Quarta-feira



Um cheiro forte de queimado invadiu a sala. Onde Hermione andava com a cabeça? Tinha queimado a carne. Por sorte ainda faltava algum tempo para o jantar. Sentou-se ao lado da geladeira, encolhida. Em duas horas, ou menos, Rony, Pansy, Gina e Draco chegariam ali. A entrada estava pronta. Estava pronta a sobremesa. O prato principal, no entanto, estava queimado. Veio, à garganta dela, uma ânsia por choro. Sabia que a culpa não era da carne queimada. Olhou no relógio, respirou fundo, foi à dispensa, e optou por recomeçar. Faria, então, um macarrão simples.
Pôs a água, com óleo e sal, para ferver junto com a massa pré-cozida de pene. Abriu a geladeira, tirou leite, requeijão, pimenta calabresa, bacon, restos de frango do almoço de domingo, queijo muzzarela, margarina e mais outras coisas que ela nem fazia idéia do que eram. Conjurou creme de leite e começou a preparar o molho. A margarina já tinha derretido, o leite adquiria um tom mais amarelado, graças à mistura. A cabeça foi parar em tons loiros de cabelos da antiga paixão. Todos os ingredientes na panela do molho, que começava a ferver. Ela mexia devagar, mecanicamente. Baixou o fogo e foi despejar o macarrão, já cozido, na outra panela - uma com buraquinhos, que ela sempre usava para escorrer macarrão e nunca fez idéia alguma do nome.
Faltaria,então, despejar o molho no macarrão, e servi-lo. Desligou o fogo do molho, e foi para o banho. Tinha que ser rápida, em pouco tempo as visitas estariam ali. Foi aí que reparou no atraso de Harry. Numa quarta-feira normal, ele já estaria em casa há pelo menos uma hora. Desconsiderou.
Entrou no banho, sem trancar o banheiro, e colocou o chuveiro do jeito mais quente que agüentava. Não estava nem aí para os cabelos que quebrariam. Ensaboou-se sem cantar e passou xampu nos cabelos com mais pressa que de costume. Distraiu-se olhando o vapor que cobria o vidro do box. Deixava a água cair, relaxando os ombros tensos de datilografia. Quando caiu em si, Harry entrava ali sem avisar, nu, abraçando-a num gesto bonito e romântico que a fez suspirar. O abraço não era lascivo, era de entrega, de carinho, de amor dos mais infantis. Acariciou-lhe as costas como há muito não fazia e sentiu as mãos dele a envolvendo dum jeito gostoso.
- Por que você aceitou casar comigo? - Harry perguntou baixinho.
- Ninguém me abraça como você. - Ela respondeu no mesmo tom, e lhe beijou os lábios do jeito mais macio que jamais tinha conseguido antes. Cinco minutos de carinhos castos de perversão paternal/maternal depois, ela saiu do banho. Vestiu-se do jeito que Harry gostava, um vestido vermelho parecido com aquele do baile de hallowen, mais curto, justo e maduro. Pôs os cabelos num desleixe adorável e adolescente. Optou por usar apenas um gloss, e desceu para a sala, enquanto Harry terminava de se aprontar.
Há tempos que os dois não tinham momentos assim, tão bonitos. Ela se jogou no sofá, sentindo-se feliz e pensando no marido, e só ouviu pela segunda vez, quando a campainha tocou.
Rony e Pansy tinham levado Arthur e o menino estava bem maior do que da última vez que Hermione o tinha visto. Tinha os olhos do pai, mas, por algum motivo estranho, não era ruivo. Tinha sido o primeiro a quebrar a tradição Weasley. Harry desceu logo em seguida, Hermione, então, pode colocar a tábua de queijos na mesa da sala.
Harry brincava dum jeito bonito com Arthur, parecia um bobo, fazia palhaçadas mil. Ela olhava para ele dum jeito diferente. Dum jeito cúmplice. Sorria. A campainha tocou novamente e Hermione foi atender. Gina tinha uma expressão estranha no rosto e Draco olhava para o chão, pensativo. Ela derreteu. Tinha esquecido que Draco existia. Ele existia.
Um aperto doído no peito fez com que ela lembrasse que ele continuava existindo do mesmo jeito de antes. Maldito porre de LSD. Hermione cumprimentou Gina, mecanicamente. Draco levantou a cabeça e, infelizmente, olhou para ela como há muito tempo não olhava – em se tratando de Hermione Granger em papel de Hermione Granger. Ela respirou fundo e fingiu que nada acontecia. Ardia. Sentia. Fingia.
Fez sinal pra que ele entrasse e cumprimentou-o com um sorriso. Estavam, então, todos ali. Conversavam empolgadamente sobre assuntos cotidianos. A tábua de queijos tardava em esgotar-se. Arthur resolveu chorar. Pansy, Gina e Hermione se desesperaram.
- É cólica.- Pansy disse.
- Ele deve ter feito cocô.- Gina arregalou os olhos.
- Ele não está com febre? Está quente!- Hermione punha as mãos na testa do menino.
- Há quanto tempo ele mamou?- Rony perguntou a Pansy sarcástica e pacientemente.
Harry e Draco riram da cena, disfarçadamente. Gina e Hermione abaixaram a cabeça, ambas se sentindo idiotas. E Pansy confirmou o óbvio: a criança só podia estar com fome. A janta foi servida pouco depois do escândalo de Arthur. Rony e Pansy nem esperaram muito para ir embora. Elogiaram exaustivamente o macarrão apressado, e foram. Draco e Gina, no entanto, ficaram para o drink.
Restavam, naquela sala, dois casais e algumas paixões. Gina que amava Harry que amava Hermione que amava Draco que amava Gina que amava Draco que amava Gina que amava Harry que amava Gina que amava toda a quadrilha. Ela gostava de saber que era desejada pelo homem da outra. Mais gostoso ainda era saber que a outra era amiga. Que a outra estava do lado. Que a outra não suspeitava. Que ela era a outra. Sabia que teria Harry num estalar de dedos. Simplesmente sabia. Quis testar. Uma oportuna coruja invadiu a sala.
Chamado do ministério.
Gina e Harry se encaminharam rápido à antiga sede da ordem da fênix. Hermione e Draco ficaram à sós na sala. Nunca tinha havido tanto silêncio. Se encaravam como se não se conhecessem. É fato que não se conheciam. Nunca se conheceram. Talvez nem tivessem conversado o suficiente. Hermione fixava os olhos no chão. Draco fixava os olhos num resto de queijo. Talvez fosse hora de ele ir para casa, mas Gina e Harry tinham recomendado aos dois que não ficassem sozinhos, que corriam risco. Hermione bem sabia que a casa de Harry Potter era mais segura que a casa de qualquer outro bruxo. Não sabia o que era o chamado do ministério, mas sabia que Draco teria que ficar ali. Amaldiçoava-se. Andou até a cozinha sem dizer uma palavra à Draco. Ele continuava fixo no queijo. Ela se fixava na louça. Lavou com as mãos para demorar mais. Lavou prato por prato e cada panela e cada talher e cada copo. Draco não dava um pio.
Quando ela caiu em si, ele estava à porta da cozinha, olhando-a. Ela fingiu não ver. Ela não sabia o que se passava na cabeça dele. Fixou-se na louça. Ele fixava-se nas nádegas e na parte descoberta das costas dela. Gina não era tão mulher. Ele nunca tinha imaginado Hermione Granger lavando louça. Gostava de ver mulher lavando louça. Gostava de vê-las se descabelando pra varrer o chão. Gostava do cheiro de poeira e dos blusões sujos e suados que exalavam o cheiro real que elas sempre tentavam esconder. Entrou em transe. Talvez estivesse perdendo tempo. Talvez não soubesse o que era paixão. Não sabia de nada. Era fato que existia uma fascinação tremenda e entorpecente pela imagem de Hermione lavando a louça. Ele sabia que era para fugir dele. Ele tinha perfeita noção da paixão adolescente que ela nutriu. Ele também tinha nutrido a mesma paixão. Só não queria admitir. Então admitia. Não a paixão, mas o imã e o fascínio. Ela continuava teimando com a gordura grudada na panela que fritou o bacon. Ele pensava em qual seria a textura das mãos ásperas de detergente a percorrer-lhe o peito desprovido de pêlos. Talvez fosse coisa de sátiro. Talvez fosse loucura. Talvez se ela usasse uma calça ao invés de um vestido não ficasse tão linda. Talvez se ela tivesse postura de madame, não ficasse tão mulher. Talvez se ela não fosse ela ele pudesse simplesmente desviar o olhar. Ele não conseguia. Num vômito adolescente ele deixou sair da boca a frase que a fez parar com a louça:
- Eu fui um babaca.
***
Chegaram à sede da ordem. Harry tinha a varinha em punho. Gina mantinha-se tranqüila. A casa estava completamente deserta. A única possibilidade de vida vinha de uma luz fraca acesa no sótão. Harry caminhou até lá. Gina foi atrás. No sótão também não havia ninguém. Estranho, para Harry, foi o fato de ele estar limpo e de ter, na sua decoração, uma cama e uma mesa com uma garrafa e duas taças. Harry, ainda sem processar o acontecido, olhou para uma Gina que ria do canto da boca.
- Isso quer dizer o que? - Vinha nele ainda um misto de heroísmo, dúvida, crença no ataque descrito no bilhete e volúpia.
- Que eu estou absolutamente cansada de preliminares.
Ela serviu as duas taças com um líquido rubro. Ele não sabia o que era, mas tomou sem pestanejar. Sentiu-se rapidamente entorpecido. Devia ser alguma poção. Veio um tipo estranho de vertigem, mas ele logo voltou ao estado normal. Ela também tinha bebido da sua taça. Ele não perguntou o que era aquilo. Em pouco tempo ela estava abraçada a ele. As mãos dele já não a tocavam com a leveza das outras vezes. Eram ferozes da espera e quase lhe arrancavam a pele.
- Não deixa marca, por favor.- ela suplicava, no curto espaço entre um beijo e outro. Simples roçar de línguas. Nada de especial usando os lábios. Nenhum tipo de mordida. Naquele beijo eram as línguas que trabalhavam. Ele gostava da língua dela. Ela gostava da língua dele. A língua dele mudou de rumo e as mão acompanharam. Despiu-lhe o ombro e lambeu em seguida. Antes que partisse pra mais que os ombros, pegou-a no colo e levou-apara a cama. Ela se despiu. Não deixou que ele tivesse trabalho algum. Aquele corpo era dele e não havia tempo de pudores.
***
- Por que isso, logo agora? - Hermione perguntou a Draco, depois de ficar um tempo estática.
- Não tenho idéia. - Ele respondeu, tendo os olhos fixos no chão.
- Talvez o problema seja exatamente a falta de idéias. - fez-se então mais um silêncio. Talvez os dois fossem feitos de silêncios e palavras guardadas na boca do estômago. A ânsia de vômito era permanente, como o fechamento da garganta. - Mas, já não importa.- Ela disse, enquanto enxaguava o último copo.
Saiu da cozinha sem fazer questão alguma de ser educada com Draco. Ele era Draco, mas naquele dia ela tinha estado bem com Harry. Ela gostava de Harry. Não o faria sofrer. Acontece que ela não podia estar sozinha com Draco sem desejá-lo. Isso vinha desde hogwarts. Isso era inerente. Ele era tatuagem. Era porre de LSD. O porre tinha voltado e ela só queria conseguir dormir.
Armou, o mais depressa que pode, uma cama para ele na sala. Trancou-se no quarto. Se saísse faria uma besteira. Não queria. Trair o marido: sim. Concretizar uma paixão: não. Era como se a paixão por Draco fosse antiética. Trair com o médico ou o amigo de infância ou um outro qualquer era saudável. Trair com a paixão da adolescência destruiria o lar. Ela não queria destruir o lar.


N.A.: Esse ficou pronto mais rápido que os outros. O capítulo oito, no entanto, vai me dar um trabalho cão. É meio diferente dos outros... enfim, eu preciso dedicar-me a ele com afinco pra que tenha alguma credibilidade. Por enquanto, é isso.
Muito obrigada pelos comentários e saibam que eu não enjôo deles.

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