Sentimentalismos
Hermione queria papel e caneta para escrever poemas bonitos e bêbados. Draco levou-a para um hotel trouxa onde poderia cuidar dela. Por que aquela morena estava fazendo aquilo? Por que ela não falava nada e por que parecia ter dormido tão rápido?
A verdade é que ela não tinha dormido. Estava fingindo pra não ter que falar nada, nem escrever. O mundo todo rodava, inclusive ele. Ele rodava fora e dentro da cabeça dela e ela tinha vontade absurda de falar que era Hermione Granger.
- Do you believe in love? - Ela disse sem levantar a cabeça, num misto de acusação curiosidade e etanol.
- Qual love?
- Abstrato, Draco.
- Acredito em paixão.
- Você sente?
- Você sente?
- Eu escrevi umas três cartas antes de enviar a que enviei. Não posso me entregar, Malfoy. Do you believe in love?
- Talvez.
- Não tem talvez.
- É talvez. A paixão é toda movida pelo talvez e é ele que traz o sustento do tal amor.
- Do you believe in love?
- Qual é o vínculo que te prende unicamente a uma pessoa, Granger?
- Do que você me chamou? – ela se assustou.
- Diana.
- Quem é... Granger? – Hermione tentava disfarçar.
- Eu não sei, Diana. Durma.
- Não quero. Quero mais vinho. Melhor! Quero whiski de fogo!
E Draco queria calá-la por que se via nela. Queria não ver-se nela, por que se vendo nela queria entrar nela e tê-la para si. Ela era tão rasgante e tão bonita.
- Não vou te dar vinho, Diana.
- Tem medo de que?
- Touchè.
- Não vai responder, Draco?
- Parece pergunta de revista. Eu não sei de que tenho medo, mas tenho. Sabe? Eu tenho medo de voltar atrás e de estar errado.
- Errado por que?
- Por que o problema não é o medo. É você.
- Eu?
- De que você tem medo?
- De você descobrir.
- O que?
- Eu não gosto do que eu me tornei, Draco. Eu sou tão grande e tão pequena ao mesmo tempo! Do you believe in love?
- Acreditava antes. Depois tudo virou pó.
- Acredita em pó?
- Gosto mais de líquidos.
- Eu também. Gosto de líquidos com pedaços de cabelos.
- Diana, você está bem?
- Eu tenho tanto medo...
Ela começava a chorar e ele a abraçou. Tinha que acalentá-la e impedir que qualquer pessoa do mundo a machucasse. Talvez ele estivesse sóbrio apenas para protegê-la. Queria acreditar que ela precisava dele. Ela desmaiou e ele teve certeza que precisava dela.
Tentou um feitiço anti-ressaca. Lembrou que nunca tinha aprendido a fazê-lo.
Acariciou os cabelos da moça e arrancou dela tudo o que parecia desconfortável, sapatos, presilhas, brincos. Dormiu na poltrona ao lado da cama e acordou antes dela.
Escovou os dentes, tomou um banho. Encheu um copo com água e ela abriu os olhos.
- Malfoy? – perguntou, com a voz diferente da do dia anterior.
- Água?
- Minha cabeça está doendo.
- Ressaca.
- Eu sei. Eu estou com sede.
-Água?
- Sim, por favor. – ela pegou o copo e engoliu num só gole. Ele conhecia aquela voz. Tinha certeza. Diana não existia. Havia alguém.
- Quem é você? – ele perguntou baixo.
- Diana Carter de ressaca. Serve?
- Não. Diana. Quem é você atrás da Diana. Os cabelos não são seus, certo? Você nem é morena.
- Se você continuar, eu vou ter que ir embora.- Hermione tentou mudar a voz um pouco, sem feitiço e sem muito sucesso.
- Por favor, não. Tome um banho e eu te arranjo um café quente. Alguma coisa para comer e uma colher de azeite.
- Azeite?
- Seria bom que você tivesse tomado antes, mas cura ressaca.
- Muito obrigada, Malfoy.
- Draco.
- Certo, Draco. O que deu em mim? Eu não sou de perder a razão. Eu calculo as coisas todas. E eu estou com dor de cabeça e mal estar e não quero levantar.
- Anda. Toma um banho. Depois você deita de novo.
- Por que você está cuidando de mim?
- Eu não te perguntei isso quando você cuidou de mim.
- Certo. Pagamento.
- Não. De forma alguma. Apreço.
- Apreço?
- Apreço.
- Você nem me conhece.
- Claro que conheço. Você não pode ter surgido do nada. Você não tem cara de quem fica bêbada. Você parece um poço sem fundo.
- E o que mais você sabe de mim?
- Nada. Eu só sinto.
- Por favor, não continua. Você nem me conhece.
- Seus olhos. Eles dizem coisas. Eles dizem mais.
- São falsos.
- Mas a dilatação da pupila não é, Diana, e é ela quem diz.
- Você não é casado?
- Sou.
- Por que você ficou até de manhã? Eu preciso de mais água.
- Eu fiquei por você. Sem susto, por favor. Não precisa se afastar. Eu não estou tentando nada.
- Eu percebi. Isso é estranho.
- Por que?
- Por que você não me conhece e continua.
- Talvez eu queira conhecer. Você me conhece.
- Não.
- Claro que conhece. Você já sabia meu nome antes de eu falar. Você esconde alguma coisa.
- E qual vai ser a graça de saber?
- Sinceramente. Não me parece que eu vá conseguir saber tudo nunca. Por que você não me conta seu nome de verdade?
- Como você percebeu que era mentira?
- A voz. E eu tenho certeza que já dancei com você antes de ontem à noite. E tenho certeza que conheço e gosto do seu cheiro há muito tempo. A temperatura da sua pele me é familiar.
- E você não sabe de onde vem?
- Não.
- Então não deve ser importante. É melhor que eu vá embora.
- Não vá.
- Você tem mulher pra cuidar. Tem trabalho pra fazer. Tem uma vida toda que não me cabe nem nunca coube. Eu não vou perder meu tempo aqui indo atrás de você e escondendo a cara pra no fim você nem saber de onde vem o cheiro.
- Diana. Eu gostei de você.
- Gostou coisa nenhuma. Você gosta é de não estar em casa. De não ter cobrança. De não ter que aparecer depois simplesmente por que você não sabe nem vai saber onde me achar. Você gosta é da facilidade que tem nisso tudo.
- Não tem facilidade nenhuma.
- Não?
- Você nem deixou eu te beijar.
- Mas eu beijei outros. Todos eles. O tempo inteiro. O mundo inteiro. Menos você. E agora eu vou embora sem te beijar. De novo.
- Não vai.
- Você quer o que mais?
- Não sei dizer o que há em ti que fecha e abre. Só uma parte de mim compreende que é a luz dos seus olhos.
- O que?
- E. E. Cummings, Nalgum Lugar. Um poema. Parece com você.
- Você gosta de poemas?
- Sim, Diana. Sempre gostei.
- Por que de repente parece que o mundo inteiro está girando em volta da minha cabeça?
- Um resto de porre. Um tanto de ressaca.
- Mas eu continuo parada e tudo em volta parece meio bambo.
- É ressaca, meu amor. Vai ficar tudo bem depois do café.
- De que você me chamou? – ela se assustou e ele percebeu que tinha dito amor.
- De amor, Diana. De meu amor.
- Por que?
- Quando foi que nós voltamos a ser adolescentes?
- Não voltamos, Draco.
- Mas você fica achando que cada palavra significa todas as coisas do mundo e fica fazendo tempestades e se escondendo de mim.
- Eu estou aqui. Não estou me escondendo.
- Então me diz o seu nome.
- Descubra você, Draco. E cada palavra significa todas as coisas do mundo.
- Eu sei. Eu gosto de poemas, lembra?
- Eu também.
- Anda, vamos comer.
- As coisas ainda estão rodando.
- Depois elas voltam para o lugar, prometo. Mas agora é importante você comer alguma coisa. Eu vou pedir serviço de quarto. O que você prefere?
- Bolo.
- Café?
- Bolo, café e água.
- É peruca?
- O cabelo?
- É.
- Não. É feitiço.
- Você é metamorfomaga?
- Não. Pra que tanta pergunta?
- Pistas. Você já avisou que vai sumir e eu vou precisar te achar depois.
- Sem pistas. Eu acho que as coisas pararam de rodar e eu vou tomar um banho.
- Como Diana ou como sei lá quem seja você?
- Com a porta trancada.
- Eu te fiz alguma coisa muito grave, não é?
- Como assim?
- Eu devo ter feito algo contra você algum dia. Não tem lógica você fugir tanto e estar tão perto e se mostrar tanto e se esconder.
- Você é um cara esperto.
- Você deve ser uma bruxa foda.
- Sou sim.
- Muito melhor que eu em feitiços. Conseguir mudar o cabelo e os olhos e sei lá mais o que você mudou não são coisas fáceis.
- Sem mais perguntas.
- Tudo bem.
Ela fechou a porta do banheiro sem nem bem olhar para a cara de Draco e ele sabia que dali mesmo ela iria embora. Dito e feito. Nenhum som de porta se trancando e nenhuma Diana dentro do banheiro. Começou então, a temporada de caça à Carter. As armas de Draco: lembranças de voz e cheiro, dança, brincos e sapatos que a moça tinha esquecido no quarto com essa pressa toda de fugir.
***
Quando Draco chegou, Gina estava sentada no sofá da sala esperando por ele. Cara trancada. A impressão de que dos dois homens que tinha, nenhum era dela mesmo. Harry sentimentalóide com fim de casamento e Draco sumindo.
- Quanto você bebeu? – ele mal tinha aberto a boca para dizer oi e ela já foi acusando.
- Não muito.
- Então quem é ela?
- Não sei.
- Draco, não vem com essa. Você está me traindo.
- Não estou, Gina. Infelizmente a única mulher que eu tenho é você.
- Infelizmente?
- Eu dormi mal. Eu vou passar o resto do sábado dormindo. Não me incomode, por favor.
- Você ficou doido? Você passa a noite fora sem dar notícias e vem com essa de não me incomode?
- Eu já disse que não fiz nada demais. Estou cansado, Gina.
- E você quer que eu acredite que você não fez nada?
- Quero. Mas isso é você quem decide. Se eu te enganasse, pequena, você seria a primeira a saber.
- E nunca?
- O que?
- Nunca transou com outras mulheres enquanto a gente estava junto?
- Transei uma vez. Faz pouco tempo. Uma semana no máximo.
- Draco. Eu não acredito que você foi capaz! E se eu não perguntasse...
- Você foi a primeira e a única a saber. Não sei se isso importa, mas, para mim, Gina, transar com aquela moça não passou nem perto de ser traição.
- Como não?
- Seria muito pior se nós nos apaixonássemos por outras pessoas, pequena. Mas aí eu não sei se seria traição ou sinal de que devemos começar de novo, longe um do outro. – Gina engoliu em seco. Estava sim apaixonada por outra pessoa. Mas não queria não ter Draco. Mesmo bêbado. Queria continuar casada e sem correr grandes riscos.
- Draco. Me promete que não vai se apaixonar por mais ninguém?
- Não tem como prometer isso, meu bem. Eu estou cansado. Não me incomoda.
- Draco, eu te amo.
- E eu como pães pela manhã.
- Eu disse que te amo.
- Sim, Gina. Eu ouvi. E eu como pães foi o que eu respondi. Tem bolo naquela sacola em cima do aparador. Me deixa dormir.
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