Através De Um Caleidoscópio

Através De Um Caleidoscópio



Capítulo 11: Através De Um Caleidoscópio



“Dois irão nascer... separados pelo mundo inteiro,

falando idiomas diferentes... e nenhum terá idéia

da existência do outro... nem se preocuparão.

E estes mesmos dois,

Por mares desconhecidos, terras ignotas, se cruzarão,

Escapando ao naufrágio, desafiando a morte

E, em plena inconsciência,

Modelam cada ato, voltam cada passo errante

Para este único final...

De que um dia, fora da escuridão,

Eles devam encontrar-se e ver,

Nos olhos um do outro, o verdadeiro sentido da Vida.”

(Rosseti)



— Ela era nada para mim, você acredita? — Draco perguntou em voz baixa para Matt. Seu tom era quieto, suave, triste, quase reverente.

— Acredito — o outro respondeu também sem levantar a voz — Você nunca me contou como se apaixonou por ela.

— Ah, essa é uma história muito boa — Malfoy respondeu com uma risada vazia — Muito boa.

— Então me conte.

— Contar como eu me apaixonei por ela?!... Eu gostaria... mas a verdade é que eu mesmo não sei.

— Você não sabe? — o outro soava incrédulo.

— Não. Como eu disse: ela era nada para mim. Apenas mais uma Weasley com cabelos odiosamente vermelhos, irmãos intragáveis e amigos sangue-ruins. Eu acho que a única coisa que eu via quando olhava para ela eram sardas.

— Mas deve ter tido algum momento em que isso mudou... algum gesto, alguma palavra...

— Houve vários momentos, vários gestos, várias palavras (a maioria delas não muito agradável). Você pergunta se houve um instante, contudo, em que tudo isto se juntou para fazer com que eu me apaixonasse. Eu não sei. É impossível saber porque, uma vez apaixonado, eu me sentia como se sempre tivesse sido apaixonado por ela. E eu não conseguia mais entender como antes eu via somente um monte de sardas iguais quando cada uma delas era, na realidade, única — Draco concluiu no mesmo tom reverente. Depois de uma longa pausa, entretanto, continuou: — Mas eu me lembro do momento exato em que eu percebi que já a amava.

— E quando foi isso?

— Perto do Natal no meu último ano em Hogwarts. O mundo estava uma bagunça e eu andava calmamente pelo Beco Diagonal procurando um presente para a minha mãe. Foi quando eu parei diante da vitrine de uma loja de antigüidades e vi um caleidoscópio.

— Um caleidoscópio? — Matt interrompeu surpreso.

— Sim — o outro não conseguiu esconder o sorriso nostálgico — Gina adorava caleidoscópios. Ela tinha ganho um dos seus pais no Natal quando era criança e tinha ficado fascinada com as cores, as figuras. Pouco depois, um dos irmãos dela acabou quebrando o caleidoscópio, mas ela me disse que foi o melhor presente que ela ganhou, porque olhar num caleidoscópio e ver as imagens sempre diferentes, sempre surpreendentes que a luz formava nos espelhos sem mágica nenhuma a fizera acreditar que qualquer coisa no mundo era possível. Eu me lembro de ter olhado para aquele caleidoscópio na vitrine e sorrido, pensando nela... Foi quando eu percebi que a amava.

— Por causa do caleidoscópio? — Matt perguntou ainda sem entender.

— Você esperava algo mais arrebatador, não?

— Bom, é que...

— Eu sei. Mas a questão não era o caleidoscópio. A questão é que eu o vi e imediatamente quis comprá-lo para ela, porque eu sabia que Gina ficaria feliz com isso. Há muitos motivos pelos quais uma pessoa pode dar um presente a outra: pode ser por pura obrigação, pode ser por interesse, para conseguir algo mais adiante, pode ser por auto-promoção. Como bom Malfoy, eu conhecia todos estes motivos, mas nunca, antes daquele momento, eu sentira a vontade, a compulsão quase, de dar um presente a alguém simplesmente para fazer este alguém feliz. Sem segundas intenções. Foi quando eu percebi que estava perdido.

— E você voltou então para Hogwarts e declarou seu amor imortal a ela?

— De jeito nenhum — Malfoy soltou outra risada vazia — Mas você sabe o que dizem: o primeiro passo para se resolver um problema é reconhecer a sua existência.

— Então você chegou à conclusão de que Gina Weasley era um problema na sua vida?

— Sim... e ao mesmo tempo, não.

— Por que não?

— Porque de certa forma eu sempre soube que ela não era o problema. Ela é a minha solução. Ou melhor: todas as minhas soluções são ela. — Draco completou pensativo, fitando incansavelmente os olhos fechados de Virgínia Malfoy na sua frente, esperando e esperando que eles se abrissem de novo...





— Draco? — Emily não pôde esconder o estranhamento em sua voz ao deparar-se exatamente com o homem que ocupara a maior parte de seus pensamentos durante toda a manhã no segundo andar da sua casa, parado no alto da escada.

— Surpresa em me ver? — ele perguntou de volta, vagarosamente, estreitando um pouco os olhos e inclinando a cabeça de leve.

— Bom... claro que sim. Quer dizer... depois de ontem, eu não pensei que... que você... Por que você está aqui? — ela cruzou os braços tentando se proteger da súbita brisa fria que passou pelo corredor.

— Eu estava preocupado com você.

— Preocupado comigo?

— Sim — ele respondeu dando um passo na direção dela — Eu não deveria ter te deixado sozinha.

— Por que não? — Emily indagou, enquanto Draco aproximava-se cada vez mais, passo ante passo até estar diante dela. De alguma forma, aquilo não estava certo.

— Não é óbvio? — ele disse, levantando a mão para tocar suavemente com os dedos o rosto de Emily. De certo modo, ela esperava sentir a mesma coisa que sentira na noite anterior, quando ele a beijara, mas não foi isso que aconteceu. Draco tinha nos olhos um brilho predador que não estivera ali antes e, inconscientemente, Emily sentiu um calafrio percorrer sua espinha.

— Não, não é — ela respondeu, abaixando a cabeça e dando um passo para trás.

— Eu te amo — ele falou — Você é a minha mulher. Por acaso, isso não é razão suficiente? — completou, franzindo as sobrancelhas e dando mais um passo para frente.

De novo, Emily recuou. Pela primeira vez desde que encontrara aquele estranho de olhos cinzentos, ela estava com medo, como se realmente ele fosse capaz de machucá-la. Aquilo não estava certo.

— Draco, eu acho que... — ela começou, tentando se afastar o máximo possível dele, mas o outro a interrompeu quase que imediatamente colocando uma mecha de seu cabelo ruivo atrás da sua orelha. O toque foi leve e delicado, como se ela fosse uma boneca de porcelana e, ainda assim, outro calafrio percorreu sua espinha. Aquilo estava realmente ficando assustador — Eu acho que você deveria voltar uma outra hora — ela falou, juntando coragem

— Por quê? Você está esperando visitas? — ele perguntou devagar, como se estivesse medindo cada palavra.

— Na realidade, estou — Emily mentiu — A Camila... Você se lembra dela? Bom, ela vem almoçar comigo e...

— Bem, neste caso — Draco a interrompeu inclinando a cabeça na direção dos seus lábios — nós teremos que nos apressar — concluiu com um sorriso igualmente predador na boca, enquanto percorria os últimos centímetros para beijá-la.

Sem saída, Emily deu outro passo para trás e, no instante seguinte, sentiu-se escorregar.

Ela não sabia que a escada da sua casa era tão alta. Tentou se agarrar no corrimão, no tapete, no próprio ar ao seu redor, mas não conseguiu. Tudo aconteceu tão rápido! Em um instante, ela estava tentando se esquivar do homem por quem ela supostamente estava apaixonada e, no seguinte, estava caída no chão ao pé da escada, atordoada. Bateu a cabeça com força e sua visão ficou temporariamente permeada por manchas escuras. O braço que ela usara para tentar diminuir um pouco o impacto doía de forma profunda. Provavelmente estava quebrado. De tudo, entretanto, o mais assustador era a figura dele descendo vagarosamente os degraus na direção dela.

Draco não estava correndo, não estava preocupado. Ele descia calmamente, como se nada tivesse acontecido — ou pior — como se o tombo em si se encaixasse perfeitamente nos seus planos.

Emily sabia que não podia ficar ali, parada, esperando como uma presa em uma armadilha. Ela precisava fazer alguma coisa.

Tentou se levantar, apoiando dolorosamente o braço no chão, mas, no momento em que se ergueu alguns centímetros, uma dor lancinante na sua cabeça a fez voltar. Estava desesperada. Apoiou novamente o braço para tentar de novo, fechando os olhos com força e trincando os dentes, mas, antes que pudesse se levantar, a sombra dele apareceu aos seus pés, alta e imponente.

Emily abriu os olhos somente para encontrar os dele — cinzas, frios, calmos — fitando-a com um sorriso divertido no meio do rosto.

— Não, não, minha querida. Você vai ficar exatamente onde está — Draco falou, andando ao redor dela até encontrar seu braço machucado. Sem cerimônias, ele pisou sobre o membro com força, deixando as marcas do seu sapato marrom na pele alva e pálida da mulher.

A dor foi quase insuportável.

Emily se contorceu no chão, deixando escapar um grito abafado. Lágrimas escorriam pelo seu rosto. Ela não queria que ele visse o quão ferida ela estava. Queria manter a mente lúcida, tentar encontrar uma saída dali, mas era difícil. Era quase impossível, na realidade, com a dor aguda na cabeça e no braço, sem falar na dor difusa que parecia permear todo o seu corpo e na confusão causada por aquela figura, outrora tão tranqüilizadora, agora ameaçando-a.

Sem dar tempo para que ela pudesse esboçar qualquer reação, Draco inclinou-se sobre ela, seu nariz quase tocando no de Emily, seus olhos absolutamente assustadores. Aqueles não eram os mesmos olhos que a fitaram com tanto amor, com tanta saudade no dia anterior. Não podiam ser.

— O que foi? — ele perguntou parecendo adivinhar os pensamentos dela, sem abandonar o tom de voz suave — Surpresa com a minha visita? Não esperava que eu fizesse algo deste tipo, querida? — completou, estreitando um pouco os olhos. Quando não recebeu uma resposta, contudo, toda a sua falsa delicadeza sumiu — Responda! — ele quase gritou, puxando a cabeça dela pelos cabelos sem qualquer suavidade — Quando eu fizer uma pergunta, é para você responder, entendeu bem?!

— Não! — Emily finalmente gritou de volta — Eu não esperava!

— Sim... — o tom suave estava de volta — Eu deveria ter imaginado, não é mesmo, minha querida? Você se esqueceu também de mim, não? Dos meus lábios, dos meus beijos, das minhas carícias?... — Draco perguntou, deslizando vagarosamente uma das mãos pelo pescoço dela, pelos seios dela, de forma insinuante, enquanto a outra a mantinha firmemente presa pelos cabelos.

Emily se sentiu enojada. Ela gritou na esperança vaga de que alguém pudesse ouvir, e tentou se soltar, mexendo as pernas e virando a cabeça, mas tudo o que conseguiu foi que ele a segurasse com ainda mais força e a olhasse com ainda mais ódio e trouxesse a outra mão que repousara antes sobre os seus seios para envolvê-la pelo pescoço, pressionando. Em pouco tempo, Emily desistiu de qualquer luta que não fosse a luta por oxigênio. Quando ela sentiu que estava prestes a desmaiar, contudo, ele a soltou, com um brilho vitorioso no olhar.

— É realmente uma pena, minha querida, que nós tenhamos tão pouco tempo juntos — ele disse num tom aveludado, enquanto usava uma de suas mãos para pegar algo no bolso da sua calça. A outra ainda a segurava pelo cabelo — Nós nos divertimos tanto da última vez... — completou com um sorriso odioso no rosto, revelando finalmente o que estivera procurando: um canivete do tipo que Emily já estava acostumada a ver aparecendo em filmes de gangues americanos. Seus olhos se arregalaram brevemente e ela, mais do que nunca, teve certeza de que precisava sair dali, de que precisava escapar.

Draco abriu o canivete usando o peso de seu corpo para impedir que ela se movesse. Emily tentou se debater, tentou empurrá-lo, mas, com apenas um dos braços, era difícil. A proximidade dele fazia com que ela se sentisse suja. E o tempo todo, ele sorria, como se estivesse se divertindo com as suas patéticas tentativas de resistência.

Quando já estava praticamente convencida de que era inútil lutar, de que seria ali, no chão da sua própria casa, que ela acabaria por perecer, Emily ouviu o que pareceu ser o barulho de algo sendo derrubado na cozinha. Os olhos subitamente temerosos de Draco lhe disseram que ele não esperava por aquilo e, juntando as forças que ainda lhe restavam, ela gritou:

— Aqui! Socorr... — mas antes que pudesse terminar, ele havia tapado sua boca com a mão que antes segurara sua cabeça pelos cabelos e, num movimento rápido e preciso, a cortou.





A cena que se descortinava na sua frente parecia o produto de uma inteligência dolorosamente irônica. Draco prendeu a respiração, incapaz de processar por alguns milésimos de segundo o que estava acontecendo. Antes daquilo, ele achara que seus pesadelos eram particularmente imaginativos. Depois, contudo, percebeu que a realidade muitas vezes apresenta a capacidade de nos surpreender de forma incisiva, implacável e assustadora. Seu coração praticamente parou de bater quando a imagem que se formava finalmente pareceu penetrar no seu cérebro. Ele viu o vermelho dos cabelos dela esparramados no chão. Viu sua pele pálida maculada pelas sardas. E viu a si mesmo — seu próprio corpo, suas próprias mãos — ferindo-a, machucando-a.

O instante que Draco demorou para entender o que estava acontecendo, contudo, foi suficiente para que o seu duplo também o visse. Rapidamente, ele havia se levantado e, em seguida, saiu correndo pelo outro lado. Desta vez, Draco não hesitou.

Todos os seus instintos lhe diziam para correr atrás do homem. Cada músculo do seu corpo ansiava por finalmente pegá-lo, por finalmente tê-lo ao alcance das mãos, de onde ele não poderia escapar.

Draco o perseguiu, então. Saiu correndo com a varinha em punho, pulando o corpo de Gina no chão, com apenas um objetivo em mente. Não estava enxergando mais nada ao seu redor. Pensava apenas em capturar o desgraçado que lhe causara tanto sofrimento. Ao passar por ela, contudo, ouviu sua voz baixa, fraca chamando-o:

— Draco... — Gina murmurou e, involuntariamente, ele se virou para ela. Foi aí, definitivamente, que seu coração parou de vez.

— Meu Deus! — Malfoy exclamou, seus olhos se arregalando, sua pele ficando ainda mais pálida do que o usual. Esquecendo a perseguição, ele ajoelhou-se ao lado dela, desesperado. Antes de que pudesse fazer qualquer coisa, entretanto, Matt apareceu, correndo também, pela porta da cozinha.

— O que houve? — ele perguntou esbaforido, como se tivesse corrido desde Londres.

— Ele foi por ali — Draco respondeu sem realmente prestar atenção no outro. Seus olhos estavam completamente voltados para Gina.

— Mas o que...?

— Ele foi por ali, merda! — gritou, virando-se para o outro por um breve instante — E ele se parece comigo! Anda logo! — acrescentou. Obedientemente, Matt saiu atrás do homem. Draco sabia que as chances de apanhá-lo eram pequenas, mas, no momento, não poderia se importar menos. Sua mente estava completamente absorvida pela mulher deitada na sua frente.

— Você precisa chamar uma ambulância — ela sussurrou fracamente. Malfoy parecia perdido em um devaneio temporário. Não podia acreditar nos seus olhos — Draco! — Gina exclamou, chamando sua atenção — Me dê a sua mão — ela pediu e, em seguida, colocou-a onde a dela havia estado anteriormente, sobre sua perna — Você precisa fazer pressão. E precisa chamar uma ambulância...

Finalmente, Malfoy pareceu acordar. Gina estava sangrando. E estava sangrando muito.

— Meu Deus! — ele exclamou, aplicando pressão firmemente onde ela indicara. Precisava levá-la para um hospital bruxo. Mas como? Estava a quilômetros de distância do povoado bruxo mais próximo, sem nenhum meio de transporte mágico. Não tinha pó-de-flu. Não tinha uma vassoura. Gina não se lembrava como aparatar. E, se ela não chegasse a um hospital logo...

— O telefone! — Gina exclamou ainda fracamente e, sem outra opção que parecesse melhor, Draco apontou a varinha para o aparelho e murmurou “accio”. No instante seguinte, estava fazendo a ligação para a emergência.

— Eu acho... que ele... cortou a minha... artéria... femoral... — foi a última coisa que ela disse antes de começar a desmaiar.

— NÃO! — Draco gritou, obrigando-a a abrir os olhos novamente — Fique acordada, okay? Não durma!

— Mas é difícil... Meus olhos estão tão pesados... — Gina murmurou. Estava pálida. Sua pele tinha uma aparência pegajosa e seu pulso estava rápido e fraco. Draco sabia que a situação era crítica. Vasculhou sua mente, tentando se lembrar de algum feitiço que pudesse ser útil, que pudesse estancar o sangramento, mas a verdade é que ele nunca se preocupara em aprender feitiços de cura. Nunca viu graça nem utilidade neles. Os feitiços para ferir eram normalmente mais divertidos. E agora, ele estava prestes a pagar caro por sua negligência.

Malfoy podia sentir a vida se esvaindo aos poucos do corpo da mulher que ele amava mais que tudo e não havia nada a se fazer. Nada além de assistir e esperar.





Pareceu demorar uma eternidade até que ele pudesse ouvir o som estridente da sirene se aproximando. Ele não se mexeu. Ficou parado, como uma estátua, praticamente prendendo a respiração, até que a porta da casa foi aberta sem cerimônias.

Draco não respirou aliviado. Todo o seu ser era contra entregar a sua Gina nas mãos daqueles açougueiros trouxas, mas que opção ele tinha? Os paramédicos chegaram primeiro e logo em seguida, antes que ela estivesse na ambulância, chegou o delegado com outro oficial. Os dois tentaram parar Draco, perguntar o que estava acontecendo, mas ele não prestou atenção. Na hora, Matt apareceu, voltando para a casa também, de mãos vazias, e Malfoy apenas virou para o policial e disse, apontando para O’Brien:

— Ele vai te explicar o que houve — e, depois, entrou na ambulância com ela. Mesmo se tivessem tentado, os paramédicos não teriam conseguido impedi-lo.

Os minutos que se seguiram foram, sem dúvida alguma, os mais assustadores da vida de Draco Malfoy. Ele viu a sua Gina deitada em uma maca, com agulhas espetadas na sua veia, vários fios a conectando a aparelhos diferentes, que apitavam insistentemente e os dois paramédicos, tanto o que dirigia quanto o que estava viajando na parte de trás, nervosos, com caras preocupadas.

O veículo se movia rapidamente. Não havia trânsito e ainda assim, o hospital parecia nunca chegar. Acima de tudo, contudo, o mais assustador era a sensação de impotência. Não havia nada que ele pudesse fazer além de assistir. Sem saber o que pensar, Draco pegou uma das mãos da Gina entre as suas e a levou delicadamente aos lábios. Ela ainda estava pálida. Fechando os olhos, Malfoy fez um pedido, uma prece silenciosa para um Deus no qual ele sequer acreditava. Ela não podia morrer. Não ali, não daquele jeito, não quando ele estivera tão próximo.

De certa forma, Draco se sentia como um homem que estivera perdido no deserto durante muito tempo e que finalmente encontrara um oásis, apenas para descobrir em seguida que tudo não passara de uma miragem. Era terrível estar assim: tão perto e ao mesmo tempo a quilômetros de distância.

O que aconteceu depois apenas serviu para fazê-lo acordar de seu devaneio: o barulho dos apitos constante que inundava a ambulância subitamente parou. Draco abriu os olhos de imediato, apenas para ver o paramédico gritar algo para o motorista e, sem cerimônias, dar um soco no peito exposto de Gina. Malfoy fez menção de dizer algo, mas, sem sequer prestar atenção no meio protesto dele, o paramédico continuou, dessa vez, juntando suas mãos sobre o peito dela e pressionando a intervalos regulares. Ele trabalhava rapidamente, freneticamente, enquanto gritava para o motorista ir mais rápido. Eles precisavam chegar ao hospital logo. Parou apenas um instante para injetar alguma droga na veia de Gina e, em seguida, retomou sua posição anterior.

Finalmente, Draco entendeu o que estava acontecendo. Finalmente ele compreendeu o que significava aquele barulho intermitente. Finalmente, pareceu penetrar no seu cérebro o que o homem estava tentando fazer.

Branco, perplexo, desesperado e em choque, Malfoy não sabia o que pensar. Ele deixou-se encostar na ambulância com os olhos arregalados e fixos, sem nunca soltar a mão de Gina, tentando bloquear da sua mente o que estava vendo, tentando fingir que aquilo não estava acontecendo.

Quando, uma eternidade inteira depois, a ambulância chegou ao hospital, o coração de Gina ainda não havia voltado a bater. E o de Draco estava prestes a parar com o dela.





O relógio marcava três e meia da tarde exatamente. A sala era clara, com plantas nos cantos, que deveriam servir para alegrar o ambiente, mas que, na realidade, serviam apenas para destacar ainda mais o quão surreal era a situação. Havia sofás de estofado preto e uma mesa de centro baixa. Na frente, ficava o balcão, com algumas enfermeiras indo e vindo, médicos sempre passando.

Draco estava sentado, cansado, com a cabeça entre as mãos, esperando. Afinal, era para isso que aquela sala servia, não é mesmo? Ele se sentia como um réu, aguardando enquanto o júri deliberava e sabia que, a qualquer momento, um médico passaria por aquelas portas com o veredicto sobre a sua vida.

Era culpa dele. Disto, Malfoy tinha certeza. Ele nunca deveria ter ido contra seus instintos básicos. Nunca deveria ter tentado ser nobre. Deveria tê-la arrastado para Londres de qualquer jeito, sem pedir permissão, sem se importar com a felicidade dela. Deveria saber que ela nunca poderia ser feliz longe dele. Nunca deveria tê-la deixado sozinha, à mercê de um louco, dando chance ao azar.

Mas agora, obviamente, era tarde demais. Como sempre, ele chegara tarde demais; ele a deixara sozinha para enfrentar o pior, como da primeira vez, e isto não estava certo. Ele não era seu marido? Não era a sua função protegê-la? Era. E ele falhara mais uma vez.

Havia outras pessoas na sala de espera. Ele podia senti-las ao seu redor. Aquela amiga dela cujo nome Draco não lembrava estava lá. E o noivo de Gina também. Malfoy tentou ignorá-lo. Tentou fingir que não o havia percebido ali, que as pessoas não se dirigiam a ele como se ele fosse o marido. Não era hora de se preocupar com algo tão pequeno, tão mesquinho. Mas ainda assim, Draco se preocupava. Aquilo não deveria estar acontecendo.

Um segundo depois que este pensamento cruzou sua mente, um médico entrou na sala de espera, com o cenho franzido e um olhar interrogativo. As pessoas — incluindo Draco — se levantaram imediatamente e se viraram para ele, mas o médico gesticulou de forma tranqüilizadora e, olhando para o noivo dela, disse:

— Não se preocupe, John. Ela vai ficar bem.

Malfoy mal acreditou nos seus próprios ouvidos. Ele estava feliz demais até para se importar pelo médico ter dado a notícia ao outro e não a ele, que era, afinal de contas, o marido. Naquele momento, só encontrou forças para se sentir deveras aliviado.

— Eu posso vê-la? — ele perguntou no instante seguinte, atraindo os olhares curiosos da maioria das pessoas na sala. Apenas John abaixou a cabeça e pôs as mãos nos bolsos, no que pareceu uma atitude resignada.

— E quem é você? — o médico perguntou como quem não está entendendo nada.

— Eu sou o marido dela — Draco respondeu, no seu tom arrogante e altivo. Se teve um momento no qual ele agradeceu pela educação que seus pais lhe deram, foi aquele. Todos o olharam como se ele fosse um extraterrestre, surpresos, boquiabertos, mas ele não se importou e continuou lá, com o nariz erguido, como se tivesse dito a coisa mais natural do mundo e os outros é que estivessem errados em se surpreender.

— O marido dela?! — o médico perguntou, ecoando a estranheza geral.

— Sim, o marido. Será que eu posso vê-la agora? — repetiu, mas o médico não respondeu de imediato. Apenas alternou olhares interrogativos entre ele e John, esperando que alguém fosse explicar o que estava acontecendo. Ninguém mais ousou dizer coisa alguma.

— Ele está dizendo a verdade, Paul — John falou finalmente, logo quando Malfoy havia começado a se preparar para explodir — É melhor você deixá-lo entrar. Emily vai querer vê-lo quando acordar — acrescentou em um tom de voz que era ao mesmo tempo cadavérico e resignado. Em seguida, sem esperar por uma resposta, saiu da sala, como se não agüentasse mais suportar todos aqueles olhares dirigidos a ele.

— E então? — Malfoy perguntou impacientemente ao médico, ignorando o que se passara — Você vai me deixar vê-la ou eu vou ter que vasculhar todas as salas desta merda de hospital?

— Claro — o outro respondeu com uma voz distante, como quem ainda não foi realmente atingido por tudo o que havia acontecido — Venha comigo…

Draco o seguiu por um corredor comprido e branco, passando por algumas portas fechadas. No início, não disse nada, mas, por fim, não agüentou ficar calado. Precisava perguntar:

— Ela vai ficar bem mesmo?

— Sim.

— Com certeza?

— Sim, com certeza, senhor…

— Malfoy.

— Ela vai ficar bem, Sr. Malfoy. Chegou ao hospital a tempo.

— Mas o coração dela…

— Voltou a bater, não se preocupe.

— Ela está acordada?

— Não. Ainda não. Mas deve acordar ainda hoje, provavelmente à noite.

— E quando ela vai poder ir embora?

— Bom, isso eu não sei… Vamos esperá-la acordar e ver como ela está, okay?

— Mas você disse que ela vai ficar bem! Então, o que há para esperar?

— Ela vai ficar bem, mas nós precisamos esperar para ver quanto tempo vai levar para se recuperar, okay? Não se preocupe.

— Isso realmente não é possível — Draco respondeu friamente. O que aquele homem queria? A sua mulher quase morrera e ele teoricamente não deveria se preocupar? “Que porra de marido não se preocuparia?”, pensou indignado.

— Aqui estamos — o médico havia parado em frente a um quarto, que possuía uma grande janela de vidro. A persiana estava aberta, então era possível vislumbrar bem, na penumbra, o corpo da mulher deitada na cama — Você pode entrar.

Malfoy não respondeu. Não agradeceu. Não disse nada. Apenas abriu a porta, entrou e fechou-a em seguida, sem dar chance para que o outro o seguisse. Aproximou-se, então, vagarosamente dela. Sua Gina dormia com o semblante tranqüilo, como uma criança. Parecia fraca. E pálida. As sardas se destacavam horrivelmente no se rosto e seu cabelo parecia mais vermelho do que nunca. Ainda estava ligada a vários aparelhos e ainda havia uma agulha enfiada no seu braço. Ela estava viva. Draco nunca a vira mais bela.

Puxou uma cadeira para perto da cama e se sentou, colocando sua mão sobre a de Gina. Era assim que elas deveriam estar: sempre juntas, sempre entrelaçadas. Depois, deixou-se ficar lá, observando-a, velando seu sono até perder a noção do tempo.

Foi interrompido somente quando Matt chegou ao hospital. Ele bateu de leve na porta, fazendo com que Draco se virasse sobressaltado, apenas para descobrir no instante seguinte que era seu amigo.

— O médico disse que ela vai ficar bem — O’Brien falou em voz baixa.

— Vai. Mas ainda está dormindo.

— Quem bom! — o outro exclamou, se aproximando.

— Você ficou com o delegado até agora?

— Sim. Nós não encontramos nada. Nenhuma pista.

— Por que será que eu não estou surpreso?

— Draco…

— Não, Matt. Não me venha com esse tom condescendente. A culpa disso tudo é minha.

— É claro que não é!

— É claro que é! Dumbledore tentou me avisar. Ele me disse para cuidar dela… Talvez eu devesse ter ouvido mais atentamente.

— Dumbledore disse isso? — o outro pareceu subitamente preocupado.

— Disse.

— Mas você não sabia… Não havia como saber.

— Eu não deveria tê-la deixado sozinha. Será que você não entende?

— Eu entendo, mas…

— Você chegou a ver o assassino?

— Não. Ele fugiu…

— Você sabe como ele estava?

— Como assim como ele estava?

— Ele estava igual a mim!

— Igual a você?

— Igual a mim! Será que você não entende? Ele esteve perto o suficiente de mim para pegar uma parte minha e fazer poção polissuco! Ele está perto de mim!

— Meu Deus! — Matt exclamou surpreso.

— Está entendendo agora? Está entendendo por que isso é tão perigoso?

— Estou.

— Eu não posso deixá-la sozinha. Não posso deixá-la sozinha nem por um segundo — Draco disse, virando-se novamente para Gina. O’Brien fez silêncio por um tempo, enquanto procurava uma cadeira para se sentar também. Depois de uma longa pausa, contudo, Malfoy finalmente falou, mais como se estivesse falando alto consigo mesmo do que com o outro:

— Ela era nada para mim, você acredita? — Draco perguntou em voz baixa para Matt. Seu tom era quieto, suave, triste, quase reverente…





O sol já se preparava para se pôr no horizonte e Draco ainda estava na mesma posição, à beira da cama de Gina, segurando incansavelmente sua mão. Matt estava no quarto também, quieto há bastante tempo. Malfoy sabia que havia muito a ser dito, mas não se sentia forte o suficiente para falar naquele momento. Estava satisfeito simplesmente em saber que ela ficaria bem. Que tudo ficaria bem por ora.

Qual não foi a sua surpresa, então, e o seu extremo desagrado ao ver através do vidro aquelas duas cabeças tão conhecidas, mas absolutamente inesperadas.

— Mas que merda! — ele não conseguiu evitar de exclamar, surpreendendo Matt, que saiu logo do seu devaneio particular.

— O que...

— Olha só quem veio nos fazer uma visita... — O’Brien se virou apenas a tempo de ver a porta se abrindo sem muita gentileza para revelar as caras não menos surpresas de Ronald Weasley e Hermione Granger.

— O que vocês estão fazendo aqui? — Malfoy perguntou friamente.

— Eu poderia te fazer a mesma pergunta, não? — Weasley respondeu rápido, olhando na direção da cama como que buscando a confirmação de que era realmente sua irmã que estava ali — Meu Deus! — ele exclamou, se aproximando — Ela está mesmo viva... — havia um tom de alívio claro na sua voz. Por um instante, Draco não pôde deixar de imaginar se ele não havia menosprezado demais o efeito que a perda de Gina causou na família dela. Em seguida, contudo, mudou de idéia. Ninguém nunca poderia sentir mais falta dela do que ele.

— Surpreso com o fato de que, no final das contas, fui eu quem a encontrou e não você? — ele perguntou venenosamente.

— Ah, Mal...

— Vocês realmente acham que essa é a melhor hora para brigar? Até onde eu posso ver, a Gina ainda está na cama de um hospital. Será que nós não podemos ser temporariamente civilizados uns com os outros? — Granger perguntou, interrompendo. Malfoy não respondeu. Apenas deixou-se encostar de novo na cadeira, relaxando. Aquele era o seu lugar e ninguém o tiraria dali.

— Como vocês me encontraram? — perguntou, por fim.

— Nós estávamos te vigiando — Weasley respondeu sem a mínima vergonha na cara.

— O quê?

— Não era bem assim... — Granger tentou contemporizar.

— Como assim não era bem assim? Ou vocês estavam me vigiando ou vocês não estavam!

— Nós estávamos.

— Mas era para o seu próprio bem.

— Para o meu próprio bem? — Draco perguntou indignado, arrancando uma risada seca de Matt — Para o meu próprio bem?!

— Quando nós instalamos o telefone no seu apartamento, nós... bem... instalamos alguns outros dispositivos mágicos...

— Como é que é? — ele se levantou da cadeira.

— Não era nada demais. Era só para monitorar quem aparatava na sua casa e para onde... E para onde você aparatava também. Nós achamos que o assassino poderia voltar e que essa era uma boa maneira de pegá-lo.

— Correção, Mione: você achou isso. Eu estava mais preocupado em descobrir qual era a sua ligação com o assassino.

— Weasley...

— Ah, nem me venha com essa, Malfoy... Tudo bem que você encontrou minha irmã, mas você há de convir que seu comportamento nos últimos tempos dá margem para suspeita!

— O que tem de errado com o meu comportamento nos últimos tempos?

— O quê? Você ainda tem coragem de perguntar? Bem, vejamos, você anda faltando o trabalho sem dizer o que está fazendo ou para onde está indo. Mesmo quando aparece, você está desleixado e não presta atenção...

— Isso é motivo para me demitir, não para me vigiar!

— Ah, nós sabemos e, acredite, é exatamente isso que o seu chefe prometeu fazer quando foi hoje de manhã no seu escritório e ninguém sabia onde você estava. Na realidade, se eu não me engano, as palavras exatas dele foram: “se aquele desgraçado do Malfoy não arrastar a bunda dele até o meu escritório amanhã para se explicar, eu vou tomar medidas pessoalmente para que ele nunca mais ponha os pés nesse prédio!”. Legal, não?

— E como é quem vocês sabem o que ele falou?

— Nós sabemos porque fomos nós que levamos ele até lá para verificar como você vinha agindo de forma estranha ultimamente na esperança de que, com isso, ele nos desse autorização para uma vigilância mais cerrada sobre você. E adivinhe o que aconteceu? Ele nos deu. Por isso, estamos aqui.

— Ah, realmente — Malfoy falou por entre os dentes. Mal conseguia se conter tamanha a raiva que estava sentindo — Vocês só levaram seis horas para vir de Londres até a Escócia. Realmente se eu tivesse propósitos malignos em mente, vocês chegariam exatamente a tempo de me impedir!

— Nem todos nós somos malucos o suficiente igual a você e ao seu amigo para aparatar de Londres até aqui! Aliás, Matt, me admira você, se mancomunando com alguém como ele para fazer uma loucura dessas...

— Era uma emergência — O’Brien respondeu — Se você estivesse lá, teria feito a mesma coisa.

— Por que era uma emergência? — Granger perguntou, interrompendo os dois num tom mais calmo.

— Porque Gina estava em perigo — Draco respondeu.

— Então você já sabia onde ela estava?!

— Eu a encontrei somente há alguns dias atrás.

— E não falou nada para ninguém???

— A situação é complicada.

— Complicada por quê?! Ela é minha irmã! Você não achou que nós fôssemos estar nem um pouquinho interessados em saber que ela estava viva?

— Ela não se lembra de nós — Draco falou cansado — Ela não se lembra de nada.

— Feitiço da memória? — Granger perguntou.

— Eu achei que sim, mas Dumbledore disse que não. Ele falou que é apenas amnésia.

— Dumbledore sabe? — Weasley estava surpreso.

— Eu precisava levá-la até alguém que pudesse saber se era um feitiço mesmo ou não, né? Você tinha outra sugestão melhor?

— E porque ela não se lembra de nós, ela não quis ir nos ver?

— Mais ou menos. Nós ainda estávamos discutindo o assunto — Draco mentiu.

— Você disse que ela estava em perigo — Granger voltou ao assunto.

— E ainda está.

— Por quê?

— Porque o ritual ainda não está completo.

— Você sabe do ritual?

— Vocês sabem do ritual?

— Sabemos — Granger respondeu.

— Vocês sabiam e não me falaram nada?

— Nós não tínhamos certeza...

— Você tem idéia de que, se eu soubesse disso antes, eu não teria deixado ela sozinha e isso tudo seria evitado?

— Malfoy...

— Não! Eu estava achando que a culpa era minha, mas não é! A culpa é de vocês que não me falaram nada.

— Nós não confiamos em você — Weasley falou simplesmente.

— Nem eu em vocês.

— Com licença — Matt interrompeu — isso é tudo muito interessante, mas será que eu sou a única pessoa por aqui que não sabe do que vocês estão falando?

— Nós não podemos contar...

— O diabo que eu não posso contar! Quem tem que obedecer a regras de sigilo são vocês, não eu!

— Mas, Malfoy, é perigoso...

— Cala a boca, Granger! Vocês não me falaram nada quando deviam e olha no que deu! Pois agora eu vou falar sim para quem eu quiser!

— Você é um imbecil, Malfoy!

— Jura? Pois eu posso pensar em nomes bem mais interessantes para você, Weasley...

— Não, Rony! — Hermione exclamou, colocando-se na frente do marido que já ia avançando na direção do outro — Não é o lugar para brigas — e virando-se para Malfoy — Quando o médico disse que ela vai acordar?

— Ele não tem certeza. Talvez amanhã à tarde — Draco mentiu.

— Está bem. Nós estaremos de volta amanhã. Vamos, Rony.

— Não se esqueça do que o seu chefe falou, Malfoy. Se você não estiver em Londres amanhã...

— Eu estou demitido. Acredite, Weasley, ao contrário de você, eu normalmente entendo o que as pessoas dizem na primeira tentativa.

Granger arrastou o marido para o lado de fora e somente quando os dois já estavam bem longe dos seus olhos e dos seus ouvidos, Draco deixou escapar uma respiração aliviada.

— E então? — Matt perguntou — Vai me dizer que raio de ritual é esse ou eu vou ter que ir pesquisar na biblioteca?

— “A morte da alma” — Malfoy respondeu, fechando os olhos — Eu não sei todos os detalhes sobre ele. Só sei o que eu meu pai me falou, há bastante tempo atrás. Havia um livro na Mansão que o descrevia. O livro queimou no incêndio, infelizmente.

— Qual é o objetivo desse ritual?

— Trazer uma pessoa de volta à vida.

— Mas isso não é possível! — O’Brien parecia genuinamente surpreso.

— Sim, é. Eles nos fazem acreditar que não é, mas na realidade, tudo é possível.

— É magia negra?

— Você ainda precisa perguntar? É magia negra sim. A mais negra possível. Do tipo que não é praticada há séculos.

— Como o seu pai sabia dela?

— Você se lembra da primeira vez que Voldemorte tentou matar Potter? Quando ele sumiu?

— Lembro.

— Lembra-se dos bruxos que foram presos e mandados para Azkaban por terem torturado os Longbottom?

— Lembro.

— Eles estavam procurando Voldemorte. Achavam que ele ainda estava vivo, mas, ao mesmo tempo, tinham um plano de reserva.

— Esse ritual?

— Exatamente. Se eles descobrissem que Voldemorte estava realmente morto, eles iriam tentá-lo.

— Por que não tentaram logo de uma vez?

— Porque ele só funciona quando a pessoa está realmente morta e porque ele é muito difícil, cheio de detalhes.

— Que detalhes?

— Como eu disse, eu não conheço todos. Só alguns que o meu pai me falou.

— E...?

— Ele disse que, para trazer à vida uma pessoa, você precisa sacrificar as vidas de outras quatro.

— As quatro mulheres.

— Ele não falou nada sobre elas precisarem ser mulheres... Só que tinham que ser quatro. Mas não bastava matá-las, entende?

— Como assim?

— Havia todo um ritual antes. O ritual para roubar, para “matar a alma” delas.

— Você acha que esse ritual foi feito na Gina?

— Eu acho que sim. Senão, ele não teria simplesmente tentado matá-la hoje. Provavelmente iria querer seqüestrá-la de novo.

— Será que é por isso que ela não se lembra?

— Eu não sei.

— Isso ainda não faz sentido... Ele poderia simplesmente tê-la matado com um movimento de varinha...

— Não, ele não poderia. Para funcionar, as pessoas sacrificadas têm que sangrar até a morte. Simplesmente morrer não adianta.

— Meu Deus!

— Sim. É por isso que ela está em perigo. Em muito perigo.

— É realmente melhor você não sair de perto dela.

— Eu não vou sair.

— Mas você não vai para Londres?

— Eu não posso.

— Mas você precisa.

— Matt...

— Não, Draco. Eu sei que você está pensando que isso não tem importância e talvez hoje não tenha mesmo, mas amanhã, vai ter.

— E o que você sugere que eu faça? Leve ela comigo?

— Eu fico com ela para você.

— Não, Matt...

— Não se preocupe. Você sabe que eu cuidaria dela como se ela fosse minha mulher.

— Eu sei.

— Então vá.

— Está bem. Mas eu vou ficar até ela acordar.

— Claro que sim — e após uma pausa — Eu vou ver se o delegado descobriu alguma coisa. Volto mais tarde, okay?

— Okay — Draco respondeu e, em seguida, ficou sozinho para, novamente, fitar os olhos fechados dela, ainda esperando que eles se abrissem.





— Você está aqui... — Draco despertou subitamente com o leve som de um sussurro. Gina tinha acordado. O sol já havia se posto.

— Estou — ele se endireitou novamente na cadeira — Como você está se sentindo?

— Melhor agora...

— Gina — o outro começou, preocupado — antes, na sua casa... não era eu... não...

— Você quer dizer que não foi você quem me salvou? — ela perguntou, com um meio sorriso.

— Não, antes disso... você sabe...

— Eu sei. Não poderia ser você — ela fechou os olhos por um momento — Eu te liguei hoje, sabia?

— Ligou? Quando?

— Um pouco antes...

— Por quê?

— Eu queria... — ela hesitou — Eu não sei. Acho que queria pedir para você voltar.

— Eu estou aqui agora — Draco respondeu, inclinando-se na direção dela enquanto sentia seu coração se acelerar.

— Eu sei... Obrigada.

— Você realmente não precisa agradecer, Gina. Se você... — ele hesitou — Se eu não chegasse a tempo... eu morreria junto com você.

— Não diga isso...

— Mas é verdade. Eu estive morto nos últimos dez anos.

— Eu também — Gina murmurou de volta. E, após uma pausa: — Fica comigo esta noite? — ela pediu com seus grandes olhos castanhos brilhando no escuro. Draco hesitou por um momento. Ele abriu a boca com a intenção de explicar que precisava ir a Londres... Ela entenderia se ele explicasse. Com certeza, entenderia. Mas como ele poderia dizer não àquele pedido?

Malfoy apenas a encarou. O que ele faria? Diria que não, que precisava ir embora? Diria que sim, que claro que sim, que ficaria com ela naquela noite? E ele ficou lá, por um instante, olhando-a, sabendo que na realidade não tinha escolha.

— Claro — respondeu por fim — Fico por todas as noites, se você pedir.

— Então talvez eu peça — Gina respondeu, fechando os olhos.

Draco mal acreditou nos seus ouvidos. Ele sabia que era ela que precisava de cuidado e de consolo. Que era ela que quase havia morrido naquele dia, mas não conseguiu se importar. Sem pedir permissão, aproximou-se mais da cama e deitou sua cabeça no colo de Gina. Inconscientemente, ela levou uma das mãos até os cabelos dele e começou a acariciá-los de leve.

Subitamente, Draco não conseguiu se lembrar porque estivera tão preocupado há tão pouco tempo atrás. Não conseguiu encontrar absolutamente nada de errado no mundo. A sua mulher estava viva. Ele estava no colo dela. E todo o resto não importava. Todo o resto se resolveria com o tempo, contanto que eles estivessem juntos.

— Me promete uma coisa? — Gina perguntou, interrompendo o silêncio que reinava no quarto.

— Claro.

— Promete que nunca mais vai me deixar sozinha?

— Prometo — e riu — Na realidade, eu não tenho escolha — ele respondeu — porque não há vida sem você.

“Não há vida sem você”, Draco repetiu mentalmente, sabendo ao mesmo tempo que esta era a maior verdade que já dissera.

— E você, Gina, me promete outra coisa?

— O quê?

— Promete que não vai morrer antes de mim.

— Está bem — ela respondeu com um sorriso — Eu vou tentar.




Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.