que sim... não me lembro... como já disse, sou esquecida...

Cho notou que ela estava se fazendo de desentendida.

- E você acha que ele tem interesse em mim?

- Bom, ele não casaria com a Gina se estivesse interessado em você, não é mesmo? - disparou Luna.

O teor das palavras da mulher caíram como gelo sobre Cho. Seu coração pareceu ter parado de bater e sua respiração trancou nos pulmões. Ela abriu a boca, olhando estática para Luna, não acreditando no que havia acabado de ouvir. Engolindo com dificuldade, ela resolveu tentar outra vez ao perceber que Luna não estava sendo totalmente sincera.

- Mas ele poderia estar casando com ela, mas gostando de outra, não poderia?

- Creio que sim... - disse Luna suavemente.

- Então... você acha que ele ainda gosta de mim?

Luna soltou o ar lentamente pela boca, encarando Cho firmemente. Contrariada, ela sacudiu a cabeça, como que para livrar-se de pensamentos incômodos, fazendo as mechas douradas movimentarem-se levemente. Lançando um olhar cauteloso para Cho, novamente a velha expressão de constante surpresa povoava seu rosto quando ela abriu a boca para responder a pergunta, mas foi interrompido pelo barulho da porta sendo aberta bruscamente.

Amaldiçoando quem tivesse aberto a porta em um momento tão pouco propício, Cho virou-se para trás, irritada. Mas assim que seus olhos alcançaram os do intruso, retirou imediatamente a maldição que lançara em pensamento. Parado em frente ao batente da porta, encarando-a espantado, estava Harry.

Ele estava diferente desde a última vez que o vira, ela pôde notar assim que o encarou de cima a baixo. As fotos dos jornais não faziam jus ao seu desgaste, contrastando com a visível felicidade. Talvez pela carreira de auror ou pelos preparativos do casamento, Cho não sabia. Alto, moreno, forte pelos anos de exercícios na academia de Aurores e pelos treinos de quadribol, Harry não era nem de longe o menino franzina e magricela que fora há anos atrás. De fato, as únicas coisas que continuavam as mesmas eram os cabelos negros sempre despenteados, os olhos verdes brilhantes que escondiam-se atrás das lentes dos óculos e a cicatriz de raio na testa que ainda o identificava por onde quer que passasse.

- Cho? - ele surpreendeu-se, sussurrando com a voz rouca.

- Oi, Harry - ela sussurrou de volta, perdendo o compasso da respiração.

Novamente o silêncio povoou a sala enquanto o ex-casal encarava-se, notando as mudanças que sofreram naqueles três anos se separação. Ambos apenas olhavam-se, aparentemente incapazes de formular uma única frase que parecesse coerente no momento. Foi Luna quem quebrou o clima tenso, pigarreando e chamando a atenção deles.

- Harry? O que veio fazer aqui?

Mas Harry parecia não ter escutado a pergunta da amiga. Na verdade, ele nem dignara-se a olhá-la, seus olhos continuavam fixos nas íris escuras de Cho que o mirava ofegante, não ousando quebrar o contato visual. Ela olhou-o ligeiramente constrangida, notando como o reencontro que sempre sonhara estava tornando-se desconfortável, bem diferente de seus sonhos, nos quais imaginara-se correndo até ele e jogando-se em seus braços, cobrindo-o de beijos e desmanchando-se em carinhos e desculpas.

Sentindo os pêlos da nuca arrepiarem-se prazerosamente, ela tentou pensar em algum assunto para iniciar uma conversa, assim talvez ela pudesse matar um pouco da imensa saudade que sentia dele, quem sabe até pudesse abraçá-lo e pedir perdão por tudo de mal que fizera a ele... E se reconciliariam, fazendo-o esquecer-se daquele casamento e daquela Weasey insossa...

Mas antes que pudesse colocar seus planos em prática, congelou em meio ao movimento de abrir a boca quando ele de repente saiu de seu estado de perplexidade e abriu um sorriso sincero, derrubando-a. Primeiro: Ela sempre sentia-se completamente desarmada quando ele sorria-lhe daquele jeito, sentia as pernas bambearem, não conseguia resistir à aquele tentador sorriso charmoso que muito já lhe abalara. Segundo: Ela nunca imaginara, nem mesmo em seus sonhos mais delirantes, que, quando chegasse a hora de se reencontrarem, ele iria acolhe-la daquele jeito. Já que na última conversa dos dois, quando terminaram o namoro, eles brigaram feio e Cho ainda arrependia-se das palavras duras que despejara em cima dele, todas de boca para fora, mas que ela sabia que o haviam magoado muito. Ainda lembrava-se do tom rude que utilizara-se para referir-se a ele, dizendo que o odiava e que odiava ainda mais a mulher que ele dizia amar, Gina Weasley.

- Harry - Luna chamou-o novamente, fazendo-o desviar o olhar de Cho e encará-la - Eu te fiz uma pergunta e estou esperando uma resposta.

- Ah, sim! - Harry exclamou confuso - O que você perguntou mesmo?

Luna revirou os olhos, exasperada.

- Eu perguntei o que você veio fazer aqui.

- Ora, mas que recepção mais calorosa! - disse ele ironicamente - Não posso mais visitar uma amiga agora?

- Mas é claro que pode! - sorriu Luna, levantando-se e contornando a mesa em direção à Harry - Mas será que eu posso saber qual foi o motivo de tão repentina visita?

- Bom... - começou ele, olhando de canto de olho para Cho - Eu e Gina estávamos fazendo umas compras no Beco Diagonal e resolvemos dar uma passadinha aqui. Queremos lhe fazer um convite.

Cho fechou a cara diante da menção do nome de Gina.

- Convite? Que espécie de convite? - os olhos de Luna brilharam.

- Bom, é um convite muito importante... - disse Harry embaraçado, lançando olhares constrangidos à Cho que sorria toda vez que ele o fazia, o constrangendo mais ainda.

- É sobre o casamento? - perguntou Luna astutamente.

Cho entortou a boca, fazendo uma careta no instante em que Harry mirou-a envergonhado.

- Na verdade é. Mas eu prefiro esperar até Gina voltar para revelar o que é, se não ela me mata a pauladas. Ela me fez prometer que não diria nada até ela chegar.

- E onde ela está? - perguntou Luna interessada.

- Ela estava... erm... provando o vestido de noiva e me expulsou da loja, dizendo que o noivo não podia ver a noiva antes do casamento. Bobagem, na minha opinião.

Cho bufou audivelmente, atraindo o olhar de Luna e Harry. Corando, ela resolveu disfarçar, dando um soco no próprio peito e forçando uma tosse visivelmente falsa:

- Sabe como é, nesses tempos todo mundo fica gripado...

- No Verão? - Luna resolveu dificultar as coisas para ela, mas Harry a salvou, cumprimentando-a:

- Como vai, Cho? Há quanto tempo, não?

- Realmente, muito tempo - suspirou ela, sorrindo seu melhor sorriso para Harry que corou diante da visível amostra de jogo de sedução.

- Hum... Como anda o se trabalho em Hogwarts? - Cho sorriu espantada. Afinal, não havia motivo algum para que ele soubesse que ela estava lecionando em Hogwarts. Percebendo a gafe, ele consertou, acrescentando - Neville me contou que você é a nova professora de vôo.

- Sim, o trabalho é bom, apesar de não se muito lucrativo. Nada como a carreira de auror, certo? - riu ela, ensaiando uma risada sedutora que há muito tempo não utilizava, era reservada somente para ele.

- Eu vou ter de descordar, Cho - ele riu, sua risada soando como uma canção nos ouvidos dela - A vida de um auror é realmente estressante, ainda mais se esse auror estiver de casamento marcado para daqui a 4 dias, aí complica tudo, os preparativos são... - deixou escapar, arregalando os olhos.

- Eu já sei que você vai casar, Harry, ou melhor, todo o mundo mágico sabe... - Cho disse com a voz distante, fingindo indiferença, embora estivesse fazendo das tripas coração para agüentar a vontade de abraçá-lo e pedir que ele não se casasse com a Weasley.

- Bom - Harry coçou a cabeça envergonhado - Eu pretendia convidá-la, Cho, mas...

- Eu entendo seus motivos, Harry, afinal, tecnicamente, ainda estamos brigados...

- Mas agora não estamos mais, certo?

- Se depender de mim, não! - sorriu Cho.

- Espera aí! - Harry começou a vasculhar os bolsos da capa, retirando de dentro deles um maço de pergaminhos lilases. Apoiando-os sobre a mesa de Luna, ele retirou um deles dentre os outros e estendeu-o para Cho, sorrindo - Tome, é seu convite, queria entregá-lo pessoalmente, mas não tive tempo...

- Oh... Obrigado, Harry - Cho recebeu o convite com as mãos trêmulas. Na hora que Harry repassou-a o pergaminho delicado, suas mãos tocaram-se de leve, fazendo um arrepio serpentear as costas de Cho.

Novamente constrangido, Harry afastou-se com as bochechas rosadas e enfiou as mãos nos bolsos. Luna observava-os atenta, mirando cada movimento dos ex-namorados.

- Gina já deve ter terminado a prova do vestido - ele disse - Ela me pediu para esperá-la aqui, mas acho que vou procurá-la, se vocês a encontrarem me avisem, Ok?

- Não será preciso, amor.

Cho virou-se para a porta, procurando a dona da voz doce. Subindo o olhar, mirou a intrusa desde os sapatos negros de salto fino, passando pela saia longa e branca com leves ondulações na barra, alcançando a blusa azul de alças finas. Os cabelos vermelhos e sedosos caíam em leves cachos pelo colo perfumado e os lábios rosados estavam curvados num sorriso carinhoso, acompanhando o brilho dos olhos castanhos. Na mão direita, uma aliança de compromisso de brilhantes ofuscava a visão de qualquer mulher. E foi com um espasmo de raiva que Cho reconheceu-a:

Gina Weasley.

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