A Partida
Capítulo 5 - A partida.
Na manhã do dia primeiro de setembro Harry contemplou, por longas horas, o teto do quarto em que se encontrava. Sua mente trabalhara a noite inteira, e era complicado admitir que a decisão havia sido tomada.
Harry pensou em tudo o que vira em seu sonho, desconsiderando a possibilidade de Dumbledore ter realmente entrado em sua mente. Ele sabia dos poderes do velho bruxo, mas daí a ter esperanças de que a morte não fosse suficiente para que ele se fosse de vez, era muito. Por mais que tivesse mudado seu jeito de ser e amadurecido bastante, ainda se recusava a aceitar qualquer esperança de que algum de seus grandes amigos voltasse. No fundo, Harry sabia que tinha medo de sofrer com a desilusão, como quando pensou ter visto seu pai salvando-o dos dementadores, há quatro anos atrás.
Pensando ter ouvido algum barulho lá em baixo, Harry resolveu descer. Não agüentava mais mirar a escuridão do quarto e ouvir os roncos e resmungos de Rony.
Com a claridade ofuscante de mais um dia de sol, Harry desceu à cozinha. O aposento estava banhado em uma claridade morna, dando espaço a mais uma manhã modorrenta de verão. A mesa estava posta, e Harry percebeu que eram nove horas da manhã.
Habituado a visualizar o relógio dos Weasley toda vez que passava por ele, notou que já se acostumara com a marcação insistente do objeto: Os ponteiros, contendo o nome de cada membro da família, apontavam todos para "Perigo Mortal". Isso, é claro, devido unicamente ao fato de Voldemort estar propício a atacar a qualquer momento.
Depois de alguns minutos, quando já se acostumara com a claridade, Harry constatou que o calor na cozinha era surpreendente. Abriu a janela acima da pia, deixando uma brisa apática entrar de leve. De repente se deu conta de que, se a mesa estava posta, alguém teria de estar acordado na casa. Procurando algum rosto conhecido, focalizou o ambiente ao seu redor. Percebeu, por fim, que não estava realmente sozinho. Alguém regava plantas no outro canto do lugar.
- Bom dia, Sra. Weasley.
- Bom dia, Harry, querido! O que faz acordado a essa hora?
- Bem... Estive sem muito sono, essa noite.
Sra. Weasley, como Harry sabia bem, era o tipo de mulher que se preocupava com qualquer coisa que estivesse fora dos níveis "normais" de uma pessoa. O problema, porém, era a quantidade de coisas comuns que ela considerava anormais.
- Querido! Por que não chamou a mim? Tenho uma poção do sono ótima no armário, Arthur ganhou um estoque do ministro, certa vez... Estava muito preocupado com o trabalho, sabe como é. Não dormia um segundo.
Harry não se imaginava indo até o quarto dos pais de Rony por causa de uma simples insônia, por pior que isso pudesse ser. Por educação, ponderou:
- Desculpe, não quis incomodar.
- Como sempre, não é?
Harry sorriu, constrangido.
Sentando-se à mesa, se viu pensando no que estaria fazendo se Hogwarts estivesse aberta. No dia em que o ano letivo começaria, o coração de Harry se fez mais abalado do que o normal. O garoto percebeu que isso deveria estar estampado em sua face de forma indiscutível, pois a Sra. Weasley se pôs a lamentar junto de seus pensamentos:
- Imagino como deva estar sua cabeça. Hoje tudo começaria outra vez, não é? As coisas realmente mudam rápido demais...
De repente, Harry teve uma idéia. Andou pensando brevemente sobre a Sra. Weasley ter adivinhado seus pensamentos naquele instante, lembrando de Gina. Resolveu questionar:
- Sra. Weasley... Será que eu poderia perguntar uma coisa?
- É claro, querido.
- A Gina... Bem... A Gina possui algum dom natural em Oclumência, ou coisa parecida?
- Bem... Se é que tem alguma coisa a ver com a sua pergunta, Harry, mas Gina e eu já constatamos que temos grande intuição. Mas penetrar a mente de alguém certamente não quer dizer a mesma coisa.
- Entendo... Bem, é que às vezes... Às vezes ela parece saber exatamente o que eu estou sentindo, se é que a senhora me entende.
De uma hora para a outra, Sra. Weasley abriu um largo sorriso. Sem entender direito o motivo de tal reação, Harry se endireitou na cadeira, estupefato. Ela começou:
- Ora, querido. Veja bem o que você acabou de me dizer: Gina parece saber exatamente o que você está sentindo. Isso não tem nada a ver com Oclumência, Harry!
- Não, eu quis dizer... Bem... É, acho que não.
Harry se sentiu embaralhado. Agora que a Sra. Weasley falara, parecia ter se tornado mais claro: Gina não estava lendo seus pensamentos; a garota sentia também o que ele sentia... Mas isso continuava não sendo normal.
- Pode até ser... Mas a senhora não acha isso estranho, também?
- Hm, vejamos... Você e Gina se amam - e aí ela abriu outro sorriso enorme -, estou certa? É claro que sim. Há uma possibilidade, embora seja um tanto remota... Você também sente o que ela parece sentir?
- É... Às vezes sim. Quando ela está triste, por exemplo, pareço saber.
- Entendo. É, creio que possa ser isso sim. Você é alguém fechado, não é?
"Imagino que com vocês possa ter acontecido. Harry, querido, você passou muitos anos da sua vida sem receber o amor de ninguém. No mundo dos trouxas, isso teria gerado apenas alguém infeliz; mas para os bruxos, isso resulta em um grande acúmulo de afeto no coração, entende? Você não tinha onde depositar amor e carinho, e guardou isso para si próprio durante mais de uma década. No fim disso tudo, você se apaixonou por Gina. Por sua vez, minha filha era ainda muito jovem quando passou a gostar de você. Você foi o primeiro amor de Gina, Harry, e não correspondia esse sentimento, no início. Por isso, ela cresceu também sem ter onde descontar o amor que sentia por você. Tinha a nós, é claro, mas é outro tipo de sentimento. Por fim, seus corações se encontraram. E, a partir daí, o amor de todos esses anos se tornou forte demais, ultrapassando as barreiras de um namoro comum. Vocês têm o dom da comunicação emocional, por meio do coração apaixonado! É lindo demais!"
Harry, que estava calado até então, continuou do mesmo jeito. Parado imóvel na cadeira, sentiu-se desconfortável. Por um segundo, pensou em como seria maravilhoso desfrutar de um amor mais intenso ainda. Em seguida, tentou adivinhar o quanto Gina sofria por ter essa capacidade: Ele era uma pessoa perturbada, com a alma e o coração marcados pelo passado horrendo. Abismado, conseguiu apenas assentir com a cabeça, em concordância, e deixou Sra. Weasley voltar a regar plantas.
Uma hora depois, quando Harry já havia tomado seu café e feito a desgnomização do jardim - sob protestos da Sra. Weasley, que insistia em não deixar que ele fizesse trabalho algum -, Rony, Hermione e Gina desceram, todos juntos. Harry chegou a pensar em esperar até a noite, mas resolveu que era melhor começar logo o assunto. Esperou que terminassem o café e chamou por Gina, pois havia decidido contar à ela primeiro sobre sua decisão:
- Gina... A gente pode conversar?
Sob olhares intrigados do outro casal, Harry e Gina foram até a sala ao lado, e a garota não parecia nada curiosa.
- E então... O que te aflige tanto assim?
Ligeiramente surpreso, Harry se lembrou da conversa com Sra. Weasley. Contou a Gina sobre o que falaram e, para sua grande surpresa, a garota não pareceu abismada. Na verdade, ela sorria, falando:
- Bem, era de se esperar que você acabasse descobrindo esse poder.
- Quer dizer que você já sabia? E nunca me falou nada?
- É claro que já. Li em um livro da História da Magia, certa vez, sobre uma bruxa chamada Cassandra Skeeter que foi quem descobriu essa possibilidade. Perguntei à mamãe, e ela me disse que era possível.
- Eu... Você realmente pode sentir tudo o que eu sinto?
- É claro que não tão nitidamente, pois para isso é preciso muito tempo convivendo com esse dom... Mas sinto o suficiente para dizer que você precisa me falar algo importante, agora mesmo.
Harry suspirou de leve, olhou Gina nos olhos, tornou a mirar suas mãos sobre as pernas e começou:
- É, eu preciso, sim... Gina, eu tomei minha decisão.
- E...
- E eu vou dedicar todo o meu tempo, a partir dessa noite, pra buscar essas Horcruxes. Não quero que você nem ninguém me acompanhem, mas não posso deixar de fazer isso. Eu poderia levar uma vida normal, mas isso não seria digno do meu passado. Voldemort matou os meus pais e me fez perder muita gente que eu amava. E, pra piorar, usou você no seu segundo ano em Hogwarts. Tenho o dever de vingar toda a maldade com que ele me atingiu até hoje, como Dumbledore faria.
- Eu tive um sonho, Harry... Dumbledore estava nele. Ele falou de dentro de um quadro, aquele em que ele se encontra em Hogwarts, agora... Mas falava com você. Era como se eu só estivesse assistindo, entende? E antes disso... Bem... Eu vi o filme da sua vida.
- Você viu o sonho que eu tive.
- Imaginei que fosse isso.
- Promete que me deixa ir?
- Vou com você.
- Não, Gina... Vai ser perigoso, eu realmente...
- Harry, eu nunca te deixaria ir sozinho. Achei que você já tivesse entendido que se eu estou com você, não é só pelo simples fato de você beijar como ninguém e ser famoso no mundo bruxo. Estamos juntos, entendeu? Isso tem vários sentidos.
Harry não pôde deixar de sorrir. Novamente com a sensação de que fora burro por não ter notado Gina antes, puxou o corpo dela para perto do seu e lhe deu um forte abraço. Depois de um tempo que pareceu a Harry uma eternidade, os dois se separaram, olhando-se nos olhos. Gina sorria por dentro, Harry pôde sentir como nunca.
- Partiremos hoje à noite.
- Quando você quiser.
Então, pegando Gina pela mão, Harry se dirigiu ao jardim, onde estavam Rony e Hermione. Antes de começar a contar aos dois amigos o que havia decidido, prestou novamente atenção no sol. Era incrível como aquela manhã modorrenta que o recebera quando despertou, se tornara rapidamente uma bela manhã ensolarada, o sol reluzindo nos cabelos ruivos da pessoa que mais amava no mundo. Que se dane, pensou. Que se dane Voldemort nessa manhã.
Estava tudo pronto. Próximo ao horário do jantar, Harry comunicou aos amigos que partiriam assim que todos fossem dormir. Para não levantarem suspeitas, vestiram os pijamas antes de todo mundo na casa.
Harry não gostava da idéia de esconder dos Weasley que iriam embora. Mas sabia, é claro, que isso era necessário: Eles nunca entenderiam. Era melhor não correrem o risco de serem impedidos, Harry decidiu, pois isso acabaria com tudo o que havia firmado como um plano fixo.
Tudo correu bem no jantar, ou quase tudo. Por um momento, todos acharam que Rony tinha posto tudo a perder, quando resolveu soltar palavras indevidas à mesa. A Sra. Weasley não era uma cozinheira de mão cheia, já que nunca havia cozinhado na vida. Sua varinha fazia por ela o que fosse necessário. De qualquer forma, os Weasley - e Harry e Hermione também - acostumaram a chamar os pratos de "comida da mamãe". Rony, que não era exceção, soltou:
- Vou sentir falta da comida da mamãe.
Gina empalideceu completamente, e Hermione soltou uma exclamação de horror. Harry, sendo ágil, cutucou o amigo por baixo da mesa, quando a Sra. Weasley se voltou:
- Como assim sentir falta? Você a tem todo dia!
- Eu... Digo... Sentirei falta da sua comida, mamãe, quando for me casar e sair de casa, entende?
Incrivelmente, escolhera a desculpa certa. Sra. Weasley corou ligeiramente, e em seguida comentou:
- Tenho certeza de que Hermione fará coisas deliciosas também, querido. Mas creio que posso mandar alguma coisa, vez ou outra. Bem, de que estamos falando? Ainda é muito cedo para isso acontecer... Ou não?
Dessa vez quem corou foi Hermione, derrubando os talheres com estrépito. Harry, percebendo o constrangimento da amiga, atalhou:
- Me passa o molho, Gina?
- Aqui está.
Não que tenha funcionado perfeitamente, mas o assunto mudou de rumo. Em alguns minutos o Sr. Weasley já dava um cansaço na família, falando de sua última experiência com privadas enfeitiçadas nos banheiros públicos de Londres. A conversa chegava à multa paga pela jornalista Rita Skeeter - e aí Hermione sorria - por causa de um artigo calunioso sobre um bruxo famoso, quando a Sra. Weasley resolveu anunciar seu aborrecimento:
- Ora, Arthur, estamos todos cansados. Amanhã você nos conta sobre as últimas novidades no ministério. Aliás, vamos todos indo dormir. É dia de desgnomização, amanhã... Não deixei Harry terminar tudo sozinho, é claro.
Amanhã estaremos bem longe, pensou Harry. E aposto que em um lugar onde não há gnomos de jardim.
Trocando votos de boa noite, subiram cada um até seus respectivos quartos, onde fingiram dormir por alguns minutos. Passada meia hora de roncos planejados e olhos falsamente fechados, os dois casais apanharam silenciosamente suas pequenas malas, embaixo da cama, e se dirigiram ao térreo.
Com cuidado para pular os degraus que rangiam Harry, Gina, Rony e Hermione chegaram à porta. Antes de sair, Rony tomou o cuidado de deixar um pedaço de pergaminho assinado com a letra de Gina, que explicava tudo... ou quase tudo:
Papai e mamãe
Estivemos hesitantes em lhes explicar nossa partida pessoalmente, por imaginar que não fossem compreender. Fomos em busca de algo que somente nós podemos encontrar. Harry precisa de nossa ajuda nessa última jornada, portanto não tentem nos encontrar.
Tudo vai ficar bem. Tomaremos o cuidado de mandar notícias toda semana, portanto não precisam se preocupar. Digam ao Jorge e ao Fred que pegamos alguns artigos de seu estoque, mas que o pagamento pelos mesmos se encontra junto desse pergaminho.
Vamos sentir saudades, mas é preciso realmente partir. Ficaremos em um lugar seguro, e acredito que muito bem acomodados. Não se preocupem com a gente.
Sentiremos saudades!
Gina.
Obs.: Harry lhes deixou algo debaixo do potinho de Pó de Flu.
Harry deixara tudo o que possuía em mãos de galeões de ouro aos Weasley, para que pudessem manter as coisas em dia e cobrir a falta de ajuda no trabalho caseiro. Antes de seguir viagem, passariam na primeira filial de Gringotes que encontrassem.
E sem mais explicações, os quatro partiram sem saber que, na manhã seguinte, a segurança que imaginavam existir no lugar para onde iriam, não seria assim algo tão eficaz e garantido.
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