fios soltos
bom nesse cap a verdade __________________________________
Capítulo 14: Fios Soltos
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“He held her close, very close, and like a fool he thought his joy could last for ever.”
(Bernard Cornwell – “Stonehenge – A Novel of 2000 BC”, pág.128)
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— Você está pronto? — Gina perguntou olhando ansiosa para seu marido.
— Você realmente não precisa se dar o trabalho de ir, sabia? — o outro retrucou pelo que parecia a milésima vez.
— Draco, pare com isso. É claro que eu vou! É importante que eu esteja lá para mostrar apoio.
— Eu não preciso de apoio nenhum, Weasley.
— Honestamente, Draco, quando você fala desse jeito, eu quase acredito que você tem alguma razão misteriosa para não querer que eu vá, além do seu senso de proteção já exacerbado.
— Eu não tenho nenhuma razão misteriosa — ele falou com um suspiro resignado — Apenas não quero que você se preocupe demais. Não há razão para isso.
— Eu sei que não. Você já me assegurou milhares de vezes que este inquérito é apenas uma formalidade e que o seu depoimento na audiência de hoje é o último detalhe que falta. Eu já depus, meu irmão já depôs, já está tudo acertado.
— Então por que você precisa ir?
— Exatamente por isso. Eu quero estar lá quando esse pesadelo finalmente acabar. Quando nós pudermos ver este inquérito fechado na nossa frente, sabendo que, depois disso, poderemos nos preocupar apenas em seguir com as nossas vidas.
— Gina, o pesadelo acabou na noite em que eu o matei — Draco segurou gentilmente o rosto dela entre suas duas mãos — Já está tudo bem.
— Eu sei. Mas eu vou ficar mais tranqüila quando o inquérito também for encerrado. Não posso nem pensar na possibilidade deles não acreditarem em nós.
— Eles já acreditaram, Gina.
— Eu sei, mas mesmo assim... A idéia de que eles podem realmente te prender quando você fez o que fez apenas em legítima defesa é aterrorizante — ela murmurou, se afastando.
— Eles não vão me prender. Eles podem não gostar de mim, mas, de um jeito ou de outro, eu ainda pertenço àquele Ministério e o homem que eu matei ainda é um assassino que tentou me matar primeiro. Sem falar que ele estava perseguindo você. Não se preocupe. Vai ficar tudo bem — ele repetiu.
— Eu sei. Só é um pouco difícil acreditar nisso depois de tudo... — e, em um tom de voz mais firme — Você já está pronto, certo?
— Estou — Malfoy respondeu resignado — Eu estou mais do que pronto.
* * *
A sala de audiências do Ministério não estava lotada. Passados três meses desde que Draco Malfoy descobrira e matara o assassino das três mulheres, o interesse pelo caso tinha diminuído consideravelmente. As circunstâncias dos crimes já haviam sido discutidas de forma exaustiva pela imprensa. Entrevistas foram dadas, opiniões manifestadas e análises feitas. Houve muita especulação acerca do que teria levado um aparentemente confiável agente do próprio Ministério a cometer aquele tipo de barbaridade ainda em idade tão tenra e também houve especulação acerca do que teria realmente acontecido na noite em que Malfoy fora a sua casa. O interesse d’O Profeta Diário, entretanto, em culpar o Ministério por tudo acabou afastando o foco das questões do último para o primeiro, e o que se seguiu foi uma longa discução sobre os critérios de seleção da força policial do mundo mágico. Desnecessário dizer, Malfoy nunca estivera mais grato por algo em sua vida, exceto, talvez, por ter encontrado Gina viva.
Após a loucura daquela noite, as coisas foram gradualmente se acomodando em um padrão regular. Ele ainda sentia seu coração se inchar toda vez que chegava em casa e ouvia a voz dela ou a encontrava na sala, pronta para recebê-lo em seus braços e beijá-lo carinhosamente. Era incrível agora como ele conseguia perceber que o amor dos dois era feito de pequenas coisas. Não havia mais as grandes declarações que foram necessárias para que eles se reunissem, mas havia as mãos entrelaçadas quando eles saíam para a rua e havia o toque suave dela em seu cabelo, enquanto Draco apoiava a cabeça no seu colo, meio adormecido. Havia as conversas sem grande importância sobre o que era preciso comprar no supermercado ou se ele deveria ou não levar um guarda-chuva quando saísse de casa. Estranhamente, havia menos brigas. Não que eles convivessem em completa e total harmonia. As discussões ocorriam. Elas apenas pareciam sempre tão pequenas diante de tudo que houvera que não mereciam mais muito destaque.
Draco se ocupara a maior parte deste tempo — quando não estava se esquivando dos jornalistas ou matando as saudades da sua mulher, é claro — aos estudos. A prova para o Departamento dos Aurores seria realizada no final de fevereiro e Malfoy queria um resultado absolutamente impecável para que ninguém pudesse pôr em dúvida sua capacidade. Ele realmente sabia mais sobre as artes das trevas do que a maioria dos bruxos, levando-se em consideração quem fora seu pai. Ainda assim, entretanto, sabia que encontraria oposição para ser aceito como auror. Resolver o caso do seqüestro de Gina até poderia ter servido para minar esta oposição, mas a maneira com a qual ele lidou com o assassino quase pôs tudo a perder e o parecer final do inquérito seria essencial para o futuro de sua carreira. O Ministério com certeza não aceitaria na força pessoas consideradas instáveis e era imprescindível que a morte de Eames fosse considerada simplesmente como legítima defesa para que Draco ainda tivesse chances de ser aceito. E Deus sabe que ele queria isto. Poderíamos dizer que era uma questão de honra, supondo que ele possuísse uma. Orgulho, contudo, Malfoy tinha de sobra, e nada o mancharia mais do que ser recusado em algo no qual até mesmo Ronald Weasley fora aceito.
Ele ia à biblioteca, então. Constantamente. E procurava no Ministério todos os registros aos quais pudesse ter acesso de casos antigos resolvidos por aurores. Gina chegou a acompanhá-lo uma vez, mas ambos concluíram que a presença dela tornava o estudo improdutivo. Então, ela gastava seu tempo com sua família, tentando se acostumar novamente ao mundo bruxo. Potter estava longe de casa, em uma viagem com o time de quadribol da Inglaterra para uma série de amistosos ao redor do mundo. Assim, Draco sequer precisava se preocupar com a chance deles se encontrarem freqüentemente, e o tempo ia transcorrendo com uma tranqüilidade que parecia irreal após anos de tanto sofrimento.
Os dois acordavam juntos, tomavam café juntos e depois se separavam. A maioria dos dias passava sem que eles se encontrassem para o almoço e, às vezes, Draco sentia saudades dela e temia por alguns instantes que seu retorno tivesse sido apenas um sonho bom; mas então, em seguida, ele se lembrava de que era, sim, tudo verdade e de que, independente de qualquer coisa, a noite os reuniria mais uma vez. E tudo parecia bem no mundo.
Se uma coisa, entretanto, surpreendera Malfoy em toda esta história, isto fora o pouco esforço que Gina fizera para arrancar dele, detalhe por detalhe, tudo o que acontecera naquela fatídica noite. Quando terminou seu banho e entrou na sala, limpo, encontrou-na esperando no sofá, com as mãos juntas sobre os joelhos e a cabeça abaixada. Ao ouvi-lo, ela se levantou calmamente e, talvez interpretando o pedido silencioso em seus olhos, apenas o puxou pelas mãos e o levou para o quarto.
Draco meio que esperara ser fuzilado por perguntas assim que ela o visse. Não tinha pensado claramente sobre como as responderia e, naquela noite, com a adrenalina de tudo o que acontecera ainda correndo em suas veias, se ela tivesse perguntado, ele provavelmente teria dito a verdade. Não se arrependia e teria sido capaz de proclamar todo o seu orgulho pelo assassinato que cometera.
Mais tarde, entretanto, enquanto deitava na cama acordado, ouvindo a respiração suave de Gina apoiada no seu peito e mexendo distraidamente no seu cabelo vermelho, percebeu como aquela atitude teria sido prematura. Louca, até, porque a mulher que tão gentilmente dormia em seus braços agora nunca aprovaria o que ele fizera. Ela o odiaria mais uma vez e Draco não tinha certeza se o amor seria capaz de sobreviver a mais essa decepção. “Ela nunca deve saber”, ele pensou então, fitando o teto do seu quarto com olhos que não demonstravam expressão alguma. A solução para o problema, portanto, era simples: Gina deveria acreditar, como todo o resto do mundo, que a morte de Eames fora legítima defesa.
Com a consciência de que teria que mentir para a mulher que amava, Malfoy finalmente conseguiu adormecer. Ele realmente a amava e não poderia arriscar perdê-la. A situação era simples o bastante.
No dia seguinte, contudo, ao invés do interrogatório que seria tão característico dela — e tão justificável diante das circunstâncias —, o que ele encontrou foi uma expressão compreensiva e um pedido silencioso nos olhos de Gina.
— Ele ia me matar — Draco lhe disse, então.
— Você não deveria ter ido lá sozinho. Ele podia realmente ter conseguido te matar — ela replicou, sem usar na voz, contudo, um tom repreensor.
— Eu fui... precipitado — ele admitiu, abaixando os olhos.
— Mas está tudo bem agora. Você está bem. Nós estamos bem — ela o abraçou e o beijou e depois o encarou com seus olhos castanhos. O que estava escrito neles era óbvio. Malfoy podia lê-los como se ela estivesse dizendo as palavras em voz alta. Sabia que ela temera que ele não voltasse. E o que seria da sua vida então? O que ela faria sem ele?
Reconhecendo naqueles olhos o amor que ele próprio sentia por ela, Draco não pôde fazer outra coisa senão abraçá-la de volta, murmurar em seu ouvido “Vai ficar tudo bem agora” e fazer uma nota mental de tomar cuidado para que ela nunca descobrisse a verdade.
Depois disso, os dois enfrentaram juntos as perguntas dos repórteres e o inquérito que, apesar de todas as evidências contraditórias, estava agora perto do fim. Draco tinha a estranha sensação de que, de alguma forma, todos sabiam da verdade, mas deliberadamente fechavam seus olhos para ela, porque, mal ou bem, aquele crime havia tirado das ruas um criminoso — quiçá o último, os mais otimistas ousavam sonhar — que apoiava Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Apesar dos anos, a sombra de Voldemort continuava temida, especialmente porque todos tinham consciência de que seria impossível identificar e prender todos os seus seguidores, colaboradores e simpatizantes.
Por muito tempo, a maioria das pessoas acreditou que Malfoy fosse um desses simpatizantes — e muitos ainda continuavam acreditando. Outros, contudo, foram convencidos do contrário pela forma como ele frustrara os planos do homem que queria trazer o Lorde das Trevas de volta à vida. Mal sabiam eles que a única coisa que impulsionara Draco nesta direção fora o medo e a raiva por Gina. Do contrário, ele não ligaria a mínima para o paradeiro de Voldemort. E com certeza não arriscaria o próprio pescoço tentando derrotá-lo.
Naquele dia, contudo, enquanto sentava no centro da sala de audiências, olhando diretamente para a platéia e tendo à sua frente o investigador do Ministério que estaria fazendo-lhe perguntas em instantes, Malfoy não conseguiu impedir que uma série de imagens do passado invadisse os seus pensamentos. Ele lembrava-se do sangue, negro na escuridão. Lembrava-se dos xingamentos, dos gemidos, do ódio. Não podia dizer honestamente que tinha uma idéia clara e bem definida de tudo o que ocorrera. Talvez, ele realmente houvesse enlouquecido por alguns minutos. Talvez, isso aconteça com toda pessoa que ama quando colocada na situação que ele enfrentara.
Diante da sua cadeira, o investigador começou a falar e Draco forçou seus olhos a se focalizarem nele. Não podia perder tempo em devaneios quando havia uma história a ser contada. E ela precisava ser muito bem contada.
* * *
— Após receber o telefonema em sua casa, Sr. Malfoy, o senhor conseguiu o endereço de Eames com a Cia. Telefônica e imediatamente se dirigiu para lá. Isto está correto?
— Sim, está — ele respondeu gravemente.
— O protocolo não deveria ter sido avisar o Ministério e pedir reforços?
— Sim, este teria sido o protocolo correto.
— Então por que você não o seguiu?
— Porque eu sabia que os aurores Granger e Weasley estavam monitorando o meu apartamento, exatamente por causa destes telefonemas. Eu imaginei que eles me seguiriam.
— Mas não foi exatamente isto que aconteceu, foi?
— Não, não foi — Draco respondeu seco, mas educado. Responderia somente às perguntas explícitas. Quanto menos informação fosse obrigado a dar, melhor.
— Então o que foi que aconteceu? — o investigador deixou um toque de impaciência alcançar sua voz.
— Eu não estava ciente do fato de que eles não estavam monitorando o que acontecia na minha casa em tempo real. Por isso, eles não ficaram sabendo imediatamente de tudo.
— E foi a Sra. Malfoy quem os avisou, correto?
— Correto.
— E quando eles te encontraram, era tarde demais. Eames já estava morto?
— Sim, estava.
— O que foi que aconteceu entre o senhor e ele antes dos dois aurores chegarem?
— Nós discutimos. Ele havia protegido seu apartamento de forma que a minha mágica não funcionasse lá, então eu não podia recorrer a nenhum feitiço para imobilizá-lo. Eu estava a sua mercê.
— E ainda assim, o senhor virou o jogo, não foi?
— Sim.
— Como? — o investigador suspirou, já cansado de ter as suas perguntas respondidas apenas pela metade.
— Ele apontou a sua varinha na minha direção, mas antes que pudesse me matar, eu o ataquei, derrubando-o no chão. Tentei imobilizá-lo, mas ele resistiu. Nós lutamos.
— E ele morreu, certo? Sr. Malfoy, você se importaria de descrever para nós quais foram os ferimentos que o senhor sofreu nesta luta?
— Eu sofri uma pancada no maxilar inferior, tive um corte profundo no joelho, além de várias escoriações e hematomas espalhados pelo corpo.
— Interessante. Eu tenho nas minhas mãos o resultado da necrópsia de Eames. Ele também tinha escoriações e hematomas. Além disso, seu nariz e braço estavam quebrados, ele sofreu uma queimadura na perna, várias pancadas no abdome e nas costas e, por fim, fraturas múltiplas na cabeça, que foram efetivamente o ferimento fatal — Draco não conseguiu deixar de notar que o investigador estava minimizando os ferimentos do outro. Ele não mencionara, por exemplo, que o rosto de Eames ficara desfigurado e, o mais interessante de tudo, sequer tocou no detalhe de que, em uma das pancadas contra a lareira, a coluna vertebral dele fora afetada. Eames estava paralítico do pescoço até as pernas antes de morrer e nunca teria sido capaz de continuar resistindo depois disto. A imprensa nunca chegara a colocar as mãos neste laudo, contudo. Apenas algumas pessoas do Ministério, incluindo Granger e Weasley, e Draco, porque ele era o réu, tinham conhecimento do texto completo — A discrepância entre os seus ferimentos e os dele não parece notável, Sr. Malfoy?
— Sim, parece.
— O senhor poderia explicá-la, por favor? — o investigador levantou uma de suas sobrancelhas, esperando pela resposta. Draco não o decepcionou. Ele abaixou a cabeça por um instante e juntou as mãos no colo, como se estivesse arrependido. Deixou sua voz, que até então se mantivera firme e clara, quebrar um pouco, demonstrando uma emoção que os seus olhos não transmitiam. A maioria das pessoas, entretanto, não estava preocupada com seus olhos e sim com as suas palavras, e estas foram perfeitas.
— Eu estava sob um grande estresse — começou vagarosamente e sem economizar nas pausas entre as palavras — Esperava que Weasley e Granger chegassem a qualquer minuto e ainda assim eles não vinham. Tinha na minha frente um assassino cruel que... — suspirou e fechou os olhos frios por um instante — que ameaçara a vida da minha mulher, e agora estava me ameaçando. E eu não podia usar mágica. Eu... eu reconheço que talvez tenha usado mais força do que necessário, mas a situação era extrema. Eu temia pela minha vida e pela vida da pessoa a quem mais amo no mundo. Se pudesse voltar atrás, nunca teria ido àquele apartamento sozinho. Foi um erro, eu admito. Mas foi um erro movido pelo amor e pelo desespero — completou finalmente, deixando que suas últimas palavras ecoassem por alguns momentos na sala silenciosa. Passando os olhos pela platéia, confirmou que a sua performance havia sido convincente. Os homens pareciam acenar afirmativamente com a cabeça entre os sussurros, provavelmente declarando que teriam feito o mesmo, e as mulheres estavam emocionadas. Especialmente as mais solitárias e feias, que sonhavam dia e noite com bruxos lindos, capazes de procurá-las incessantemente por dez anos. Estas chegavam até mesmo a enxugar com mãos trêmulas algumas lágrimas que apareciam no canto de seus olhos.
Granger e Weasley, contudo, o encaravam quase boquiabertos. Draco sentiu uma vontade louca de esbofeteá-los antes que eles pusessem tudo a perder com suas expressões incrédulas. Eles esperavam que ele disesse o que ali? A verdade?! Não deveriam ter duvidado nem por um segundo da sua capacidade de atuação. Fazendo esforço para manter o seu sorriso convencido fora do rosto, Malfoy olhou para a esquerda de Granger e só então percebeu que Gina o encarava de volta, séria. Por um instante, o coração dentro do peito de Draco se contraiu e ele pensou que fosse morrer ali, na frente de todos. Ela percebera a mentira por trás de suas palavras. Como poderia não perceber? Ela sabia que não era do seu feitio agir daquela forma. Se ele estivesse sentindo qualquer coisa em relação à morte de Eames, sua primeira reação seria reprimir os sentimentos, não declará-los aos quatro ventos.
Os dois se encararam ainda por mais alguns segundos e Malfoy fez o possível para endurecer novamente sua expressão, mas foi o olhar dela, normalmente tão doce, que pareceu feri-lo fisicamente. Em seguida, ele viu Gina se levantar do banco de repente, levando a mão ao rosto e sair da sala de forma discreta. Granger e Weasley a seguiram e Draco quase cedeu ao impulso de fazer o mesmo, mas a voz do investigador — que escolhera aquele preciso momento para voltar a falar — o fez lembrar que a audiência ainda não havia terminado.
Ele foi, então, obrigado a permanecer sentado na cadeira e responder às últimas perguntas do investigador até a hora em que a comissão que daria o parecer final se retirou para uma sala reservada. Liberado, agora, finalmente, até a hora de ouvir o resultado, Malfoy saiu o mais rápido possível, desvencilhando-se das pessoas que queriam falar-lhe. No corredor, encontrou Granger esperando.
— Onde ela está?
— No banheiro. Siga o corredor e vire à esquerda. Depois vá até o final. É a porta da direita.
Antes que ela terminasse da frase, Draco já estava a caminho. Algumas pessoas estranharam suas ações e ele teve impressão de ouvir Granger balbuciar alguma desculpa sobre Gina não estar se sentindo bem, mas ignorou isso. Ele sabia qual era o problema com sua mulher.
A porta do banheiro estava fechada, mas ele sequer parou para bater. Apenas entrou e encontrou Gina, diante do espelho, enxugando uma lágrima que escorrera pela sua bochecha, enquanto Weasley fitava-na com a clara expressão de quem dissera mais do que devia.
— Ah, seu... — Draco começou, pronto a culpá-lo por tudo.
— Nós precisamos conversar — Gina, entretanto, o interrompeu em um tom que não admitia controvérsia — Você pode esperar lá fora, por favor, Rony?
— Claro — o outro respondeu, saindo, mas sem deixar de lançar na direção de Malfoy um último olhar de ódio.
Assim que ele fechou a porta, Draco tentou se aproximar dela, mas Gina deu um passo para trás, fechando os olhos e perguntando em uma voz tão dura que nem parecia a sua própria:
— Por que, Draco? Por quê?
— O que foi que o seu irmão te disse? — ele se colocou na defensiva.
— Nada que eu mesma não tivesse percebido com o seu depoimento. Você acha que eu sou burra? — ela falou um pouco mais alto — Se a morte de Eames tivesse mesmo sido legítima defesa, por que você precisaria embelezar a história?
— Para ter certeza de que...
— Não minta mais para mim! — ela gritou — Você matou aquele homem a sangue-frio!
— Não, não matei. O meu sangue estava fervendo naquela noite!
— Você o matou. E depois mentiu para mim sobre tudo. Sobre tudo! — ela gritou novamente.
— E o que você queria que eu fizesse? Hein?! Exatamente quando eu sabia como você iria reagir! Exatamente quando era óbvio que você iria me odiar e discordar e se aborrecer?
— Isso não é desculpa para a sua mentira!
— Você por acaso parou para pensar no que ele fez? Em tudo o que aquele homem nos fez sofrer, antes de sair em sua defesa? — Malfoy ignorou a interrupção dela.
— Eu não o estou defendendo.
— Mas está me crucificando!
— É claro! Você sequer me deu a chance de tentar te entender, Draco! Você simplesmente mentiu para mim! É isso que está em questão agora! A sua mentira!
— Eu menti sim, e mentiria de novo! Se você está esperando por um pedido de desculpas, desista! O que eu queria era exatamente evitar esta discussão inútil!
— Então é assim que a coisa funciona? É nisso que se baseia o nosso casamento? Sempre que você acha que eu não vou gostar de ouvir algo, você simplesmente não conta?! — Gina perguntou, dessa vez abaixando a voz e deixando transparecer em seus olhos o que era, sem dúvida, um grande sentimento de decepção.
— Não. Não é nisso que o nosso casamento se baseia — Draco respondeu, dando um passo na direção dela — Ele se baseia em amor. Um amor incondicional. Eu estava apenas tentando te proteger! — suplicou.
— Não, meu querido. Dessa vez, você estava apenas tentando SE proteger. O que eu não sei não pode me machucar, não é mesmo? E, por tabela, não pode TE machucar!
— Não fale assim...
— Sobre o que mais você mentiu? Que outras coisas você deixou de me contar para não me aborrecer? A minha amnésia deve ser realmente um presente dos céus na sua cabeça!
— Eu te contei tudo, Gina — ele mentiu calmamente, escolhendo ignorar o último absurdo que ela dissera. Seria impossível falar agora todas as coisas que ele omitira sobre o passado e o relacionamento dos dois. De um jeito ou de outro, contudo, Draco já contara bem mais do que pretendia, incluindo a história da gravidez. Ele se sentiu, então, quase honesto na sua resposta — Eu te amo. Você não pode duvidar disto.
— Eu só duvido da sua maneira de demonstrar o sentimento. A mentira por amor é ainda uma mentira.
— E o que você quer que eu faça? Eu não posso voltar atrás e desfazer tudo o que já foi feito!
— E nem eu acreditaria se você me prometesse nunca fazer algo do gênero de novo — ela respondeu com um tom de finalidade incomum na sua voz.
— O que isso quer dizer? — ele perguntou, sentindo o medo se acumular no seu estômago. Em seus piores pesadelos, não imaginara que a discussão seguiria por este caminho.
— Eu não sei — Gina respondeu, virando-se para o espelho. Draco ainda podia ver seu rosto, mas não seus olhos, que pareciam fitar insistentemente a pia.
— Meu amor... — ele começou, sem saber ao certo o que dizer para fazê-la voltar à razão e ver o absurdo daquilo tudo.
— Como pode haver amor sem confiança? — ela o interrompeu quase num sussurro.
— Mas há confiança!
— Não, não há. Havia. Eu confiava em você para fazer o necessário para me proteger. Confiava no que você me dizia. Eu podia esperar que você deixasse de me falar isso ou aquilo para não me preocupar, mas, de certa forma, eu achava que, nas coisas mais importantes, eu seria a sua confidente. Quando você mente assim para mim, Draco, isso apenas me faz acreditar que você não confia em mim.
— Não seja ridícula! Você é a única pessoa em quem eu confio!
— Se isso é verdade, então por que meu irmão, que você odeia, diga-se de passagem, sabe mais sobre aquela noite do que eu? Por que eu tenho que saber dos detalhes através dele e não de você?
— Gina, eu não sou o tipo de homem que chegaria em casa arrependido para chorar no seu colo após me confessar. Se eu fizesse isso, aí sim, a mentira seria muito maior. Pelo menos isso ao meu respeito você já deveria ter aprendido.
— Talvez fosse exatamente isso que eu quisesse — ela levantou as mãos, se abraçando como se estivesse com frio — Talvez isso tivesse sido suficiente.
— Suficiente para quê?
— Para que eu te perdoasse — Gina finalmente se virou para voltar a encará-lo diretamente.
— Pois muito bem. Eu posso fazer isso agora! Posso até chorar, se você fizer questão! O problema é que nenhuma lágrima e nenhuma palavra vão ser verdadeiras. Foi por essa razão que eu menti: porque eu não me arrependo! E porque eu sabia que, embora você pudesse lidar com a situação se eu estivesse todo choroso e arrependido como um cachorrinho perdido, você nunca entenderia se eu lhe dissesse que a única coisa que lamento é não tê-lo feito sofrer mais!
— Como alguém pode dizer algo assim sobre um outro ser humano?
— Eu digo porque eu sinto. Aquele homem me causou mais dor do que eu jamais poderia causar a ele e, se eu pudesse voltar atrás, o mataria da mesma forma. Com as minhas próprias mãos — Malfoy respondeu devagar, com uma frieza cortante.
— Eu mal consigo acreditar nos meus próprios ouvidos! Nunca pensei que você fosse capaz de dizer isso.
— Então você não me conhecia bem o suficiente.
— Talvez... — ela começou, mas parou, indecisa.
— Talvez o quê?
— Talvez Camila tivesse razão.
— Sobre...?
— Sobre eu estar tentando encontrar algo que não existe.
— Sobre o que você está falando, Gina?
— Eu estou falando que talvez eu tenha vindo a Londres atrás de um sonho e de uma promessa. Não de uma pessoa real. E talvez eu ame mais a fantasia do que o homem de verdade.
— Gina, por favor...
— Eu não sei se quero estar com alguém capaz de fazer o que você fez e de dizer o que você disse.
— Você não pode estar falando sério! — Malfoy exclamou, uma nota de desespero evidente na sua voz, e se aproximou um pouco dela inconscientemente.
— Sim, eu estou — ela se afastou.
— Gina, você não pode fazer isso comigo! Eu te procurei por dez anos! Eu estive no inferno durante dez anos e, agora que eu te tenho de volta...
— Aí é que está o problema! Você encontrou a Emily. Eu e a sua mulher não somos mais a mesma pessoa!
— Mas eu te amo da mesma forma! — Draco tentou desta vez segurá-la pelos braços, mas, em meio ao seu desespero, ela conseguiu se esquivar na direção da porta.
— A questão é que eu não sei se eu posso te amar como ela amava.
— Gina!... — ele suplicou.
— Eu preciso pensar, Draco. Eu realmente preciso pensar — ela repetiu saindo do banheiro.
— Não! — Malfoy exclamou, seguindo-a imediatamente. No corredor, entretanto, esbarrou nos braços de Rony Weasley detendo-no.
— Deixe-a ir! — o outro pediu.
— Me solta, seu desgraçado! — ele ainda tentou lutar, mas era difícil se concentrar enquanto tudo o que ele via era Gina escapulindo por entre seus dedos e esta visão era suficiente para lhe causar uma dor quase física.
— Ela tem o direito de ir embora!
— Quem é você para decidir isso?! — Draco finalmente conseguiu se libertar e saiu em disparada atrás dela.
— Se ela quiser voltar, ela vai voltar, Malfoy — ele ainda ouviu a voz do outro às suas costas, ecoando no corredor vazio, mas não lhe deu importância. Preocupava-se apenas em alcançá-la.
Quando chegou aos elevadores, entretanto, ela já tinha subido e não havia nenhum outro disponível. Com o coração já acelerado e o medo dando velocidade às suas pernas, Draco tentou as escadas e chegou ao saguão ofegante.
Era tarde, contudo, pois não havia nenhum sinal do seu amor à vista.
* * *
“Livre de todas as acusações”, Draco repetiu as palavras mentalmente, enquanto saía do Ministério para as ruas do Beco Diagonal. A comissão do inquérito havia mesmo acreditado na sua história. Ou talvez não, ele acrescentou, mas, de qualquer forma, haviam liberado-no. Não existiria nenhuma acusação formal, nenhum processo público. Como ele ainda era empregado do Departamento de Polícia, seria obrigado apenas a agüentar algumas sessões com um psicólogo qualquer — nas quais certamente se mostraria igualmente arrependido — e depois, em fevereiro, faria a prova para se tornar um auror. Tudo saíra como o planejado, exceto o pequeno detalhe de que ele agora estava andando sozinho de volta para casa.
Logo que Gina fora embora, Draco pensara que desabaria. Não sabia como poderia voltar para assitir ao fim da audiência, como poderia encarar todas aquelas pessoas, mantendo sua máscara de tranqüilidade. Em seguida, entretanto, uma fúria irracional começou a crescer dentro do seu peito. Ele estava com raiva de tudo, especialmente dela, por ser capaz de julgá-lo tão facilmente, por agir como se ele não significasse nada. Como Gina conseguia simplesmente ir embora daquela forma, fazendo com que ele se sentisse como um mero adereço em sua vida e não como uma parte essencial? Naquele momento, Draco a odiou pronfundamente e prometeu a si mesmo que não iria procurá-la. Se ela quisesse voltar, que encontrasse seu caminho para casa sozinha desta vez!
A promessa, é claro, era mais fácil de ser feita do que de ser cumprida e Malfoy se viu, então, andando sem um rumo bem definido pelo Beco Diagonal, simplesmente para evitar chegar a um apartamento vazio. Sabia que isso seria a única coisa capaz de enfraquecer sua firme resolução. “Preciso ocupar minha mente”, pensou. “Preciso muito ocupar minha mente”, acrescentou ao ter seus olhos atraídos de forma inconsciente para uma mulher ruiva que atravessava a rua com pressa e que, é claro, não era a sua Gina. Sem perceber, seus pés o haviam levado através de uma rota circular por alguns poucos quarteirões e, surpreso, Draco constatou que se encontrava novamente diante do prédio do Ministério.
Ele não deveria estar surpreso, contudo. Nos últimos meses, aquele havia sido um dos seus destinos mais constantes, visto que era o único lugar onde podia-se ter acesso aos arquivos dos aurores que eram abertos ao público para estudo. Pensando que, afinal de contas, ele estava no humor para algumas boas tragédias, Draco entrou novamente no prédio e pegou o elevador, tentando com força manter todos os pensamentos coerentes fora do seu cérebro.
* * *
— Mas só tem isso?! — Malfoy exclamou, sua indignação evidente diante das finas quatro pastas que foram colocadas na sua mão.
— Sinto muito, mas o senhor já consultou a maioria dos nossos casos para estudo. Só restaram estes.
— Mas eu vi pouquíssimos casos desde que comecei a procurar aqui!
— Nós temos pouquíssimos casos abertos ao público. A maioria dos nossos arquivos é secreta — a mulher respondeu com a paciência de quem estava acostumada a lidar com muitos jovens ansiosos para se tornarem aurores.
— Isto é um absurdo!
— Sinto muito, mas absurdo ou não, estes são os únicos quatro casos que lhe restam — ela respondeu em tom final, afastando-se enquanto Draco permanecia com o queixo no ar, pronto para fazer novas reclamações.
— Era só o que me faltava! — ele exclamou para si mesmo, sentando-se ruidosamente em uma mesa perto da janela. Logo quando ele queria aqueles longos casos, cheios de perguntas e com poucas respostas, tudo o que conseguia eram quatro pastinhas que provavelmente mal dariam para ocupar uma hora do seu tempo! O universo, como sempre, parecia conspirar contra os Malfoys e suas melhores intenções.
Ainda bufando, Draco abriu a primeira pasta e quase cedeu ao seu desejo praticamente incontrolável de jogá-la pela janela. O que, afinal de contas, a porra do suicídio de uma tal de Amelia Smith estava fazendo nos arquivos dos aurores?! Quer dizer, era um suicídio, merda! O que eles investigaram? Se o marido dela tinha arranjado uma amante e, de coração partido, a mulher resolvera tomar veneno? Que patético! Que sem graça!, Malfoy não conseguiu evitar de pensar enquanto fechava imediatamente o arquivo e colocava-no de lado. O mundo estava cheio de fracotes.
Pegou o segundo, abriu a pasta e começou a ler. Este parecia ligeiramente mais interessante e envolvia uma maldição realmente sinistra. Pelo menos ele tinha feito juz a todo o treinamento que os aurores que o investigaram receberam. Ficou entretido por mais ou menos uma hora e meia estudando os documentos e, quando terminou, abriu logo a terceira pasta e, desta vez, franziu o cenho intrigado.
Era outro suicídio. Afinal de contas, quais eram as chances de dois casos de suicídio simples terem necessitado da experiência e do conhecimento dos aurores para serem desvendados? Cada vez mais intrigado, Draco não pôde deixar de notar que o nome da segunda vítima era William Smith. Tudo bem que Smith era um sobrenome comum o bastante, mas ainda assim ele não conseguiu se livrar da sensação de que havia algo errado.
Pegou novamente a primeira pasta e abriu-na lado a lado com a terceira para comparar os dados. Enquanto a mulher havia se envenenado, o homem se enforcara — uma maneira nada bruxa de se matar. Além dos seus nomes, entretanto, Malfoy encontrou outra semelhança absurdamente suspeita nos dois casos: ambos ocorreram no mesmo dia.
Com sua atenção finalmente despertada, ele começou a ler o conteúdo dos arquivos. À medida em que a leitura progredia, todavia, seu interesse foi diminuindo. Parecia tudo muito simples: as duas vítimas eram um casal. A mulher se matou primeiro. Ela não deixou uma carta de suicídio, então não era possível saber seus motivos exatos. Seu marido, contudo, a encontrara antes de todo mundo e, desesperado, acabara por tirar a própria vida também. Os dois só estavam em casos separados porque, a princípio — isto é, quando os corpos foram encontrados —, a polícia não sabia que estavam conectados. “Que história de amor patética!”, Malfoy deixou escapar num sussurro. Em seguida, contudo, sua respiração falhou e seu coração pareceu pular uma batida.
Draco já estava preparado para desconsiderar ambos casos quando, ao virar a penúltima página do arquivo do homem, se deparou com a justificativa pela qual os aurores foram chamados para investigar um crime aparentemente tão banal. William Smith era um agente da polícia. Não um agente da polícia regular, contudo, e sim um agente da mesma organização onde Matt trabalhava.
Aquilo não fazia o mínimo sentido. Ou talvez ainda, fizesse sentido demais. Instantaneamente, palavras proferidas há mais de três meses voltaram à sua cabeça: “Você se lembra do nome do investigador responsável na época?”, “Era Smith”, “O que você sabe sobre esse tal de Smith?”, “...é como se o cara nunca tivesse existido”.
Então era isso, Draco pensou: ele nunca encontrara vestígios sobre o tal investigador Smith porque o homem estava morto. Ainda abismado, Malfoy reparou nas referências ao final de cada um dos arquivos que tinha nas mãos: elas mencionavam que, antes de serem dadas como mortas, as duas vítimas estiveram desaparecidas. E havia ainda ali os números dos seus arquivos no Departamento de Pessoas Desaparecidas.
Num acesso de raiva, Malfoy socou a mesa com força. Aquilo não podia ser verdade.
Abandonou todos os papéis sobre a mesa e saiu quase correndo do prédio do Ministério. Uma vez na rua, olhou para os dois lados procurando algum vislumbre de vermelho, mas não o encontrou. Precisava saber onde Gina estava imediatamente. O perigo podia não ser iminente, mas só se sentiria tranqüilo quando a visse.
Forçando-se a andar mais devagar, ele tentou organizar os pensamentos. Nunca achara que aquilo tivesse importância. Desconsiderara o fato tão rapidamente que quase o esquecera. Foi um lapso repentino de memória que trouxe aquela lembrança de volta à sua mente no momento em que leu os números dos arquivos no papel. Por que não se perguntara isto antes??? Por que esta idéia nunca lhe passara pela cabeça??? “Eu descobri que seis arquivos do período que o senhor mencionou estão sumidos”, Anne dissera ao que parecia uma eternidade atrás. SEIS! Não quatro, mas SEIS arquivos. Seis desaparecimentos na mesma época. E todos relacionados. Gina Weasley, Lindsey Morgan, Hannah Abbott e Emma Dobbs eram as mulheres nas árvores. Somando-as, contudo, só davam quatro. Quatro e não seis.
Malfoy teve que se controlar para não bater com força sua cabeça no primeiro poste que viu na rua, amaldiçoando-se por sua própria estupidez. Ele nunca se perguntara antes sobre os outros dois casos! NUNCA! “...é como se o cara nunca tivesse existido”, lembrou-se novamente das palavras de Matt. Mas como??? Se havia um arquivo sobre o seu desaparecimento e este não estava nos registros do Ministério, onde mais poderia estar, senão com a sua própria Organização, junto com os das três mulheres?! Como Matt poderia NÃO ter encontrado nenhum vestígio de sua existência?!?!
A explicação era óbvia.
Draco chegou ao Caldeirão Furado ofegante. Esqueceu-se de que Malfoys não correm e não falam de forma truncada. Precisava apenas chamar alguém que pudesse ajudá-lo. Alguém que fosse entender a gravidade do problema.
Pediu uma das lareiras privativas do bar e tentou contactar Weasley e Granger. Foram os primeiros nomes que vieram na sua cabeça, agora que Matt estava oficialmente fora de questão, mas eles não estavam no Ministério nem em casa. Sequer pensou em chamar a Toca. Apenas pegou um pedaço de papel, rabiscou um bilhete apressado e correu novamente para a rua, procurando a loja do correio. Chegando lá, escolheu a coruja que lhe pareceu mais rápida, pagou por ela, amarrou a nota em sua pequena pata e a fez decolar. Assim que os dois recebessem o aviso, iriam encontrá-lo.
Logo que viu o animal ganhar altura, tirou sua varinha do bolso e aparatou, ainda com a consciência perturbada, de volta para o seu apartamento. A cena que se revelou diante de seus olhos era a última que Draco poderia esperar.
Imaginara que Gina estivesse em qualquer lugar do mundo, menos na sua própria sala de estar; e com qualquer pessoa do mundo, menos com a que estava na sua frente. Os dois pareciam conversar calmos e, quando Malfoy apareceu ao lado da mesa de jantar, levantaram seus olhos imediatamente. O homem sorriu o seu sorriso confiante, enquanto pelos olhos de Gina pareceu passar uma sombra de preocupação.
Draco não sorriu. Apenas aproximou-se um pouco, com cautela, sem tirar os olhos de sua mulher.
— Nunca teria imaginado em te procurar aqui — falou.
— Eu sei — ela soltou um suspiro cansado — Eu queria...
— Não tem importância — ele a interrompeu — Onde vocês se encontraram?
— Logo que eu soube das boas notícias, vim para cá — Matt respondeu animado — Achei que vocês iriam gostar de uma comemoração.
— Claro — Malfoy respondeu secamente.
— Draco, o que está errado? Você ainda está com raiva por causa da nossa discussão? — ela se levantou — Olhe, eu queria...
— Eu já disse que não tem importância, Gina. Apenas, venha cá.
— Para onde? — ela perguntou franzindo o cenho.
— Para perto de mim.
— Por quê?
— Porque eu quero te abraçar — ele respondeu, fazendo um esforço descomunal para sorrir. Ainda segurava sua varinha firmemente entre os dedos e não tinha a mínima intenção de guardá-la. Gina continuou com as sobrancelhas contraídas, sem entender aquele comportamente estranho, mas, vagarosamente, começou a dar alguns passos na direção de seu marido.
Num movimento sutil, O’Brien levantou-se de seu lugar na poltrona e virou para Draco, se colocando no meio do caminho entre ele e Gina.
— O que está errado? — perguntou em um tom de voz neutro.
— Nada — Malfoy respondeu apertando um pouco mais a varinha em sua mão.
— Eu acho que você está mentindo.
— Talvez você tenha razão — ele deixou escapar, sem conseguir mais conter toda a raiva que por pouco não era capaz de fazer seu peito explodir — Gina, venha para cá — repetiu com mais urgência na voz, enquanto levantava sua varinha e a apontava na direção do coração de Matt — Agora.
— Draco, você está maluco?
— Agora, por favor — falou, sem tirar os olhos do outro.
— Então você finalmente descobriu tudo? — O’Brien sorriu irritantemente — Achei que você não fosse mais conseguir.
— Gina! — Draco gritou, chamando-a mais uma vez. A mulher percorreu a distância que os separavam com três passos longos e rápidos, com uma expressão confusa no rosto.
— O que está acontecendo? — perguntou, sem entender nada.
— Eu quero que você vá embora, Gina.
— O quê?
— Vá embora. Vá para o Ministério. Ou para os seus pais. Ou para qualquer outro lugar onde você vá estar segura.
— Mas...
— Apenas vá! Será que você não entende que este homem é perigoso?!
— Draco, é o Matt!
— Eu sei! — gritou, sem tirar os olhos do outro — E ele ainda está vivo somente porque foi inteligente o bastante para não fazer menção de puxar a varinha.
— Mas então isto significa...
— Que o seu marido finalmente desenvolveu alguma inteligência — O’Brien completou a frase, ainda com um sorriso irritantemente superior no rosto.
— Meu Deus! — Gina deixou escapar a exclamação, antes de virar-se para a porta — Eu vou chamar ajuda! — acrescentou.
— Sinto muito, minha querida, mas creio que não poderei permitir isto — ela ouviu uma voz que não estivera na sala instantes antes interrompê-la.
— Mas quem...?
Draco sentiu suas pernas tremerem involuntariamente. Aquilo não era possível. Não podia estar acontecendo. Desviou finalmente seus olhos arregalados para a quarta ocupante do cômodo e trincou os dentes. Toda a sua coragem e toda a sua decisão pareceram hesitar por um momento, mas, em seguida, ele conseguiu controlá-las. O medo que sentia, entretanto, não poderia ser facilmente dissimulado.
— O que houve, querido? — a voz se voltou para ele — Surpreso em me ver? — ela levantou uma das sobrancelhas e mostrou os dentes num sorriso amarelo — Obviamente, não pensou que o nosso último encontro seria realmente o último, pensou?
— Como...? — e, após uma pausa — O-que-você-está-fazendo-aqui? — ele obrigou-se a responder bem devagar, com medo de perder o controle e voar em cima daquela mulher.
— Ora, mas que pergunta, querido! Não é óbvio? — ela continuava sorrindo.
— Draco, esta é a s...?
— É! Agora, vá embora, Gina! — ele praticamente gritou.
— Não, não, não — Narcissa interviu balançando no ar uma varinha e, se possível, sorrindo ainda mais — Estamos todos aqui, ficamos todos aqui.
— O que diabos você quer??? — Malfoy apontou sua própria varinha na direção dela.
— Você não consegue nem imaginar? — perguntou sem abandonar sua expressão satisfeita, aproximando-se de seu filho vagarosamente, como um predador que tem, por fim, a sua presa encurralada e não hesitará em brincar um pouco com ela antes de matá-la — Você me deve um favor — e seu olhar desviou-se por um instante quase imperceptível para Gina — e eu vim cobrá-lo.
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