A Prova



Ellen acordou bruscamente à noite. O que havia acontecido? A lua estava alta lá fora ainda, devia ser no máximo 2 da madrugada... mas ela tinha a nítida impressão de que ficara mais de 24 horas dormindo. Ao virar a cabeça, deparou-se com os olhos vermelhos, cintilantes, do Lorde no escuro a fitá-la de um modo... um tanto estranho. Mas, já fazia algum tempo, na verdade desde que retornara, descobrira que conseguia saber com cada vez mais precisão os sentimentos do Lorde, mesmo que suas feições mostrassem o contrário.

Aquele dia era um deles. Demonstrava estar calmo, aquele ar calculista de sempre que, como ela já dissera a si mesma, herdara para esconder seus sentimentos reais. Mas ela sentia como ele estava eufórico, parecia olhá-la, como nunca havia notado antes, como algo preciosíssimo. Algo divino. Ou o sinônimo oposto disso, como demoníaco, já que ele não parecia em nada ser a pessoa “boa” e religiosa. Bom e nem ela...

— Parece estar em perfeitas condições. Vamos.

Aquele tom de voz em nada era estranho. Continuava o mesmo e não adiantava contrariá-lo, só o fazia quando queria se divertir um pouco em irritá-lo, mas naquele momento sua vontade de fazer aquilo não estava à tona.

Os dois saíram do quarto, caminhando pelos corredores escuros da mansão, quase sem fazer barulho... quase.


Draco estava tendo uma noite mal-dormida. Não conseguia dormir, piscava o tempo inteiro, enquanto a mesma pergunta, insistente, ficava martelando em sua cabeça. “Onde é que estava Ellen, que sumiu durante o dia todo? Pq o Lorde não a procurou?”. Ele ficava virando na cama, enquanto ele começava a fazer cogitações mil em sua cabeça, pensando cada vez coisas piores, até chegar a conclusão péssima de que o Lorde a matara.

Foi por volta desses pensamentos péssimos, que ele começou a ouvir passadas de gato pela casa. Não era uma apenas, eram duas... sorrateiro, ele foi ver o que era. Entreabriu a porta, mas estava escuro demais para ver o que estava andando pela casa, apenas vendo silhuetas que se moviam lentamente. Viu que uma era mais baixa e outra era mais alta.

Viu-as sumindo na curva do corredor, logo saindo correndo do quarto, bem silenciosamente, querendo ver onde que essas silhuetas estavam indo. Mas não conseguiu saber, pois tinha perdido os passos. Então, como ultimo recurso, decidiu ir até a janela, que dava em frente ao portão. Sim, as duas silhuetas estavam ali, caminhando e, quando esfregou melhor os olhos, reconheceu-as.

O Lorde caminhava através do jardim, com Ellen. Ele reconhecera que era ela, pelos longos cabelos negros, o jeito um pouco arrogante de seu andar, até mesmo um pouco rígido, indicando superioridade. Mas só teve a real certeza, assim que eles chegaram no portão e, como se o olhar dela fosse atraído, olhou para exatamente a janela onde ele estava, mas logo ambos desapareceram dali, para algum lugar desconhecido à Draco.

Se antes Draco estava tendo uma noite péssima, agora Draco não dormira. Nunca uma noite fora tão longa na vida de Draco, como aquela, nem tampouco o dia fora tão longo quanto aquele dia anterior.

Quando o Sol raiou, Draco estava a muito tempo já acordado, pela primeira vez na vida, viu o Sol nascer e foi realmente a visão mais bela que presenciara. Quando se pegou pensando aquilo, percebeu que ele estava ficando totalmente maluco e idiota. Onde já se viu admirar uma coisa ridícula como o nascer do sol que acontecia todos os dias?

Demorou para o Elfo vir chamá-lo para o Café-da-Manhã, ou ao menos, Draco estava nervoso demais e parecia que as horas se arrastavam. Mas quando chegou na Sala de jantar, lá estava Ellen, ao lado do Lorde, e isso o deixou mais aliviado. Mas nem tanto ao notar algo errado.

Quando se sentou no lugar de sempre, bem em frente a Ellen, percebeu algo que não havia reparado. Ela estava franzindo a testa, em uma concentração extrema e ela nunca fizera isso, ela nunca demonstrava isso, como se ela estivesse se esforçando.

Ou sentindo uma dor de cabeça fortíssima e não quisesse berrar de dor. Seus olhos se desviaram para o Lorde e um estranho frio na barriga lhe subiu. O que ele havia feito com Ellen? Ele continuou a comer, desviando os olhos de ambos, mas sua mente ficava tentando imaginar o que tinha acontecido naquela noite que passara.

Como em todos os dias, Ellen tinha ido junto do Lorde para a tal da “Sala de Treinamento”, sem tirar aquela expressão de dor extrema que estampava seu rosto, o que deixava Draco apenas mais preocupado. Novamente o dia estava se arrastando... e os pensamentos de Draco correndo em círculos, sem saber por onde começar.

Chegando a hora da janta, Draco tinha ido o mais depressa que os quadros lhe permitiam, para saber como Ellen estava. Ao chegar lá, parecia que não havia nada de errado, ao menos até ele sentar-se de frente para ela. O que encontrou logo que ergueu os olhos foram exatamente os olhos de Ellen a encará-lo de um modo frio e analítico. E ela nunca havia feito aquilo.

Ele abaixou a cabeça, começando a comer e ela havia feito o mesmo. O mesmo silêncio mórbido de todas as refeições reinou durante um bom tempo, até ser quebrado.

— Me passa o sal, por favor? – a voz de Ellen soou pela sala, fazendo até mesmo alguns longínquos ecos.

Draco ergueu a cabeça da sua comida, percebendo que a pergunta havia sido dirigida à ele, pelo olhar direto. Assustou-se um pouco, era um pedido educado. Quando olhou à volta, não era apenas ele que havia ficado espantado ou com ar curioso, mas toda a mesa. Olhou para o sal com ar desconfiado do que ela poderia fazer com um saleiro. Pegou devagar, estendendo para ela bem lentamente para não ser pego de surpresa.


A dor de cabeça era terrível naquela manhã. Não porque estivesse com dor de cabeça, mas ela sentia que alguma coisa estava tentando invadir seus pensamentos à força e ela não queria deixar. “Maldito... está tentando fazer um elo mental comigo, para descobrir meus pensamentos”.

Quando estava indo para a “Sala de Treinamento”, um aposento amplo e que sempre estava na penúria após o treinamento, mas voltava ao mesmo que antes no dia seguinte, estava tentando pensar em algum modo de ter aquele elo mental, sem que ele ficasse fuçando sua mente quando bem entendesse. Precisava impor limites, mas não sabia como.

“Mas talvez ele saiba... se eu fizer o elo repentinamente, talvez dê tempo de procurar na mente dele o que eu desejo e assim utilizar contra ele e para minha proteção”. Chegando à sala, enquanto ele estava para se virar, ela se abriu. Como planejou, seu caminho até a mente dele estava desimpedido e aproveitou. Vasculhou até encontrar o que desejava e logo utilizou o novo conhecimento para defender seus pensamentos. Demorou segundos para aquilo acontecer. O tempo para ele se virar e encará-la.

Os dois se entreolharam por algum tempo, ambos se analisando e, vasculhando na mente um do outro, alguma informação que desconheciam. Nada, pois nenhum dos dois queria mostrar os pensamentos mais importantes que tinham. Mas, como se nada houvesse acontecido, o dia passou normalmente.

A janta chegou, os dois haviam deixado a sala totalmente destruída para trás para se encaminharem para a janta. Ellen nunca admitiria que estava cansada, nunca admitiria que tinha sido derrotada por um treinamento e nunca admitiria que estava fraca pela dor de cabeça provocada por sua teimosia durante a manhã. Isso provavelmente foi o que incentivou-a a continuar de pé e andando para chegar à Sala de Jantar.

Naquela vez, estranhamente, Draco fora o último a chegar na mesa e ao encará-lo assim que sentou-se à mesa, aflorou às suas lembranças, agora guardadas à sete chaves dentro de sua mente, aquele dia em que ele rira. Se Draco era capaz de rir, porque, então, Draco não era capaz de ter bons sentimentos como qualquer outra pessoa?

Precisava fazer algum tipo de teste, pensava enquanto mantinha a cabeça abaixada para o próprio prato. Talvez não fosse o fato dele não ser capaz, mas o de ser sufocado, como os dela. Draco vivera naquela casa durante a vida inteira e, só as paredes, já eram opressivas na opinião dela. Imagina viver com aqueles quadros velhos, pais indiferentes, toda aquela futilidade e tudo voltado para lucro próprio e pessoal. É, devia ter sido bem chato e entediante.

Teve uma súbita idéia e não demorou a colocá-la em prática, já que também precisava mesmo fazê-lo. A comida estava com um gosto horrível sem tempero e só havia se acostumado com aquilo porque era orgulhosa demais para ficar pedindo para Draco um réles... ela parou de pensar, ou logo a imagem de repugnância que tinha de Draco voltaria sem ela saber se aquela era a verdadeira imagem dele que deveria acreditar. Esforçou-se e encarou-o, ainda de cabeça abaixada ali, comendo e pensando, pelo que notara.

— Me passa o sal, por favor? – sua voz tinha soado pela sala um pouco estranha. O tom de pedido com uma insinuação de ordem ficara bem esquisito. Agora que ela havia pensado que na verdade nunca pedira nada a ninguém, sempre ordenara para as pessoas que fizessem o que queria. E agora que queria pedir, seu tom de ordem não mudara do mesmo jeito.

Draco levantou a cabeça assustado, encarando-a e percebendo que ela tinha se dirigido a ele. Mas não fora só ele a quem ela chamara atenção, mas de toda a mesa. Os pais de Draco estavam assustados como o filho, mas o Lorde estava curioso sobre o que ela pretendia com aquilo. Então, pela primeira vez, ela soube que até mesmo o Lorde havia se interessado pelo que pretendia. Que era nada. Ela se segurou para não rir.

Draco ficou olhando o saleiro, talvez esperando que ela fizesse alguma coisa com ele para prejudicá-lo como naquele dia em que derramara o leite quente sobre ele, rira durante umas boas noites com aquilo. Draco provavelmente devia estar tendo pesadelos. Ele lhe entregou o sal bem lentamente, o que ela pegou calmamente e despreocupada.

— Muito obrigada, DRACO. – ela falou bem vêemente, pegando o sal e voltando-se para a sua comida, colocando o sal.

Algum tempo depois, talvez quase um minuto, ela percebeu que todos ainda esperavam por uma coisa. Algum acontecimento. Principalmente o Lorde. Então reergueu a cabeça, olhando para toda a mesa, até chegar a encarar o Lorde e pronunciou calmamente e com muita cinidez, deixando a maior parte da mesa frustrada, menos Draco, que ainda estava um pouco paralisado, mas naquele momento por estar incrédulo.

— O sal estava longe, e daí? – então, ela voltou a comer calmamente, como se nada houvesse acontecido, com a comida melhor e seu teste feito. Quando houvesse tempo, iria fazer um novo teste com ele. Provavelmente poderia fazer um teste diferente todas as manhãs.

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