O Vermelho e o Negro

O Vermelho e o Negro





Capítulo 13: O Vermelho e o Negro



“Nada fica de nada. Nada somos.

Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos

Da irrespirável treva que nos pese

Da humilde terra imposta,

Cadáveres adiados que procriam.



Leis feitas, estátuas vistas, odes findas —

Tudo tem cova sua. Se nós, carnes

A que um íntimo sol dá sangue, temos

Poente, por que não elas?

Somos contos contando contos, nada.”

(Fernando Pessoa, sob seu pseudônimo de Ricardo Reis)





O sol brilhava alto naquele calmo dia de verão e as cortinas abertas deixavam que seus raios penetrassem sem cerimônias no quarto. Os dois amantes entrelaçados na cama permaneciam alheios, contudo, àquela invasão, adormecidos tranqüilamente, esquecidos do mundo e, aparentemente, esquecidos pelo mundo, enquanto dormiam o que parecia ser o primeiro sono perfeito dos dois em muito tempo.





Draco acordou sobressaltado. Tinha a consciência de que algo estava errado. Acostumara-se a dormir e acordar sozinho, mas lembrava-se vagamente de que, naquela manhã, deveria haver alguém mais na sua cama. Lembrava-se de ter adormecido com o rosto mergulhado nos cabelos vermelhos dela, mantendo sempre uma mão firmemente enlaçada à sua cintura. Lembrava-se de seus lábios tocando levemente as sardas nos ombros dela e ainda podia sentir seu perfume no travesseiro, mas ela não estava à vista agora e o coração de Draco começou a bater acelerado com o desespero e o medo.

— Gina! — ele chamou rapidamente, enquanto se levantava da cama e procurava suas calças para vestir — Gina! — insistiu com mais urgência, saindo do quarto com pressa e respirando aliviado somente quando ouviu a resposta levemente preocupada vinda da cozinha:

— Draco, o que eu faço para a coruja que está parada na janela ir embora? Já tentei de tudo!

— Você paga a ela — Malfoy disse mais calmo, chegando ao umbral da porta e sentindo-se imensamente tranqüilizado ao vê-la de pé, encarando seriamente o animal com os braços cruzados e vestindo o roupão de banho dele.

— A uma coruja?!

— Ela trouxe o jornal, não trouxe?

— Mas e daí? Ela é uma coruja! E ainda me bicou quando eu tentei espantá-la! — Gina exclamou, estendendo a mão onde um dos dedos mostrava uma séria ferida — Coruja feia!

— Aqui — ele riu, pegando algumas moedas no bolso — Veja — mostrou, enquanto a coruja esticava a pata que tinha uma pequena bolsinha pendurada para receber o pagamento — Você pode ir agora — disse e o animal saiu voando pela janela sem deixar de soltar um pio insatisfeito antes.

— Essa foi a coisa mais estranha que eu já vi — Gina falou.

— Então é melhor você se preparar, porque ainda vai ver coisas muito mais estranhas envolvendo magia — ele respondeu — Mas deixa eu ver esse machucado agora.

— Eu posso fazer um curativo...

— Meu amor, esse é um dos poucos feitiços de cura que eu conheço, então, deixe-me tentá-lo, okay? — interrompeu ele suavemente, procurando a varinha nos bolsos.

— Ela deve ter caído no quarto.

— Tem razão, eu já volto — Draco falou antes de sair da cozinha. Realmente, achou sua varinha caída no chão perto da cama e, em seguida, voltou para curar a bicada da coruja na mão de Gina — Aqui está — e ele murmurou o feitiço que fez as extremidades da pele machucada começarem a gradualmente se juntar, até que não havia mais ferida alguma.

— Meu Deus! — ela estava genuinamente impressionada.

— Melhor do que os métodos trouxas, não é?

— Isso é genial!

— Você quer tentar?

— Eu sei fazer isso?

— Foi você quem me ensinou, mas talvez seja complicado demais para o começo. Melhor você tentar algo mais simples primeiro.

— Como o quê?

— Hum... Que tal ‘lumos’? — ele perguntou e a ponta da sua varinha se acendeu imediatamente.

— Lumos?

— Sim. Lumos e Nox — a luz apagou — Tente — Draco disse, entregando a ela a sua própria varinha.

— Lumos — Gina falou sem muita convicção, mas nada aconteceu.

— Está tudo bem — Malfoy assegurou.

— Mas se eu sou uma bruxa...

— A mágica é mais do que simplesmente dizer as palavras, meu amor. Você precisa de prática e precisa de uma varinha que seja sua. Que tal se nós formos comprar uma hoje?

— A sua secretária não vem aqui hoje? — ela perguntou com algo diferente que Draco não conseguiu identificar no tom de voz.

— Sim, mas nós podemos ir depois. A não ser que...

— O quê?

— Bom, você precisa descansar... Na realidade não deveria nem estar de pé agora... E o Beco Diagonal vai estar uma loucura porque as aulas começam amanhã...

— Eu não estou inválida. E eu adoraria sair um pouco de casa!

— Ainda assim, eu não sei se é uma boa idéia...

— E por que não? — ela estava começando a ficar indignada.

— Porque eu não sei se é uma boa idéia sair desfilando com você por aí enquanto ainda tem um assassino te perseguindo! Quanto menos gente souber que você está de volta, melhor. E Deus sabe que só a sua família já é gente suficiente!

— Eu entendo, mas agora já é um pouco tarde demais para isso, você não acha?

— Como assim? — ele perguntou sem entender.

— Bem... Já saiu no jornal — Gina respondeu apontando para a primeira página do Profeta Diário que estava sobre a pequena mesa da cozinha. Ali, uma foto antiga onde ela aparecia de uniforme acenando para a câmera ilustrava a matéria cuja manchete “De volta para casa” ocupava toda a largura da folha em letras garrafais.

— Aquele filho da puta! — Malfoy exclamou furioso, esquecendo-a por um momento enquanto pegava o jornal apenas para confirmar o que já suspeitava: o nome que aparecia logo antes do início da reportagem era Colin Creevey — Eu vou matar aquele desgraçado filho de uma puta! Como é que ele pôde fazer uma merda dessas?! Será que ele não entende?! Não, obviamente, ele não entende porra de merda nenhuma! Mas não tem problema. Eu vou agora mesmo explicar para aquele filho da puta babaca desgraçado idiota im... O quê? — ele perguntou logo na defensiva ao finalmente notar que Gina o encarava rindo sonoramente — O quê???

— Você tem idéia de quantos palavrões você acabou de falar? Eu não acredito que você me beijou com essa boca! — ela continuava rindo.

— Você não se importava antes — ele observou secamente e, como resposta, Gina apenas se aproximou e, nas pontas dos pés, o beijou de novo.

— E ainda não me importo agora — falou depois — Só é engraçado. Mas eu tenho certeza de que ele não fez por mal — completou, referindo-se à reportagem no jornal.

— Ah, claro que não! Ele fez porque é um imbecil quadrúpede que não entende merda de merda nenhuma! Como ele pôde fazer isso?!?! Agora todo mundo sabe que você está aqui!

— Mas, Draco...

— Não! Eu preciso ir.

— Mas eu estou fazendo o café...

— Eu não estou com fome — respondeu enquanto saía da cozinha indo para o quarto de novo. Vestiu-se apressadamente, sem se preocupar muito com sua aparência, jogou as vestes que usara no dia anterior sobre a roupa e, pegando a varinha no bolso, aparatou sem sequer se despedir, ainda carregando o jornal entre os dedos.





— Seu desgraçado! — foi a única coisa que falou antes do seu punho se chocar sem delicadeza alguma contra o nariz de Colin Creevey — O que é que você tem nesta sua cabeça? Merda? É isso? — ele estava pressionando firmemente as costas do outro contra o tampo da mesa, enquanto a redação do jornal parara para assistir à cena com olhos arregalados. Ninguém tentou se mexer para impedir, mas apenas um louco seria mesmo capaz de se colocar no caminho de Draco Malfoy naquele momento. Seu cabelo estava desarrumado, sua blusa estava abotoada errada, cada pé de seus sapatos pertencia a um par diferente e as vestes amarrotadas completavam o figurino. Sua roupa, aliada à expressão mortal de seus olhos, deixava clara a sua pressa e a sua raiva. Ele estava furioso — Responda, seu imbecil! O que significa isso? — e ele esfregou a página do jornal com a matéria sobre Gina no nariz do outro, que sangrava desesperadamente — Hein?!

— Eu nunca disse que não ia publicar a maté... — Colin começou, mas antes que pudesse terminar, um novo soco colidiu com seu rosto, calando-o.

— Você não pensou, não? Você nunca pensa! Ainda tem um maluco atrás dela, seu idiota! E você vai e anuncia para todo mundo que ela está aqui!

— Eu sou um jornalista... — Creevey falava com dificuldade.

— Você é amigo dela! Quer que ela morra? Quer, seu desgraçado?! — Draco pontuava cada frase sacudindo Colin e batendo com suas costas contra a mesa — Quer???

— O assassino já sabia onde ela estava! Ele a encontrou em Harmony Springs, não encontr...?

— Você é um imbecil mesmo!

— Eu não achei que tivesse problema nenhum!

— O problema, seu quadrúpede sangue-ruim desgraçado, é que agora todo mundo sabe onde ela está! TODO MUNDO! Então, se nós encontrarmos algum suspeito, alguém que sabe onde ela está e não deveria saber, ele vai poder alegar que só leu a sua maldita reportagem no jornal, não é mesmo?! Entendeu agora, seu filho da puta? Hein? — Draco gritou, preparando um terceiro soco quando sua mão foi subitamente parada no ar e duas pessoas finalmente o tiraram de cima de Colin. Ele ainda tentou se debater, mas um feitiço foi lançado e, instantaneamente, ele caiu no chão, sem conseguir se mexer. Não conseguia falar, não conseguia fazer nada, a não ser ver e ouvir o que acontecia ao seu redor e o que viu apenas o fez querer levantar-se e sair disparando azarações para todos os lados.

— É louco, este aí! — a inconfundível Rita Skeeter falou, virando-se para os agentes da polícia que haviam parado Draco. Malfoy não se lembrava de nenhum dos dois.

— Você está bem, Colin?

— Estou, Dênis. O que vocês vão fazer com ele?

— Levá-lo preso, claro. Ele invadiu a redação do jornal e atacou um jornalista.

— Mas eu não quero prestar queixa... — o mais velho dos Creeveys falou, entendendo finalmente a raiva do outro e sentindo-se culpado.

— Mas eu quero! — Skeeter interrompeu imediatamente — Onde já se viu! Invadir a minha redação assim e atacar um dos meus repórteres que apenas estava fazendo seu trabalho! Depois disso, qualquer um que se sentir insatisfeito com a imprensa vai começar a achar que pode ir entrando aqui para resolver tudo no braço! Mas de jeito nenhum! E vocês dois podem esperar longos editoriais criticando o Ministério se a punição deste criminoso não for exemplar!

— Mas, Rita...

— Sem reclamações, Colin! Podem levá-lo preso! E aproveitem e levem o Colin para o hospital que o nariz dele deve estar quebrado — a mulher falou mais suavemente — E a conta será cobrada do senhor, Sr. Malfoy — completou virando-se para o corpo imóvel de Draco que pôde apenas lançar-lhe um olhar mortal enquanto Skeeter se virava e voltava para a sua sala — E, vocês todos, podem voltar ao trabalho! — ela falou para o resto da redação.

Em seguida, Draco sentiu seu corpo começar a levitar vários centímetros acima do chão, enquanto os dois policiais o levavam embora, com Colin seguindo-os de perto.





Como ele pudera ser tão estúpido?! Malfoy não conseguia evitar que essa pergunta ecoasse na sua cabeça como se ele estivesse ouvindo um disco arranhado. Aquela manhã deveria ter sido perfeita. Ele deveria ter acordado com a Gina ainda adormecida ao seu lado, levantado para preparar o café para os dois, depois tomado um banho com ela e ficado o dia inteiro em casa, abraçando-a, de preferência na cama. Ao contrário, o que acabara acontecendo? Ele acordara sozinho, tivera que despachar uma coruja mal humorada, e vira aquela notícia no jornal que o fizera ficar cego de raiva. E agora ele estava preso em uma cela do Ministério e seu coração parecia diminuir sempre que ele lembrava que saíra de casa deixando Gina sozinha. Absolutamente sozinha e, se algo acontecesse com ela, ele não poderia se perdoar nunca.

Já estava andando de um lado para o outro na cela há quatro horas, no mínimo. Logo que chegara, tentara se pendurar nas barras e gritar para chamar atenção, mas, com isso, não conseguiu mais do que uma garganta quase rouca e alguns dedos doloridos. Por fim, então, conformou-se em simplesmente ficar andando de um lado para o outro, passando a mão no cabelo de tempos em tempos e xingando-se mentalmente. Como ele pudera ser tão estúpido?!

— Ei, você — Draco ouviu a voz odiosa do guarda que ignorara todo o barulho que ele fizera mais cedo.

— É Sr. Malfoy para você.

— Pois muito bem, Sr. Malfoy — o outro respondeu ironizando — O senhor pode ir saindo da minha cela — completou, abrindo a porta — Com certeza depois de uma presença tão ilustre, nós vamos ter pessoas querendo ser presas só para ficar aqui, Sua Majestade. Vamos até começar a cobrar estadia!

— Olha aqui, seu...

— Isso mesmo! Por favor, complete a sua frase. Eu adoraria um motivo para te manter aqui por mais tempo, Malfoy desgraçado. E pode ter certeza de que eu não iria retirar a queixa! Vamos! — acrescentou ao ver que o outro desistira de insultá-lo e, ao invés disso, passara por ele com a cara fechada, caminhando em direção à saída — Quer dizer que o que eu ouvi é verdade, então?... O seu pai tinha mesmo o único par de bolas da família!

— Qual é o seu problema?! — Draco perguntou, finalmente se virando.

— Você é o meu problema. O único Malfoy que sobrou é o meu problema. Deveriam ter feito com vocês todos o mesmo que vocês gostavam de fazer com as suas vítimas.

— Ah, então esse é o seu problema. Quem foi? Quem foi que o meu amado pai matou? Sua mãe? Seu pai? Sua namorada? Eles eram trouxas, por acaso? Ou então sangue-ruins, certo? Quem quer que tenha sido, eu tenho certeza que teve uma morte bem longa e dolorosa.

— Ah, seu desgraçado!...

— O quê? Pisei no seu calo, foi isso? Que pena. Foi sua namorada, não foi? Acredite, se eu soubesse na época que ela tinha um namorado tão imbecil, teria pedido pro meu pai demorar mais um pouquinho...

— Eu vou te matar! — o homem gritou avançando e segurando Draco pelo colarinho.

— Por favor, tente. Eu adoraria ter um motivo para te matar em legítima defesa ou então te colocar naquela mesma celinha. E, acredite, EU não retiraria a queixa — Malfoy respondeu friamente, sem sequer piscar. Por alguns segundos, os dois homens apenas se encararam e ele fez questão de colocar no rosto seu melhor sorriso. Podia sentir a raiva crescendo no outro e tudo que queria no momento era alguém em quem descontar a raiva. Estava mais do que preparado para se defender, mas, antes que qualquer coisa acontecesse, eles foram subitamente interrompidos.

— O que está acontecendo aqui?! — era a voz de Creevey vinda da porta.

— Nós apenas estamos acertando algumas contas — Malfoy respondeu enquanto o guarda relutantemente o soltou — Mas já terminamos, não é mesmo?

— Saia daqui.

— Com prazer. Ah... Só uma coisinha: eu não sou o único Malfoy que sobrou. Minha mãe pode estar em Azkaban, mas ela não é o que eu chamaria de inofensiva. Da próxima vez, por que você não tenta ir lá atacá-la? Era ela quem costumava se divertir torturando as vítimas do meu pai — Draco completou antes de sair. “E, além disso”, acrescentou mentalmente ao se lembrar do laço de sangue que ainda o ligava àquela mulher, “você estaria me fazendo um grande favor”.

— Fazendo novos amigos, Malfoy? — Creevey perguntou enquanto eles paravam diante do balcão onde Draco deveria pegar de volta sua varinha e outros pertences.

— Este não é o melhor momento para me provocar.

— E por quê não?

— Porque eu estou com pressa de chegar em casa e não vou ter tempo para quebrar o seu nariz de novo.

— Pressa para chegar em casa?... — Colin perguntou ignorando o último comentário — Malfoy, deixa eu te explicar uma coisinha: a sua casa não vai sair do lugar se você demorar mais um pouquinho...

— Eu deixei a Gina sozinha lá, seu idiota!

— Ah... entendo. Bom, isso não foi muito inteligente, foi?

— Creevey, cala a boca que hoje eu não estou com paciência para lidar com você.

— E por acaso algum dia você está?

— Vai se foder, Creepy! — Malfoy respondeu, deixando o outro para trás.

— Você não vai encontrá-la lá — Colin interrompeu-o com uma gargalhada.

— Como assim eu não vou encontrá-la lá? — Draco perguntou sentindo o medo começar a dominá-lo.

— Ela não está lá — ele respondeu sério. O coração de Malfoy disparou. Pronto. Dessa vez, ele realmente tinha conseguido estragar tudo. Dessa vez, não haveria volta, não haveria uma terceira chance — porque eu a trouxe comigo.

— O quê?! — ele pareceu demorar alguns segundos para processar essa informação.

— Ela está bem ali, veja — Creevey apontou para o saguão perto dos elevadores. Draco virou-se e realmente ela estava lá, toda cabelos vermelhos à distância. Sem perder tempo, ele praticamente correu até Gina e, ignorando a expressão fechada no seu rosto, a puxou para um abraço forte. Mergulhou seu nariz no cabelo dela sentindo aquele cheiro tão familiar novamente e começou a beijá-la no pescoço e nas bochechas com o mesmo desespero que o dominara ao beijá-la na soleira da porta de sua casa em Harmony Springs algumas semanas atrás.

— Me desculpe — murmurou contra o seu cabelo — Eu estava tão preocupado!

— Isso deveria ser proibido, sabia? — ela perguntou com um meio sorriso.

— O quê? — perguntou ele, finalmente levantando o rosto apenas para encontrá-la fitando-o com olhos divertidos.

— Eu tinha um sermão muito bem preparado para você, Malfoy, mas acabei de ser completamente desarmada.

— Acredite, meu amor, ficar naquela cela por quatro horas inteiras sem saber se você estava bem ou não foi sermão suficiente para mim por uma vida inteira.

— Bom — ela respondeu séria — porque você sem dúvida fez por merecer. Onde já se viu! Bater no Colin daquela maneira!...

— Eu pensei que tivesse te desarmado...

— E desarmou. O sermão que eu tinha preparado começava bem pior do que esse.

— Eu não consegui me controlar. Me desculpe, mas quando eu vi a notícia no jornal...

— Você ficou louco.

— Exatamente. Mas isso não vai acontecer de novo.

— Promete?

— Prometo — Draco respondeu impulsivamente. Quase nunca conseguia dizer não para Gina quando ela o encarava daquela forma, com seus dois grandes olhos castanhos brilhando. Esse era, afinal de contas, o motivo principal por tantas promessas descumpridas que ele fazia para ela — Como vocês conseguiram me tirar daqui? — perguntou, mudando de assunto rapidamente.

— Colin — Gina respondeu simplesmente.

— O quê?

— Isso mesmo, Malfoy — o outro interrompeu — foi tudo graças a mim.

— E deveria ser mesmo, já que foi tudo culpa sua!

— Ah, foi o Colin que se socou no nariz, não foi, Draco?

— Não, mas foi ele quem me provocou.

— Olhe, Malfoy, eu realmente não tinha a intenção de colocar a Gina em perigo. Eu achei que, como ela já estava em perigo mesmo, não teria problema... Não pensei que...

— Isso mesmo! Você NÃO pensou!

— Mas, mesmo assim, isso não te dava o direito de entrar na redação do Profeta e agir daquela forma. O único motivo pelo qual eu te tirei daqui foi a minha consideração pela Gina.

— Você me tirou daqui? Mas a Skeeter não disse que não retiraria a queixa de jeito nenhum?

— Bom... — Colin respondeu um pouco sem jeito — eu conversei com ela e a fiz entender os seus motivos...

— Você conversou com ela? Desde quando aquela mulher ouve a voz da razão?

— Quem é Skeeter? — Gina interrompeu sem entender nada.

— É a redatora-chefe do Profeta Diário.

— Sua chefe?

— Sim — Draco respondeu por ele — E uma mulher detestável. Não sei o que você fez para convencê-la.

— Bem... Digamos que eu tenha uma certa influência especial sobre ela...

— Uma o quê, Creevey? — Malfoy arregalou os olhos não querendo acreditar nas implicações daquela última frase.

— O que eu posso dizer? Mulheres mais velhas se sentem atraídas pelo minha carinha inocente...

— Ah, então eu estava certo em relação àquela bibliotecária...

— Pára de ser imbecil, Malfoy!

— Sinto muito, Creevey, mas, pelo que me disseram, isso não é possível.

— Vem cá, só uma perguntinha — Gina os cortou — Vocês se trataram assim durante os dez anos em que eu estive desaparecida?

— Sim — eles responderam juntos.

— Meu Deus, vocês realmente gostam de mim... — ela comentou — Mas será que dá para nós irmos para casa agora, Draco?

— Com prazer — ele respondeu segurando a mão dela — Vamos sair daqui.

— Tchau, Colin.

— Tchau, Gina — o outro respondeu enquanto os dois já entravam no elevador vazio. Assim que as portas se fecharam, Draco puxou Gina para outro abraço e a segurou firmemente contra seu corpo durante alguns segundos, fechando os olhos.

— Eu senti sua falta — murmurou.

— Em apenas quatro horas?

— Você sabe que eu não estou falando das quatro horas — respondeu encarando-a seriamente.

— Eu sei — ela confirmou, apoiando sua cabeça no peito dele e abraçando-o de volta — Eu sei.

Quando saíram do elevador, assustaram algumas pessoas no saguão que não esperavam dar de cara com um Malfoy e uma Weasley calmamente andando abraçados, como se nada estivesse errado no mundo.

— Ei, já que nós estamos aqui, você não quer ir comprar uma varinha nova? — Draco perguntou subitamente — Eu poderia começar a te ensinar algumas mágicas básicas. Talvez isso ajude você a se lembrar.

— Eu não sei... — ela soou insegura.

— Ah, que isso, Gina! Vamos lá...

— Não, vamos para casa... Nós podemos deixar isso para um outro dia...

— Por que não vamos agora de uma vez? Quer dizer, eu sei que você precisa descansar, mas você já está fora de casa mesmo... Venha, você vai gostar... — ele tentou puxá-la.

— Não, Draco — ela se soltou e parou na rua — Eu quero ir para casa agora. E, além do mais — acrescentou em um tom mais leve — há coisas mais interessantes que nós podemos fazer em particular...

— Bom, já que você colocou as coisas dessa forma... — ele respondeu cedendo facilmente, mas ainda assim curioso em relação à recusa tão veemente dela. Podia esperar, entretanto, para investigar o assunto mais tarde.

— Por falar em mulheres mais velhas... — Gina disse após alguns minutos durante os quais eles caminharam pelo Beco Diagonal lotado em direção ao Caldeirão Furado. Ela não podia aparatar, então os dois iam usar pó-de-flu para voltar para casa e, enquanto andavam, ela tentava não demonstrar toda a sua surpresa diante das coisas que via.

— Quem falou em mulheres mais velhas?

— Você e Colin.

— E daí?

— Eu conheci Anne.

— Ah, eu esqueci que ela ia passar no apartamento hoje!

— Pois é. Ela passou.

— E...?

— Nada. É só que ela é bem diferente do que eu imaginava...

— Como assim?

— Não é nada...

— Agora que você começou, termine.

— É besteira minha.

— Eu senti falta das suas besteiras também — ele sorriu — Ande, fale!

— É só que eu imaginava ela mais nova.

— E o que tem isso demais?

— Eu imaginava ela mais nova e mais bonita...

— Gina, você estava com ciúmes dela?

— Claro que não! Eu só imagina ela mais nova...

— Você estava com ciúmes sim! — ele riu.

— Claro que eu estava! Ou você acha que eu não imaginei ela como uma garotinha de vinte e pouquinhos anos doida para seduzir e consolar um chefe problemático?

— Ah, meu Deus — Draco teve que parar na rua para gargalhar — Meu amor, a Anne não tenta seduzir ninguém há uns quarenta anos!

— Agora, eu sei disso. Mas antes eu não sabia.

— Essa realmente foi demais — ele comentou ainda rindo.

— Será que dá para você parar de se divertir tanto às minhas custas? Era uma idéia perfeitamente razoável.

— Sim, era. E, para falar a verdade, eu até tive secretárias de vinte e pouquinhos anos que estariam plenamente satisfeitas em... como é mesmo?... Ah, seduzir e consolar um chefe problemático. O problema é que este chefe problemático aqui era mais do que elas podiam agüentar e nenhuma durou nem um mês no trabalho. Anne foi a única que ficou no emprego tempo suficiente para merecer ser mencionada — Draco contou, enlaçando Gina pela cintura sem cerimônias e aparentemente esquecendo que eles ainda estavam no meio da rua — A propósito — continuou — será que eu posso te lembrar qual de nós dois arranjou um noivo neste meio-tempo?

— Eu sei que a minha desculpa vai soar terrível, Draco, mas... eu não sabia que você existia.

— Ai, Weasley, essa doeu.

— Eu sei, mas é a mais pura verdade.

— E você precisa dizê-la assim tão friamente?

— Se serve de consolo, Malfoy, eu também senti sua falta. Mesmo sem te conhecer — ela respondeu beijando-o e acabando com a conversa.





— E então — Draco perguntou apoiado na mesa da cozinha enquanto Gina terminava de enxugar a louça do jantar — Quando você vai ver seus pais?

— Provavelmente amanhã. Você vai comigo? — ele fez uma careta.

— Eu vou te levar — desconversou.

— Mas não vai ficar.

— De jeito nenhum.

— E não vai ficar com medo de me deixar sozinha? — ela perguntou inocentemente.

— Pode ir tirando o seu cavalinho da chuva, querida. Nem adianta tentar usar chantagem emocional, porque, por mais que eu não goste de admitir, naquela casa, com todos os seus irmãos, você está mais segura do que no quartel-general dos Aurores.

— Você está esquecendo o Harry... Ele sem dúvida vai querer me proteger, não é mesmo?

— Tem horas, Gina, em que eu realmente te odeio, sabia? — ele falou sério. Conhecia muito bem o jogo que ela estava fazendo.

— Isso significa que você vai comigo? — ela sorriu.

— Não, eu não vou. E ponto final — acrescentou ao vê-la abrir a boca novamente pronta para usar algum novo argumento e depois deu as costas e saiu da cozinha

— Tem horas, Draco, em que eu também realmente te odeio, sabia? — ela gritou de volta, mas ele a ignorou.

Já era tarde. Com certeza, por volta da meia-noite e ele estava cansado. Sabia que se ficasse perto de Gina, o assunto da visita aos pais dela no dia seguinte voltaria à tona, então entrou debaixo do chuveiro e tomou um longo banho quente. Gina foi ao banheiro apenas para escovar os dentes, mas não falou com ele e, quando finalmente Draco saiu para o quarto, ela já estava adormecida na cama.

Malfoy a olhou atentamente. Por mais que lhe doesse admitir, ela não era exatamente igual à Gina de quem ele se lembrava. Não era a mesma coisa estar com ela, mas isso não significava que fosse pior. Ele quisera por tanto tempo que tudo voltasse a ser como antes que agora era difícil admitir que as coisas não saíram como planejado e que ainda assim ele estava feliz.

Esta nova Gina podia não ser exatamente igual à outra, mas ela tinha o mesmo espírito e a mesma aparência, e estar com ela fazia com que Draco se sentisse um adolescente se apaixonando de novo.

Com um último suspiro, ele decidiu que aquela divagação toda era inútil e deitou-se ao lado dela. Gostando ou não, melhor ou pior, aquela era a única Gina que ele tinha e ele precisava dela desesperadamente.

Assim que fechou os olhos, Malfoy sentiu todo o cansaço e a preocupação dos últimos tempos cobrarem o seu preço. Ele adormeceu quase que instantaneamente, mas, ao contrário da noite anterior, teve um sono agitado e perturbado por imagens violentas.

Sonhou repetidas vezes com a imagem do corpo de Hannah Abbott, como ele o encontrara na árvore e, eventualmente, a imagem se distorcia e ele enxergava cabelos ruivos no lugar de loiros. Sonhou com a voz de Ronald Weasley culpando-o pelo que acontecera com Gina. E, mais vezes do que gostaria, viu uma menina-criança de cabelos vermelhos correndo e chamando-o de “pai”. Ela aparecia fugindo, rindo, e ele tentava alcançá-la, também brincando, mas quando encostava em sua mãozinha, o sonho se transformava em pesadelo conforme o corpo da garota ia morrendo e apodrecendo na sua frente. Tudo o que ficava para trás era a sua própria imagem, ajoelhado e gritando em horror.

No meio de tantos pesadelos, ele quase agradeceu quando o toque do telefone o despertou. Acordou sobressaltado e suando na cama com o barulho estridente. Gina se mexeu ao seu lado, murmurou algo incompreensível sem sequer abrir os olhos e virou-se, deixando Draco sentado sozinho, ouvindo aquele barulho desagradável. Ele nunca gostara da campainha do telefone, mas, desde que passou a receber as ligações do assassino, começou a associar o som ao seu próprio desespero.

Por isso, naquela noite, ele não se levantou para atender. Ao invés disso, deitou-se de novo na cama, fitando o teto em silêncio, não querendo cair no sono novamente. Mais alguns minutos, contudo, e o toque recomeçou. Ele sabia quem era. De alguma forma, tinha plena consciência de quem seria o dono da voz a saudá-lo do outro lado da linha enquanto jogava as cobertas para o lado e pisava no chão.

Caminhou devagar até a sala e ainda hesitou antes de pegar no fone. Quando ia finalmente atender, entretanto, o barulho parou de novo, mas ele sabia que aquela não seria a última tentativa. Fechou, então, a porta do quarto para que Gina não acordasse com o barulho e sentou-se no sofá, esperando.

Não precisou esperar muito.





— Boa noite, Sr. Malfoy — soou a voz esperada do outro lado. O homem parecia particularmente satisfeito.

— O que você quer? — Draco perguntou cansado.

— Nossa, como estamos ocupados! Eu precisei ligar três vezes antes de ser atendido!...

— O que você quer? — repetiu mais devagar.

— Mas, afinal de contas, eu não deveria estar surpreso, não é mesmo? Vocês passaram tantos anos separados... Vamos, Malfoy, diga-me: os beijos dela ainda têm o mesmo gosto?

— O que você quer? — o outro perguntou por entre dentes trincados. Estava tentando se controlar o máximo possível porque sabia que o assassino queria exatamente que ele perdesse o controle, mas era difícil. Cada vez mais difícil.

— Ora, eu só queria satisfazer a minha curiosidade... — ele finalmente respondeu — Mas se você não quer me contar, não tem problema. Quando eu a vir de novo, eu vou fazer questão de descobrir pessoalmente. Não há nada como o prazer de experimentar as coisas pessoalmente...

— Você não vai vê-la de novo, seu desgraçado, e sabe por quê? Porque eu vou te matar antes!

— Malfoy, você fica repetindo isso sempre para se convencer? Não, porque até agora, você não chegou nem perto de mim... Ou melhor: você chegou perto. Apenas não me descobriu e é isso que está te matando, não é mesmo? A certeza de que eu estou perto e você não sabem quem eu sou.

— Quão perto?

— Diga-me: como é beijá-la, tocá-la, sabendo que eu também já fiz todas essas coisas? — o homem disse, ignorando a última pergunta de Draco — Como é tê-la sabendo que eu a maculei para sempre? Eu já a ouvi gemendo como você. Não necessariamente de prazer, no meu caso, mas ainda assim... Ela já foi minha, Malfoy, e será de novo.

— Sobre o meu cadáver.

— Se você faz questão... — o outro respondeu rindo antes de desligar o telefone.

Draco ficou ainda de pé, com o aparelho na mão, sem saber o que fazer por alguns instantes. Ele estava enojado. Estava furioso. Nunca quisera tanto na sua vida acabar com outra pessoa. Mas ele não queria apenas matá-lo. Não. Ele queria fazê-lo sofrer o que Gina sofrera. Queria torturá-lo até que o último suspiro de vida deixasse o seu corpo.

Por fim, colocou o fone novamente na base e, enquanto fazia o movimento de abaixar o braço, seus olhos acompanharam sua mão até pousarem sobre o aparelho. Foi então que ele se lembrou. O identificador de chamadas. Estava ali: o número do telefone com o qual ele acabara de falar. Na sua frente. Sem hesitar, Malfoy o anotou no papel ao lado das instruções que Granger deixara e discou para a companhia telefônica. Precisou ir até o quarto pegar seu distintivo trouxa porque a operadora pediu o número, mas, antes do que esperava, conseguiu. Conseguiu o endereço que combinava com o número. Ele podia ainda não saber quem era o homem, mas estava perto, muito perto de descobrir.





O silêncio da noite parecia impenetrável e o nevoeiro vago aliado a uma brisa fria tornava a rua deserta ainda menos acolhedora. Draco estava em uma área de Londres onde muitos bruxos viviam misturados aos trouxas. Uma área não muito diferente da onde ficava o seu próprio apartamento, mas enquanto a dele era simplesmente residencial e tranqüila, esta rua parecia saída de um filme de mafiosos. Ou, talvez, ele apenas tivesse ficado com essa impressão já que sabia com certeza que um criminoso da pior espécie vivia por perto.

Não havia nenhuma viva alma além dele à vista. Nenhuma pessoa, nenhum animal, nem sequer um gato preto perdido. O céu estava escuro, a lua encoberta por nuvens pesadas e a inexistência de iluminação pública tornava a noite ainda mais negra. Negra como as intenções de Malfoy naquele momento. Negra como o seu humor. Negra como a sua vontade férrea.

Na sua frente, erguia-se um prédio antigo de três andares. Durante o dia, com a luz, provavelmente ele revelaria ser de uma cor clara e alegre, mas, naquela hora, parecia apenas preto como todo o resto ao seu redor. Algumas janelas tinham plantas no parapeito. Outras, tinham grades. As janelas que Draco fitava atentamente, contudo, não tinham nem um nem outro. Estavam fechadas e as cortinas não deixavam entrever o interior do apartamento, que ficava no último andar. Do outro lado da rua, vestido de negro também como a noite, Malfoy fumava um cigarro apoiado em um carro estacionado. Estava esperando.

Nem ele mesmo sabia exatamente pelo que estava esperando, mas enquanto o que quer que fosse não acontecia, ficava lá praticamente sem se mexer. Não estava querendo ganhar coragem. Isso, já tinha de sobra. Também não estava esperando o homem mostrar o rosto na janela. Queria surpreendê-lo. Se ele estivesse dormindo, seria melhor ainda. Talvez Draco estivesse imaginando o que fazer quando o visse, quais feitiços usaria, que tipo de tortura seria mais adequado, mas, de certa forma, sabia que esse planejamento era inútil. Na hora, a ira o dominaria e ele saberia exatamente o que fazer.

E, então, o pesadelo estaria acabado.

Ou talvez ainda, ele estivesse apenas esperando chegar ao fim do cigarro, porque, quando isto aconteceu, Draco jogou a guimba no chão, na sua frente, pisou para apagá-la e, sem hesitar, atravessou a rua.

O número do prédio era 889. Ele parou um instante para olhar os nomes associados aos números dos apartamentos no interfone. Procurou rapidamente pelo 302 e, quando leu, não conseguiu evitar seus olhos de se arregalarem um pouco. Aquilo simplesmente não podia ser verdade.

Levou as mãos à cabeça e passou-as pelos olhos, não querendo acreditar. Estava pensando em como conseguira achar que aquele homem inspirava confiança, em como havia acreditado nele e em como, sem saber, ele mesmo havia lhe dito onde Gina estava. Draco sentiu-se traído. Sentiu-se tolo e, por fim, sentiu a raiva começar a subir à sua cabeça. Aquele homem que estivera literalmente ao alcance de suas mãos tantas vezes era quem havia feito tanto mal à Gina! Ele o vira, falara com ele, gostara dele e o deixara escapar. “Mas não dessa vez”, pensou finalmente trincando os dentes. “Não dessa vez”.

Retirou a varinha do bolso e, apontando para a maçaneta, murmurou um alohomora. Não quis aparatar porque não sabia o quão alerta o homem estava e até mesmo o barulho de um bruxo aparatando poderia chamar atenção demais.

O saguão do prédio estava parcamente iluminado como a rua, mal revelando o chão de ladrilhos hexagonais brancos e vermelhos. A escada era de madeira e o primeiro degrau rangeu quando Draco pisou nele. O próximo, contudo, foi silencioso, assim como os muitos que o seguiram. Não havia elevador e a cada degrau, Malfoy podia sentir seu coração se acalmando.

Ele chegara ali num ímpeto. Por isso, parara do lado de fora para fumar o cigarro. Precisava estar calmo porque precisava saber exatamente o que fazer. Precisava estar consciente. Quando vira o nome na porta, contudo, sentiu a raiva e o descontrole começarem a dominá-lo de novo. Não podia estar descontrolado. Não, naquela noite, ele queria ter plena ciência dos seus atos.

Conforme subia os degraus vagarosamente, contudo, Malfoy sentiu uma estranha tranqüilidade o dominar. Ele sabia o que tinha que fazer e faria. Era simples assim. Não havia dúvidas na sua mente, nem hesitação. Naquela noite, ele acabaria com o pesadelo, ele vingaria todo o sofrimento. Naquela noite, não haveria perdão ou misericórdia, nem medo ou culpa. Não. Naquela noite, ele era o anjo da morte, e nada poderia impedi-lo.

Parou diante da porta que procurava e apurou os ouvidos, tentando perceber algum barulho vindo do lado de dentro. Não havia nada. Nenhum som. Novamente sem hesitar, então, ele ergueu a varinha e murmurou em um tom quase inaudível outro “alohomora”. A fechadura se abriu com um estalo.





Logo diante da entrada estendia-se um corredor curto que terminava em uma porta entreaberta. Do lado direito, se encontrava a cozinha e Draco imaginou que a porta entreaberta levaria à sala. Tudo estava silencioso. Silencioso e escuro.

Com a varinha em punho e ainda dominado pela estranha calma que antecipava os acontecimentos daquela noite, Malfoy entrou no apartamento, tomando o cuidado de trancar a porta atrás de si com um feitiço mais poderoso, que não poderia ser desfeito com um simples “alohomora”. Estavam presos ali, então, agora, ele e o assassino.

Pé ante pé, caminhou na direção da passagem entreaberta que deixava entrar no corredor apenas um feixe fino de luz fraca e desfocada. Imaginou que seria provavelmente iluminação proveniente de um abajur e, por um instante, não pôde deixar de questionar se encontraria o homem realmente dormindo ou se ele ainda estaria acordado, vangloriando-se pelo último telefonema.

A lembrança das palavras dele mais cedo na noite fizeram Draco perder um pouco da sua calma recém-conquistada, na medida em que ele imaginou Gina, a sua Gina, nas mãos daquele homem ignóbil. “Fique tranqüilo”, falou para si mesmo, “Esta noite, ela será vingada”.

Quando chegou diante da porta, estendeu a mão direita, livre da varinha, e delicadamente a empurrou, desejando silenciosamente que ela não rangesse. Seu desejo, contudo, não foi concedido e o barulho da porta soou como fogos de artifício anunciando sua presença no silêncio da noite.

Draco fechou os olhos por um instante, esperando alguma reação vinda do lado de dentro do apartamento, mas, passados alguns segundos, nada aconteceu. Ele olhou, então, para a passagem que a porta deixara aberta e viu que ela realmente levava à sala de estar do apartamento, que estava precariamente iluminada por um velho abajur.

Malfoy entrou vagarosamente e, quando virou para a direita, vendo pela primeira vez todo o cômodo, não conseguiu conter uma inspiração penetrante.

— Eu ouvi quando a porta da frente se abriu. Sabia que era você — o homem falou. Estava sentado em uma poltrona em frente à lareira, segurando uma taça de vinho tinto na mão, ao lado do telefone. Agia como se nada demais tivesse acabado de acontecer, como se ele não fosse o assassino que era e Draco encontrou uma grande dificuldade em aceitar que aquele homem que ele conhecia, com que ele falara e com quem simpatizara tivesse realmente tentado matar a sua Gina.

Foi nesse momento, contudo, ao vê-lo ali, sentado com tanta tranqüilidade, que a calma de Malfoy retornou inexplicavelmente. Ele olhou para aquela figura na sua frente e sabia que ele era um homem morto.

— Por quê? — perguntou, levantando a varinha. Não a apontou para o coração do outro, contudo. Não tinha a mínima intenção de matá-lo sem torturá-lo antes.

— Tanto tempo depois e você ainda não descobriu?

— Você queria trazer Voldemort de volta do mundo dos mortos, essa parte é óbvia. Mas por quê? — repetiu com ainda mais desprezo em sua voz.

— Não é óbvio também? Eu acredito nele. Acredito na verdade dos seus ensinamentos.

— Ensinamentos? O Lorde das Trevas nunca me pareceu ser um professor muito atencioso. Não tente fazer com que eu acredite que ele era o novo Messias.

— Mas ele era. Era a função dele livrar o mundo de todos os impuros, de todos os sangue-ruins e mestiços. De todos os trouxas. Eu apenas comecei o serviço dele.

— Isso não é verdade.

— E por que eu mentiria? Você tem uma varinha apontada na minha direção, não tem? — perguntou ele com extrema arrogância — E o que eu tenho? Apenas uma taça de vinho na mão — completou, ingerindo um gole da bebida sem tirar os olhos de Draco.

— Você não matou apenas sangue-ruins.

— Não, é claro que não. Amantes de trouxas são piores do que trouxas, eu devo dizer, porque eles negam a essência do seu sangue, admirando os inferiores. Nós somos melhores do que eles. Eu e você sabemos disso, Malfoy. Nós, puro-sangue, nascemos para dominar este mundo!

— O Lorde das Trevas era um mestiço. Você sabia disso?

— Essa é uma mentira inventada por Dumbledore.

— Não, não é. Ele era um mestiço tão impuro quanto os que você quis matar. Ele era um nada, largado pelo pai trouxa e órfão de mãe. Era uma coisa semi-humana sem nenhuma virtude, o maior filho da puta de todos os tempos!...

— Cale-se! — o outro gritou, levantando da poltrona e mostrando pela primeira vez algum tipo de reação emocional — Eu não vou ouvir essas mentiras de um amante de putas!

— O quê você disse?! — Draco por um momento não acreditou nos seus ouvidos e segurou a varinha com mais força.

— É isso mesmo que você ouviu. É isso o que todas elas são, essas sangue-ruins e amantes de trouxas! Todas mereceram o que eu fiz. Mereciam mais, na realidade. Todas elas. Mas a sua... Ah! A sua foi uma puta particularmente deliciosa...

— Se você não calar a boca agora...

— O quê? Você vai me matar? Isso já está implícito na situação, não é mesmo? Mas, se você me matar agora, não vai descobrir por que eu escolhi a sua mulher!

— Eu pensei que você a tivesse escolhido porque ela é uma amante de trouxas, ou será que eu não estava prestando atenção? — o homem sorriu em resposta.

— Mas há muitas amantes de trouxas no mundo e, eu devo admitir, a escolha das outras foi ligeiramente aleatória, mas Virgínia Weasley... ah! Ela foi cuidadosamente escolhida para fechar o feitiço.

— Por quê? — Draco perguntou trincando os dentes.

— Porque ela é sua mulher.

— O quê?

— Não é interessante isso? Como todo o sofrimento dela foi, indiretamente, culpa sua?...

— Qual é o seu problema comigo, seu maldito? — Malfoy estava começando a se enfurecer de novo.

— Você é um traidor. Traiu sua família, traiu a causa...

— E daí que eu traí a minha família?! Eu não me envolvi na derrota de Voldemort!

— E, ainda assim, você se rebaixou a se casar com uma Weasley! Com uma Weasley! Eu nunca entendi. Nunca entendi como alguém que nasceu com tudo pôde abandonar todas as suas crenças por uma...

— É realmente melhor que você não complete essa frase!

— Bom — o outro sorriu novamente —, eu acho que foi por isso que eu comecei a escrever para a sua mãe... Para tentar te entender. Sabe, ela é uma mulher muito interessante, a sua mãe...

— Eu não tenho mãe!

— Está vendo? É isso que eu não entra na minha cabeça! Você renega a sua mãe, que te gerou, te carregou por nove meses e te criou, mas ao mesmo tempo idolatra a sua puta.

— Eu já ouvi o bastante! — Draco murmurou, seus olhos faiscando e seus dentes trincados, enquanto segurava com mais força a varinha e concentrava todo o seu ódio por aquele homem que havia deixado uma mácula inegável na sua vida — Crucio! — ele falou em voz alta e clara, sem hesitação. Nunca havia usado o feitiço antes, mas sabia que tinha o poder, sabia que tinha dentro de si a vontade de causar a dor. Então, disse o encantamento e esperou que o outro caísse no chão se contorcendo. Nada, contudo, aconteceu. Nada. O homem sequer piscou e apenas o encarou com um sorriso aberto.

— O quê? Surpreso, Malfoy?

— Crucio! — ele repetiu, mas o sorriso do outro apenas aumentou a ponto dele soltar uma gargalhada alta.

— Ora, não se preocupe. Não há nada de errado com a sua capacidade de lançar este feitiço. Eu apenas me assegurei de que a sua magia não funcionasse aqui.

— Mas eu abri e tranquei a porta!

— Sim, claro. Eu queria que você entrasse, não? Nós temos contas a acertar, Malfoy, e, depois que você estiver morto — ele falou como quem simplesmente atesta um fato enquanto pegava a sua própria varinha ao lado do abajur — a sua Gina será minha.

“A sua Gina será minha”, as palavras ecoaram na cabeça de Draco como num sonho. Isto era algo que ele não poderia permitir. “A sua Gina será minha”, ele as ouviu de novo como num pesadelo. Não. De jeito nenhum.





Apenas um instante foi o tempo que levou para que algo na mente de Malfoy estalasse. “A sua Gina será minha”, ele ouviu e ficou cego. Ficou surdo. Ficou mudo. Não via mais nada na sua frente além daquele homem e daquela ameaça. Naquele momento, não havia razão, não havia consciência. Na sua cabeça e no seu coração, havia apenas ódio. E um ódio tão profundo que não parecia que nunca poderia acabar. Naquele instante, Draco não pensava, não amava. Naquele instante, ele era apenas uma massa de raiva e de músculos.





O homem mal tinha erguido sua varinha quando Draco avançou. Ele se movimentou rápido como um felino e, antes que o outro pudesse sequer esboçar uma exclamação de surpresa, o primeiro soco acertou sua cara.

Num segundo, os dois estavam no chão, ambas as varinhas descartadas na queda. O abajur fora derrubado também quando Draco caiu empurrando o assassino com o peso do seu corpo para cima da mesinha, cujo tampo de vidro se quebrara facilmente sob o peso e a violência da luta.

O primeiro soco logo foi seguido por um segundo e por um terceiro. Malfoy tinha uma vaga consciência de que um pedaço grande do vidro entrara no seu joelho, fazendo-o sangrar, mas não sentia dor. Sentia apenas ódio.

Apesar de ter sido pego de surpresa e de ter levado os primeiros golpes, o outro homem ainda tentou reagir. Draco deu a ele tempo suficiente para respirar entre o terceiro e o quarto socos e, neste ínterim, acabou sendo acertado em cheio no queixo.

O estalo da pancada seca contra o seu maxilar pareceu preencher todo o silêncio da noite e, por um instante, Malfoy demorou para se recuperar, um pouco tonto. O assassino tentou aproveitar o momento para se levantar, apoiando-se na parede com uma das mãos, mas Draco, pegando a primeira coisa que viu na sua frente, agarrou o abajur — agora sem cúpula — e encostou a lâmpada quente na perna do outro.

O homem deixou escapar um gemido quando a lâmpada foi pressionada com ainda mais força, até se quebrar, cortando a sua pele, e ajoelhou-se no chão de dor. Ajoelhado também, Malfoy ergueu o que restava do abajur e, com um grito gutural, o quebrou contra a sua cabeça.

A sala estava escura agora, sem a luz fraca para iluminar mesmo que precariamente o ambiente. Não havia mais meio-termo. Não havia mais sombras pelo cômodo. Só havia a escuridão. Uma escuridão silenciosa e impenetrável como a eternidade. As janelas fechadas pareciam isolar aquele lugar do mundo, deixando claro que o que quer que acontecesse ali, ficaria encerrado entre aquelas quatro paredes.

Draco mal conseguia enxergar os próprios punhos e sua cabeça latejava, mas ele tinha uma consciência quase sobrenatural do que o outro estava fazendo aos seus o pés. Era como se ele pudesse vê-lo tentando se arrastar para longe sem gemer, tateando cegamente por sua varinha no chão. Ele não previra aquela reação e seu desespero era evidente, mas Malfoy não estava desesperado. Ao contrário, sentia a calma e a excitação de um predador que sabia que tinha sua presa numa armadilha.

Quase sorrindo, ele se movimentou sem se preocupar em disfarçar o barulho dos seus passos sobre os vidros quebrados e, quando estava próximo o suficiente do outro, usou seu pé esquerdo para chutá-lo na barriga com toda a força. O assassino tentou agarrar a perna para desequilibrá-lo, mas Draco se desvencilhou e curvou-se rapidamente, usando a mão direita para segurá-lo pelos cabelos, enquanto a esquerda o socava novamente no meio do rosto.

Malfoy estava cego e ainda assim enxergava perfeitamente bem na escuridão daquela noite. Ele sabia o que estava ali para fazer e sabia que não hesitaria em fazê-lo. Draco Malfoy nunca perdoava seus inimigos.

Esperou mais alguns instantes, dando ao outro tempo para se recuperar um pouco. Era como um gato brincando com sua comida e não haveria graça se a refeição acabasse logo.

Quando o homem começou a rastejar novamente com a barriga grudada no chão, respirando com dificuldade por causa do nariz quebrado e meio cego com o sangue em seu rosto. Malfoy chutou-o nas costas e segurou seu braço direito, dobrando-o para trás com toda a sua força e todo o seu ódio.

— Tente empunhar uma varinha agora — ele murmurou friamente no ouvido do outro quando o estalo do osso se quebrando fez-se ouvir na sala. O braço caiu em um ângulo estranho, enquanto o seu dono uivava de dor, se contorcendo. Draco o virou de frente com os pés e o chutou de novo em direção à lareira.

O homem ainda estava acordado. Não oferecia mais resistência, mas ainda respirava e Malfoy não queria parar. Pelo contrário. Queria continuar até o final dos tempos porque cada golpe libertava uma pequena parcela da sua alma. Cada investida devolvia a ele um pouco da antiga ilusão de controle sobre o próprio destino.

Curvando-se novamente sobre o corpo do outro, Draco o levantou pelo colarinho da camisa até quase uma posição sentada e, em seguida, bateu com sua cabeça contra a lareira, soltando outro grito gutural enquanto o fazia. Naquela noite, ele não era um homem. Era um demônio.

Repetiu o gesto mais uma vez. E outra. E outra. Na segunda, o assassino já havia perdido de vez a consciência, quiçá a vida, mas isso não foi suficiente para aplacar a fúria de seu algoz.

Ainda cego, Malfoy sentou-se sobre o peito do homem e novamente o socou. E de novo. E de novo. O rosto do outro não era mais do que uma massa de sangue e hematomas, negra e inchada, mas ainda assim, Draco não parou. Manteve-se firme e incansável, as feições duras e decididas, o olhar furioso e os dentes trincados de ódio.

Continuou ainda batendo e batendo até que os estalos de cada pancada foram se tornando mais abafados e distantes por causa do sangue e dos ossos quebrados. O rosto do outro estava escorregadio e muitos dos golpes não o acertavam mais em cheio, mas isso apenas estimulava Malfoy a continuar batendo. Seu braço estava cansado, mas ele continuava batendo.

Tinha ódio suficiente para uma vida inteira.





— Meu Deus! — Draco ouviu às suas costas. Era uma exclamação de surpresa e horror e a voz que a proferira era conhecida, apesar de soar distante como se fizesse parte de outra realidade.

Logo, contudo, ele se sentiu sendo puxado com força para trás, tirado de cima do assassino. Tentou reagir. Tentou lutar contra quem o estava impedindo de terminar o seu trabalho ali. Lutou e chutou e se debateu, porém, por mais que não quisesse admitir, estava cansado. Seu braço doía de ter sido erguido tantas vezes. Seus dedos estavam feridos e provavelmente sangravam. Ele ignorara toda a dor e o desconforto antes, mas, na hora de enfrentar um oponente que estava oferecendo resistência, sua exaustão cobrou seu preço.

Ele se debatia ainda, contudo, sem desistir, tentando alcançar de novo aquele homem, tentando machucá-lo só mais um pouco. Estava desesperadamente tentando se libertar enquanto o novo ocupante da sala o mantinha preso ao chão com dificuldade usando o peso do seu corpo.

— ... está morto! — Draco finalmente pareceu ouvir quando foi sacudido sem gentileza — Ele já está morto, será que você não percebe?! Ele está morto! — escutou de novo e, apenas um instante depois, as luzes no teto se acenderam e o cômodo, que antes estivera negro e escuro, foi banhado sem cerimônias pela claridade. Malfoy olhou para o lado, então, e soube que era verdade.

Ele não viu um homem caído ao seu lado. Viu apenas uma mistura disforme de carne e sangue. Parou de lutar ao perceber finalmente que seria impossível fazer mais qualquer coisa. Ele cumprira o seu dever.

— Meu Deus! — murmurou Granger de novo, a varinha em uma das mãos enquanto a outra estava encostada no pescoço do homem, na vaga esperança de que ainda houvesse algum pulso — O que você fez, Malfoy?! — ela perguntou olhando para ele horrorizada — O que você fez?! — repetiu, mas ele não respondeu.

Weasley o soltara ao perceber que ele não oferecia mais resistência e fora examinar melhor o homem. Draco ergueu-se com dificuldade do chão. Estava um pouco tonto e levou uma das mãos à cabeça. E foi então que ele se deu conta.

Sua mão não parecia mais realmente sua. Ela estava coberta de sangue. Havia sangue e pele embaixo de suas unhas e os nós dos seus dedos estavam feridos. O pedaço de vidro ainda estava preso no seu joelho e ele podia sentir que seu rosto estava molhado de suor e algo mais. Uma substância pegajosa que fazia com que ele se sentisse sujo. Tentou removê-la com a manga da camisa e, quando terminou, sua manga também estava vermelha. Era sangue. Tudo era sangue. Sem pensar, passou as mãos pelos cabelos e agora havia sangue neles também. Virou-se e olhou para a sala. Podia entender os olhares horrorizados que Granger e Weasley lhe lançavam.

A mesinha e o abajur estavam quebrados. Havia sangue misturado aos pedaços de vidro e de louça. A poltrona tombara para o lado — algo que ele sequer percebera antes — e havia sangue na parede, onde ele e o outro se apoiaram. A taça de vinho também estava no chão, partida, e o líquido escorrera. Uma trilha vermelha no assoalho de madeira mostrava o lugar onde o assassino tentara se arrastar e, na lareira, onde Draco batera repetidas vezes com a cabeça dele, havia uma poça de sangue e mais sangue espirrado para os lados. Havia sangue no chão, onde Weasley o segurara e havia sangue em Weasley, transferido na hora da luta entre os dois. A sala inteira estava vermelha.

Malfoy respirou fundo.

Ele havia cometido assassinato.

— O que vocês estão fazendo aqui? — perguntou friamente.

— Nós viemos atrás de você! Minha irmã me ligou desesperada! — Weasley respondeu, enquanto Granger ainda parecia chocada demais para dizer qualquer coisa.

— E como vocês me descobriram?

— Os registros telefônicos, seu imbecil. A companhia grava os números que te ligaram e para os quais você ligou.

— Bom trabalho — Draco comentou, calmo e sério.

— Bom trabalho? Bom trabalho?! Você tem idéia do que você acabou de fazer! Por Deus, Malfoy, ele trabalhava no seu Departamento! — Granger exclamou, apontando para o homem morto.

— E nas horas vagas, assassinava mulheres e ameaçava Gina.

— Então foi ele mesmo? — Weasley perguntou.

— Sim, foi. Mas eu obviamente não espero que você acredite.

— Eu ouvi a gravação da sua conversa no telefone com ele, Malfoy — o outro falou relutantemente — Eu acredito — completou, enojado, sem encarar seu inimigo de longa data.

— E você precisava matá-lo desta forma?! — perguntou Granger ainda indignada — Por que você não pediu reforços? Porque você não o levou preso?! Você sabe o que nós vamos ter que fazer agora?

— Me prender.

— Exatamente! — ela confirmou e, ao não receber nenhuma resposta do outro — Você sequer se importa!

— É claro que eu me importo, Granger! Você acha que eu quero ficar trancafiado em Azkaban, longe da Gina? Não! Eu não quero! Mas eu não tive escolha!

— Nós sempre temos escolhas!

— Não com as coisas que ele fez, não com as coisas que ele me disse!

— E o que foi que ele falou?

— Você ouviu a tal gravação! Você sabe!

— Ela não ouviu — Weasley interrompeu — Só eu.

— Pois bem. Você sabe então e, por mais que você me odeie e por mais que eu te odeie, você não pode olhar nos meus olhos e dizer que ele não mereceu! Eu não tive escolha — repetiu mais friamente e uma longa pausa seguiu esta declaração.

— Vá embora, Malfoy — Weasley mandou por fim.

— O quê?! — Granger perguntou surpresa. Draco apenas prendeu a respiração.

— Eu disse: vá embora, Malfoy. Minha irmã está preocupada em casa. Saia da minha frente.

— Mas, Rony....

— Você ouviu ele dizer que foi legítima defesa, Mione.

— Não ouvi, não!

— Ele disse que não teve escolha, não disse? Ele também está machucado, não está? Então! Foi legítima defesa — e, virando-se para o outro — Eu não estou certo, Malfoy?

— Indubitavelmente — ele não perdeu tempo em confirmar.

— Você só estava se defendendo, então?

— Claro. Ele me atacou primeiro e eu apenas me defendi — Draco respondeu impassível, o coração acelerado.

— Você espancou alguém até a morte em legítima defesa? — Granger perguntou ironicamente.

— Sim — o outro respondeu sério.

— Bom. Então, suma, Malfoy.

— Você perdeu a cabeça, Rony?!

— Eu ouvi a fita, Mione. Você, não — ele falou de forma contundente e simples, como se isso já explicasse tudo. Gina era, afinal de contas, a sua irmã — Agora, saia daqui, Malfoy!

— Mas ele tem que ficar na cena do crime...

— Mione, quanto antes ele sair da minha frente, melhor. Vá embora, Malfoy, e nunca mais ouse aparecer na soleira da minha porta por motivo algum, entendeu?

“Como se eu fosse querer fazer isso!”, Draco não pôde deixar de pensar, mas, diante das circunstâncias, achou melhor não verbalizar o pensamento. Apenas pegou sua varinha no chão e saiu do apartamento. Do lado de fora, aparatou, sem nem se preocupar se havia algum trouxa espiando. Granger e Weasley com certeza cuidariam disso.





Desaparatou direto na sua própria sala de estar e encontrou Gina no sofá, roendo as unhas e batendo com o pé direito no chão impacientemente.

— Graças a Deus! — ela exclamou ao ouvir o barulho característico dele chegando e correu para abraçá-lo. Parou no meio do caminho, contudo, ao vê-lo naquele estado — O que houve? — a preocupação era evidente na sua voz — Você se machucou? Meu Deus, o que aconteceu? — acrescentou se aproximando dele.

— Não me toque! — Draco exclamou rispidamente dando um passo para trás. Não queria sujá-la — O sangue não é meu. Eu me machuquei um pouco, mas estou bem — completou calmamente.

— Mas o que houve?... Eu estava tão preocupada!... O Rony...

— Ele me encontrou.

— Onde você estava?

— Na casa do homem que tentou te matar — Draco respondeu e notou os olhos dela se arregalarem um pouco — Esse sangue é dele.

— Meu Deus — Gina falou, sentando-se de novo no sofá — Você.... você o matou? — ela perguntou já sabendo a resposta que ouviria.

— Matei — ele respondeu com simplicidade — Vou tomar um banho agora — disse enquanto já se dirigindo para o banheiro.

— Espere! — ela o interrompeu — Quem era ele? Você o conhecia?

— Ele trabalhava comigo no Departamento — e após uma pausa — O nome dele era Eames — acrescentou como se não estivesse falando sobre nada demais.

— Vocês eram amigos?

— Não — Draco falou, mas não esperou por nenhuma outra pergunta. Apenas entrou no banheiro e trancou a porta atrás de si.

Finalmente, se permitiu fechar os olhos e respirar aliviado. Na frente do espelho, examinou o seu rosto longamente. Ele estava abominável, com uma crosta de sangue coagulado cobrindo sua pele alva. Ligou a torneira e lavou as mãos, observando o sangue diluído ir descendo pelo ralo. Precisaria de uma escovinha depois para limpar a sujeira que acumulara-se debaixo das suas unhas, mas, antes disso, queria tirar aquela roupa imunda.

Quando já estava nu, ligou o chuveiro e esperou até que a água esquentasse. Enquanto isso, pegou uma pinça dentro de uma das gavetas e retirou o pedaço de vidro do seu joelho. Jogou tudo fora: as roupas, o vidro, a pinça. O sangue nos seus próprios ferimentos já estava coagulado e ele não fez nenhum feitiço para curá-los. Seria melhor manter suas feridas para provar que ele realmente se machucara na luta, caso duvidassem da versão de legítima defesa.

Depois, quando a fumaça da água quente começou a fazer o vidro do box embaçar, Draco entrou embaixo da ducha. Fechou os olhos e levou as mãos ao cabelo, lavando-o cuidadosamente. Limpou todos os ferimentos. Com a ajuda de uma escova de dentes velha, conseguiu limpar suas unhas também. Tirou cada vestígio do sangue do seu corpo e, depois, deixou a água correr até que toda aquela sujeira tivesse descido pelo ralo.

Quando terminou o banho, sentia-se limpo. Olhou-se novamente no espelho e, agora, a única mácula na sua pele clara era o hematoma deixado pelo soco que ele levara no queixo. Logo, estaria inchado e doendo muito, mas ele não se importava.

Vestiu o roupão, amarrou-o na cintura, jogando a toalha por cima do ombro, e saiu do banheiro. Fez tudo isso com calma e com cuidado. Não teve pressa, não teve medo. Suas mãos não tremiam, suas pernas não estavam bambas e seus olhos não estavam molhados de lágrimas. Ao contrário, suas mãos estavam firmes, suas pernas, apenas um pouco cansadas e seus olhos estavam duros. Duros, cinzentos e penetrantes. Frios. Mais que frios, até. Era difícil acreditar que aqueles olhos podiam ficar tão suaves e gentis ao olhar para a sua Gina. Era quase como se ele tivesse dois pares de olhos. Mas ele não tinha. Era quase como se ele fosse duas pessoas. Mas ele não era.

Aquele era Draco Malfoy. Mal ou bem, ele havia feito naquela noite não mais do que o que havia sido criado para fazer. E, embora a sua convivência com Gina o fizesse ter uma vaga consciência de que seria natural se ele sentisse remorso, esta mesma convivência não era suficiente para efetivamente fazê-lo sentir remorso. Não. Ele não estava arrependido. Na realidade, a única coisa que sentia no momento em que saiu daquele banheiro, finalmente limpo, era prazer. Um prazer egoísta e mórbido. O prazer da vingança e da certeza de que, dali em diante, sua vida estaria novamente nas suas mãos.

Draco lamentava apenas que o outro não houvesse sofrido mais.



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