o amor possivel



Capítulo 12: O Amor Possível


“...a Thomas parecia que homens e mulheres passavam metade da vida brigando e metade amando, e a intensidade da primeira alimentava a paixão da segunda...”

(Bernard Cornwell – “O Andarilho”, pág. 88)





Canção do Amor-Perfeito Cecília Meireles


O tempo seca a beleza,/ seca o amor, seca as palavras./ Deixa tudo solto, leve,/ desunido para sempre/ como as areias nas águas.



O tempo seca a saudade,/ seca as lembranças e as lágrimas./ Deixa algum retrato, apenas,/ vagando seco e vazio/ como estas conchas das praias.



O tempo seca o desejo/ e suas velhas batalhas./ Seca o frágil arabesco,/ vestígio do musgo humano,/ na densa turfa mortuária.



Esperarei pelo tempo/ com suas conquistas áridas./ Esperarei que te seque,/ não na terra, Amor-Perfeito,/ num tempo depois das almas.





Draco Malfoy sentia-se exausto. Não tanto fisicamente, mas ele estava mentalmente acabado. Os últimos dias haviam sido alguns dos mais tensos e problemáticos da sua vida. Ele custava a acreditar que estava de volta à sua casa desde a manhã daquele dia apenas. Quando saíra, preocupado, apressado, não imaginara que fosse demorar tanto. Mas isso não importava mais agora. A única coisa que importava era que ele estava de volta. E tudo está bem quando acaba bem.

Não que algo houvesse acabado, é claro. Não, pelo contrário. Ele continuava preocupado. Sentia-se como se houvesse uma faca extremamente afiada oscilando sobre a sua cabeça, presa por não mais que um fio de cabelo. Ou, no caso dele: por não mais que a mão de um louco. Gina estava em perigo.

A cada passo que Draco dava, esta realidade parecia oprimi-lo. Ela estava em perigo. Era simples, na realidade. Tão simples que doía. Mas ele não poderia ter paz, não poderia viver tranqüilamente enquanto aquela sombra não fosse completamente removida da sua existência. Ele nunca poderia agir como se tudo estivesse bem sabendo que Gina corria um perigo constante. Era assustador, de fato.

Ele tinha medo de deixá-la sozinha. Se pudesse, carregá-la-ia a todo lugar. Dera-lhe um amuleto localizador para que sempre a pudesse encontrar. Cobriu-lhe de milhares de cuidados. Deu-lhe milhares de recomendações. E, ainda assim, quase não a deixava sair do alcance de seus olhos, do alcance dos seus braços. Era doentio, na realidade, mas ele não podia evitar e ela não estava reclamando. Pelo menos, não por enquanto.

Naquele final de tarde, contudo, quando aparatou desanimado no meio de sua sala de estar, quase estranhou o som de vozes familiares vindo da cozinha. Era difícil acreditar. Quase impossível, na realidade, mas, contra todas as chances, ela estava ali. Debaixo do mesmo teto que ele.

— Você não deveria estar de pé — Malfoy falou suavemente da porta da cozinha, de onde podia vê-la com uma xícara de café na mão, com as costas apoiadas na pia enquanto Matt estava sentado à mesa. Os dois conversavam tranqüilamente, como se nada estivesse errado no mundo e, por um instante, Draco quase acreditou nisto.

— Eu falei a mesma coisa, mas ela não quis me ouvir.

— Eu não estou inválida, vocês sabiam?

— Mesmo assim. Os médicos falaram que você precisa descansar.

— E desde quando andar do quarto até a cozinha é cansativo? Pode ficar tranqüilo, Draco, que eu não tentei correr nem levantar peso.

— Está bem, mas será que você poderia voltar para a cama agora?

— De jeito nenhum.

— Não quer pelo menos vir sentar no sofá?

— Tem alguma chance de você me deixar em paz exatamente onde eu estou?

— Não.

— O sofá, então — Gina falou, movendo-se na direção da porta. Draco saiu do caminho para deixá-la passar, mas não resistiu a segurar o seu braço e ajudá-la a andar mesmo vendo que ela não parecia estar precisando da ajuda — Eu estava pensando em cozinhar o jantar...

— Você está louca?

— E quem vai cozinhar então?

— Eu vou.

— Você cozinha? — ela perguntou descrente, levantando as sobrancelhas.

— Qual é o problema com isso?

— Nenhum... Só não parece a sua cara. Você cozinhava antes...

— Não — Draco respondeu rapidamente, sem deixar que ela terminasse a frase.

— Mas agora até que ele faz uma comida quase decente — Matt completou da porta.

— Você vai ficar para o jantar? — Gina indagou olhando para ele.

— Não, eu tenho que ir. Só vim mesmo para...

— Servir de minha babá.

— Exatamente — ele sorriu.

— Obrigada.

— De nada. É um prazer ajudar.

— Obrigado, Matt — Draco acrescentou também, apertando a mão do outro.

— Sem problemas. A gente se vê — e, com isso, ele desaparatou.

— Então, Gina, o que você vai querer comer?

— Hum... Qual é a sua especialidade?

— Macarrão — ele respondeu, tentando ignorar todos os sentimentos de revolta que essa simples palavra parecia ser capaz de produzir nele. De certa forma, ela fazia com que todo o seu orgulho Malfoy viesse à tona, manchado e ferido. A que, afinal de contas, ele havia se reduzido?

No instante seguinte, contudo, foi impossível deixar de notar o brilho divertido que a mesma palavra trouxe aos olhos de Gina e o adorável sorriso nos seus lábios quando ela respondeu brincando:

— E por que será que eu não estou surpresa com isso?

— Se você quiser outra coisa...

— Macarrão está ótimo.

— Okay, então — ele respondeu enquanto tirava suas vestes e o paletó e pendurava-os cuidadosamente atrás da porta. Depois, foi para a cozinha tentando se concentrar ao máximo no que devia fazer, o que não era nada fácil dadas as circunstâncias. Deixou o macarrão em uma panela, enfeitiçando um garfo para mexê-lo de tempos em tempos sozinho e preparou o molho com mais atenção. Por fim, enfeitiçou uma colher para mexer o molho enquanto ia à sala, pronto para colocar a mesa. Surpreendeu-se, contudo, ao encontrar Gina de pé, com duas taças de vinho na mão e a mesa praticamente posta.

— Nem pense em me dar um sermão — ela falou séria, mas, de alguma forma, ainda assim conseguia manter um ar de uma criança que foi pega em plena travessura.

— Ah, então você reconhece que não deveria estar fazendo isso, não?

— Eu também reconheço que eu não estou incapacitada.

— Mas você precisa descansar!

— E você precisa ir para a cozinha antes que o jantar queime de vez — ela respondeu no mesmo tom logo que começou a sentir um leve cheiro de queimado no ar.

— Merda! — Draco exclamou, correndo de volta para o fogão, onde a água do macarrão já estava transbordando e fumaça saía da panela do molho — Merda! — ele foi desligar as duas bocas do fogão esquecendo por um instante que a água que transbordara estava fervendo. Logo, puxou a mão de volta, dois de seus dedos inegavelmente queimados. Levou-os à boca num reflexo enquanto pegava um pano de prato e uma luva com a outra mão. Viu Gina fazer menção de ajudar, mas a impediu — Deixe que eu cuido disso! — exclamou, pegando desajeitadamente a panela do macarrão e virando-a no escorredor na pia, mal percebendo que, no caminho, a sua mão protegida pela luva esbarrara na outra panela com o molho, derramando-o inteiramente no chão — Merda! Merda! Merda! — Draco repetiu chutando o fogão com força ao ver a bagunça toda e conseguindo com isso apenas um dedo do pé dolorido e a risada gostosa de Gina.

— A culpa agora é do fogão? — ela perguntou rindo, mas logo tentou se controlar quando ele lhe lançou um olhar que dizia claramente que não era hora para brincadeiras — Me desculpe... mas... há tempos eu não via algo tão... tão engraçado!... — acrescentou no que começou como uma manifestação de arrependimento, mas terminou com outra gargalhada, enquanto ela se curvava sobre o próprio corpo, tentando se controlar — Me desculpe... — conseguiu ainda dizer entre o riso, saindo da porta da cozinha e indo em direção à sala, onde ele não podia vê-la, para tentar se recompor.

Draco, por sua vez, ficou na cozinha absolutamente furioso. Seria impossível medir em qualquer escala inventada a sua raiva naquele instante. Aquilo não tinha acabado de acontecer, tinha? Ele não tinha acabado de fazer papel de babaca na frente da mulher que ele amava, tinha? Não, não e não, porque ele era um Malfoy e Malfoys nunca — e eu digo NUNCA — fazem papel de babacas. Especialmente não na frente dos Weasleys.

— Me desculpe — ela finalmente repetiu, voltando um pouco mais séria, mas ainda precisando fazer um esforço fenomenal para manter uma expressão compenetrada.

— Me desculpe, me desculpe... — ele imitou ironicamente — Depois que você já riu tudo o que tinha que rir, fica pedido desculpas!

— Mas, Draco...

— Eu deixei a comida por alguns segundos! Alguns segundos! E olha só o que aconteceu! — exclamou indignado e sua indignação era tão inusitada e engraçada que Gina quase começou a rir novamente. Controlando-se, contudo, ela apenas sorriu e deu um passo para dentro da cozinha que parecia um campo de batalha.

— Está tudo bem — falou — Nós podemos pedir alguma coisa.

— E por acaso há outra opção agora? — ele perguntou ainda com raiva, agitando os braços como que querendo que ela percebesse a bagunça ao seu redor.

— Não seja tão duro consigo mesmo — Gina brincou — Afinal de contas, eu não via uma cena de comédia pastelão tão bem encenada há tanto tempo!... — ainda disse, mas logo desistiu da brincadeira ao notar que Draco não estava vendo a mesma graça na situação que ela — Vamos, deixa eu ver a sua mão — ela pediu estendendo o braço.

— Está tudo bem — ele respondeu mal humorado.

— Não, não está não. Eu vi que você se queimou — ela fez menção de pegar o braço dele, mas Draco se esquivou rapidamente.

— Eu mesmo posso cuidar disso — retrucou pegando sua varinha em cima da pia.

— E eu imagino que você também queira que eu volte para a sala e fique lá bem comportada enquanto você arruma esta bagunça?

— Exatamente — ele respondeu com a cara fechada.

— Está bem — Gina suspirou resignada. Depois, virou-se e saiu da cozinha deixando-o sozinho.

Draco, por sua vez, respirou fundo algumas vezes para se acalmar. Por que diabos ele nunca conseguia controlar seu gênio? Era sempre assim que acontecia. Era sempre assim que ele acabava magoando-na. Fora por isso que eles brigaram naquele dia... Por isso que ela fora levada. Por isso que eles passaram tantos anos separados. A culpa era dele, ele sabia. Toda dele. E mesmo agora, que a presença dela quase o fazia acreditar na possibilidade de uma segunda chance, ele continuava sabendo que não conseguiria se controlar.

Ele a amava. Amava-a mais que tudo nesta vida e seria capaz de fazer qualquer coisa por ela. Por que então era tão difícil mudar um pouco o seu comportamento? Por que ele não conseguia fazer isso nem por ela? Draco suspirou levando uma das mãos ao rosto e usando-a para esfregar os olhos. A verdade é que ele estava cansado. Estava cansado de toda aquela incerteza. Sua vida parecia um eterno pesadelo e ele não conseguia fazer a única coisa que poderia trazer-lhe um pouco de felicidade. Parou e vasculhou sua cabeça tentando se lembrar de uma época em que as coisas haviam sido diferentes entre os dois, mas não conseguiu. Desde o primeiro momento, havia sido sempre a mesma coisa. Ele se enfurecia, se descontrolava, a feria. E depois, claro, se arrependia e ia atrás dela. A Gina — a sua Gina — sempre o aceitara de volta, mas será que essa Gina poderia lidar com o mesmo tipo de comportamento? Será que ela não o odiaria quando descobrisse a verdade, toda a verdade?

Malfoy balançou a cabeça, como que querendo afastar esses pensamentos. Ela estava ali agora e isto era o bastante. Isto tinha quer ser o bastante, mesmo que ele não pudesse beijá-la. Mesmo que ele não pudesse tocá-la. Mesmo que ele não pudesse enterrar sua cabeça entre os seios dela e esquecer que havia um mundo ao seu redor. “Quando foi que as coisas se tornaram assim tão complicadas?”, ele se perguntou mentalmente, mas não ousou responder. Não ousou porque, no fundo, ele sabia que, entre os dois, as coisas sempre haviam sido assim tão complicadas.

Com alguns movimentos rápidos de varinha e alguns encantamentos, Malfoy limpou a bagunça na cozinha. Ele até poderia começar a fazer o jantar de novo, mas seu ânimo tinha acabado. Fez, então, um feitiço simples nos seus dedos que encostaram na água fervente e que estavam doendo levemente. Talvez devessem estar doendo mais. Com a dor no seu coração, contudo, era difícil perceber qualquer outro ferimento.

Em seguida, então, respirou fundo e foi para a sala. Encontrou Gina sentada no sofá de frente para a lareira, quieta, com os olhos fitando o chão e os braços cruzados. Estava se comportando, como dissera que iria, mas sua expressão corporal dizia a Draco que ela não estava nem um pouco satisfeita com isso. Em outros tempos, só de ver aquela postura nela, ele já estaria ou preparando uma boa desculpa ou preparando as suas armas de ataque, dependendo do que tivesse acontecido e de quem estivesse com a razão. Mal conseguiu conter um sorriso nostálgico diante da lembrança, pois os dois tinham um longo histórico de serem bastante intensos na hora de brigar e igualmente intensos na hora de fazer as pazes. O sorriso, contudo, logo assumiu um ar de tristeza graças a essa memória. Aquilo fora antes e, agora, tudo era diferente.

— O que você quer comer? — Draco perguntou tomando o cuidado de manter sua voz neutra.

— Tanto faz — ela respondeu como se tivesse acabado de perceber a presença dele na sala — Eu não me importo.

— Está bem — ele replicou afavelmente. Se ela queria fazer esse jogo, então ele também jogaria.

Acendeu a lareira e jogou um punhado de pó-de-flu nas chamas. Chamou o restaurante italiano onde estava acostumado a comer e pediu o que costumava pedir, só que dessa vez para dois. Se a mudança causou algum tipo de surpresa, o dono não pareceu demonstrá-la e, dali a alguns minutos, Draco e Gina estavam sentados na mesa de jantar, um diante do outro. Eles comiam silenciosamente e Malfoy já estava começando a ficar realmente irritado com aquilo. Ele não fizera nada de tão ruim assim afinal, fizera?

Quando já estava se mexendo na cadeira, inquieto e pronto para quebrar o silêncio, contudo, Gina o interrompeu, falando subitamente:

— Você é sempre assim?

— Assim como?

— Quando está contrariado porque as coisas não estão do seu jeito, você sempre desconta na primeira pessoa que encontra? — ela perguntou séria e com um tom ligeiramente inflamado.

— Sempre — ele respondeu após uma breve pausa. Não havia desafio em sua voz. Apenas uma admissão resignada, o que, de certa forma, contribuiu para acalmá-la um pouco.

— E como diabos eu agüentava isso?

— Eu já me perguntei a mesma coisa muitas vezes.

— E qual foi a sua conclusão?

— Nenhuma. Nenhuma conclusão — ele falou, evitando os olhos penetrantes dela — Só mais perguntas.

Depois disso, os dois permaneceram em silêncio por mais algum tempo. Draco sabia que ela tinha razão. Tinha razão em estar com raiva. Tinha razão em não querer estar perto de alguém como ele. Ela merecia mais consideração e, quando ela descobrisse que ele na realidade era muito pior do que aquilo, que ele podia ser ainda mais cruel, ela iria embora. E ele sabia que não poderia culpá-la, mas também sabia que, independente de qualquer coisa, não poderia mudar e esta consciência era extremamente dolorosa.

— E então? — Gina perguntou por fim e, por um instante, Draco pensou que ela ainda estivesse falando sobre o mesmo assunto, mas logo ela continuou, provando-o errado — Como foi no Ministério?

— Como? — ele estava surpreso com a pergunta.

— O Ministério. Você foi lá hoje, não foi?

— Fui.

— Então! O que aconteceu? — Gina perguntou impaciente — Falou com seu chefe?

— Falei.

— E...?

— Eu continuo demitido, mas...

— Isso é absurdo! Ele não pode fazer isso!

— O fato de que ele é o meu chefe lhe dá esse direito — Draco respondeu, ainda bastante surpreso com a mudança repentina de assunto, mas sem reclamar por causa dela, lógico.

— Ele tem que entender!... — continuou a outra, sua indignação evidente — Você devia ter vindo para Londres, devia ter me dito que precisava vir! Se eu soubesse...

— Eu sabia, Gina. Sabia que, se eu explicasse, você entenderia, mas eu não quis explicar. Eu não quis ir embora. Você não é culpada de nada.

— Mas mesmo assim...

— Está tudo bem. Ele me demitiu do cargo de chefia do Departamento de Pessoas Desaparecidas, mas não me demitiu completamente.

— Como assim?

— Eu continuo trabalhando para o Departamento. A intenção dele era me despedir mesmo, mas quando ele descobriu porque eu estava agindo de forma, digamos, negligente, e que, mal ou bem, eu tinha encontrado você, ele resolveu ser mais misericordioso — Draco completou, dando à última palavra uma conotação bastante irônica.

— Então você vai continuar trabalhando lá?

— Por Deus, não!

— Mas você acabou de dizer...

— Que ele não me demitiu. Isto não significa, contudo, que eu vá continuar a trabalhar no mesmo departamento tendo que receber ordens de algum imbecil que ele vai colocar no meu lugar.

— Então você pediu demissão.

— Também não.

— Agora eu não estou entendendo mais droga nenhuma!

— Eu tirei uma licença — Malfoy respondeu sem conseguir esconder o sorriso divertido diante da impaciência dela.

— E enquanto está de licença você vai procurar um novo emprego?

— Mais ou menos. O que eu vou fazer é prestar uma prova no próximo inverno para me tornar um auror.

— E o que é um auror?

— É a mesma coisa que o seu irmão é.

— Qual deles?

— O ruivo de sardas.

— Muito engraçado, Draco. Você sabe muito bem que essa descrição não me ajuda nem um pouco.

— O mais alto de todos.

— O Rony? É esse o nome dele, não é? — ela perguntou com o cenho franzido. Seus irmãos e seus pais haviam ido visitá-la no hospital, mas, para a alegria de Malfoy, ela vinha tendo dificuldades em lembrar todos os nomes deles e de suas mulheres e crianças, o que não era de forma alguma surpreendente para uma pessoa que não tinha família nenhuma e, de uma hora para outra, se descobriu no meio de uma imensa e barulhenta.

— Sim, é esse.

— Eu pensei que você não gostasse dele — certas coisas eram realmente óbvias à primeira vista.

— E eu não gosto.

— Então por que você quer trabalhar com ele?

— Eu não quero trabalhar com ele, Gina. Eu só quero ser um auror, porque eles são os mais respeitados no Ministério. Eles lidam com os casos mais difíceis e mais importantes. Os casos que envolvem magia negra.

— Se é isso que você quer então por que você ficou no Departamento de Pessoas Desaparecidas por tanto tempo? — Gina perguntou, mas, em seguida, percebeu a resposta sem que ele precisasse dizer nada — Você não precisava...

— Precisava sim — Malfoy respondeu — Mas agora eu não preciso mais, de forma que eu vou fazer o merda da prova e vou ser um auror.

— Então você não está chateado por ser rebaixado?

— Não — ele mentiu — não estou.

— E o que você pretende fazer no meio-tempo?

— Como assim?

— Bom, você falou que a prova é apenas no inverno, não? Ainda estamos no início de setembro. O que você vai fazer até lá? Estudar?

— Não. Eu não preciso estudar para essa prova.

— É tão fácil assim?

— Não, não é fácil — ele respondeu, escolhendo ignorar o tom irônico da pergunta dela — Mas eu estou mais do que preparado. Uma vida debaixo das asas de Lúcio Malfoy deixaria qualquer um preparado.

— Lúcio...?

— Meu pai.

— Vocês estão brigados? — Gina perguntou sem entender, mas notando o tom de desprezo quando ele mencionou o nome.

— Ele está morto — Malfoy respondeu sem demonstrar emoção.

— E sua mãe? — ela continuou, percebendo apenas agora o quão pouco sabia sobre o homem que estava diante de si.

— Presa.

— Por quê?!

— Por muitas coisas, todas merecidas.

— Isso tem a ver com o fato de que a minha família não parece gostar muito de você? — ela indagou com o cenho franzido. Sabia pouco sobre o seu passado ainda, mas era uma pessoa perceptiva.

— Sim e não.

— Essa resposta não foi muito esclarecedora, sabia?

— Eu sou um Malfoy. Você é uma Weasley. Só isso já é motivo suficiente para eles me odiarem e vice-versa. Malfoys e Weasleys se odeiam.

— Por quê?

— Porque Malfoys são ricos e Weasleys são pobres. Porque Malfoys acreditam na pureza do sangue e Weasleys se associam com sangue-ruins. Porque tem sido assim desde sempre. Desde o início dos tempos.

— Eu sou uma Weasley. E você não é rico.

— E adivinha de quem é a culpa por isso.

— Minha?

— Indiretamente, sim. Minha mãe preferiu queimar a nossa casa a ter você, uma Weasley, vivendo nela.

— Que horror!

— Como você pode ver, eu venho de uma família muito feliz — Draco comentou com um sorriso vazio enquanto levava à boca a taça de vinho tinto para beber um gole do líquido — Nós nos adoramos.

— Parece uma família bem diferente da minha.

— Completamente — ele soltou uma risada.

— E ainda assim nós nos casamos.

— Foi idéia sua.

— Minha?

— Sim.

— Você não queria se casar comigo? — ela parecia surpresa.

— Mais que tudo nessa vida. Só que, se dependesse só de mim, nós teríamos esperado.

— Esperado o quê?

— Esperado até que eu realmente me estabelecesse no trabalho, até que nós tivéssemos mais dinheiro, que pudéssemos viver em um apartamento melhor. Mas você não quis esperar e me convenceu.

— E você se arrependeu?

— Nem por um segundo — Draco respondeu olhando diretamente para dentro daqueles grandes olhos castanhos que o encaravam com um brilho curioso.

— Então nós éramos felizes?

— Na maioria dos dias, sim. Nós brigávamos, claro — ele sorriu — Mas fazíamos as pazes também.

— E meus pais nunca aceitaram?

— Nem seus pais nem seus irmãos, mas você deixou bem claro que não era o papel deles aceitar ou não aceitar.

— E vocês não se davam bem?

— Não.

— Eu não os via?

— Você ia toda semana, mas sempre sozinha.

— Você nunca tentou... eu não sei... se aproximar deles?

— E por que diabos eu ia querer algo assim?

— Por mim!

— Sinto muito, Weasley, mas nem por você eu seria capaz de tentar ‘me aproximar’ dos seus irmãos e dos seus pais e eu tenho certeza de que o sentimento é mútuo.

— Está bem — ela falou, distraidamente enrolando o macarrão com o garfo, mas com os pensamentos bem longe dali — Draco — começou após uma pausa — qual é o problema com Harry?

— Você quer que eu cite só um? Ele tem tantos!...

— Você entendeu o que eu quis dizer: qual é o problema entre vocês dois. A atmosfera pareceu ainda pior quando ele foi ao hospital do que quando Rony foi. Por quê?

— É uma longa história.

— E você não quer me contar?

— Não é isso, é só que... Escute, Gina, há inúmeros motivos para eu e Potter nos odiarmos e eles vêm bem de antes de nós dois, mas, no fim, você foi, digamos, o motivo derradeiro.

— Eu era namorada dele?

— Por Deus, não! — Malfoy quase engasgou na própria comida — Nunca! Mas não foi por falta de tentativa dele!

— Mas ele é casado e...

— Agora, ele é casado, mas não era há quinze anos atrás, quando nós ainda estávamos na escola. E ele tentou roubar você de mim.

— Tem certeza? — ela pareceu incrédula.

— Como assim ‘tem certeza’?! Eu estava lá, não estava?

— É só que... bem... você me parece bem mais o tipo que tentaria me roubar dele do que o contrário — diante dessa resposta, Draco não pôde evitar que um sorriso superior se formasse no meio do seu rosto.

— É verdade — respondeu — Mas não foi assim que aconteceu. Você já era minha quando ele tentou... Potter só não sabia disso.

— Então nós namoramos em segredo?

— Por um algum tempo, sim. Mas não é muito fácil manter segredos desse tipo em Hogwarts.

— E as pessoas descobriram?

— Algumas — Draco falou, pensando em sua mãe. Ela soubera, o que significava que ela tinha algum espião na escola que descobrira a verdade. Durante muito tempo, Malfoy quebrou a cabeça tentando imaginar quem havia sido, mas já desistira. Não tinha importância, de um jeito ou de outro.

— Sabe, eu gosto do Colin — Gina disse meio do nada, pensando provavelmente em todas as pessoas que conhecera enquanto estivera no hospital se recuperando.

— Ele era seu melhor amigo — Malfoy respondeu, mascarando bem a onda irracional de ciúmes que o invadiu após a declaração dela — E me ajudou a te encontrar.

— Vocês dois ficaram amigos?

— Eu não diria isso... Nós apenas... fizemos uma aliança em tempos de guerra.

Os dois permaneceram em silêncio depois, enquanto terminavam de comer. Draco imaginou por um segundo se Gina tinha esgotado suas perguntas. Provavelmente não. Ela tinha muitos anos para recuperar e talvez, se ele continuasse respondendo, algo estalasse na mente dela e a fizesse lembrar tudo. Por outro lado, contudo, ele temia o momento em que as perguntas dela começariam a oscilar para as respostas que ele não queria dar. Até agora, Malfoy não contara nenhuma mentira. Ele simplificara um pouco algumas coisas, omitira outras, mas não mentira. Gina odiava mentiras, mas ele sabia que, se precisasse mentir para mantê-la ao seu lado, ele mentiria.

Depois que eles terminaram o jantar, Draco tirou os pratos e as taças e as levou para a cozinha. Colocou a louça na pia e a enfeitiçou para se lavar. Gina sentou-se no sofá quieta e, cansado do silêncio que se abatera sobre os dois, ele pensou em algo pertinente que pudesse dizer.

— Amanhã à tarde, a Anne deve passar por aqui.

— Anne?

— Minha secretária. Ex-secretária, na realidade. Eu não mencionei ela para você?

— Não — Gina parecia estranhamente melindrada.

— Bom, ela vai passar por aqui amanhã para trazer algumas coisas minhas que ficaram no Departamento. Eu não trouxe nada hoje. Vocês vão poder se conhecer.

— Ela é sua amiga?

— Não — Malfoy respondeu sem realmente entender a pergunta — Ela era minha secretária — completou, retirando a toalha da mesa, dobrando-a e voltando para a cozinha para guardá-la.

— Draco — Gina o seguiu — nesses dez anos... quer dizer... você nunca... nunca encontrou ninguém que... ninguém de quem você gostasse? — ela perguntou indecisa, parada debaixo do umbral da porta.

— Não — ele respondeu simplesmente, sem dar a essa resposta o peso que ela merecia.

— Não mesmo?

— Não mesmo, Weasley — sua voz se elevou ligeiramente revelando um pouco de raiva.

— Me desculpe. Eu não queria ofender... é só que... dez anos são muito tempo.

— Um dia, um mês, um ano, dez anos, cem anos. Para mim, não faria diferença — ele disse sem encará-la.

— E por que não?

— Porque não! Porque eu só vejo você! Porque para mim só há você. Você é a única pessoa que eu amei... e ainda amo — acrescentou baixinho. Tão baixinho que Gina mal conseguiu distinguir as palavras — Olhe... você não tem como entender... Você não conhece a história. Eu digo Malfoy e o nome não te diz nada, mas se você se lembrasse, então você saberia que Malfoys não se apaixonam facilmente. Deus, a maioria das pessoas diria que Malfoys não se apaixonam e ponto final, mas isso não é verdade. Algumas vezes nós perdemos, sim, nossos corações. Mas é algo raro e à nossa própria maneira, que quase nunca é a mais nobre.

— E você perdeu seu coração para mim?

— Irremediavelmente.

— E você me ama?

— Desesperadamente — ele respondeu antes que pudesse se conter.

— Mesmo após tanto tempo?

— E até o dia da minha morte, por mais doentio que esse amor seja — Draco falou, evitando o olhar dela. Era duro admitir-se assim tão apaixonado por alguém que certamente não corresponderia, mas o que ele podia fazer? Que escolha ele tinha? — É melhor você se sentar — mudou de assunto rapidamente antes que ela pudesse fazer outra pergunta — Você precisa descansar — e ele a guiou de volta para o sofá, onde Gina se sentou sem protestos.

— Eu me pergunto — ela falou sem dar a Draco tempo suficiente para inventar uma desculpa e deixá-la sozinha — como nós dois fomos nos apaixonar no meio de tanto ódio.

— Entre a sua família e a minha?

— E entre as nossas casas também, pelo que eu ouvi falar. O que aconteceu?

— Eu não sei. Algumas coisas apenas acontecem. Por mais que nós lutemos contra elas.

— Isso não é uma resposta. Deve ter havido algo, algum momento, alguma explicação...

— Mas não há. Não há explicação. Apenas era para ser — ele respondeu em tom decisivo. Não queria contar para ela toda aquela velha história. Não queria reviver tanto o passado, todos os momentos bons e ruins.

Novamente, então, o silêncio caiu sobre os dois. Draco fitava as chamas dançando livres na lareira, incapaz de tirar da sua cabeça todos os pensamentos sobre aqueles distantes dias na velha escola, quando ele primeiro se vira apaixonado pela difícil garota Weasley.

— Você não respondeu a minha pergunta.

— Como? — ele foi puxado para fora dos seus devaneios.

— O que você vai fazer no meio-tempo, antes da prova? Se não vai estudar, tem que ser outra coisa...

— Eu vou cuidar de você — Malfoy respondeu simplesmente — E vou descobrir quem é o filho de uma puta que foi na sua casa e quando eu encontrá-lo, ele vai desejar não ter nascido — completou, mas logo se arrependeu porque essa resposta trouxe de volta à sua lembrança a sombra que pairava sobre os dois.

— Eu estava aqui quando ele me seqüestrou?

— Aqui, neste apartamento?

— É.

— Não. Você estava na casa dos seus pais.

— Eu tinha ido visitá-los?

— Mais ou menos — Draco disse, tentando evitar o assunto, mas em seguida desistiu. Seria melhor falar tudo de uma vez — Nós tínhamos brigado e você foi para lá.

— Nós brigamos? E por quê?

— Nada em especial — mentiu — Espere só um minuto — falou levantando-se do sofá e indo na direção do quarto.

Passou direto pela cama e abriu uma das portas de cima do armário. Lá de dentro, retirou uma caixa pequena, com a superfície pouco maior do que a de uma folha de papel ofício e uns quatro dedos de altura. Voltando para o sofá, ele a entregou nas mãos de Gina.

— O que é isso? — ela perguntou curiosa.

— São apenas algumas coisas que eu guardei. Coisas suas.

Devagar, Gina retirou a tampa da caixa e colocou-a sobre a mesinha de centro quase como se estivesse com medo do que poderia encontrar ali dentro. A primeira coisa que chamou sua atenção, contudo, era inofensiva o suficiente: com seu suave brilho dourado, a aliança de casamento contrastava com o branco da folha de papel embaixo. Gina a pegou e leu a inscrição no seu interior: “Draco Malfoy, 28/03/2000”, como ele dissera que seria.

— Você falou em Harmony Springs que eu tirei a aliança naquele dia para cozinhar e a esqueci em casa — ela disse vagarosamente, medindo as palavras — Isso é verdade? — perguntou encarando-o nos olhos. Draco queria mentir. Ele realmente queria, mas não conseguiu. Não quando ela o estava fitando daquela forma, com aqueles grandes olhos castanhos tão sinceros penetrando em sua alma. Qualquer mentira seria evidente para ela.

— Não.

— Então o que houve?

— Quando nós brigamos — ele começou desviando seu olhar do dela — você tirou a aliança e a deixou em casa. Você estava com raiva.

— E eu tinha o hábito de fazer isso sempre que nós discutíamos por ‘nada em especial’?

— Não — ele admitiu — Foi a primeira vez que você fez algo do gênero.

— E por quê? — ela perguntou, mas Draco não falou nada. Não mentiu, mas também não teve coragem de contar-lhe a verdade.

Desistindo momentaneamente de arrancar dele uma resposta, Gina pegou outro objeto na caixa e foi logo colocando-o contra a luz e olhando para dentro de sua pequena abertura.

— Eu adoro caleidoscópios! — ela exclamou.

— Eu comprei esse para você — Malfoy sorriu — quando nós ainda éramos namorados.

— Eu gostava de caleidoscópios?

— Você costumava dizer que eles te faziam acreditar que tudo era possível.

— Eles são fascinantes, não é mesmo? — ela também sorriu e colocou o objeto sobre a mesinha de centro, ao lado da aliança, enquanto pegava a folha de papel que estivera por baixo dos dois.

— É a nossa certidão de casamento — disse Draco — Se você ainda tiver alguma dúvida sobre o que eu digo, pode conferir agora — ele tentou brincar, mas ela replicou séria:

— Eu nunca tive dúvida alguma — e passou os olhos pelo documento apenas por curiosidade, colocando-o em seguida ao lado do caleidoscópio — Agora, por que você colocou isso embaixo da folha de papel? — Gina perguntou sorrindo. Draco sentiu seu coração se acelerar.

— Porque eu abria essa caixa sempre e não queria ver isso.

— Por que não? — ela indagou, enquanto pegava um pequeno par de sapatinhos de bebê vermelhos — Eles são uma graça.

— Dói vê-los — Malfoy levantou-se, aproximando-se da lareira de costas para ela.

— Por que eles te fazem lembrar de tudo o que você perdeu?

— Porque eles me fazem lembrar da minha própria estupidez.

— Como assim?

— É melhor se você não entender.

— Quem comprou esses sapatinhos, Draco? — ela perguntou, mas ele não disse nada por algum tempo — Quem os comprou? Você ou eu? — repetiu.

— Eu.

— Você disse que eu estava feliz por estar grávida. Isso é verdade?

— Sim. Você estava exultante.

— E você? — Gina falou, mas ele apenas abaixou a cabeça diante da lareira — Você não estava feliz?

— Não — Draco respondeu finalmente após uma longa pausa, quando ela já estava convencida de que ele não diria mais nada — Não estava — confirmou.

— Então por que você comprou os sapatinhos? — ele não respondeu — Draco, por que você comprou os sapatinhos? — ela também se levantou do sofá, deixando a caixa sobre a mesinha.

— Para me redimir.

— Redimir de quê?

— Eu não quero falar sobre isso, Gina — Malfoy disse me tom decisivo, virando-se para encará-la com a cara fechada.

— Mas eu quero!!!

— Não, você não quer!

— Quero sim!

— Não, não quer! Você quer ouvir como a nossa vida era perfeita, como nós nos amávamos e nunca brigávamos seriamente, como nós éramos muito felizes independente de todos os obstáculos! Você quer um conto-de-fadas! Uma história de amor impossível que deu certo! É isso que você quer ouvir! Você não quer a verdade.

— É claro que eu quero a verdade! A verdade é tudo o que importa e se você tem me contado mentiras a noite toda, então pode tratar de se corrigir e me dizer o que realmente aconteceu! Eu não preciso de um passado cor-de-rosa, mas eu preciso de um passado verdadeiro! — ela disse com raiva, levantando o volume da voz da mesma forma que ele fizera.

— A verdade! — ele soltou uma risada vazia — Ah, a verdade! — e após uma pausa — A verdade, meu amor, é que não existe nada perfeito — ele completou e, apesar do tratamento carinhoso, sua voz soou dura e fria — Nada. Especialmente quando eu estou por perto — concluiu virando para a lareira de novo.

— Eu sei disso. Eu sei que nada nunca é perfeito, Draco, mas...

— Não, você não sabe! — ele olhou para ela com raiva — Você quer a verdade? Pois bem, eu vou te dar a verdade: nós vivíamos como cão e gato! — gritou — Nós éramos tão diferentes e dávamos importância a coisas tão diferentes que brigávamos quase o tempo todo! Brigávamos pelas menores besteiras! Brigávamos no café-da-manhã, no almoço e no jantar. Brigávamos no banho! Brigaríamos até no meio de um beijo, se isso fosse possível! Nós brigávamos e brigávamos e brigávamos!

— Então por que nós não nos separamos de uma vez ao invés de continuar vivendo esse inferno? — ela também gritou.

— Será que você não entende? Não há vida sem você! Metade do tempo nós estávamos nos matando e na outra metade nós estávamos nos beijando. E eu só me sentia realmente vivo quando estava ao seu lado! Não havia nada que nós quiséssemos igual, nada que gostássemos da mesma forma, além de um ao outro. Eu não menti — ele disse mais suavemente — quando disse que na maior parte do tempo nós éramos felizes — passou uma das mãos pelo cabelo nervosamente, tirando-o do lugar — porque, diante das alternativas, nós éramos.

— Que alternativas?

— Viver sem você. A infelicidade total, como eu pude comprovar.

— Por que nós brigamos naquela noite, Draco? — ela perguntou novamente séria.

— Não — ele andou até a janela e voltou para a lareira.

— Por que nós brigamos naquela noite? — seu tom era mais exigente.

— Não! — ele estava andando até a janela de novo.

— Por quê??? — ela gritou.

— Porque você me disse que estava grávida! — ele finalmente perdeu o controle e gritou de volta — Porque eu não queria a merda da criança! Porque a nossa vida já estava um caos sem porra de filho nenhum! Nós não tínhamos dinheiro, eu mal tinha começado a trabalhar no Departamento e era apenas um novato, você dava aulas em uma escola primária, por Deus! Nós tínhamos que lidar com pressão por todos os lados: seus pais, seus irmãos, meus antigos ‘amigos’ e todas as pessoas nesse mundo que me olhavam e ainda olham desconfiadas por causa do meu nome! Eu não agüentava mais! E a última coisa que eu queria era a merda de um filho para piorar a história!!! Mas você estava feliz, ah sim! Como você estava feliz! — ele ironizou — E a verdade que você quer tanto saber é que eu nunca senti tanta raiva de uma pessoa na minha vida!

— Você estava com raiva porque eu estava feliz?

— Claro! Estava com raiva porque você não entendia a situação! Não entendia porque nós não podíamos ter um filho! Você estava eufórica e achava que tudo ia dar certo! Mas acontece que nós não vivemos em um mundo onde tudo dá certo! Se nós vivêssemos, eu não estaria aqui, pobre, e você não teria passado os últimos dez anos longe de mim! — ele ainda gritava — Então eu fiz o que eu faço melhor: estraguei tudo! Nós brigamos, nos agredimos e eu disse que não queria a criança. Eu te acusei de ter engravidado de propósito quando você sabia que não era a hora apropriada apenas porque você queria um bebê! E eu mandei... — Draco parou subitamente, virando para olhar através do vidro da janela, como se as palavras seguintes fossem dolorosas demais para serem ditas.

— Mandou o quê? — Gina perguntou calma.

— Mandei você fazer um aborto — ele respondeu sem gritar, trincando os dentes — Friamente, eu mandei você fazer um aborto.

— E então eu tirei a aliança e fui para a casa dos meus pais?

— Sim — Draco falou sem olhar para ela.

— Eles sabem disso?

— Não. Eles não estavam em casa quando você chegou. Mas Potter sabe — falou, sem mencionar o que o outro lhe dissera no Ministério, quando Malfoy pensara que Gina estava morta.

— E quanto ao sapatinhos? Se você não queria a criança, por que você os comprou?

— Eu já disse: para me redimir — ele apoiou o braço na parede e a cabeça no braço, cansado. Não queria ter tocado nesse assunto. Gostaria de apagar completamente isso da sua memória, mas não podia. E agora, Gina também sabia e ela o odiaria. Pensaria que ele é um monstro e iria embora. Talvez ela estivesse certa. Deus sabe que, quando se lembrava de todas as coisas que ele havia dito naquela noite e que não tivera coragem de repetir ali, Draco também se achava um monstro.

— Quando?

— Quando o quê?

— Quando você os comprou?

— No dia seguinte à briga, de manhã.

— Você mudou de idéia? — ela soou surpresa, mas Malfoy apenas soltou outra gargalhada vazia.

— Você foi embora — ele disse — Jogou sua aliança para cima de mim, disse que não voltaria mais e bateu a porta com tanta força na saída que provavelmente acordou o prédio inteiro. E eu fiquei sozinho — continuou, triste — Sozinho neste apartamento. Estava com raiva... furioso, na realidade. Mas estava sozinho.

— E daí?

— E daí que você faz falta, Weasley. Eu me lembro de ter sentado no chão, depois de me acalmar, com as costas apoiadas na parede do quarto, pensando no que eu faria da minha vida sem você e nenhuma das respostas pareceu acolhedora. Uma noite longe de você, meu amor, era mais do que suficiente para me convencer de que eu estava errado e você, certa. Eu sabia, em alguma parte da minha consciência, que eu tinha passado dos limites, que eu sugeri algo que nunca deveria ser sugerido e sabia que aquelas palavras soaram como veneno aos seus ouvidos. Eu não tinha idéia se você me perdoaria.

— Então você comprou os sapatinhos para amolecer meu coração?

— Sim. Eu fui te buscar, mas não queria chegar lá de mãos abanando.

— E você mudou de idéia sobre a criança assim, da noite para o dia?

— Por Deus, não! Eu ainda não queria a criança, mas você queria e eu queria você — e após uma pausa — Eu ouvi dizerem uma vez que é o amor pela mulher que faz o homem gostar dos filhos.

— Isso não é verdade.

— No meu caso, pelo menos, era. Mas quando eu cheguei na casa dos seus pais, não encontrei você. Encontrei apenas um triângulo pintado na porta e uma casa revirada. E então, meu pesadelo começou. Foi tudo minha culpa. Minha somente. E eu tenho carregado esta culpa por mais tempo do que achei que seria humanamente possível — ele completou olhando-a com as costas apoiadas na parede — Então, você está satisfeita com a verdade agora?

— Estou — Gina respondeu calmamente.

— Era o que você esperava?

— Sim e não.

— Você não preferiria ficar com o conto-de-fadas cor-de-rosa? — Draco perguntou com um leve toque de ironia na voz.

— Não, e por um motivo muito simples, meu querido: esse amor cor-de-rosa seria irreal, seria impossível e eu prefiro ficar com o amor possível.

— O que diabos isso quer dizer? — ele sentiu seu coração se acelerar involuntariamente.

— Quer dizer que eu sei que as coisas não poderiam ser perfeitas entre nós. Eu passei os últimos anos vivendo o que aparentemente era um amor cor-de-rosa e eu aprendi o suficiente sobre ele para saber que ele não é o que eu quero. Que ele não existe. Por que você acha que eu estou aqui em Londres com você e não em Harmony Springs com o John? Por que você acha que eu terminei o meu noivado com ele antes mesmo de ser atacada na minha casa? Porque ele não é o que eu quero — ela mesma respondeu — Ele é doce e carinhoso e ele me ama. Eu sei disso. E muitas vezes eu desejei amá-lo, porque, se eu amasse, tudo seria perfeito. Mas o meu desejo nunca foi concedido. Eu sempre quis algo a mais.

— Algo como o quê? — ele a encarava diretamente, sem sequer ousar piscar. Estava tendo dificuldades em acreditar nos seus próprios ouvidos.

— Algo como o que você me descreveu — Gina falou suavemente — Eu não quero um amor que seja morno, Draco — e após uma pausa — John e eu raramente brigávamos. Nós tínhamos amigos em comum e interesses em comum. Nós pensávamos da mesma forma. Não tínhamos grandes desentendimentos. Beirávamos a perfeição. Mas nós também não tínhamos paixão. Na minha opinião, impossível era aquele amor, que já tinha tudo o que queria, que já nasceu calmo e velho. Eu sempre soube que havia mais para mim do que isso. Sempre soube que em algum lugar eu encontraria uma pessoa que eu pudesse amar. Amar de verdade, sentindo uma necessidade quase física de tê-la por perto, sentindo ciúmes e raiva, amando e odiando ao mesmo tempo. Alguém que me fizesse sentir viva, porque, como você, Draco, eu também estive morta nesses últimos dez anos. E, para mim, o que você descreveu é o amor possível, é o amor perfeito. E é este o amor que eu quero. É este o amor que eu escolho — Gina completou, se aproximando dele, que continuava perto da janela.

— Como você pode me amar? Como você pode me escolher depois de tudo o que eu te disse, depois de tudo o que eu fiz?... — Malfoy sussurrou sem esconder a surpresa na sua voz.

— Eu não sei — ela respondeu, cruzando a última distância que ainda os separava com alguns pequenos passos e apoiando sua testa no peito de Draco — Eu só sei que eu amo. E, se nós nos amamos, então, para que perder tempo com dúvidas ou medos ou com desentendimentos pequenos e passados? Por que não perdoar e recomeçar? Afinal de contas — Gina continuou, levantando o rosto para olhar dentro aqueles profundos olhos cinzentos — a vida é curta demais.

— Eu te amo tanto! — Draco exclamou subitamente de forma sofrida, dolorida, enquanto apoiava sua testa na dela e a enlaçava pela cintura sem parar para pensar. Esperara uma eternidade por aquele momento e agora não parecia querer desperdiçar nem mais um segundo.

— Eu sei. Estava escrito nos seus olhos quando você me encontrou, quando você me abraçou...

— Diga que me ama também...

— Eu te amo também.

— Diga de novo — Malfoy fechou os olhos, custando a acreditar.

— Eu te amo, Draco — ela repetiu levando suas mãos ao rosto dele, acariciando-o suavemente.

— De novo — ele pediu, segurando-a com mais força, como se quisesse ter certeza de que ela era real e possível, de que ela estava ali e não era apenas mais um produto da sua imaginação, do seu desejo.

— Eu te amo — ela sorriu e, sem dar chance para que ele falasse qualquer coisa a mais, levantou-se nas pontas dos pés e o beijou suavemente — Me ame, Draco, eu preciso que você me ame — Gina murmurou, separando por um instante seus lábios dos deles.

— Eu não acredito que você disse isso — Malfoy respondeu, incrédulo, como uma criança que acabou de ouvir aquilo que mais queria — Eu te amo tanto — repetiu apenas um segundo antes de beijá-la novamente.

Por fim, deixou-se perder naquele ato. Ela estava ali. Ela era dele. E isto era tudo o que sua mente consciente conseguia articular conforme o beijo progredia, varrendo como só ele mesmo era capaz todos os pensamentos racionais da cabeça de Draco.

Ela estava ali. Ela era dele. E só isto já era mais que suficiente.



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