O Primeiro Contato
Dor. Era tudo que ela conseguia sentir naquele momento. Sentia a cabeça latejar com força, seu corpo de mal-jeito também não estava muito diferente, enquanto ela começava lentamente a recobrar os sentidos.
O que tinha acontecido? Sua mente foi clareando aos poucos. Estava sendo seguida por alguém, não... Eram várias pessoas seguindo-a no metrô. A luz apagou-se repentinamente e, então, ela fora atingida por algo sem forma e desmaiara. Onde estaria agora? Será que a tinham seqüestrado? O que queriam com a sua família? Não era rica, não tinha coisas de valor inestimável.
Começou a se mover vagarosamente, a primeira coisa que fez foi colocar a mão sobre a cabeça, tentando fazê-la parar com aquele latejar incessante e chato. Sentou-se e, ao respirar fundo, sentiu o cheiro do mofo que parecia impregnado no aposento. Com uma careta, abriu os olhos o máximo que pôde, tentando enxergar o que havia a sua volta. Mas se estivesse com os olhos fechados, com certeza teria visto mais coisas, pois o aposento onde estava era uma penumbra completa e ela teria de tatear se quisesse achar algo.
Levantou-se zonza, apoiando-se à parede, percebendo que era feita de madeira e, pelo que conseguia sentir, uma madeira desgastada e que fazia leves rangidos pelo seu peso. Começou a caminhar com a ajuda da parede, aproveitando para tentar encontrar a porta do aposento. A cada passo, cada mínimo movimento, um rangido agourento. A casa dos horrores rangia menos que aquilo.
Conseguiu encontrar, após algum tempo de caminhada forçada, o que parecia ser um batente. Tateando melhor, percebeu a fresta. Com certeza era uma porta e, como toda porta, devia ter uma fechadura. Seria ingênuo pensar que a porta estaria aberta para ela ficar saindo como bem entendesse, não? Mas não custava tentar, pois era mais fácil achar a maçaneta do que a fechadura.
Não era nenhuma novidade ter de se movimentar em lugares sem luz, principalmente porque ela adorava assaltar a geladeira durante a noite quando sua mãe fazia aqueles regimes infernais. Por isso, já tinha certa noção de onde devia se encontrar a maçaneta e, assim que a sentiu entre os dedos, girou-a, constando que a porta estava trancada. Tentar não matava, até onde sabia...
Levou os dedos até um pouco abaixo, sentindo a fresta da fechadura, sorrindo. Podia esquecer de pedir o dinheiro do almoço para a mãe, mas jamais deixava em casa seus equipamentos arromba-portas. Nunca se sabia quando precisaria utilizar suas perícias de arrombadora e ela já se deparara em situações diversas. Não iria servir de vítima acuada.
Apesar de saber que poderia ser perigoso, detestava ser chamada de frágil e medrosa.
Ainda com a mão na fechadura, a outra saíra da utilidade de apoiá-la a parede para procurar por seus equipamentos no bolso de sua jeans preferida. Ali encontrava-se todo tipo de quinquilharias inúteis – ao menos na opinião de muita gente – que utilizava pros mais diversos usos. Encontrou o que desejava e ajoelhou-se, sempre mantendo uma mão imóvel sobre a fechadura para não perdê-la.
Em pleno escuro, ela começou a arrombar, sem um mínimo de preocupação, demorando poucos segundos nessa tarefa, ouvindo nitidamente o clique da porta sendo aberta. Empurrou-a vagarosamente, vendo a entrada da luz no aposento pela fresta.
Finalmente respirou melhor, tornando a dor de cabeça mais amena. Aquele cheiro de mofo impregnado estava terrível de suportar. Seus olhos se estreitaram também, por causa da claridade que invadiu o aposento tão repentinamente. Abriu mais a porta quando se acostumou à luminosidade, levantando-se e olhando para os lados, sem encontrar ninguém.
Ótimo, mais fácil para conseguir fugir, encontrar algum telefone e ligar para minha mãe. Talvez ir à polícia também seja uma boa ideia.
Antes de dar o primeiro passo, guardou seu equipamento novamente em seu bolso, observando o extenso corredor com algumas portas. No fim do corredor à esquerda havia somente uma porta, optou por ir para o outro lado, onde devia ter uma escada. Devia estar no segundo andar.
Silêncio absoluto era impossível naquela casa velha, cheia de mofo, poeira e ar de abandono. Cada passo era um rangido. O que podia fazer era ranger baixo, mas acreditava que isso não era de grande ajuda se alguém estivesse em algum dos aposentos ao lado. No entanto, chegara a escada sem ser surpreendida por nada.
Só de olhar lhe dava arrepios. A madeira não parecia firme de maneira alguma, mas era o único jeito de descer. Respirou fundo, quase tossindo por causa do ar de velharia que havia no ambiente, e deu o primeiro passo, bem próxima à parede, no intuito de tentar apoiar-se em algo firme, porque o corrimão tampouco parecia confiável a se apoiar. Como tinham conseguido carregá-la até lá em cima com aquela escada!?
No entanto, a madeira parecia bem mais firme do que aparentava, pois nem mesmo rangia. Estava perplexa, enquanto lentamente começava a ganhar alguma confiança nas estranhas madeiras velhas que pareciam muito firmes. Começou a descê-las, mas parou ao ouvir vozes, congelando.
Abaixou-se, tentando esconder-se atrás do corrimão. Aqueles pequenos suportes eram tão bem unidos que podia facilmente se camuflar. Além disso, de que adiantaria dar para trás? Restava apenas seguir em frente. Só que com um pouco mais de prudência.
Através das pequenas brechas existentes entre cada suporte, pôde ver que se tratava de um tipo de reunião. Algumas pessoas – não conseguia definir se eram homens, mulheres ou ambos, pois cobriam-se com um capuz e trajavam um tipo de capa preta muito larga que impedia-a de ver seus corpos – estavam ali reunidas em volta de um homem que parecia pronunciar alguma coisa.
Desceu alguns degraus cautelosamente para tentar escutar, além de tentar enxergar o rosto do homem que falava, uma das poucas partes de seu corpo que estava fora da larga capa preta que utilizava. Mas a única coisa que conseguiu distinguir era que tinha uma pele extremamente branca, provavelmente por ser albino, não tinha nada de cabelo e, através de leves relances, achou que seus olhos pareciam ser vermelhos. Vermelhos... devia ter sido impressão sua. Ou tinha caído dentro de uma seita de fanáticos que gostavam de se fantasiar de capetas?
Decidiu que tinha coisas muito mais importantes em que prestar atenção do que em um bando de gente que não tem mais o que fazer na vida. O aposento onde se encontravam era uma típica sala de visitas. Mas, pelo espaço que ocupava, devia ser uma sala de visitas de um tipo de Mansão ou algo bem parecido com isso. A porta mais chamativa devia ser a saída e, se quisesse atravessá-la, teria de passar por toda aquela gente que, provavelmente, não estavam ali para deixá-la passar com tanta facilidade.
Dali conseguia ver outra porta, próxima ao pé da escada. Normalmente, as casas tem ao menos três portas na sala de visitas. A porta de saída, a porta da cozinha – que era a que gostaria de encontrar, pois era ali onde existia a porta dos fundos – e a do banheiro do andar térreo. Restava saber se aquela porta próxima à escada era a cozinha, se não estava trancada e se aquela casa era normal e tinha a porta dos fundos. Olhou novamente para o grupo de pessoas, começando a arrastar-se lentamente pela escada, sem levantar-se e tentando fazer o mínimo de barulho. Talvez ninguém notasse se tentasse abrir a porta, indo bem de mansinho...
Mas, antes de conseguir fazer o que planejava, faltando poucos degraus para chegar ao pé da escada, houve uma agitação no grupo de pessoas. Quando olhou, quase todos os encapuzados haviam simplesmente sumido! Arregalou os olhos, paralisando no lugar ao observar só ter sobrado o homem albino e mais um outro baixinho que não tinha capuz. Não tinha notado ele ali antes.
O albino parecia furioso quando berrou com o homem.
- Rabicho, seu imprestável! Procure-a também, quero que a encontre! JÁ!
Foi só nesse momento que ela se deu conta que o andar de cima da casa estava cheio de rangidos de passos apressados que deviam estar à sua procura. Seu coração disparou, encarando a porta. Só haveria uma chance, mas, ao olhar para o lado pra verificar os dois que haviam sobrado, só encontrava-se o homem albino. Caramba, que passagem secreta tinha naquele lugar pra todos sumirem e aparecerem!? Aquilo estava ficando levemente bizarro...
Mas sua mente ocupou-se em tentar driblar o único homem que sobrara. Provavelmente devia ser fácil driblá-lo. Pelo que conseguia distinguir de seu corpo, era muito magro e não devia praticar muitos exercícios físicos. Ela conseguiria ganhar dele numa corrida. Mas notou que ele seguiu em direção à porta que estava pretendendo abrir e decidiu esperar, suando frio ao ouvir os passos no andar de cima.
Viu-o abrir a porta e reconheceu uma pia evidentemente de uma cozinha. E se ele devia estar vasculhando ali, era porque ali estava a milagrosa porta dos fundos! No entanto, para seu completo terror, ele não ia fazer o truque da passagem secreta. Ele ia subir a escada à pé!
Em um ato desesperado, antes de ele perceber onde se encontrava, correu para a porta passando ao lado dele, sem nem mesmo olhá-lo direito. Porque as cozinhas tinham que ser tão compridas!? Mas, para sua enorme felicidade, mesmo que misturada ao desespero, ali estava a porta desejada. Quando abriu-a, veio à sua mente a possibilidade de estar trancada, mas não estava. Porém algo inesperado ocorreu, quando já conseguira ver pelo que conseguira abrir um extenso gramado mal-cuidado. Algo passou ao lado de sua cabeça e pulou quando a porta, sozinha, tinha batido na sua cara e ouvia os trincos se fechando, também sozinhos. Era só o que faltava! As portas tinham vida própria!
Virou-se automaticamente na intenção de tentar a outra porta, mesmo sabendo que o homem devia estar ali para impedi-la. Talvez se...
Antes de terminar seus pensamentos, paralisara ao encarar o que achara ser um homem albino e careca, constatando também, no ato de encará-lo, que ele tinha olhos vermelhos. Piscou várias vezes para ter certeza de que o que via era real, até que finalmente teve de encarar os fatos.
Apesar de parecer humano, o rosto dele era completamente deformado. Havia duas fendas que parecia ser por onde respirava, os olhos eram iguais aos de um gato – retirando a diferença que não havia pálpebras -, só que a cor deles era vermelha e a pele era branca, meio perolada, ela poderia dizer. Aquilo era extremamente fora do normal!
Encontrara alguém que literalmente era uma víbora.
Antes de controlar seus impulsos, quando seus pensamentos destravaram para fazer as perguntas mais infantis possíveis – afinal, como que ele dormia, sem poder fechar os olhos!? -, também acabou por destravar sua própria língua.
- O que é você!? - não saíra tremida, não saíra amedrontada. Falava como se estivesse surpresa. Medo não costumava existir no vocabulário de Ellen. Senti-lo, menos ainda. Pior, nem tivera um pouco de senso de perguntar algo mais delicado como “Quem é você”.
Não houve resposta a sua pergunta, o “monstro”, como ela decidira chamá-lo, naquele momento a agarrara pelo colarinho enquanto ela ainda estava meio horrorizada. Foi quando ela acordou para a realidade, saindo do choque provocado pela visão inesperada. Não! Ela não ia voltar!
Como sendo a única arma que tinha no momento, usou as mãos e os pés. Os pés como freio, as mãos para tentar fazê-lo largar sua blusa. Mas, apesar da aparência de fragilidade que suas mãos demonstravam, elas pareciam aço inflexível enquanto a arrastava em direção à escada.
- Me laaaaaaargaaaa! - ela dizia entre dentes, enquanto puxava seu corpo para trás, com ambas as mãos no braço dele.
No entanto, era completamente ignorada, enquanto fazia a maior resistência possível para subir as escadas, mas todas as vezes que ela pensava em dar uma rasteira ou seja o que fosse para desequilibrá-lo, parecia que ele sabia, pois esquivava-se com uma facilidade enorme ou mesmo interrompia-a com algum movimento brusco, tornando essa tarefa impossível.
- ME LARGA, CRIATURA FEIA! - nem insultando ele parecia estar notando sua presença.
Se ela não estivesse tão entretida em se libertar, perceberia que a movimentação no andar de cima, aonde iam, tinha cessado. Mas estava tentando mordê-lo, para ver se a largava. No entanto, quase foi enforcada quando ele pegou a gola de sua blusa e tirou qualquer espaço além do que cabia seu pescoço, para manter sua cabeça paralisada. Isso dificultou tudo, pois a mantinha levemente mais à frente do que ele, além de sentir-se guiada igual um animal.
Só esse último pensamento já a tinha irritado profundamente, mas a única coisa que conseguiu fazer no momento foi tentar frear com os pés e gritar calúnias e xingamentos – isso porque suas mãos tentavam manter o máximo possível aquele apertado espaço para não ser enforcada. Mas, como em tudo antes disso, foi ignorado.
Quando ele parou de repente, parou também tudo que estava fazendo para perceber que estavam rodeados por aquele pessoal de capa preta. Não dava para ver seus rostos por causa dos capuzes, mas tinha a leve impressão de que todos a encaravam...
Havia apenas um deles que não tinha o rosto encoberto. Estava frente a ela e ao “monstro”, mas os miúdos olhinhos o encaravam temerosamente.
Aquele era mais um cara estranho. O gesto que fazia com as mãos, junto ao nariz meio grande e aqueles dentes enormes, lhe lembrava muito um rato de esgoto tamanho extra-grande. Será que tinha um King Kong no meio dos encapuzados? Porque se fosse seguir a lógica...
— O que eu falei para você, Rabicho? – a voz dele, apesar de calma, parecia conter um tom insatisfeito. Os olhos gatunos perfuravam o homenzinho mais baixo, que se encolhia cada vez mais. Cruzou os braços, com ar interessado, curiosa sobre o que daria aquilo.
— Vigiar a menina, Milorde – ele falara sussurrando, mas Ellen escutara. Bom, realmente seria difícil não escutar no silêncio mortal que estava ali. Não se ouvia nem o rangido da madeira sob os pés dos presentes.
— E o que você estava fazendo quando ela acordou? - a voz continuava tão calma quanto anteriormente, o que parecia só fazer o homem-ratazana ficar com mais medo. Influência ímpar!
— Eu... eu... – ele estava gaguejando, devia ter feito coisa errada na hora errada, ela devia ter explorado mais a chance, droga! E pensar que chegara tão perto! Quem sabe na próxima daria...
— Cuido de você mais tarde. – ele o cortara totalmente seguindo para o outro lado do corredor, aonde não fora.
Foi um ato tão repentino que se desequilibrara momentaneamente ao ser obrigada a andar bruscamente e sem qualquer aviso prévio. Novamente, começou a resistir, automaticamente, como se não houvesse tido interrupção alguma, mas decidiu que gritar não era uma boa opção, porque, quando pensou em fazê-lo, o aperto em seu pescoço aumentara consideravelmente, para depois afrouxar. Se a situação não fosse tão tensa, ela se perguntaria porque ele não havia feito isso antes.
Finalmente, após muita luta, ele tinha vencido e adentrado no último aposento, bem ao fim do corredor depredado e barulhento.
Havia um tapete extremamente puído próximo a uma lareira que estava acesa, dando para notar que havia uma poltrona, igualmente puída e deteriorada pelo tempo, provável, de desuso. Apesar de tudo, parecia ser um aposento muito utilizado, pois as teias e poeiras estavam em menor quantidade do que no resto daquele casarão.
Caminharam – ela sem muitas escolhas – à poltrona, percebendo haver algo aos pés da lareira que ficava quase em frente àquela. Sentou-a e viu quando ele ergueu um tipo de vareta meio estranha que carregava na outra mão, apontando em direção à suas pernas e seus lábios pareciam formar algum tipo de frase. Logo após isso, sentiu como se tivessem colocado um esparadrapo na parte interna de suas pernas, fazendo-as grudarem uma à outra, assustando-a.
Mas o que é isso!? O que ele fez com as minhas pernas? Ela se perguntava, enquanto tentava desgrudá-las. Até mesmo seus pés tinham sido grudados. Mas seus olhos se desviaram para o “algo” que havia próximo a lareira e parecia andar. Ou melhor, deslizar. Arregalou os olhos ao constatar ser uma cobra enorme. Nunca vira uma cobra de perto e na vida real.
- Seja dócil com a nossa hóspede, Nagini. - a voz dele parecia jamais sair daquela calma.
Ele era maluco, até parecia que uma cobra poderia entendê-lo! De qualquer modo, como sabia, a cobra não havia entendido absolutamente nada e recostou-se mais ao espaldar da poltrona quando deslizara até ela, erguendo a cabeça, examinando-a e depois abrindo a boca, mostrando os caninos longos e afiados.
Sua situação era perfeita. Não tinha noção de onde estava, cercada por um monte de gente esquisita que gostava de ter aparências animalescas. E, óbvio... Tudo tinha que acontecer justo no dia de seu aniversário, algo que para ela era mais importante que qualquer época do ano. Parece que foi feito de propósito.
No entanto, a cobra não fizera mais nada, simplesmente voltando a enrolar-se, próxima a seus pés, encarando-a com atenção, sua cabeça recostada sobre o enorme corpo relaxadamente.
Sua atenção só saiu de cima da serpente quando o “monstro” recomeçou a falar.
- Deve estar confusa... - quando o observou havia uma poltrona, onde ele agora se sentava com ar relaxado. Mas de onde ele tinha tirado aquela poltrona? Mas ela estava tão cega que não conseguia mais ter noção do que tinha e o que deixava de ter nos aposentos?
Suas expressões confusas foram lentamente sendo substituídas por raiva.
- Não... - ela começou com a voz baixa e, quando continuou, seus olhos deviam estar flamejando de fúria - ESTOU COM RAIVA!!! NÃO SEI ONDE ESTOU, NÃO TENHO CONFORTO NEM DE UM COLCHÃO E NINGUÉM LEMBROU DO MEU ANIVERSÁRIO!!! - gritar e atirar todas as suas frustrações em cima de um completo estranho, que provavelmente fora o causador do seu sequestro, não parecia sensato.
Porém sua fúria aumentara consideravelmente pela reação que obteve do homem desconhecido.
Ele riu.
Simplesmente riu da sua fúria, com ar debochado. Antes que querer reagir impulsivamente e pular em cima dele – esquecendo-se completamente que suas pernas estavam imobilizadas – distraiu-se quando os tijolos da lareira pareciam ter desabado, deixando o aposento em completa escuridão, retirando a luz mínima provocada pela lua através da única janela do aposento. Nem mesmo reparou que suas pernas haviam desgrudado naquele momento.
Só percebeu a oportunidade de fuga quando já era tarde demais. Sentiu algo grosso, curvilíneo e rastejante que enrolava-se em suas pernas. Sentiu todos os pelos de seu corpo arrepiarem-se nesse momento. Sabia que a serpente tornara o movimento de suas canelas praticamente nulo e, ainda por cima, sentia que esta começava a se aconchegar em seu colo.
Quando conseguiu se recobrar do choque e dos arrepios, tentou retirar a cobra de seu colo, na escuridão mesmo, mas ela era pesada como chumbo. Ótimo! A serpente se apaixonou por mim, que amor... Só falta enrolar em meu corpo e me dar um carinhoso abraço.
Enquanto esses pensamentos sarcásticos passavam por sua mente, ainda tentava inutilmente retirar a cobra de seu colo, empurrando. Uma luz repentinamente havia se acendera, fazendo-a ter de colocar uma das mãos sobre os olhos para se proteger da claridade inesperada. Não imaginava que houvesse energia elétrica naquela casa abandonada.
E não tinha mesmo. Ao abrir os olhos, percebeu que a mesma vareta que ele tinha apontado contra ela e – através de uma lógica nada realística – prendera suas pernas, agora emitia uma luz intensa e suficiente para iluminar um pequeno espaço do ambiente. As bizarrices tornavam-se cada vez piores, conforme o tempo passava e não sabia mais o que esperar.
- Extravasou a raiva? - apesar do recente desastre que poderia significar algo grave como “A casa está desabando!”, ele divertia-se com a situação, continuando sentado em sua poltrona com uma calma até mesmo irritante.
Não sabia qual era a graça da situação, mas sabia que de alguma forma ele estava sugerindo que havia feito a lareira desabar.
- Como você acha que eu fiz a lareira despencar se eu nem conseguia sair dessa poltrona!? - nisso, indicou com o dedo acusadoramente a serpente que deitava-se relaxadamente sobre o seu colo - E será que dá pra tirar esse animal chato de cima de mim!?
- O que você denomina tão gentilmente de animal chato é a minha cobra de estimação, Nagini. - ela já tinha aberto a boca para dar uma resposta mal-criada, mas ele foi mais rápido, quando continuou – Além disso, alguém lembrou-se de seu aniversário... Eu.
Ellen paralisara naquele momento, observando-o perplexa. Sentira seus músculos enrijecerem, enquanto encarava aquele estranho com ar monstruoso, jeito irritante e que fazia coisas bizarras. Seu mundo pareceu ter acabado com aquela última palavra que proferira e um pensamento irrompeu em seu cérebro num berro de indignação silenciosa, pois seus lábios não conseguiam se mover. UM ESTRANHO LEMBROU DO ANIVERSÁRIO DELA E SUA MÃE NÃO! Sua mente não parecia querer conceber aquela ideia e sentiu lentamente seu corpo ir perdendo a rigidez até ficar completamente mole, sentindo quando recostou seu corpo no espaldar da poltrona. Não só demonstrava que estava derrotada, como sentia-se derrotada.
Sabia que o estranho falava alguma coisa para ela, mas não escutava. O último acontecimento fora um grande choque e parecia que caía num abismo de desilusão. E só acordou de seu torpor de derrota quando sentiu a serpente desenrolar-se de seu colo e de suas pernas.
Fugir. Ela precisava e pretendia fugir.
Levantou-se num piscar de olhos e saiu correndo em direção à porta, sem olhar para trás ou pensar em mais nada. No entanto, ao estar quase conseguindo chegar a porta, sentiu-se leve como uma pluma e, um segundo mais tarde, seus pés corriam no ar. Se ela já não tivesse visto bizarrices demais pra um dia, ela teria ficado novamente chocada, porém apenas ficou surpresa enquanto observava que estava flutuando a quase 30 centímetros do chão.
Seus olhos desviaram-se imediatamente na direção dele, levemente aborrecida.
- Ei! Me coloca no chão! - ela em vão tentava se segurar em alguma coisa para poder ter algum impulso e se movimentar, mas estava longe de qualquer coisa para conseguir o intento – O que é você? O que está acontecendo? Como faz isso?
- Parece que não ouviu nada do que eu disse... - ele comentara e podia notar o leve tom de decepção dessas palavras.
- Não estava me interessando... E daí? - ela perguntou com indiferença, cruzando os braços e dando de ombros, mas seus olhos demonstravam o desafio de querer que ele retaliasse.
- Talvez você seja um pouco mais difícil de lidar do que eu previ... - o comentário fora feito um pouco ao léu, não dirigido especialmente para ela.
- Que meigo, você descobriu isso só agora? - havia um leve tom sarcástico e um sorrisinho estampou o rosto angelical.
- Vamos ver se esse sorriso vai continuar em seu belo rosto quando lhe der seu primeiro castigo. - sua fala saíra bem calma. Ambos encaravam-se desafiadoramente.
- Você não é meu pai. - havia um quê cético em seu olhar, então parecia analisá-lo – É, com certeza, você não é nem minimamente parecido com ele.
Ao falar isso, houve um brilho na íris vermelha e um sorriso surgiu, mas não houve qualquer resposta. Por alguma razão, não tinha gostado daquilo.
- Bom, agora que parece que me escuta... - a mínima mostra de demonstração de exultação esvaíra-se tão rapidamente quanto surgira, tornando sua voz novamente impassível – O essencial que precisava ter escutado é que é uma bruxa e eu vou ensinar a utilizar feitiços.
O olhar cético que ela lançara para ele fora mais expressivo que se tivesse falado algo. Não acreditava muito naquelas histórias de magia, pois muitos “mágicos” faziam shows daquele estilo, mas sempre mostravam seus truques, cada coisa mais pitoresca que a outra, e se aquele não era mais um mágico de quinta utilizando uma máscara? Aquelas máscaras Hollywoodianas eram perfeitas e enganavam muitas pessoas.
- Então... você está se dizendo um bruxo? – ergueu os olhos, analisando-o de cima abaixo com a mão sobre o queixo, mantendo a mesma expressão cética. – E está dizendo que eu também sou? Ou melhor, que eu VOU ser... exatamente por que você quer? Não quero perder o meu tempo enganando trouxas na televisão, obrigada... – revirou os olhos e fechou a cara, não ia ficar aprendendo aqueles truques idiotas.
- Não, querida Ellen... - ao pronunciar seu primeiro nome, ela parecia ter ficado minimamente mais irritada do que já estava – Primeiro, vamos esclarecer. Eu não sou um mágico. Eu sou um bruxo. - ele tinha enfatizado bem essa última palavra. - E eu não faço mágicas. Eu faço magia. No entanto, o tempo que dispunha para explicar o que pretendo com você já passou. Além disso, não preciso provar nada a ninguém, muito menos a você. Amanhã, eu darei um jeito nessa sua insolência...
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