Ressaca
Ela nem avisou. Aparatou na casa da mãe e Harry que fosse pra onde quisesse. Ele tinha que entender que era a hipocrisia que sustentava o lar. Quem, diabos, ele pensava que era para ir contra isso?
A mãe de Hermione dormia feito pedra. Ela não tentou acordá-la então. Sentou-se na velha cama ainda cor-de-rosa e se ocupou em sentir o próprio cheiro de anos atrás.Talvez a saída fosse mesmo voltar a ser criança sem magia, gatos, Harrys ou Dracos. Dormiu encolhida na cama que não mais a comportava. Quando a mãe a visse, ao certo traria um café quente e alguns biscoitos, sem maiores perguntas. O sábado acabaria relativamente bem.
***
Sim. Ela queimou o bacon. Definitivamente aquele domingo não era o melhor dia para Guinevere Malfoy. Acordou massageando o dedão do pé com toda força de impacto da quina da cômoda. Desceu, ainda dolorida, para fazer o café da manhã. Fritar bacon era uma tarefa normal. Fazia-o sempre. Mas naquele domingo, Gina tinha que queimar o bacon. O café, é claro, ficou tão ralo quanto podia. Draco não beberia ou comeria qualquer uma daquelas coisas. A tentativa de massa de panqueca ficou com uma cor tão estranha que nem passou perto da frigideira.
Restou à Gina sentar-se em jejum na sala, esperando que o marido acordasse. O elfo doméstico passou logo em seguida na sua frente, segurando uma bandeja com ovos mexidos e torradas. Ela tombou a cabeça para traz e ficou encarando o teto. Lembrava que na Toca tudo era absolutamente perfeito. Ela não podia querer mais que aquilo. Dividia seu tempo entre um marido alcoólatra e um amante que não passaria daquilo. Harry Potter não tinha gás para ser marido dela. Pensando bem, nem Draco Malfoy. Ela já não se agüentava e não agüentava qualquer rotina.
Draco apareceu desgrenhado e ainda não acordado, na frente da mulher. A única reação dela foi pular em cima dele com uma fome incomum. Ele não entendeu e desviou. Ela voltou ao quarto, decepcionada. Era melhor voltar a dormir, pra fingir não ter acordado.
***
Hermione acordou, ainda na casa da mãe, no domingo bem cedo, mas não queria ficar ali. A vontade dela era ver amigas ou algo do tipo. Comer algodão doce e assistir a um filme de terror dublado em algum idioma completamente desconhecido. Pensou imediatamente em Pansy ou Gina, que ultimamente eram mais chegadas. Ela sabia, no entanto, que não choraria mágoas com nenhuma das duas. Nas quartas ela era forte, naquele domingo também deveria ser assim. Aparatou na porta da casa de Luna e Cho. Sabia que ali seria bem recebida.
Foi Luna abrir a porta que Hermione a abraçou e desabou. Chorou o que podia e o que não podia. Luna acalentava e Cho não entendia coisa alguma. Ficava, então de pé, séria e silenciosa ao lado das duas outras. Foi Hermione segurar um pouco o choro e sinalizar alguma respiração que a loura perguntou:
- O que aconteceu?
- Harry.
- Calma, quer chá?
- Quero colo.
- Tudo bem.- Luna dizia baixo, enquanto Cho continuava calada, preocupada em se acomodar em alguma cadeira para assistir o que poderia, a qualquer momento, tornar-se um grande espetáculo.
- A verdade é que eu não sou a Mulher Maravilha. E você também não é invisível. A verdade é que eu não tenho nenhum herói mais. O meu super-homem de cicatriz na testa se mostrou um retardado. Me segurava ele ser cavalheiro. Ele foi nojento. Foi baixo, Luna, como eu nunca pensei que ele pudesse. Ele me escavou. Eu não quero ser transparente. Eu quero ser Maravilha. Eu queria... Eu não queria nada. Nada do que eu tenho. Eu não sou feliz!- Hermione dizia entre soluços e lágrimas.- Ele não é pra mim e eu não sou pra ele. Mas o meu casamento não pode acabar, não vai acabar. Eu queria ter a sua força. Eu queria ser casada com alguém como a Cho. Ela faz silêncio. Ela ouve! Eu queria alguém que soubesse mais e me agredisse menos. Eu queria alguém que me trouxesse dúvidas. Eu sinto falta de mistério e paixão. Eu sinto falta de um monte de coisa. Eu sou vazia. A verdade é que todos os dias eu sinto uma vontade enorme de vomitar como eu estou vomitando agora. Eu só tive uma paixão de verdade. O resto foi tentativa de forjar minha pele. Todos os caras foram tentativa de me desprender daquela paixão que não sai. Não sai, Luna. Ele não vai embora de mim e eu me sinto suja e quero me lavar. Eu quero lavar minha língua. Eu quero por pra fora qualquer resquício de sêmen que ainda esteja no meu corpo. Eu quero alguma coisa inteira. Entende? Eu quero um abraço. Me abraça, Luna. Cho, eu não fazia idéia. Eu não sabia que comigo não ia ser como foi com você. E você tinha ciúmes de mim, né? Eu nunca gostei de verdade do Harry. Ele não merece isso. Eu não mereço isso. Ele é um porco! A única coisa que tem valor é a nossa família. Eu e ele éramos uma família. Somos. E por isso eu joguei coisa pra caramba no lixo. Por uma família de heróis eu me desfiz aos poucos da dignidade que eu tinha. Por ele eu fiz coisa que me dá nojo até hoje. Luna, ele me lembrou de tudo. Ele me lembrou da guerra. Essas entrevistas doem muito. Entrevistar você doeu. Entrevistar a Gina doeu. Vocês batem em mim. Vocês me deixam sem fala. Vocês têm o que eu quero e não consigo por ser fraca. Eu não queria ser assim, fraca.
- Você não é fraca.- Luna disse, baixinho.
- Eu sou. Eu sou feito um inseto e estou à todo tempo vulnerável. Eu quero me esconder. Eu quero escavar outras pessoas. Eu quero descobrir mas eu não quero que ninguém me saiba o tanto que você já sabe agora. Eu não quero que o Harry saiba de tanto. Doeria menos pra ele se ele só soubesse que eu gosto do jeito que ele me abraça. Doeria menos em mim se ele não tivesse sido tão escroto quanto podia. Pode tudo, Luna, menos o que ele fez. Pode tudo menos me escancarar. Não pode me esfregar, assim, no chão. Não pode me julgar! Eu sou movida a paixão.
- Não pode o que é mais difícil de não poder, né?
- Eu só não queria que ele soubesse tanto.
- Por que se casou?
- Por precisar de heróis.
- Isso não é motivo.
- Não era pra eu entrar nesse mérito, era pra eu estar falando mal dele e você estar me apoiando, por que ele foi estúpido, e não merece qualquer piedade, ou qualquer outra coisa.
- O que ele fez?
- Me fez lembrar o caso Blaize. E me perguntou se eu o traí. E me botou na parede. E me invadiu. Tudo que eu fiz foi pra manter o lar melhor. Foi pra não contagiar ninguém com a minha tristeza.
- E você?
- Eu falei tudo, Luna. Me escancarei. E isso doeu. Ele podia ter evitado, mas eu falei muito. Eu não gosto disso. Eu não estava confortável e ele me jogou às feras. Ele foi a fera. Eu me senti suja, de novo.
- Esquece, por hoje, tudo bem?
- Vou tentar.- Hermione disse, num tom infantil, ainda com a cara inchada do choro.
***
Harry olhava o relógio incessantemente. Ele não se agüentava mais em casa. Hermione fazia uma falta que doía. Ele estava chateado, sim. Mas tinha que ir atrás dela. Precisava dela, mesmo que à contragosto. Sentia falta do cheio do cabelo ou do barulho da caneta. Sentia falta de contos inacabados avulsos que ele achava soltos pelo chão. Sentia falta do jeito mandão. Ele só não sabia onde ela estava. Não imaginava. Mandou a coruja atrás logo cedo, mas ela não voltava. Nem a coruja, nem Hermione. Ele não ficaria parado esperando alguma coisa acontecer. Isso não parecia nem um pouco com Harry Potter.
***
- Passa o sal? – Draco pedia à uma Gina mal-humorada na mesa do almoço.
- Está ruim, não é? Hoje definitivamente não é meu dia. Nem os elfos me obedecem!
- Hoje vamos à casa de mamãe.
- Pra que?
- Bem, é o aniversário dela.
- E eu tenho que ir?
- Gina! Um mínimo de diplomacia faz bem.
- Eu não sabia que sogras podiam ser diplomáticas.
- Gina. Ela é minha mãe. Você é minha mulher, não podia tentar se dar bem com ela?
- Só tento por que te amo. Mas ela não me suporta!
- Nem você a ela.
- Claro que não!
- Não importa.
- É assim, agora?
- Boba! É uma questão política. Eu gosto dela e gosto de você. As duas, ao invés de ficar nessa disputa de poder sobre este ser maravilhoso – ele falava, apontando para si-, podiam tentar uma aliança pra ter ainda mais poder sobre ele.
***
E Harry tentava decorar canções de amor que ele sabia que Hermione gostava. Coisas trouxas e bruxas, mas ele não cantava. Ele queria escrever um poema e queria que ela ouvisse tudo. Por que ele aceitaria qualquer coisa pra tê-la do seu lado. Pansy disse que Hermione não estava lá. A Srª Granger disse que a filha saiu bem cedo, de manhã. Na casa dos Malfoy seria ironia demais. E Gina confirmou que Hermione nem dera sinal de vida naquele final de semana.
Ele fuçou os papéis dela. Fuçou tentando não tirar do lugar, mas perdeu a paciência por que não achava nada que dissesse onde aquela criatura podia ter ido. Edwiges não voltava com notícias dela. Nenhum daqueles feitiços dizia onde ela estava. Ela não queria ser achada, essa era a verdade. E Hermione sabia não ser achada.
E quando Harry já quase entrava em desespero, achou o gravador de Hermione jogado no chão. E a voz que saia dele dizia coisas bonitas num tempo lento que só podia pertencer a uma pessoa.
- Falta a felicidade geral. A cura dos males. Falta a paz mundial feito miss universo. Falta a carne. Falta bondade. Falta sentimento. Falta um braço a mais e um parafuso a menos. Falta coragem e eu quero coragem. Quero o mundo todo. O mundo todo. Ainda há muito o que fazer. Não se sabe por onde começar e se começa do câncer. Falta cura pro câncer. Falta a gente não precisar de magia. Reversão do avada kedavra. Voltar com tudo pra caixa de pandora e espalhar só a esperança.
E prestando um pouco de atenção no que aquela criatura falava. Harry sabia que Hermione não podia estar em nenhum outro lugar.
***
- Muito obrigada, Narcisa, mas eu não gosto nem um pouco de coelho assado.- Gina tentava ao máximo ser educada enquanto a sogra anunciava o cardápio do jantar de mais tarde.
- Draco, ela não tem nenhum refino!- A loura dizia, ignorando um ser vermelho e bufante ao seu lado.
- Eu só queria que houvesse algum cardápio alternativo, se for o caso, eu mesma preparo.
- Nunca! Meus convidados vão comer o que? Galinha assada de padaria trouxa? Nem sobre o meu cadáver.
- Mãe, se acalme, a Gina só quer ajudar.
- Ajudar? Essa doida está tentando mandar na MINHA cozinha. Draco, eu agüento tudo! Esse cabelo estranho, essa falta de postura, esse sobrenomezinho sardento... Mas na minha cozinha ela não se mete. No meu cardápio não! Eu ainda sou a Senhora Malfoy.
- Eu sou a Senhora Malfoy, Narcisa. – Gina retrucava prendendo a raiva entre os dentes.
- É uma discussão sem sentido! As duas são Malfoy, oras...
- Draco! – As duas mulheres reprovavam a frase do loiro, como se ele tivesse insultado todas as gerações antepassadas das duas.
***
E é claro que Hermione não atendeu, Harry sabia que ela era teimosa feito uma porta e não atenderia, estando chateada como ela estava. E talvez ele estivesse ali, na porta da casa de Luna, com flores na mão, por um impulso. No entanto, ele não estava preocupado com o porquê de nada naquele momento. Ele só queria a mulher em casa.
Luna olhava para Harry de mãos atadas. Não tinha nada que ela pudesse fazer. Não podia sequer convidá-lo a entrar. Nem Hermione nem Cho aprovariam. E ela ficava então, na porta de casa com cara de tacho. E Harry insistia.
***
Hermione e Cho assistiam uma daquelas comédias românticas inglesas e trouxas. A jornalista não queria pensar. Cho era uma boa companhia pra filmes. Luna ficava olhando de longe. As duas se davam bem. Hermione tinha pedido pra dormir ali naquela noite. O fato de Harry estar plantado na porta da frente com um buquê de flores não mudava em nada a vontade dela de ficar sozinha.
***
- Já dá pra a gente ir, não é? – Gina perguntava a Draco, enquanto ele servia-se de conhaque.
- Gina, por favor, mais um pouco.
- Eu não agüento mais olhar na car da sua mãe.
- Eu amo a sua sinceridade, meu bem. Mas eu agüento aqueles jantares e agüentar minha mãe é o mínimo que você pode fazer.
- Draco, você gosta dos jantares?
- Preferia jogar pôquer.
- Não acredito que estou ouvindo isso!
- Está. Agüente mais um pouco. – Ele disse e a ruiva bufou, antes de sentar em uma poltrona com a cara amarrada.
Meia hora depois os dois estavam em casa. Ele, bêbado; ela, com um humor que qualquer um juraria ser próprio da TPM, se não existisse uma poção contra isso.
NA: Então, pessoas. Chegamos juntinhos ao fim de mais um emocionante capítulo da saga Quadrilha.
E no próximo:
“- Chega, Malfoy. Eu sei que você não quer falar nada disso pra mim. Por favor.
- Por que não?
- Sóbrio você não falaria e eu não quero me sentir culpada depois.
- Se sentir culpada por ouvir confissões de um bêbado?”
tcham tchan tchan tchan...
vejam que a pessoa-autora está empolgada.
Provavelmente meu superego tirou folga hoje.
Então... não sei se alguém sabe, mas eu faço jornalismo. Ultimamente tenho trabalhado com pesquisas na área de jornalismo cultural.
E isso está num blog.
www.jornalismo-capixaba.blogspot.com
o último texto que eu publiquei chama-se O Fábio assunção ronca, mas não baba.
Se alguém tiver tempo, leia.
E no mais, Bastidores já tem dois capítulos e a pessoa ocupada que vos escreve está acabando o terceiro.
Leiam.
Beijos e queijos
Anne Haze Granger
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