A Festa que Nunca Aconteceu...
A manhã avançava naquele dia em Londres. Os raios do sol tocavam calmamente as várias casas de aspecto idêntico umas às outras, enquanto espantava a comum névoa produzida durante a noite pelas ruas londrinas. Era apenas mais um dia nas férias de verão.
Ultrapassando a fina cortina do quarto feminino através de uma pequena fenda, os raios iluminavam uma garota adormecida em sua cama de lençóis estampados, até chegar ao seu rosto, parecendo incomodá-la um pouco com a claridade, fazendo-a abrir os olhos vagamente.
Seus cabelos negros espalhavam-se sem nenhuma ordem pelo travesseiro de fronhas douradas e seus olhos de um azul muito mais escuro que o normal encaravam com ar meio aborrecido aquela brecha na cortina. No entanto, ao encarar o calendário que pendurava na parede de seu quarto, junto com os pôsteres de suas bandas favoritas, desenhos e figurinhas, arregalou os olhos.
Como se recebesse energia renovada, erguera-se da cama apressadamente, deixando os cabelos bagunçados caírem por seus ombros, colocando suas pantufas. Trajava um pijama branco com alguns desenhos bordados em negro próximo à gola, rodeado por babados para realçar esse detalhe. Saiu pela porta correndo, sem nenhum cuidado, derrubando a lixeira próxima à escrivaninha de seu quarto, entortando os quadros do corredor ao trombar com as paredes, tentando se equilibrar, mas sem parar de correr. Um sorriso radiante estampava seu rosto de feições infantis.
- MÃE! MÃE! MÃEEE! - ela chamava, assim que começou a descer as escadas, quase caindo de tanta agitação e acabando por trombar com a parede logo à frente da escada, fazendo muito barulho com o impacto.
- O que foi, Ellen!? - a mãe perguntou em voz alta de um dos aposentos do andar térreo da casa e ruídos de metal sendo largados foram ouvidos após o estrondo que Ellen produzira.
Sua voz foi abafada pela porta fechada e, se pretendia abri-la para ver o que havia ocorrido, não dera tempo, pois Ellen já corria na direção desta, abrindo-a sem nenhum cuidado, acabando por enganchar o pijama na maçaneta pela milésima vez em sua curta vida.
O aposento era a cozinha, onde a mãe preparava o café da manhã, antes de todo o rastro de desastre que sua filha deixava logo atrás de si. Estava próxima à porta, quando Ellen a escancarara e, naquele momento, tentava desesperadamente retirar o pijama à força, com expressões aborrecidas em seu rosto.
- Cuidado, querida! - falara preocupada, enquanto a fazia parar de puxar o pijama, desenganchando-o para ela.
Assim que o fizera, o brilho de expectativa estava novamente em seus olhos e o sorriso estampava novamente o seu rosto que por poucos segundos desaparecera.
- Mãe! Mãe! - Ellen havia abraçado-a, ainda olhando-a daquele jeito, enquanto esta a conduzia em direção à mesa.
- Acalme-se! Porque tanta agitação logo de manhã? - havia um ar divertido em sua fala, enquanto conseguia finalmente fazê-la sentar-se à mesa, colocando o que havia feito para começarem a comer.
- Você não se lembra? - em sua voz havia um quê de súplica, chegando até mesmo a ser angustiado, enquanto a observava com ainda mais afinco.
Por um momento, a mãe simplesmente a olhara com ar intrigado, um pouco pensativo, desviando os olhos sem nada dizer.
- Quer waffles? - perguntou, como se tivesse ignorado a pergunta da filha.
Ellen ficara levemente chateada, fazendo toda sua animação matinal desaparecer com aquela fala, simplesmente abaixando a cabeça e aceitando o que sua mãe lhe oferecia. Mas seu sorriso reaparecera. Talvez, Lari lembrasse que dia era!
Após terminarem de tomar o café da manhã, Ellen levantou-se, já informando o que pretendia.
- Mamãe, vou ligar para a Lari.
- Pretendem ir aonde? - perguntou, já que normalmente quando Ellen ligava para a amiga de infância era para passearem. Mas seu olhar demonstrou preocupação quando a observou ir a direção do telefone.
Ellen sorrira, virando-se para a mãe naquele momento, sabendo com que ela estava se preocupando. Apesar de sua aparência meiga e gentil, podia se tornar um pequeno demônio. Era uma aluna inteligente e aplicada, mas vivia metendo-se em confusões pela escola, graças à sua determinação e por lutar por aquilo que queria até as últimas consequências. E quem sempre acompanhava-a em suas encrencas era sua melhor amiga, Lari. Para Ellen, Lari era quase como uma irmã e era a única em quem realmente confiava.
- Pro centro ver nossos materiais, é claro! - nesse momento, com um ar mais maldoso, comentara – Não vamos destruir a prefeitura se é isso que imaginava... - sua mãe, que já sabia com quem lidava, sempre preocupava-se quando Lari e ela saíam para a rua. Principalmente porque nenhuma das duas era muito santa.
Sua mãe rira do comentário.
- Tudo bem, tudo bem... – então, ela voltou-se para a mesa, arrumando-a como sempre fazia quando terminavam de comer.
Fora para o telefone, sabia que devia ser cedo, principalmente por ser ainda férias de verão, mas queria muito ver Lari. Precisava muito que ela lembrasse daquele dia. Retirou o telefone do gancho, ouvindo o típico som de quando o telefone estava com linha e discou o número da amiga, esperando que alguém atendesse.
- Alô? - alguém falara do outro lado da linha – Isso. Queria falar com a Lari. Ela está? – novamente alguma resposta, retornando a falar pouco tempo depois – Tudo bem, eu espero.
Mais alguns minutos, até finalmente a amiga atender.
- Ellen? - uma voz sonolenta dissera do outro lado da linha, fazendo-a simplesmente sorrir.
- Eu adoro te acordar de manhã, Lari. - Ellen falara com ar levemente cínico, recebendo apenas um riso meio grogue pelo sono. - E aí, vai fazer o que hoje?
- Nada em especial, por quê? - perguntara a amiga, parecendo começar a perder um pouco do sono, graças ao comentário jocoso.
- Vamos ao centro, então. - pela mudez do outro lado, ela complementou. - Ver os materiais. Sabe? – quando a amiga estava com sono, ficava um pouco mais devagar para captar as informações.
- Ah! Claro! - respondera ao compreender as intenções da amiga. Ou achar ter entendido, ao menos.
- Vou aí à sua casa pra te buscar, não vou demorar demais. - nesse momento, ela observou o relógio que ficava em uma das paredes da sala, onde encontrava-se o telefone da casa, calculando mentalmente quanto tempo Lari levaria para deixar a sonolência de lado e ficar pronta para saírem.
- Ok! Espero que dê tempo para me arrumar, ou vai ter que ficar esperando. – nesse momento, ela riu, enquanto complementava – Até daqui a pouco!
- Até daqui a pouco. - Ellen sorrira, desligando o telefone satisfeita.
Correu ao andar de cima, indo trocar-se também, observando o estrago de sua corrida desesperada escada abaixo para encontrar-se com a mãe. Ela conseguia realmente ser desastrada quando queria alguma coisa.
Assim que entrou no quarto, abriu a porta de seu armário embutido, onde havia um grande espelho do lado de dentro. Escolheu uma roupa descente para vestir, mas que fosse confortável. Pegou uma calça jeans quase negra de tão escuro que era o azul e uma blusa branca com o desenho em alto relevo de uma fada em seu ombro direito. Pegou o pente na sua escrivaninha – ela sabia onde ficava cada objeto em seu quarto, pois ela o organizava com muito carinho e cuidado – penteando-se em frente ao espelho que existia na porta do armário, logo deixando o quarto novamente no lugar e descendo as escadas correndo.
- Já estou indo, mãe! - informou alto, antes de abrir a porta.
- Tome cuidado, Ellen! - a voz soou meio abafada, deixando que Ellen bufasse.
- Vou tomar! - respondera, enquanto saía pela porta em direção à rua, para pegar o caminho até a casa de Lari.
A casa da amiga ficava a apenas alguns quarteirões da sua. Para dar tempo de chegar lá e já poderem sair, andava vagarosamente pela rua, vendo os detalhes diferentes que tinham as casas – que eram todas iguais naquele bairro residencial e planejado – não percebendo sombras suspeitas que pareciam segui-la estranhamente.
Mas, assim que chegou à porta, batendo três vezes, esta fora aberta quase imediatamente, aparecendo através dela uma garota da mesma idade de Ellen. A primeira coisa notável na garota é que ela usava um aparelho odontológico que fazia um aro externo, mostrando para quem quisesse ver que ela tinha problemas de dentes tortos. Seus cabelos eram castanhos e os olhos eram um pouco mais escuros. Usava roupas comuns. Uma calça preta e uma blusa com algumas estampas espalhafatosas.
- Ah! Pelo visto, já está pronta! - Ellen dissera, sorrindo ao ver a amiga.
- Claro, com toda essa demora, deu até para tomar café da manhã. - rira a amiga, abraçando Ellen apertado.
Pouco tempo depois, já caminhavam de novo pelas ruas. Ellen estava distraída, meio pensativa, o que chamou a atenção de Lari.
- Está tudo bem, Ellen? Parece pensativa. - comentou Lari finalmente, quando não suportou mais ver aquele jeito esquisito de sua amiga.
- Não, eu não estou muito bem... - desabafou Ellen, suspirando e até mesmo parando de andar.
Nesse momento, seus olhos brilharam com expectativa em direção à Lari, mas suas feições eram sérias – Você sabe que dia é hoje, não é, Lari? - parecia que ela até mesmo prendera a respiração naquele momento, ao fazer aquela pergunta.
- 29 de Julho, ué... - começara Lari, vendo a amiga desanimar completamente, parecendo finalmente ter sido derrotada.
- Lari, você é minha amiga desde quando éramos pequenas e não consegue lembrar que dia é HOJE? - ela falava enfática, ainda sem acreditar, com uma voz deprimida.
- NOSSA! Mas é claro, como pude esquecer?! Que burrice! Hoje é o dia do seu aniversário! - a voz de Lari ficara entusiasmada ao lembrar-se.
Isso até quase ser derrubada por Ellen, que pulou em cima dela nesse momento de tanta felicidade, assustando a Lari e as pessoas que andavam à volta. Abraçava com tanta vontade que parecia querer quebrar a amiga ao meio.
- Você lembrou, Lari! Isso é ÓTIMO! - Ellen parecia não caber de felicidade pela lembrança da amiga e seu humor retornara ao normal por ter pelo menos a amiga lembrado daquele dia tão importante para ela.
Chegaram ao metrô, saindo no centro de Londres em pouco tempo. Mas não queria dizer que estavam vendo materiais escolares, como havia dito para a mãe naquela manhã. Na verdade, olhavam diversos tipos de loja: de moda, acessórios, materiais... Mas as que Ellen mais se interessava eram umas lojas que vendiam esquisitices. E ela parecia ter um olho fino para encontrá-las, por mais pequenas que elas fossem. Ellen também tinha algumas manias meio excêntricas e Lari adorava esse jeito despreocupado da amiga em não se importar com o que os outros pensassem.
Passaram toda a tarde caminhando pelo centro. Na hora do almoço, Lari tivera de pagar, pois Ellen tinha esquecido completamente de pedir dinheiro para a mãe de tão apressada que saíra de casa. Admirara-se de como Lari inventara coisas para fazer aquele dia. Até quando parecia que as coisas interessantes haviam terminado, ela conseguia encontrar algo para fazer, deixando Ellen mais animada para andar. Talvez Lari quisesse lhe comprar o presente, apesar de já agradecer por ter pagado seu almoço.
Mas a noite já estava chegando e as duas precisavam voltar. Caminharam para o metrô e voltaram para a casa. Apesar de comumente voltarem aquele horário do centro, naquele dia Ellen sentia-se estranha. Na verdade, o dia todo sentiu como se alguém a vigiasse, mas não dera importância. Mas daquela vez uma intensa sensação de estar sendo vigiada de muito perto a invadiu.
Ao entrarem no vagão, olhou para os lados, percebendo que algumas pessoas olhavam diretamente para ela, mas desviando o olhar logo após. Notou que tais pessoas usavam roupas estranhas. Roupas destoantes com a normalidade, como se nem mesmo soubessem como combiná-las. Mas achou que estava ficando doida. Por que alguém iria persegui-la? Mas aquela sensação começou a ficar tão forte que estava ao ápice do estresse ao chegarem à estação. Antes de saírem para a rua, decidiu confiar em seus instintos, virando-se para Lari e puxando sua blusa, para chamar sua atenção.
Precisava convencê-la a correr para casa, mesmo sem um motivo concreto para fazê-lo.
- Lari, a gente precisa... - mas antes que pudesse terminar a frase, dita aos sussurros...
Todas as luzes haviam simplesmente se apagado. Tudo mergulhara em um profundo silêncio, além de tudo parecer estranhamente imobilizado, como se o tempo tivesse parado. Exceto uma movimentação suspeita. Eram os homens excêntricos do metrô! Seu coração acelerou e, sem pensar, apenas com a nítida impressão de que o alvo deles era ela, tentou correr à escada, mas não conseguira nem dar três passos antes de sentir ser atingida por algo.
Algo sem forma a atingira nas costas e uma dor lancinante invadiu seu peito. Porém, além daquela dor, parecia que suas forças se esvaíam com uma rapidez assustadora e não tivera como gritar nem de dor, nem por ajuda, sentindo apenas o frio piso da estação de metrô, antes de perder completamente a consciência.
Na pouquíssima, quase inexistente, luminosidade do local, quatro sombras aproximaram-se da menina desmaiada e uma delas a pegou em seu colo, desaparecendo todas ao mesmo tempo, fazendo com que as luzes retornassem quase que instantaneamente, junto com toda a movimentação.
Lari, que continuava no mesmo lugar quando a luz havia acabado balançando o corpo. Olhava para os lados, meio confusa. Muitas pessoas fizeram isso à sua volta. Por alguns segundos, achou sentir-se imobilizada e um medo invadiu-a, sentindo-se vulnerável. Mas não devia se preocupar com isso, é claro. Fora apenas uma sensação sem sentido.
- Sentiu isso, Ellen? - perguntou, mas, ao virar-se, descobriu que a amiga havia simplesmente sumido! - Ellen? - chamou alto, mas nada respondia – ELLEN! – nesse momento, a primeira coisa que pensou foi em procurar pelo “informações”, chamando por ela pela estação de metrô.
No entanto, passou-se quase 15 minutos de chamada e ela não aparecia. Lari começou a se preocupar e correu para a casa dela, para avisar de seu aparente sumiço.
Ao chegar à casa, a festa de aniversário surpresa destinada à Ellen – onde Lari havia sido incumbida de entreter Ellen durante a manhã e a tarde para arrumá-la – estava pronta. Os convidados estavam preparados para recebê-la, no entanto, não estavam preparados para a notícia que Lari trouxera. Como rastilho de pólvora, a notícia sobre seu desaparecimento espalhou-se rapidamente pela vizinhança.
A mãe ligou imediatamente para a polícia e deu queixa do desaparecimento de sua filha, ficando grudada ao telefone durante toda a noite. Mas não havia sinal algum sobre seu paradeiro, nem mesmo sabiam se havia sido sequestrada, pois não viera pedido algum de resgate. Seu desaparecimento foi um mistério.
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