Renascendo das Cinzas
Ela continuava tentando controlar seus sentimentos quando ouviu a porta se abrir. Não demorou mais que meio segundo para que ela se tornasse fria e indiferente como uma rocha. O Lord estava ali e mostrar-se fraca era o mesmo que morte para ela.
Ele a observava, fixando seu olhar em seu rosto, onde o filete ainda denunciava que havia tido uma recaída. Ela percebeu que ele logo tentaria ler sua mente, mas daquela vez ela já estava preparada e nada deixou escapar. Ela sentiu-se satisfeita com a frustração dele, e sorriu, como se estivesse insultando-o.
Aqueles primeiros momentos de insultos silenciosos foram quebrados rapidamente quando ele falou.
— Venha almoçar. – ele falou com sua voz de sempre, apesar das palavras não serem habitualmente usadas.
Ela seguiu-o em silencio, sem pensar em nada específico. Porém a imagem fixa do espelho ainda assombrava-a augorentamente. Sempre que ela começava a devanear demais, seu reflexo surgia á sua mente e funcionava como uma corrente que a prendia à realidade em que estava.
Ela nem percebeu o quanto andara até que ouviu um falatório. Ela ergueu sua cabeça e viu três pessoas que cochichavam entre si. Porém ela logo percebeu que estavam muito longe e que a conversa em tom normal, pareciam sussurros daquela distância. Ela notou imediatamente o menino que indiretamente a insultara. Ele a olhava de um jeito estranho... era um misto de nojo, raiva e algo que ela não conseguiu decifrar naquele momento.
O homem, Sr. Malfoy demorou um pouco para perceber a presença dela e do Lord. Havia uma mulher atrás dele, provavelmente a Sra Malfoy, e com ela, a família era toda de loiros (lambidos, pensava perversamente Ellen). Todos tinham aquele porte aristocrático e nariz empinado. Esse foi o primeiro pensamento positivo que lhe recaiu na mente. Sua aparência pelo menos afugenta aquilo que se diz “homem rico e de tradição” e ela deu graças a Deus por isso.
Depois de uma conversa fiada, eles sentaram-se para comer. Ellen observava a comida, mas sentia-se incomodada, pois o garoto á sua frente a olhava com uma certa freqüência que a deixava nervosa. Isso lhe dava menos fome do que já estava e também a deixava preocupada com os bons modos. Ela tinha medo de devorar a mesa se colocasse algo na boca, por mais que as comidas tivessem uma cara estranha.
“Mas do que importa se eu dou gafe ou não? Eles vão fazer o que comigo? Botar pra fora da casa deles? Bem que seria bom.” – pensava Ellen.
Seus pensamentos ficavam indo de um lado para o outro e ela nem percebeu que isso estava deixando o Lord quase louco, pois ele tentava descobrir o que ela estava fazendo dentro do quarto. Ele finalmente se aborreceu com todo aquele devaneio de Ellen.
— Coma, Ellen. – ele falou chamando-lhe atenção repentinamente.
Ela levantou as sobrancelhas olhando-o um pouco espantada, mas nem tanto. O olhar durou poucos segundos e então ela fez o que ele mandou. Ela começou a pegar tudo que tinha na mesa. Como pensava, estava com muita fome. Ela praticamente limpou a mesa com sua “fúria”. Ela fez questão de comer um pouco de tudo que havia na mesa e quando ela começou a comer, ninguém mais comeu.
Ela parou satisfeita, com uma falsa cara de anjo. Um anjo bem maltratado, se é que isso poderia existir. Não demorou muito para que o Lord saísse da mesa junto com ela, que era ainda vigiada pelo filho dos Malfoy. Como era o nome dele mesmo? Nem lembrava mais... afinal... de que lhe importava?
Eles chegaram no quarto e o Lord falou o que não devia.
— Deite-se.
DEITAR-SE? DE ONDE QUE ELE TINHA TIRADO UMA COISA ABSURDA DAQUELAS?
— Não. – Ellen disse olhando-o indiferente.
— Por que não, Ellen? – ele disse estreitando os olhos, ele não pensava que ela continuaria desobediente, mesmo mudando de casa.
— Por que eu estou imunda e não vou encostar em nada enquanto não ficar limpa. Se eu tiver que morrer por não dormir ou por cansaço, eu morro, mas não vou encostar em nada.
Ele sabia que quando ela decidia não fazer o que ele mandava, nada no mundo a faria mudar de idéia. Ele tivera o desprazer de descobrir que a Maldição Imperius não lhe fazia efeito e que mesmo uma semana inteira tentando fazer a Maldição funcionar não adiantara.
— E por que você não quer encostar em nada? – ele infelizmente tinha que fazer ela deitar-se. Ele precisava dela forte, ou pelo menos forte o suficiente para conseguir seu intento mais tarde.
— Não é Ó-B-V-I-O? – ela falou como se estivesse na cara, e realmente, estava na cara. – Eu estou imunda e dormir em lençóis brancos pra mim é um crime. Quem lavar vai se matar pra tirar toda a sujeira que eu deixar. – ela disse cruzando os braços, ainda o encarando.
— Elfos fazem isso, Ellen, é o trabalho deles.
— Não vou deitar. – ultimato, não adiantava mais. Ela não ia deitar e ponto final. Nem á força.
Mesmo assim ele não acreditou muito nela e saiu do quarto. Ela olhou em volta de novo e decidiu verificar a penteadeira. Será que havia também perfumes? Ela fuçou toda a penteadeira sem olhar o temível espelho. Havia poções de beleza e perfumes lá dentro, mas eram até poucos. “Parece que alguém já habita esse quarto há algum tempo...” Ela pensou ao sentir que aqueles produtos já eram usados com alguma freqüência.
O Lord voltou algumas horas depois para constatar se ela havia desistido. Faltava uma hora para a janta. Mas ao chegar, deparou-se com ela de braços cruzados no meio do quarto, que não tinha nenhuma sujeira.
Ele revirou os olhos com a frescura dela, então chamou um Elfo (Ellen então descobriu como aquelas criaturinhas eram chamadas). “Achei que eram mais bonitos”, ela pensou enquanto olhava para a criaturinha, que era a mesma que a trouxera até lá. O Lord mandou que ele (ou seria ela?) desse um banho e arrumasse ela para a janta. O Elfo fez uma reverência exagerada encostando a ponta do nariz comprido no carpete e saiu. Ela foi logo atrás, satisfeita.
— Você é um Elfo mesmo? – perguntou ela corajosamente, achando que talvez o tal Elfo não soubesse falar, pois até agora não ouvira nada durante a caminhada. Aquele silêncio era fúnebre demais para ela.
— Sim, srta! Elfo Doméstico. – ele (ou ela?) falou com uma voz terrivelmente fina que fez seus tímpanos doerem um pouco.
— Por que doméstico? Tem o Selvagem? – ela perguntou com certa inocência, e estranhamente, criou uma certa confiança pelo Elfo.
— Claro que não, srta! Só domésticos como Maaya. – aquela vozinha fina de novo, talvez ela conseguisse se acostumar com aquilo.
— Maaya? Quem é? – ela perguntou, interessada.
— Maaya – O Elfo se auto indicou. Por que ela não falava EU?
— Então você é mulher?
— Elfa, srta! – ela falou. Mas não deu tempo de perguntar qual era a diferença entre chamar de mulher ou Elfa, pois ela já entrava em um aposento.
Ellen seguiu-a logo atrás e se deparou com um banheiro todo branco, azulejado até o teto. Ela sentiu-se em uma sauna, pois estava abafado lá dentro. Haviam ainda mais Elfos lá dentro esperando-a e isso a assustou. Quem era Elfo e quem era Elfa? Alguns deles começaram a se aproximar e ela deu alguns passos para trás.
— Ow, ow não se preocupem, eu sei tomar banho!
Não adiantou nada. Eles despiram-lhe rapidamente, quando ela ficou prensada entre a porta e a levaram para uma banheira enorme, mergulhando-a em seguida. A água ficou imediatamente cinza. Ela estava com tanta vergonha que até sentia-se paralisada. Eles faziam aquele trabalho com tanto zelo, que ela começou a relaxar. Porém ela logo teve que sair da banheira, pois a água estava turva e escura. Ela então foi para outra banheira, onde pode continuar com o banho.
Seu cabelo fora a parte mais difícil. Eles tiveram que colocar um monte de coisas nele para tirar aquela oleosidade. As caspas caíam como cachoeira, mas ela não reclamava, pois sabia que era impossível limpar aquilo tudo sem doer.
Quando ela saiu, os Elfos a enxugaram e vestiram algo que não era sua roupa, mas era uma limpa e fresca. Escovaram seus dentes e pentearam-na com esmero. Quando ela se olhou no espelho ela não lembrava mais daquela antiga imagem. Ela sentiu uma felicidade imensa por aquilo e virou-se para os Elfos com o sorriso mais verdadeiro que conseguia dar.
— Obrigada! – ela falara com uma grande satisfação. Aquele agradecimento sincero viera do fundo do seu coração.
Os Elfos ficaram chocados olhando-a, até que um timidamente se aproximou e lhe falou:
— Fizemos nossa obrigação, srta. Não precisa agradecer. – ele tinha uma voz menos fina.
— Não importa, eu adorei! Obrigada por me deixarem sentir que sou mais do que um objeto!
Os Elfos se entreolharam espantados, mas se sentiram orgulhosos por terem sido reconhecidos por alguém. Ellen viu alguns tímidos sorrisos aparecerem. Ela começou a mexer em seu cabelo como se estivesse sonhando. Nunca havia se sentido tão bem. Enquanto sentia o cheiro suave de seu cabelo, passou a mão por seu rosto, que agora estava sem espinhas, pois os Elfos haviam passado uma poção nela.
Nem mesmo quando estava na casa de sua mãe ficara tão satisfeita com sua aparência. Sua pele estava muito macia, os dentes branquíssimos, ela realmente estava se sentindo uma rainha. Enquanto ela se auto analisava satisfeita, a Elfa que a trouxera se aproximou.
— O jantar! A srta não pode se atrasar! – ela falou esganiçada.
— Ah sim, sim... – ela falou saindo de seu transe.
A Elfa a levou diretamente para a sala de jantar, mas Ellen estava muito feliz com seu cabelo para notar por onde caminhava. “Que sonho...” ela pensava suspirando, sentindo muito sono. Ela se acostumara tanto a seguir a pessoa à frente, que acabara parando também quando a Elfa estacara na porta e não entrara.
— Srta? – A Elfa falou olhando-a.
— Hum? – Ela falou erguendo a cabeça e percebendo que estava parada na frente da porta, com a Elfa esperando que entrasse. – Desculpe. – ela falou e foi sentar-se ao lado do Lord, ainda passando os dedos pelos cabelos, sem notar o espanto do garoto que se sentava sempre a sua frente.
Todos a olhavam um pouco espantados. Ela estava bem diferente do que na hora do almoço. O sorriso angelical voltara, mas dessa vez era verdadeiro, acompanhado por olhos miúdos de sono. Ela ergueu a cabeça observando a mesa. Estava com fome, mas foi bem mais delicada e refinada. Ela parecia ter esquecido todos a sua volta e quando terminou, não esperou o Lord, apenas se levantou, como se estivesse em casa, e foi até a porta, ainda brincando com seu cabelo. Ela parou na porta e olhou para todos os corredores. Ela sentia que o Lord a observava, mas parecia que ele não faria nada com ela.
— Maaya? – ela falou olhando para o alto, como se ela fosse cair do céu.
— Srta? – Maaya parecia um pouco espantada.
— Pode me levar para o quarto, por favor? Estou com sono. – ela falou dando um bocejo logo após pronunciar a ultima frase.
— Mas, srta, são apenas 7 da noite! – ela falou espantada.
— Só me leve pro quarto, por favor.
Maaya não negou seu ultimo desejo e a guiou corredores e mais corredores que novamente Ellen não memorizou. Quando ela reconheceu a porta de seu quarto falou para a Elfa:
— Pode ir, Maaya, obrigada mesmo...
A Elfa sumia e Ellen se encaminhou para o quarto, teoricamente, vazio...
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