De Mal a Pior
— Você deve estar me perseguindo! – Exclamou Ellen, indignada.
Haviam se passado algumas horas desde o desmaio de Ellen e ela não sabia exatamente como aquilo acontecera. O problema fora que ela acordara justamente quando Malfoy decidira entrar no quarto. Ele nem sabia porquê tinha entrado e se arrependeu amargamente por isso.
— EU te perseguindo? – Malfoy exclamou indignado também.
— Claro! Primeiro você fica me olhando estranho nas refeições, depois tenho que te aturar nesses bailes ridículos e por fim, você decide que a casa está muito “pelada” e começa á pendurar quadros por todos os lados. Um MONTE de Elfos poderiam fazer esse serviço por você! É óbvio que está me perseguindo!
— Primeiro: Caso você não tenha reparado, não há nada melhor para olhar do que você. Além de a sua posição ser favorável, acho que olhar o Lorde não é algo muito agradável. Segundo: Não posso fazer nada quanto aos bailes, querida. Afinal, não fui eu que dei essa ÓTIMA idéia ao Lorde. Terceiro: Você acha que eu tenho algo de interessante pra fazer aqui? Desde que VOCÊ chegou nessa casa, não posso fazer nada do que fazia. Se eu não arrumasse algo para ocupar meus dias monótonos, que VOCÊ gentilmente me proporcionou, iria ficar maluco!
— Agora eu sou a culpada por ter destruído sua vida?
— Sim!
— Vamos analisar friamente a situação. – ela se levantou da cama, onde estivera deitada até então e parou em frente a ele, com os braços cruzados e uma expressão séria. – Coloque-se no meu lugar. – ela colocou uma das mãos no queixo, pensativa – Você, no seu aniversário, é seqüestrada por um homem completamente louco, que conta uma história absurda e te aprisiona em um lugar no meio do nada. Ele começa a te dar ordens, sem explicar nada e te tortura caso não faça o que mandou. Então, depois de um ano, ou aproximadamente, já que ele não faz NENHUMA questão de te situar no tempo-espaço, ele decide te levar pra uma casa, ou melhor, uma Mansão, onde finalmente você acha seu objetivo maior! Infernizar a vida de Draco Malfoy! – ela levantou uma sobrancelha e começou a bater um dos pés esperando a reação dele. – Sinceramente, essa idéia foi muito difícil de surgir, não acha?
Draco escutou um tanto incrédulo o que ela disse, mas tentou não expressar. Realmente não havia nexo em culpá-la por estar ali, mas ela também não podia culpá-lo por perseguí-la. Ellen era a única diversão VERDADEIRA de Draco, desde que pusera os pés naquela casa. Ao mesmo tempo em que ela tinha destruído sua vida, que já era um tanto instável, conseguira fazê-lo encontrar um sentido em continuar naquela casa infeliz.
Ele pensou em como poderia retribuir a resposta ácida de Ellen. Se era para tirar lembranças do fundo do baú, que assim fosse. Então ele somente suspirou, olhou para baixo, colocou a mão no queixo e se empenhou o máximo para ter um ar pensativo, parecido com o de Ellen. Porém, no fundo, ele estava REALMENTE pensando no que falar. “Partir pro sentimentalismo, talvez funcione!” pensou ele, pensando no melhor jeito de contar suas “histórias”.
Ele se ajeitou naquela posição. Precisava ser convincente se queria que ela tivesse ao menos um pouco de dó dele. Não que realmente precisasse disso, mas naquela altura do campeonato, ele já não queria saber de nome, sangue-puro e qualquer outra coisa que se relacionasse ao status no mundo mágico. Ele queria Ellen e faria tudo, até a mais ridícula cena, como estava prestes a fazer, para conseguir conquistá-la. Aquilo já se tornara uma questão de honra pessoal.
— Desculpe. – a reação que Ellen teve foi exatamente a que ele imaginou. Choque. Draco continuou, não poderia deixar que ela o interrompesse. – Eu fui rude com você, mas você não é a única que está ferida. – ele suspirou profundamente, como se realmente estivesse prestes a contar uma coisa muito importante. – Não tive a infância dos sonhos, sabe? Meu pai nunca estava em casa e quando estava, falava comigo como se eu fosse um elfo qualquer. Não havia carinho, muito menos amor. Minha mãe também tinha pouco tempo para sentimentalismo, pois vivia preocupada ou chorando pelos cantos. Cresci um pouco e decidi seguir meu pai. Não por ter um amor enorme por ele, mas por achá-lo forte. Eu queria ser forte como ele... talvez assim poderia defender minha mãe do que quer que estivesse preocupando-a. – ele estava se excedendo. Lentamente, Draco começava a sentir que aquilo que contava, era realmente verdade. Por um lado, isso era uma coisa boa... mas também não deixava de ter seus inúmeros contras. – Finalmente me tornei um comensal, não por querer, mas por ser um “passa de pai pra filho”. Algo como uma... herança. Minha vida era boa até isso acontecer. O Lorde ameaçou matar minha mãe e a mim se não o seguisse. – nessa hora ele teve de virar as costas para ela e fingir que estava quase chorando. O que ele falara, parecia ter afetado Ellen, já que ela ouvia-o atentamente. Infelizmente havia afetado-o também, já que seus olhos estavam REALMENTE marejados. “Controle-se Draco, isso era para fazer ela se condoer por você e fazer você acreditar nessa história babaca de sentimentalismo!” repreendeu-se ele, forçando-se á lembrar do plano original. Acalmou-se e finalmente continuou. – Resumindo, o Lorde não me deixou estudar meu último ano escolar, pois todos descobriram que eu era um comensal. Agora sou procurado e estou preso nessa casa.
Silêncio se seguiu depois disso, enquanto os dois pensavam. Ellen lutava contra si mesma, tentando se certificar que aquela história era verdadeira. Draco, por outro lado, tentava convencer-se de que nada do que dissera era real. Os minutos se arrastavam devagar, enquanto os dois não tinham o que falar.
— Típico de família rica.
Ellen falara tão de repente que Draco virou-se para encará-la. Ela estava com ar sério, o que fê-lo certificar-se de que ela REALMENTE havia acreditado em sua história supostamente fantasiosa. A cara séria de Ellen denunciava-a: Ela havia se sensibilizado. Afinal, se ela não acreditasse, provavelmente mandaria uma de suas respostas afiadas.
— Do que... você estava correndo? – Draco perguntou, um pouco reticente. Ele não queria voltar ao assunto anterior, mas não havia nenhum assunto pra falar, já que ela estava mais estranha do que antes.
Ellen tinha ouvido toda a história de Draco com calma, olhando-o fixamente. Quando os olhos dele brilharam estranhamente, ela logo pôde perceber o claro sinal de que ele estava emocionado. “Lágrimas?” pensou ela, enquanto Malfoy dava as costas. “Draco Malfoy sentimental... era a última coisa que eu poderia imaginar”. Ele continuou sua história e ela cada vez mais sentia que ele estava sendo sincero. “Eu não vou acreditar nessa história babaca que ele está contando... Draco Malfoy sentimental! Jamais!” porém, cada vez mais ela sentia seu coração partir. Seus pais sempre foram atenciosos e, por mais insuportável que ela estivesse, eles sempre estavam lá quando ela precisasse. Involuntariamente, pensou em como seria sua vida sem os pais. Não era muito difícil, afinal ela ESTAVA sem os pais. A sensação de solidão e vazio voltou á ela novamente. Ela não pôde deixar de se perguntar se Malfoy também se sentia assim...
Mas não era porque estava sentindo pena dele que iria demonstrar isso abertamente! Seu orgulho falava mais alto do que seu coração. Primeiro: ele era um garoto e garotos não deixavam de ser idiotas. Segundo: era Draco Malfoy, mimado e agora um comensal, não apenas filho de um. Terceiro: era sempre ele quem ficava arruinando suas tentativas de fuga.
Ela encarava as costas dele, completamente séria. Aquele silêncio, além de constrangedor, estava deixando-a impaciente. Por fim, ela resolveu que deveria falar algo, para desencargo de consciência. Mas o que falar? Algum comentário sarcástico talvez resolvesse, mas ela sentiria-se mal se zombasse de Draco, enquanto ele estava tão frágil. Seu lado mau berrava á plenos pulmões que ele era o mesmo Draco Malfoy que sempre estava presente para atrapalhá-la. Porém seu lado bonzinho venceu, e tudo o que ela conseguiu falar foi:
— Típico de família rica.
Seu tom não era sarcástico e talvez isso fez com que Draco Malfoy se virasse tão rápido. Seus olhos cinzas pregaram-se nos dela, demonstrando confusão. Segundos depois, enquanto ele ainda parecia digerir sua frase, abriu a boca, para falar qualquer coisa inútil, como sempre.
— Do que... você estava correndo?
Apesar de manter sua máscara de frieza, ela ficou raivosa. Quem era ele para interrogá-la? Por que ele tinha que ficar metendo o nariz na vida dela? Era sempre assim! E ainda dizia que não se intrometia na vida dela... francamente...
— Estava correndo de um provável “acidente”. – ela estreitou os olhos, acusando-o veemente. Ela já estava desconfiada dos estranhos acidentes e quando correu, era para testar se naquele dia ocorreria algo “incomum”. Infelizmente ela acabara caindo bem nos braços dele. O esforço descomunal de ter corrido, estando tão cansada e desnutrida daquele jeito, acabou por fazê-la desmaiar. Impossível! Será que Malfoy tinha implantado um localizador nela?
— Provável... acidente? – ele parecia nervoso. Aquilo fê-la certificar-se de que os “acidentes” eram REALMENTE provocados. Já não bastava um maníaco dando ordens á torto e á direito? Teria que aturar outro maníaco que cismava em ficar brincando de salvá-la de acidentes?
Seus olhos provavelmente ficaram realmente em chamas, pelo modo assustado com que ele olhava para ela. Seus punhos estavam cerrados e Ellen tinha vontade de esganá-lo naquele exato momento. Felizmente, um pingo de lucidez sobreviveu nela, então ela optou por tacar algo nele, já que estava muito fraca para causar algum estrago nele, usando as mãos. Ela virou-se, procurando algo com potencial de machucar, ou matar. Como não havia nada cortante por perto, ela resolveu jogar uma das gavetas do criado-mudo. Puxou a gaveta, com toda a força que conseguia fazer e olhou para ele, malignamente. Draco estava tão grudado na porta, que por mais um pouco se transfiguraria em madeira. Seus olhos arregalados demonstravam medo, ou algo mais profundo e terrível que isso. Fracote...
Talvez sua fraqueza tivesse desacelerado ela, porque quando ela jogou a gaveta, o Lorde arrombou a porta e parou a gaveta no ar. Draco estava no chão, apertando com força a cabeça, já que tinha sido praticamente arremessado do outro lado do quarto.
— O que é isso, Ellen? – perguntou o Lorde, com a gaveta levitando á sua frente.
Bufando, ela cruzou os braços e virou-se de costas para o Lorde. Não queria dizer que Draco estava perseguindo-a maníacamente, fazendo-a se acidentar... mas bem que seria divertido assistir um dos horríveis castigos que Draco sofreria. Talvez o Lorde até soubesse... não duvidava nada. O que esses dois achavam que ela era? Um brinquedo qualquer que podia ser manipulado e controlado como desejassem?
— Me descontrolei um pouco. – na verdade SEMPRE que ficava sozinha com Draco por muito tempo ela se “descontrolava”. Afinal, porque se importava em lembrar de uma coisa dessas? O mais correto á fazer era tentar esquecer a existência de Draco, o máximo possível. O ruim é que estava se tornando impossível pensar em outra coisa além de Draco, nas últimas semanas. Por alguma razão estranha, ele sempre tomava conta de seus pensamentos. Nos momentos de raiva, aflição ou até mesmo nos escassos momentos de alegria, ele estava presente. REALMENTE ela estava enlouquecendo ali dentro!
— Fora daqui, Malfoy. – falou calmamente o Lorde, repousando a gaveta sobre a cama onde Ellen estivera deitada.
Não precisou falar duas vezes antes de Malfoy sair correndo dali. Ellen sentiu que o Lorde se aproximava, então decidiu virar-se. Estava novamente impassível enquanto via que Ele começava a tirar as gavetas do criado-mudo.
— Vejo que qualquer coisa vira uma arma mortal em suas mãos. Até mesmo um frasco de perfume. – falou ele, enquanto fazia as gavetas sumirem, finalmente a encarando com os olhos vermelhos e fixos.
— E...? Tudo tem utilidades diversas. Se eu achei uma utilidade mortal pra tudo, é apenas mais uma utilidade pros objetos. – ela deu de ombros, indiferente.
Naquele mês, além dos acidentes, ela começava a entrar em depressão. O Lorde pegara-a várias vezes tentando se matar e, por precaução, retirara qualquer objeto cortante de perto dela. Agora a nova moda que Ellen pegara, fora a de não comer muito e cansar-se demais.
— Vamos.
Ele nunca terminava uma conversa, provavelmente porque sabia que as conversas se transformariam em discussões calorosas e ele acabaria por perder a paciência, o que naqueles tempos, era exatamente o que ela queria.
Alguns dias se passaram e cada vez mais seu plano de “comer pouco, cansar-se muito” estava dando certo. Ela mal conseguia ficar em pé direito. Sua força de vontade era realmente imbatível. Estava de noite e ela tinha praticamente desabado sobre o tapete felpudo que ficava bem em frente à lareira que utilizava para “exercitar a imaginação”, já que ela tinha a impressão que as chamas formavam varias figuras enquanto ela as observava.
Ela estava com os olhos cerrados. Sentia-se cansada demais para forçá-los á abrir. Apesar do cansaço tomar conta dela, não sentia sono. Ellen estava muito frágil fisicamente e se não recebesse um tratamento, com certeza morreria. A depressão aumentara consideravelmente e sua auto-estima tinha praticamente se extinguido. Nem mesmo seu orgulho sobreviveu, apesar de ainda restar o suficiente para levantar-se toda a manhã aparentando estar forte, já com uma resposta malcriada na ponta da língua.
— Ellen. – o Lorde a chamando? Aquilo era estranho.
— Que é? – perguntou ela, já de mal-humor e ficando um tanto desconfiada.
— Você quer sair dessa casa? – ela podia imaginar tudo, menos aquela pergunta.
Ela ficou em silêncio enquanto seu cérebro processava. Porque o Lorde faria uma pergunta com uma resposta tão óbvia quanto aquela. Ellen queria desesperadamente sair daquela casa, mas não confiava nele. O Lorde nunca a deixaria sair daquela casa, mesmo se sua resposta fosse afirmativa. Porém, se dissesse não, sua esperança, que começara á se manifestar, se extinguiria por completo. Sem saída, optou por dizer a verdade.
— Quero. – o que o Lorde poderia fazer com uma resposta dessas? Nada. Não havia perigo em dizer isso.
— Providenciarei algo. – falou ele, estranhamente.
Silêncio. Ele devia estar brincando com ela. De qualquer jeito, brincar com Ellen, a marionete, já havia virado moda por ali. Portanto, ela não se importou... apenas continuou deitada, com os olhos fechados.
Mais um dia que ela acordava com o sol incomodando-a. Como sempre... maldito quarto sem cortinas! Toda santa manhã o sol a cegava e ela era obrigada a virar-se para tentar se esconder. Isso fazia o Lorde perceber que ela estava acordada. Naqueles últimos tempos, ele parecia estar ainda mais vigilante. Ellen não conseguia entender o porquê, já que sua depressão afundara de vez suas chances de fugir.
— Ellen, levante-se já. – a voz áspera do Lorde logo de manhã, ninguém merecia.
Ela resmungou á contra-gosto, sentando-se na cama protestando com resmungos sem nexo. “Inferno de vida!” pensou ela, irritadamente, enquanto suspirava e saía da cama, demorando a equilibrar-se sob suas duas pernas finas e frágeis. Já havia até se esquecido da noite anterior, pois achara aquela conversa babaca demais para ficar guardando em memória.
Quando Ellen finalmente decidiu que era seguro levantar a cabeça, se horrorizou ao ver uma pessoa idêntica a ela bem ao lado do Lorde. Magra, pálida, mesmo cabelos, mesmo penteado. Parecia seu reflexo que saíra do espelho para assombrá-la. Ela ficara muda por alguns minutos, tentando fazer seu cérebro sair da paralisia ocasional e voltar á funcionar.
— Quem... é... ela? – existia um tom ferido em sua voz, ao indicar a garota ao lado dele. Ela não tinha irmãs gêmeas... pelo menos não se lembrava de nenhuma...
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