Cada um por si
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, pôsto que e chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Soneto de fidelidade,
Vinícius de Moraes
Hermione acordou atrasada. Harry já tinha ido para o ministério e deixado uma rosa vermelha em cima do próprio travesseiro, ato típico do gentleman que Harry era. Ela tomou um banho, lavou os cabelos, secou, se perfumou em francês e se pôs num vestido vermelho que não dizia nada do Profeta Diário. Ela não iria trabalhar cedo naquele dia. Harry, no entanto, não precisava saber disso. Ela pôs a rosa num copo grande com água e saiu, tentando não fazer barulho com os saltos. Aonde ela iria? Só ela sabia. Só ela podia.
Andou duas quadras a pé e, num campo trouxa sem muita vigilância, aparatou no banheiro do primeiro piso do prédio do consultório de um médico, também trouxa. Modificou os cabelos e colocou lentes de contato. Subiu o elevador, entrou na sala de espera, sentou-se de pernas cruzadas e esperou que chegasse a sua vez de ser atendida.
- Diana Carter - a recepcionista chamou, Hermione sorriu e se encaminhou à sala do médico. Sempre fora boa em transfiguração e documentos trouxas eram fáceis de falsificar. Aquilo era brincadeira de criança para ela. Os cabelos já não estavam castanhos, estavam pretos, lisos e channel. Quem a visse ao acordar não a reconheceria naquele momento, especialmente por seus olhos, que eram castanhos, não verdes, como estavam então.
- É sua primeira consulta? - O médico perguntou.
- Você sabe que não - Hermione respondeu, num sorriso de canto de boca.
- Diana Carter, vou olhar a ficha.
- Você nunca chegou a fazer uma ficha para mim - ela disse, então mordendo o lábio inferior.
- Diana. Você... desde aquele dia... é... nunca mais...
E ela não disse nada. Diana, ou Hermione, simplesmente abriu mais um sorriso cínico. Ela sabia o tempo da consulta e sabia que não iria pagar para brincar de médico. Aproximou-se dele, que ia empurrando a cadeira para traz até se chocar com a parede e engolir seco. Não se sentou. Puxou o paletó dele, o colocou de pé e pôs a sua face a milímetros da dele. Não o beijou. Ele se aproximava e ela se afastava. Quando ele parecia desistir ali, a milímetros dela, ela lhe mordia o lábio inferior só pra brincar. Por fim se beijaram. E as unhas dela lhe arranhavam as costas enjalecadas. Ele tinha pressa, ele tinha sede. Queria mordê-la, chupá-la, tê-la ali. Ele teve. Ou foi ela quem teve? Quando ele acabou, ela se recompôs e foi embora. Ela precisava de um orgasmo para manter o lar alegre e lar.
Fez um feitiço para esconder as marcas na pele. Andou uma ou duas quadras, ainda disfarçada. Quando estava fora do alcance de vista de qualquer um que estava dentro do consultório, arrancou as lentes de contato e jogou-as na primeira lixeira que viu. Não podia deixar provas na bolsa. Desfez o cabelo no primeiro beco que encontrou. Riu e se encaminhou à redação do profeta Diário. Naquele dia ela tinha muito que escrever. Enfim estava inspirada para a matéria sobre a crueldade e o egoísmo do ser humano, o tamanho do estrago que um trouxa pode fazer no mundo.
***
Harry acordou cedo, tomou um banho e sentiu-se culpado ao perceber em que pensava. Ele tinha uma esposa. Qualquer outra mulher lhe deveria sair da cabeça. Não era certo pensar, especialmente em uma mulher tão casada quanto ele. Desceu, ainda desalinhado, até a floricultura da esquina e comprou uma rosa vermelha e um buquê de rosas amarelas. Deixou a rosa vermelha no travesseiro, a mulher gostaria. Terminou de se arrumar, encolheu o buquê de rosas amarelas e foi ao ministério. Mais ansioso pela companhia que pelo trabalho.
Ele chegou cedo ao ministério, a sala dela, ao lado da sua, estava vazia. Pediu à secretária que a encaminhasse à sua sala assim que ela chegasse. Precisavam discutir sobre os trasgos que estavam fora do controle. A secretária avisou que aquilo não era coisa daquele departamento, e ele disse apenas:
- Encaminhe Guinevere Malfoy à minha sala, o assunto é urgente. Suspeita de escuta. Não posso entrar em detalhes. Muito obrigado.
Ele andava de um lado para o outro até a hora de ela chegar. Ela entrou sem ser anunciada. Ele se assustou. Enrubesceu. Sentia-se tão adolescente que teve vergonha. Gina ainda usava o casaco. A secretária realmente a apavorou. Harry ainda estava sem saber o que fazer, mas tirou o casaco dela e pôs no porta-ternos dele. Chegou a cadeira para trás e ela se sentou. Ela esperava que ele dissesse ou fizesse alguma coisa, mas ele parecia ter engolido as palavras todas. Ela pegou uma revista e começou a folhear, já não tinha paciência. Ele percebeu. Tirou a revista da mão dela, puxou uma cadeira para ele e se sentou de frente pra ela. Foi aí que ele viu o decote generoso do vestido preto que ela usava. Quis entrar ali. Respirou fundo e começou a falar.
- Você vem fazendo um bom trabalho, Guinevere.
- Sempre pode me chamar de Gina.
- Gina. Desculpe-me, estou tentando falar como chefe. E o bom trabalho não se restringe à ótima comida dos jantares de quarta, quando você prepara. Você tem enriquecido o grupo de aurores. Atua bem na parte estratégica...
- Harry, nós ocupamos exatamente o mesmo posto. Não há líder, lembra?
- Estou parecendo um babaca, não é?
- Um pouco cheio de si, eu diria.
- A questão é que você é peça fundamental na equipe e eu queria te presentear. Acordei com vontade - Harry disse, sacou as flores do bolso e desfez o feitiço de encolher. Gina sorriu, recebeu o presente e continuou sentada, então olhando fixo nos olhos de Harry. Ele não entendia, mas sentia que alguma coisa ali estava errada. Sorriu, apertou a mão da colega e pediu que voltassem ao trabalho.
***
Draco acordou de manhã no mesmo horário que Gina, ambos atrasados para seus respectivos trabalhos. Ela disse não estar com humor para aparatar, então ele cedeu a vassoura a ela. Fingiu estar enciumado ao ver que ela usava exatamente o vestido preto decotado. Mas ele gostava de ver a mulher sair assim, bonita. Fez questão que ela usasse o casaco, mas era só pose, ela gostava de uma cena de ciúmes.
A mulher saiu feliz e atrasada, e ele teve tempo de fazer as coisas do seu jeito. É claro que estava atrasado para o trabalho, mas para quem tinha um vira-tempo, qual era o problema? Saiu de casa bem depois de Gina, pôde demorar o quanto quis no banho. Resolveu andar até o Beco Diagonal. Não ficava tão longe de casa, e ele também não queria aparatar naquele dia. Viu, no caminho, uma morena de vermelho que lhe chamou a atenção. Usava cabelo channel. Ela andou um pouco e ele a viu abaixar a cabeça. Ele parou, ela, de longe, parecia estar chorando. Ele viu que ela ia com a mão nos olhos e arrancava deles alguma coisa. Algo que ela jogou fora logo em seguida. Ele viu, também quando ela entrou num beco e não saiu mais. Resolveu não ir atrás. Deixaria a morena sozinha na encrenca. Sequer a conhecia.
Chegou ao Gringotes atrasado. Não queria cair na tentação de usar o vira-tempo. Tinha certeza que se usasse tentaria ver pra onde a morena foi ou quem era ela. Cálculos o dia inteiro. Uma cerveja amanteigada depois do almoço. Cansaço físico e mental. Vontade de uma massagem depois de um banho quente. Vontade daquela morena. A quem ele queria enganar? Não estava nem aí para o gringotes aquela tarde. Queria voltar no tempo.
Os pulsos e as costas doíam da má postura e do excesso de escrita. A assistente notou que naquele dia Draco não estava bem. Disse que ele podia ir, jogou seu charme costumeiro. Disse que daria conta de tudo, que ele não precisava se preocupar. Disse, buscou o casaco dele e aproveitou para acariciá-lo depois de vesti-lo. Ele, pelo bem do casamento, tinha que fingir não notar o flerte.
A morena o tinha feito esquecer o casamento, mas ele não se sentiu culpado. Já era rotina se distrair com um ou outro rabo-de-saia à caminho do trabalho. Nunca tinha concluído nada. Sempre eram flertes. Sempre destruía o bilhete com o telefone antes mesmo do beijo. Ele era forte. Não seria infiel. Mas já não estava sendo infiel ao ter fantasias? Antes do casamento, ele não fantasiava tanto com outras. Seria culpa do casamento? Seria um carma? Ele estava errado? Talvez fantasiar com outras fosse algo normal.
Uma vez ele tinha lido um conto em que a mulher levava outras para estarem com o marido, então cego. Ele, por sua vez, transava com todas, mas não deixava de ser fiel. Sempre fantasiava estar com a mulher, Martina. Ela envelhecia e ele a queria. Ela não cedia. Viviam numa agonia só deles. Ela não o abandonaria, pelo contrário. Arrumaria quem quer que fosse para satisfazer-lhe os desejos. Ele sonhava ainda com ela e sofria. Draco nunca tinha visto exemplo maior de fidelidade ou de devoção. Draco era mais infiel que a personagem do conto. Sentiu-se mal por uns instantes, mas logo se recobrou e aparatou na sala de sua casa. A mulher ainda não tinha chegado. Sinal que era sua vez de preparar o jantar.
***
Gina não dormiu bem naquela noite. Pensava estar cavando um buraco grande demais. Talvez não conseguisse voltar à superfície depois de entrar nele. Mas já tinha começado a cavar e não queria cobri-lo de terra. Era um buraco aconchegante, afinal. Revirou-se na cama pensando no dia seguinte e no anterior. Um banho com Draco e um decote provocante. Ficava pensando “eu não presto” e gostava de saber que era assim. Sentia-se mulher não prestando e mordendo o canto esquerdo do lábio inferior.
Virou para o lado, viu a janela, virou para o outro, viu Draco. Alternava Draco e janela até conseguir pegar no sono às 4 da manhã, já sem coberta. Acordou atrasada. Posto que era ela quem acordava Draco, ele acordou atrasado também. Ia correndo para o banho, quando pensou que um atraso poderia contar pontos a seu favor. Faria parte do jogo, era charme. Ia de vassoura. Aparatar, naquele dia, estava completamente fora de questão. Dava trabalho e ela estava cansada. Pediu a vassoura a Draco e ele cedeu sem dar trabalho algum. Escolheu usar um vestido preto discreto, Draco gostava dele, não era vulgar, mas era extremamente sexy, chamava a atenção para o busto. Na opinião de Gina, o busto era o que ela tinha de mais bonito. Draco fingiu ciúmes. Pediu que ela usasse o casaco e ela nem discutiu. Ela sabia que ele não tinha ciúmes, mas não entendia por que ele fazia questão de fingir, sorriu, como sempre fazia, e foi trabalhar.
A casa de Harry era caminho, passou por lá mais devagar para ver se ele já tinha ido. Por um instante o ar lhe faltou. Ela não estava exagerando em querer dois ao mesmo tempo? Viu Hermione saindo de casa e as dúvidas cessaram, com aquele vestido vermelho ela dificilmente estava saindo com boas intenções dali. Seguiu-a por duas quadras e viu quando ela aparatou. Sorriu mais uma vez. Sentiu-se mais limpa depois de ver a mulher do amigo saindo para fazer exatamente o que ela faria com o marido. Isso, se ela entendesse mesmo de mulheres e não estivesse enganada. O importante é que a culpa se esvaiu e o propósito do decote se afirmou.
Chegou atrasada e a secretária disse que Harry queria falar com ela urgentemente. Mais um sorriso. Como ele era fácil... A teia que ela tinha armado entre sorrisos, decotes e cruzadas de perna tinha dado certo mais cedo que o esperava. Entrou na sala. Ele demorou, mas começou a falar um monte de baboseiras sobre trabalho que ela não se deu ao trabalho de ouvir bem. Ele começou a falar sobre chefe, aprovação. Ela lembrou que ambos eram aurores. Mas ele a surpreendeu ao mostrar-lhe um buquê de flores.
Ela se segurou para não demonstrar afeto ou felicidade, mas de fato as flores mexeram com ela. Rosas amarelas. Como ele sabia que ela não gostava de vermelho? Ele entregou as flores e ela sorriu em agradecimento, não podia fazer mais que aquilo, mas queria saber onde tudo ia dar. Olhou pra ele buscando respostas. Ele se constrangeu com o olhar fuzilante. Ela viu que ele desviou, e percebeu que nele ainda havia pureza e moralismo. Pensou se em Draco também havia. Ele propôs que ambos fossem trabalhar. Ela se levantou sem demora, mas não lembrou de levar para a sua sala o casaco que Harry fez questão que ela tirasse. Só lembrou do casaco na hora do almoço, mas não voltou na sala de Harry para buscar. Ele precisava de um pretexto para falar com ela, não é?
Ela tinha certeza que ele já queria mais que jantar toda quarta-feira ou armar estratégias para combater antigos comensais ou foragidos de Azkaban. Ela via fogo nos olhos dele e sabia que tinha esse poder. Ela só não sabia se gostava do Potter ou se queria conseguir tirar um homem de Hermione. Ela tinha consciência de que a amiga era inteligente, competente, bonita e mulher para homem algum botar defeito. Gina talvez não fosse tão mulher quanto Hermione. Preferiu não pensar nisso. O jogo ainda não tinha acabado, não é? Estava apenas começando. No fim de semana ela e Harry teriam plantão no Ministério da Magia. Talvez fosse a hora de aprofundar o buraco e começar a mexer com a dama, afinal, depois das flores, o jogo tinha começado pra valer.
N/A: O conto que eu cito neste capítulo, na parte do Draco, existe. O nome é Martina ou A escuridão, do meu grande mestre Francisco Grijó. Um dos contos mais leves e geniais que eu já li. Trata de sexo e dor com a mesma intensidade. É um conto que vale à pena ser lido e que você encontra na Internet, no site: www.uniest.com.br/vestibular/textos/parte_toca/francisco_grijo.html. Leiam e me mandem e-mails falando o que acharam. Grijó é um excelente contista, apesar de pouco conhecido. É mais conhecido por professor que por escritor, mas ele entende o carma. Sabe que a gente escreve por que não pode deixar de fazer o que nos faz. Mas de fato, é um grande mestre. Alguém que me incentivou e incentiva a escrever. Que lê as coisas que eu escrevo sem reclamar e publica, às vezes sem que eu peça. O mínimo que eu posso fazer por ele é indicar um conto e pedir que leiam. By the way, esse conto, Martina, é passível de ser cobrado no vestibular da UFES, caso alguém queira tentar, é bom que leia. Se ler, gostar e tiver paciência, mande um e-mail pro Grijó. A maioria de vocês, que lêem fics, também escreve. Sabem como reviews são importantes. Pode ser que ele me mate ao saber, mas vou divulgar o e-mail desse gênio pra quem me pedir. É pessoa de carne e osso e não morde. Um grande mestre que merece todas as homenagens, mesmo que a maioria o ache arrogante à primeira vista, ele nunca foi. Manda a gente separar as sílabas de obsessão na sala de aula e prova que a gente não sabe separar as sílabas, mesmo que separe ob-ses-são, ninguém sabe por que obsessão é ob-ses-são. Tive que pagar uma coca-cola pra ele por conta disso.
A respeito de “Quadrilha”, a história começa, definitivamente, no próximo capítulo. Este traz uma visão individual, e o prólogo apresenta o contraponto dos casais protagonistas. Vocês logo vão entender do que se trata. Espero que gostem da fic. Desta vez acho que consigo concluir um romance ou novela, não sei ainda o que vai ser.
Now, recadinhos:
->Livia – thanks por tudo! Fico muito muito feliz que você esteja gostando dessa fic... já te mandei o capítulo quatro. Não to entendendo o que está acontecendo comigo... essa fic já ta dando mais de 20 páginas no Word! Você tem noção do que é isso pra sua amiga que só escreve oneshot?
->Girl Angel - Adorei seu review. Logo você vai saber como os casais todos se formaram. Ainda tem peça pra se encaixar nesse quebra cabeça. O passado deles diz muito sobre o que acontece no que seria o presente. Espero que você tenha gostado deste capítulo. Ele não é exatamente esclarecedor. Mas é o começo da história. Lá pelo capítulo 4 você vai ver que a teia é bem mais maluca do que parece.
-> *~maRiiii e Pati Malfoy, espero que tenham gostado.
Big Kiss
E até a próxima atualização.
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