tao perto e tao longe

tao perto e tao longe



"era previsto q eu colocasse 2 cap por dia mais eu me impouguei e decidi colocar quase todos
-------------Capítulo 9: Tão perto, tão longe



Emily observava as faixas brancas no chão da estrada com olhos distraídos. O carro movia-se em velocidade quase que constante pela rodovia praticamente deserta. Eles estavam indo para o oeste. Ao seu lado, o homem que acabara de virar sua vida de pernas para o ar dirigia em silêncio. Seu olhar estava preso no horizonte, seus braços estavam rígidos no volante. Há quase duas horas ele estava naquela posição, sem dizer nada. Emily tinha milhares de perguntas na cabeça, mas ela sabia que, apesar da aparência impassível dele, Draco também estava com a cabeça tão cheia quanto ela.

“Draco”, Emily repetiu mentalmente. O nome soava estranho na sua voz. Como um nome inventado. Ela não teria dado nada por ele. Eram os olhos cinzentos que a perseguiam. Era o toque suave que provocava calafrios — bons calafrios — na sua espinha. Era o conjunto de tudo que lhe era extremamente familiar. Ela não se lembrava dele, mas sentia como se o tivesse conhecido desde o princípio dos tempos. E ainda assim, ele era um estranho. Era um mistério. Mas um mistério que talvez pudesse fazer a vida inteira dela entrar nos eixos.

Não fazia ainda dois dias desde que ele a encontrara. E desde aquele momento, ela fora obrigada a questionar cada aspecto da sua existência. Depois do abraço na rua, ele a soltara e, diante da pergunta evidente no seu rosto, explicara que a conhecia, que sabia quem ela era. Os três — Camila os seguiu — foram para a casa de Emily, onde o delegado estava esperando. Pouco depois, John chegou — aparentemente o policial o chamara — e os cinco discutiram alguns detalhes sobre quem ela era e como ela tinha desaparecido. “Virgínia Malfoy”, Emily repetiu por sua vez. Outro nome que soava estranho. Ela descobrira várias coisas interessantes sobre si mesma: descobrira que era uma professora de primário, que tinha pais vivos e seis irmãos, que era casada e não tinha filhos. Quando ouviu isso, ela não precisou de mais explicações para saber quem era seu marido. Bastou olhar nos olhos perturbados do loiro à sua frente. John, entretanto, recebeu um forte baque. Como esperado, aquilo não estava sendo fácil para ele.

— Mas como isso é possível? — o médico perguntara perplexo — Você não estava usando uma aliança de casamento quando foi encontrada.

— Isso é verdade — Emily virou-se para Draco um pouco intrigada. Devagar, o investigador retirou a sua própria aliança do dedo e a fez deslizar pela mesa de centro até estar diante dela.

— Olhe a inscrição — ele falou — Você tinha tirado o seu anel do dedo no dia em que desapareceu para cozinhar e o esqueceu em casa — Draco completou e de alguma forma que ia além da sua compreensão, Emily soube no momento em que ele disse as palavras que elas não eram verdade. Ele estava mentindo para ela, mas talvez tivesse um bom motivo para isso.

Sem tirar os olhos de Draco, então, ela estendeu a mão e pegou a aliança:

— “Gina Weasley, 28/03/2000” — leu em voz alta.

— Gina é o seu apelido e Weasley, o seu nome de solteira. A sua aliança está guardada e ela traz gravado: “Draco Malfoy, 28/03/2000”: o meu nome e a data do nosso casamento — ele admitiu por fim diante de três pares de olhos espantados — A certidão também está em Londres se vocês quiserem vê-la.

— Eu acredito em você — ela respondeu simplesmente e por um instante pensou ver o olhar dele se iluminar brevemente.

— Emily, você não acha melhor... — John começou ainda chocado.

— Ele está falando a verdade. Eu sei disso.

— Você se lembra?

— Não, mas eu sei.

— Quanto a sua amnésia — Draco interrompeu — Eu conheço alguém que talvez possa ajudar.

— Alguém? — Camila intrometeu-se — Nós já levamos Emily a vários médicos...

— Vocês não a levaram nesse — Malfoy lançou na direção dela um olhar gélido.

— Quem é ele? — Emily perguntou.

— Se você não se importa, Gina, há certas coisas que eu me sentiria mais confortável discutindo em particular.

— Está bem — ela respondeu — Camila, Delegado... — os dois se levantaram meio a contragosto, claramente desconfiados do estranho.

— Me liga depois — a médica sussurrou no ouvido dela enquanto a abraçava.

— Pode deixar.

Logo que os dois saíram, Emily se virou para seu noivo que assistira à cena impassível:

— John... — ela começou, mas ele a interrompeu quando reconheceu aquele tom de voz.

— Emily, você não pode estar falando sério. Você mal o conhece! — ao ouvir isso, Draco levantou-se da cadeira e ela notou que ele estava prestes a explodir. Algo lhe dizia que aquilo era algo que ela deveria evitar.

— John, venha comigo — Emily falou rápido, puxando-o pela mão para fora da sala.

— Você mal o conhece! — ele repetiu quando os dois saíram da sala.

— Está tudo bem.

— Não, não está. Como você sabe que ele está falando a verdade? O que te garante que ele não é o maluco que te seqüestrou em primeiro lugar?

— John, meu querido, eu sei que ele não vai me machucar. Eu sei!

— Como? Como você sabe?

— Eu simplesmente sei. Agora não é hora de nós brigarmos. Será que não dá para você imaginar o quão isso deve ser difícil para ele? Ele perdeu a mulher há dez anos e agora que a encontrou de novo, ela está noiva de outro!

— Isso se ele estiver falando a verdade.

— Ele está. Por favor, vai ficar tudo bem. Apenas nos deixe a sós um pouco — ela pediu por fim e John sabia que seria inútil se recusar a ir.

— Eu vou estar no carro do lado de fora caso você precise de alguma coisa — ele respondeu antes de se inclinar para lhe dar um beijo leve sobre os lábios e sair pela porta.

Emily ainda ficou ali por mais alguns segundos para tentar se recompor, mas acabou chegando à conclusão de que isso não era possível. Voltou, então, para a sala, onde encontrou Malfoy de pé, com uma das mãos apoiadas na lareira. Ele era um homem bonito, não havia como negar. Mas tinha um ar duro ao seu redor. Não dava a impressão de ser uma pessoa amigável ou sequer sociável, e ainda assim ela não conseguia sentir medo dele.

— Então, que médico é esse que você mencionou?

— Ele não é um médico — Draco respondeu.

— E é o quê?

— Você nunca se perguntou por que coisas estranhas acontecem ao seu redor, Gina? — ele finalmente havia virado para encará-la.

— Coisas estranhas? Que tipo de coisas estranhas?

— Objetos explodindo quando você está com raiva, ou se movendo sem explicação, portas batendo ou qualquer acontecimento do gênero? — ele não parecia ter entendido a surpresa dela.

— Eu nunca fiz nada assim — Emily o encarou começando a achar que aquilo era brincadeira.

— Nunca? — Draco parecia genuinamente surpreso agora.

— Nunca — ela respondeu com firmeza.

— Bem — ele estava confuso — talvez tenha alguma coisa a ver com o feitiço da memória... — falou mais para si mesmo.

— Feitiço? Do que é que você está falando, Draco?

— Eu não conheço uma maneira mais delicada de te contar isso: você é uma bruxa, Gina.

— Uma o quê???

— Uma bruxa. Isso foi uma das coisas que você esqueceu.

— Eu sou uma bruxa? — ela obviamente não estava acreditando naquilo — Se isso é algum tipo de brincadeira...

— Não é! Olhe — e ele retirou o que parecia ser um graveto de madeira polido e reto do bolso — Isso é uma varinha.

— Uma varinha de condão? Você não acha que eu estou um pouco velha para ser a Cinderela, não?

Sem prestar atenção no último comentário dela, Malfoy apontou o pedaço de madeira para a aliança que ainda estava sobre a mesa e disse:

— Accio aliança! — em um instante, o anel veio voando na direção dele e parou apenas na sua mão. Emily parecia impressionada, mas não necessariamente convencida.

— Eu já vi mágicos fazendo truques parecidos...

— Isso não é um truque! — ele exclamou furioso, apontando a varinha agora para a lareira: — Incendio! — e um fogo se acendeu. Assustada, Emily deu alguns passos para trás, mas ele apontou agora para a cadeira. Mais algumas palavras e a poltrona saiu do lugar em que estava e foi na direção dela, fazendo-a cair sentada — Lumos! — e a ponta da varinha começou a emitir luz — Nox! — e a luz se apagou — Vingardium Leviosa — um vaso sobre o aparador começou a flutuar. Em seguida, Draco o deixou cair e quando ela já estava pronta para reclamar, ele completou: — Reparo! — e todos os cacos da porcelana se juntaram novamente formando o vaso em seu lugar original.

— Meu Deus — foi tudo o que Emily conseguiu exclamar.

— Eu sei que isso é um choque, mas...

— Um choque? Um choque? Eu não tenho nem mais certeza se eu estou sonhando ou acordada! Eu sabia que assistir a Arquivo-X demais me daria pesadelos em algum momento!

— Escute, Gina — e ele se ajoelhou diante dela, encarando-a com aqueles grandes olhos cinzentos — Eu entendo o seu ceticismo e, acredite, eu teria prazer em ficar aqui fazendo feitiços a noite toda se fosse preciso, mas...

— Eu não sei se isso seria suficiente!

— A vida toda, então. Deus sabe que eu não me importaria, mas nós não temos tanto tempo assim — e, após uma pausa: — Olhe, existe um feitiço chamado Feitiço da Memória. Eu acho que foi o que usaram em você para provocar sua amnésia.

— Um feitiço?

— Sim, um feitiço. E talvez ele possa ser revertido.

— E eu poderia me lembrar de tudo?

— Sim! Poderia lembrar quem fez isso com você e poderia se lembrar de mim — ele completou segurando gentilmente as mãos dela.

— E esse... esse homem que você mencionou...

— É um bruxo. Ele deve saber o que nós devemos fazer com você.

— Eu quero me lembrar — Emily falou sinceramente.

— E você não tem idéia do quanto eu quero... do quanto eu preciso de que você se lembre — Draco respondeu, abaixando a cabeça para plantar um beijo longo e suava nas mãos dela — Venha comigo, Gina — ele murmurou sem levantar — por favor.

— Eu vou — Emily respondeu simplesmente. De alguma forma ela sabia que não poderia viver comigo mesma se não tentasse. Ela confiava naquele homem mais do que em qualquer pessoa e mal o conhecia! Precisava descobrir de onde vinha tanta confiança.

— Ótimo — ele respondeu como se um grande peso tivesse sido tirado dos seus ombros — Eu venho te buscar amanhã...

— Amanhã? É melhor não.

— Por que não? — ele arregalou os olhos.

— Eu preciso de pelo menos um dia aqui antes de viajar. Tenho coisas para organizar — e após uma pausa — A minha família... Meus pais, meus irmãos... Você me leva para vê-los depois que nós encontrarmos o tal bruxo?

— Levo — Malfoy respondeu contrariado — Depois de amanhã, então?

— Depois de amanhã está bem — ela respondeu e, em seguida, um silêncio incômodo de abateu sobre os dois.

— O seu noivo ainda está do lado de fora, não está? — Draco perguntou por fim, algum tempo depois.

— Como você...?

— Eu o vi saindo e entrando no carro pela janela da sala. Mas não ouvi o barulho do automóvel se afastando.

— Ele está preocupado comigo... ele... — Emily começou, tentando se desculpar.

— Está tudo bem — Malfoy a interrompeu — Eu não poderia nunca esperar que você passasse dez anos aqui sem arrebatar nenhum coração. No lugar dele, eu estaria fazendo exatamente a mesma coisa — completou, mas bastou olhar uma vez nos olhos dele para que ela soubesse que nada estava bem, para ela ver como aquilo doía nele mais que tudo.

— Draco — Emily começou, sentindo-se culpada sem nem saber por quê... Como ela poderia ter adivinhado que era casada? “Mas eu sabia”, ela mesma se contradisse, “Uma parte minha sempre soube”.

— Não se preocupe — ele a interrompeu — Eu tenho que ir — completou se levantando de uma vez, como se tivesse medo de desistir se demorasse mais — Eu venho depois de amanhã cedo. Por volta das sete horas. Está bem?

— Sim.

— O bruxo que nós vamos ver primeiro deve estar aqui na Escócia mesmo e depois nós seguiremos para a casa dos seus pais.

— Onde eles moram?

— Na Inglaterra também — Draco respondeu já se dirigindo para a porta. Emily fez menção de se levantar, mas ele a impediu — Eu já conheço o caminho. Não precisa se preocupar. Até depois de amanhã — completou, virando-se e saindo, indo embora da mesma forma que chegara: abruptamente.

Ela ainda ficou sentada naquela cadeira algum tempo, pensando em tudo o que acabara de acontecer. Mal percebeu quando John entrou de novo e só notou sua presença porque ele perguntou surpreso:

— Você acendeu a lareira, Emily? Em pleno verão?

— Hã? — ela realmente não estava prestando atenção.

— A lareira está acesa. E a cadeira, vocês a mudaram de lugar. Alguma razão em particular?

— Não — respondeu ainda distraída.

— Emily, está tudo bem?

— Está.

— Você vai com ele, não vai?

— Vou.

— Para onde?

— Ver o br... médico que ele indicou e depois conhecer minha família.

— Vai quando?

— Depois de amanhã.

— Você e ele?

— Sim, John.

— Tudo bem. Eu sempre soube que isso ia acabar acontecendo um dia — ele falou amargurado — Vou estar na minha casa caso você precise de alguma coisa, mas acho que você tem muito na sua cabeça agora, não é mesmo?

— John, não faça isso... — ela pediu — Não fale desse jeito.

— Tchau, Emily. A gente se vê quando você voltar — e ele também saiu pela porta sem esperar. Ela, por sua vez, deu um suspiro cansado e subiu para o quarto. Deitou na cama, mas não dormiu. Ficou fitando o teto, tentando descobrir o que aconteceria na sua vida dali para frente. Um pouco depois, o telefone tocou, mas ela não atendeu. Era Camila. Provavelmente ela ligaria para o John para saber se estava tudo bem, então Emily não se preocupou. Falaria com a outra no dia seguinte.

Quando amanheceu, Emily ainda estava na cama, com os olhos abertos. Não conseguira dormir nenhum minuto. Desejara tantas vezes que algo assim acontecesse, que alguém do seu passado pudesse vir e finalmente responder a todas a essas perguntas na sua cabeça que agora que finalmente tinha acontecido, perguntas eram o que não faltava.

Por fim, quando o despertador tocou, ela se levantou, tomou banho, se arrumou, comeu alguma coisa e saiu para o trabalho. No hospital, foi procurar a sua chefe para explicar o que tinha acontecido e pedir para tirar alguns dias das suas férias antecipadamente. Ela estava guardando as férias para a lua-de-mel, mas uma semana a menos não faria tanta diferença. Durante o dia inteiro, não encontrou nem falou com John. Queria se despedir dele, mas, por outro lado, não sabia o que dizer, então também não o procurou. Perto do fim do expediente, contudo, ela encontrou Camila e as duas saíram para jantar como haviam planejado fazer no dia anterior.

— Eu falei com John — a outra dissera — Ele está arrasado.

— E eu estou uma pilha de nervos! Ou será que você está esquecendo que fui eu quem descobriu que é casada?!

— Eu não estou esquecendo nada. Nem ele. Mas é que, bem, ele acha que você não vai voltar.

— O quê?

— Pense bem, Emily, é uma idéia válida. Você vai descobrir toda uma nova vida. Talvez você não queira voltar para essa.

— Nem tinha pensado nisso.

— Pois ele pensou e por isso está tão arrasado.

— Bom, e o que eu posso fazer? Deixar de ir não é uma opção!

— Eu não sei, Emily. Realmente não sei.

— Camila — a outra começou, querendo fazer a pergunta que estava em seus lábios desde o abraço na tarde anterior — Seria possível que eu tivesse alguma memória residual ou seletiva, sei lá?

— Memória residual ou seletiva?

— É! Você me explicou que a amnésia de algumas pessoas funciona de forma seletiva. Por exemplo: elas se lembram da rua onde moram, mas não do número da casa. Esse poderia ser o meu caso?

— Por que você acha isso? Você se lembra dele?

— Não. Não exatamente, mas é como se eu lembrasse, como se eu soubesse... mesmo antes dele aparecer! Você sabe disso. Nós estávamos conversando sobre o assunto ontem mesmo na consulta!

— Não. Ontem nós estávamos conversando sobre o seu homem misterioso.

— Exatamente!

— E você não acha que está apenas usando esse investigador para preencher a lacuna do seu “homem misterioso”? Como você pode amar alguém que você mal conhece?

— Mas eu o conhecia. Eu me casei com ele.

— Você não. Gina Weasley se casou com ele. E mesmo assim, isso não é garantia de que ela o amava — e após uma pausa: — Emily, eu estou realmente preocupada com você.

— Eu estou bem!

— Não, não está. Apenas me prometa uma coisa.

— O quê?

— Tenha cuidado. Não se deixe levar tão facilmente, minha amiga, pelo que pode muito bem se uma ilusão. Tenha certeza antes de decidir qualquer coisa. Promete?

— Prometo — a outra respondeu. E depois disso, Camila se acalmou.

As duas conversaram bastante sobre coisas sem importância até tarde. Quando chegou em casa, Emily ainda teve que arrumar suas malas e colocar o despertador para tocar mais cedo. Quando deitou ba cama, contudo, não conseguiu dormir de novo. Ficou acordada vendo as horas passarem até o relógio tocar dizendo que era hora de levantar. Ela tomou um banho e comeu umas torradas. Pontualmente às sete horas, contudo, sua campainha soou. Ele chegara.

E então Emily estava agora sentada no carro ao seu lado, com milhares de perguntas para fazer, mas sem o ânimo para fazê-las. Por fim, o movimento constante e a monotonia da estrada somados às duas noites não dormidas acabaram embalando o seu sono e, como uma criança relutante, ela adormeceu com a cabeça apoiada no vidro do carro.





A estrada se estendia à sua frente. Mais alguns quilômetros de jornada silenciosa e Draco começaria a se perguntar se aquela não seria uma estrada sem fim como a sua busca, como a sua vida. Gina adormecera há alguns minutos atrás. “É melhor desse jeito”, ele pensou. Ao menos, não teria que ficar mais tempo sob o olhar dela, observando-o, medindo-o. Aquele olhar tão familiar e ao mesmo tempo tão estranho. Finalmente, ela estava ali, ao alcance do toque, viva, mas ainda assim, ele sentia como se ela estivesse a milhas de distância.

Quando descobrira que ela estava bem e com amnésia, Draco pensara apenas em como a falta de memória explicava o fato de que ela não o procurara por dez anos. A única coisa que ele sentiu foi uma imensa felicidade por ela não ter morrido. Ele não sabia, contudo, que seria assim tão difícil. Tudo o que queria era tocá-la, beijá-la, amá-la, como não fazia há tanto tempo; mas como poderia se ela sequer se lembrava dele? Não se lembrava dos encontros às escondidas, das brigas com seus irmãos, do casamento, do pequeno apartamento que ela adorava, dos planos para o futuro, de nada. E, para completar, ela estava noiva de outro. Ele não queria nem começar a pensar nisso. Estava dirigindo e seria extremamente perigoso, visto que estava começando a quebrar tudo o que via pela frente cada vez que pensava naquele homem que ousara pôr as mãos na sua Gina.

Depois de falar com ela duas noites atrás, Draco saíra de sua casa abruptamente porque se ficasse mais alguns instantes, não se responsabilizaria por seus atos. Ele batera a porta e entrara no carro, mas não viera embora imediatamente. Ficara lá, sentado, observando enquanto o noivo dela saía para encontrá-la. Era uma tortura ficar lá, parado, imaginando o que os dois poderiam estar fazendo do lado de dentro, mas Draco não conseguira evitar. Só conseguira virar a chave do carro para partir quando, para seu imenso alívio, vira o outro batendo a porta da casa também, entrando no seu automóvel e indo embora.

Quando chegara em Londres, de madrugada, encontrara o seu apartamento no estado deplorável de antes, mas com uma diferença: a mesa que estivera virada no chão estava agora de pé e, sobre ela, havia um bilhete. Temendo por um minuto que fosse o homem do telefone, Draco estendeu a mão para pegá-lo, mas soltou um suspiro aliviado ao perceber que o nome na assinatura era Hermione Granger:

“Malfoy,

viemos procurar você e obviamente não te encontramos.

Pelo visto, a parede se chocou com outras coisas na sua sala além do telefone. Eu teria consertado, mas não sou sua empregada. Trouxemos, contudo, um aparelho de telefone novo, com um identificador de chamadas. A companhia telefônica já autorizou o serviço. Quando o homem ligar de novo, basta anotar o número que aparecer no visor e depois discar para o número que eu deixei preso no telefone, se identificar como um investigador do governo — dê o código do seu distintivo trouxa — e pedir o endereço do local que possui o telefone do homem.

Veja se dá um jeito na sua casa,

Hermione Granger.”

Draco não sabia se ficava com mais raiva por aqueles dois terem entrado na sua casa sem permissão, por terem ousado comprar a droga do telefone para ele sem avisar ou por ter sido repreendido por uma maldita sangue-ruim. Ele quase começou a quebrar tudo de novo, mas, reconhecendo a inutilidade disso, resolveu pelo menos consertar o que já estava quebrado. Afinal de contas, ele ainda era um Malfoy e não podia viver daquele jeito.

Após alguns feitiços, o apartamento estava em ordem de novo e Draco se ocupou em deixar-se cair na cama — vestido mesmo. Estava exausto.

No dia seguinte, foi para o escritório e passou a maior parte do tempo tentando localizar Dumbledore. Ele tinha imaginado que, tão perto do início das aulas como eles estavam, conseguiria encontrar o diretor em Hogwarts, mas enganara-se. Aparentemente, ninguém sabia onde ele estava. Draco quase entrou em desespero, mas no fim, recrutando Eames para ajudá-lo, ele conseguiu o que queria. Enviou uma carta a Dumbledore explicando o que ocorrera e a resposta veio logo, marcando um encontro para o dia seguinte na escola. Por mais que tivesse sentimentos conflitantes em relação ao velho, Malfoy tinha que admitir que ele era inegavelmente o maior bruxo vivo e Gina precisava do melhor.

Um pouco mais tranqüilo, Draco foi para casa, mas praticamente não dormiu. Se queria estar em Harmony Springs às sete da manhã, precisaria sair de casa de madrugada. Já estava ficando acostumado com aquela jornada até a Escócia e, dessa vez, não errou — nem achou que errou — o caminho. Apertou a campainha pontualmente tentando empurrar para o fundo dos seus pensamentos o medo de que ela tivesse mudado de idéia ou pior: de que tudo não tivesse passado de um sonho acre-doce.

Para o seu alívio, contudo, ela abriu a porta tão linda como sempre e disse que precisava apenas pegar as malas. Draco a seguiu e, sendo cavaleiro pelo menos uma vez na vida, ele pegou e colocou as duas bolsas não muito grandes no carro.

E agora estava dirigindo já há umas três horas sem falar nada. Havia tantas coisas que ele queria dizer a ela! Tantas coisas que precisavam ser ditas! Mas ele não sabia por onde começar. Agora que ela estava ali, ele não sabia o que fazer, então optou por não fazer nada. Com sorte, Dumbledore poderia ajudá-los e tudo ficaria bem.

Um pouco depois — uma hora, talvez mais — Draco viu o que estava procurando. Não poderia chegar em Hogwarts de carro, é claro, então o diretor mandara uma das carruagens sem cavalos da escola para encontrá-los um pouco antes de Hogsmeade. Malfoy estacionou o carro em uma reentrância da estrada e, não querendo acordar Gina, pegou-a no colo e a carregou. Sentou-se na carruagem ainda segurando-a. Tê-la assim, tão perto, era inebriante e Draco não resistiu.

Contemplando sua forma adormecida, ele passou a mão de leve pelos cabelos de Gina, pelas bochechas, pelo nariz cheio de sardas, pelos lábios vermelhos. Desceu um pouco a mão, passando pelo pescoço e indo descansar sobre os seios dela. Não havia malícia naquele toque. Malfoy estava apenas observando cada detalhe, cada nuance e comparando com o que ele se lembrava. Era a mesma Gina! Talvez de perto ele conseguisse notar pequenas diferenças por causa da idade, mas isso não tinha importância. Por fim, sem conseguir se controlar mais, ele fez o que estava querendo fazer há tempos: inclinou-se e uniu seus lábios aos dela levemente.

Gina não acordou. Ela apenas se mexeu um pouco e se aconchegou melhor ao peito de Draco, apoiando a cabeça no ombro dele. Malfoy também não tentou beijá-la de novo. Contentou-se por ora em tê-la em seus braços, perto do seu coração.

A carruagem continuava no seu ritmo cadenciado e, após uns vinte minutos de marcha, eles se aproximaram da entrada da escola. Relutante em acordar Gina — ele estava por demais confortável naquela posição — Malfoy saiu com ela ainda no colo e entrou no saguão carregando-a. As grandes portas fecharam às suas costas e Draco notou que Dumbledore ainda não estava ali. Gentilmente, ele colocou Gina sentada nas escadas apoiando-a e a acordou.

— O quê? Nós já chegamos? — ela perguntou assustada.

— Sim, nós já chegamos. Está tudo bem.

— É aqui que o bruxo mora? — Gina indagou, se levantando. Parecia curiosa.

— Ele é diretor dessa escola, então sim, ele mora aqui durante boa parte do ano.

— É um castelo?

— Sim, Virgínia, é um castelo — a voz de Dumbledore se fez ouvir suave e acolhedora, como a voz de um pai.

— Você é...

—Alvo Dumbledore, diretor de Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde você estudou.

— Eu estudei aqui? — ela estava surpresa.

— Assim como eu — Draco respondeu se levantando também.

— Nós éramos do mesmo ano?

— Não. Você é um ano mais nova.

— E nós começamos a namorar na escola?

— Sim — ele respondeu sem deixar de notar o sorriso enigmático que surgiu nos lábios de Dumbledore.

— Bem, por que nós não vamos até a minha sala? — o diretor perguntou — Que tal uma xícara de chá?

— Diretor — Malfoy interrompeu antes de Gina pudesse responder — Nós não viemos aqui para o chá...

— Sim, eu sei. O chá é apenas um bônus. Venham, sigam-me — ele completou, e o casal obedeceu, Gina parecendo curiosa e Malfoy parecendo contrariado.





A sala do diretor continuava do jeito que ele se lembrava, com os mesmo móveis, os mesmos livros, o mesmo chapéu seletor e a mesma ave. Gina ficou impressionada com o pássaro. Quem não ficaria? Ela olhava tudo aquilo com surpresa, às vezes, susto, mas, para o alívio de Draco, não demonstrava medo. O diretor a fez sentar diante da sua mesa e, ao invés de tomar o lugar do lado oposto, sentou-se ao lado dela. Fez menção de conjurar uma cadeira para Malfoy, mas ele declinou, indo ficar de pé diante da janela. Os terrenos da escola do lado de fora também continuavam iguais. Hogwarts permanecera praticamente imutável durante mil anos, por que mudaria nos quinze que Draco se afastara? Ao longe, ele avistou o velho campo de quadribol, palco de tantas batalhas suas contra Potter. Aquilo tudo parecia ter acontecido há uma vida atrás.

Voltando seu olhar novamente para os outros ocupantes da sala, ele notou que Dumbledore já oferecera a Gina uma xícara de chá e agora estava servindo outra que em seguida ofereceu a ele. Malfoy declinou com a cabeça e o diretor voltou-se para a mulher ao seu lado.

— Virgínia, o Sr. Malfoy já me contou algumas das circunstâncias do que aconteceu com você, então eu não pretendo cansá-la com perguntas, mas há certas coisas que eu gostaria de ouvir de seus lábios.

— Claro — ela respondeu rapidamente.

— Do que exatamente você se lembra?

— De nada. Quer dizer... de nada deste mundo.

— Eu entendo que você ficou em estado de coma por alguns dias.

— Sim, por duas semanas.

— E de quando é a sua primeira lembrança? De antes ou de depois que você acordou? — ele continuou, falando com ela enquanto mexia seu chá, como se Gina ainda fosse apenas uma aluna que tivesse vindo ao diretor com um problema de escola.

— De depois. A minha primeira lembrança é de acordar no hospital.

— Eu entendo — Dumbledore se recostou na cadeira e levou a xícara à boca — O Sr. Malfoy já lhe falou sobre sua família?

— Meus pais e meus irmãos? Sim, ele falou. Ele vai me levar para vê-los em seguida.

— Você já os avisou? — Dumbledore perguntou virando-se agora para Draco.

— Ainda não. Vou mandar uma coruja de Edimburgo.

— Você poderia ter falado antes. Essa sem dúvida é uma notícia que eles gostariam de ouvir.

— Eu sei, mas eu prefiro não contar com os ovos antes da galinha. Especialmente quando o assunto é o desaparecimento da Gina.

— Eu compreendo — o diretor deu-se por satisfeito — E você, Virgínia, não quer fazer alguma pergunta para mim? — a mulher o encarou como se aquilo fosse a última coisa que ela esperasse ouvir.

— Milhares. Mas eu não sei se você poderá responder a todas.

— Provavelmente não, mas talvez eu possa responder a algumas. O que você acha? — ela pareceu parar um pouco para pensar. Seu olhar instintivamente se dirigiu para Draco e ele por sua vez sentiu seu coração dar um pulo no peito ao vê-la virando-se para ele em busca de orientação.

— Ele provavelmente vai ter muito mais paciência do que eu — falou para encorajá-la mesmo sabendo que isso não era verdade. Seria capaz de ficar respondendo às perguntas dela por toda eternidade só para tê-la perto se fosse preciso.

— Durante quanto tempo eu estudei aqui? — ela começou, como se ainda estivesse se acostumando com a idéia de poder perguntar qualquer coisa que quisesse.

— Durante sete anos. Dos seus onze aos seus quase dezoito.

— E você se lembra especificamente de mim?

— Eu me lembro de todos os alunos que já passaram por essa escola desde que me tornei diretor e de todos os que eu lecionei antes disso, mas eu tenho razões específicas para me lembrar de você também. Seus pais, por exemplo, são bons amigos e além disso, não é todo dia que se tem uma aluna da Grifinória que acaba se casando com um aluno da Sonserina. Você, Gina, sempre foi uma garota muito especial.

— Grifinória? O que é isso?

— Ah, os alunos de Hogwarts são colocados em casas diferentes de acordo com suas características. A Grifinória para os bravos, a Lufa-lufa para os leais, a Corvinal para os sábios e a Sonserina para os ambiciosos. A sua era a Grifinória e a Sonserina era a do Sr. Malfoy.

— E o que há de tão especial nisso?

— A Grifinória e a Sonserina são casas que não se dão bem.

— Por que não?

— Começou com uma briga entre os fundadores das casas e, com o tempo, é claro, o motivo foi se perdendo e a rivalidade permaneceu.

— Isso é bem estúpido.

— Sim — o diretor sorriu — Muito estúpido. O que as pessoas não entendem é que as quatro casas juntas é que são realmente poderosas. Separadas, elas são boas, mas combinadas, seu poder é extraordinário, pois cada uma representa o melhor de um bruxo, o seu fundador, e através delas, cada um dos fundadores ainda permanece vivo.

— Isso é tudo muito interessante — Draco interrompeu começando a ficar impaciente — Mas nós estamos aqui por um motivo.

— É claro que sim, Sr. Malfoy. Eu só não tenho certeza se você sabe qual é esse motivo.

— É o feitiço da memória que colocaram nela!

— Não há feitiço algum.

— O quê? Mas é impossível!

— Quando você acha que o feitiço foi colocado, Sr. Malfoy? Antes ou depois dela fugir?

— Antes, é claro!

— E, sendo assim, ela não deveria ter alguma memória anterior ao coma? — Dumbledore perguntou como se estivesse explicando as coisas para uma criança.

— Mas isso... Isso não significa nada! Podem ter entrado no hospital, podem ter...

— Não é só isso. Há outros sinais também. E particularmente eu não acho que um feitiço da memória assim tão poderoso poderia ter sido realizado sem que houvesse dano permanente para Gina, o que não parecer ter ocorrido.

— Mas então o que houve?

— O que os seus médicos disseram, Virgínia?

— Amnésia — ela respondeu com uma palavra.

— De fundo clínico ou psicológico?

— Psicológico.

— Aí está a sua resposta, Sr. Malfoy.

— Eu não acredito nisso. Não pode ser verdade.

— Você veio até aqui para ouvir a minha opinião. Pois bem, essa é a minha opinião: não foi nenhum feitiço que causou a perda de memória. Não há causas mágicas para o que houve. As causas foram físicas ou psicológicas.

— E o que nós fazemos agora?

— Eu receio que não haja muito o que fazer.

— Você está dizendo que não há cura? — Draco perguntou e seu desespero era palpável. Tinha que haver uma maneira!

— Sim, há uma cura, mas não há nada que nós possamos fazer para curá-la. Exceto, talvez, oferecer um tour pela escola. Coisas familiares podem te ajudar a se lembrar, não, Gina?

— Os médicos falaram que sim.

— Você quer se lembrar? — Dumbledore perguntou suavemente.

— Claro que sim.

— Mesmo sabendo que se lembrar da sua família significa também se lembrar do trauma que causou a amnésia em primeiro lugar?

— Mesmo assim — ela respondeu, mas sua voz estava de alguma forma mais hesitante.

— Bom, então por que nós não vamos dar uma volta pela escola?

— Eu acho uma ótima idéia — Gina respondeu animando-se. Draco, por sua vez, os seguiu sem prestar muita atenção em para onde estavam indo nem em que estavam falando. Não conseguia parar de pensar no que o diretor dissera. Ele sabia o que o homem havia feito com ela. Sabia o que tinha acontecido e sentia ao mesmo tempo vontade de vomitar e de matá-lo só de pensar, mas Gina não se lembrava. Ela podia até saber, mas ela não se lembrava. De certa forma, isso tornava as coisas melhores. Era quase como se não tivesse acontecido. A pergunta, portanto, era se ele realmente queria que ela se lembrasse. Naquele momento, Draco Malfoy estava tendo os pensamentos menos egoístas da sua vida inteira.

A maior parte dos professores já estava na escola e, para evitar os olhares curiosos e as perguntas, os três almoçaram sozinhos. Gina estava animada com todas as coisas novas ao seu redor. Eles andaram mais um pouco depois da refeição, mas não muito tempo depois, Draco foi obrigado a lembrá-la que eles ainda tinham um longo caminho pela frente.

Indo para a saída, contudo, em um momento em que ela estava distraída, o diretor se aproximou dele — que vinha sempre andando atrás dos dois — e perguntou:

— Ela me disse que não demonstrou possuir nenhum traço de magia nesses últimos dez anos. Você sabia disso?

— Eu achei que tivesse algo a ver com o feitiço, mas se não há feitiço...

— Exatamente.

— Pode ser por causa da amnésia?

— Não, não pode. Deveria ser como um reflexo, algo involuntário. Não faz diferença se ela se lembra ou não.

— E isso é preocupante por quê?

— Eu ainda não tenho certeza, Sr. Malfoy. Preciso fazer as minhas próprias investigações, mas no meio-tempo, é imprescindível que você continue tentando descobrir quem seqüestrou as mulheres...

— Eu não pretendia desistir do caso.

— E também é imprescindível que nada de mal aconteça a Gina.

— Mas o que poderia acontecer...

— Se as outras foram mortas e ela não, isso pode ser um problema — Dumbledore respondeu mortalmente sério.

— Mas se o assassino sabia onde ela estava e não fez nada esse tempo todo, por que faria agora?

— Eu não sei. Mas aconteça o que acontecer, Sr. Malfoy, ela deve continuar viva. Isso está claro?

— Como a água — Draco respondeu igualmente sério. Não precisava do aviso do diretor para saber que a defenderia com a sua vida se fosse preciso. Ao ouvi-lo, contudo, frisar o quão isso era importante, acabou por involuntariamente tomar uma decisão. A decisão mais difícil da sua vida.





— Draco — Gina começou com uma voz fraca, como se estivesse em dúvida sobre se devia ou não falar algo. Os dois já haviam saído de Hogwarts e estavam no carro já há quase duas horas de jornada silenciosa — O que é que os... como é mesmo que o Sr. Dumbledore disse que vocês chamam as pessoas que não fazem mágica?

— Trouxas.

— Isso, trouxas. O que é que os trouxas vêem quando olham para a escola?

— Eu não tenho certeza absoluta, mas acho que eles vêem ruínas e cartazes dizendo para se afastarem. Algo do gênero. Por quê?

— Nada — ela respondeu virando o rosto para a janela — Só curiosidade.

Malfoy desviou o olhar da estrada por alguns instantes para encará-la e a encontrou ainda fitando a paisagem através do vidro. Teve a nítida impressão de que ela não estava falando toda a verdade, mas não forçou o assunto. A última coisa de que precisava era ela achando que ele não acreditava no que ela dizia.

O silêncio se alongou entre os dois novamente por um longo período, até que, por fim, Gina falou e o que saiu da sua boca fez o coração de Malfoy se contrair no peito.

— Draco — ela começou, olhando agora para as mãos sobre seu colo — Tem algo que eu queria perguntar desde anteontem, mas, bem... eu não sabia como tocar no assunto — ela parou e, vendo que ele não deu sinais de que iria dizer algo — Quando eu acordei, os médicos me disseram... eles falaram que eu perdi um bebê — ela finalmente levantou a cabeça — Você sabia disso?

— Sabia — Draco respondeu apertando tanto o volante que os nós de suas mãos ficaram brancos — Você tinha acabado de me contar quando desapareceu.

— E por que você não me perguntou...

— Eu imaginei que você tivesse perdido a criança com tudo o que aconteceu, mas não tinha certeza se você sabia que estivera grávida — ele respondeu com uma voz extremamente controlada, lutando para não deixar transparecer toda a sua dor.

— Eu estava feliz com a gravidez?

— Eu nunca te vi mais feliz — Draco disse, tentando conter uma nova onda de tristeza que ameaçava sufocá-lo — Emily — ele sussurrou.

— Como?

— Emily. Era esse o nome que você queria dar à criança se fosse uma menina.

— Verdade? — ela perguntou surpresa, involuntariamente levando as mãos ao ventre vazio — Eu acordei com esse nome na cabeça no hospital. Não tinha idéia...

— Era como se chamava uma amiga sua de infância.

— Ela também estudou em Hogwarts?

— Não, ela morreu aos nove anos de uma doença qualquer. Não me lembro.

— Por isso o nome era tão especial — Gina murmurou mais para si mesma.

— É — Draco respondeu sem saber o que mais acrescentar. Os dois ficaram em silêncio por mais alguns minutos até que ela notou a saída que Malfoy pegara na estrada:

— Ei! Você pegou o caminho errado! — exclamou olhando para trás.

— Não, não peguei.

— Pegou sim! A estrada para Edimburgo...

— Nós não estamos indo para Edimburgo.

— Estamos indo para onde então?

— Harmony Springs.

— Mas...

— Gina, me responda sinceramente uma coisa: — ele virou-se para ela sem consciência de como sua dor era evidente nos seus olhos — Você é feliz lá?

— Sim — ela demorou um pouco para respondeu — Mas...

—Não, sem mas. O que eu quero, o que realmente me interessa é que você seja feliz — Malfoy a interrompeu, agora olhando diretamente para a frente, com medo de vacilar se encontrasse os olhos dela — Eu não quero que você se lembre de mim se isso significa também lembrar-se de tudo o que aconteceu com você quando aquele homem te seqüestrou. Eu não quero que você se lembre daquilo!

— Mas eu sei o que aconteceu. Os médicos disseram. Eu...

— Você sabe, mas você não se lembra e a diferença entre as duas coisas é brutal.

— Mesmo que eu nunca me lembre, eu ainda posso...

— Não — Malfoy respondeu implacável. Já havia tomado a decisão e não mudaria de idéia. Estava convencido de que era o melhor para ela — Nós somos o nosso passado, as nossas lembranças. São os nossos ontens que nos definem e, sem esse passado, você não é a minha Gina — ele falou e mesmo enquanto as palavras saíam da sua boca, sabia que estava falando a maior mentira da sua vida — Você não é a Gina Weasley que se casou comigo nunca noite de tempestade tão forte que até mesmo as paredes da igreja pareciam oscilar com o vento, que gostava de ver a neve caindo na véspera de Natal, que me contou que estava grávida com o maior sorriso do mundo no rosto. Você não é a minha Gina. Você não precisa me amar — terminou com a voz ligeiramente embargada. Ele a queria mais do que tudo nesta vida, mas nunca poderia viver consigo mesmo se a obtivesse às custas de sua própria felicidade. Ela estava vida. Ela estava bem. E de alguma forma esse conhecimento teria que ser suficiente para ele.

O resto do caminho foi feito em silêncio. Um silêncio carregado e cheio de perguntas. Gina passou a maior parte do tempo fitando a paisagem com olhos distantes e Draco tentou se concentrar na estrada, mas na realidade, só conseguia repetir mentalmente para si mesmo o quão louco estava.

Quando chegaram à casa dela, ele saiu para ajudá-la com as malas que acabaram por ser inúteis. Malfoy tinha certeza que se arrependeria daquilo tudo no dia seguinte, mas aí, já seria tarde demais.

— Fique com isso — disse, entregando a ela um pedaço de papel — É o meu telefone. Chame se você precisar de alguma coisa. Qualquer coisa. Nunca vai haver uma hora ruim para você pedir a minha ajuda.

— Você não quer entrar? — ela perguntou, guardando o papel — Eu posso...

— Não, tudo bem — ele respondeu — Eu tenho que ir embora — completou, mas não saiu imediatamente. Ficou lá, parado diante dela, observando-a sem saber o que mais falar, mas sem ter realmente vontade de ir embora. Como sempre, soube que estava perdido ao demorar-se por um instante naqueles grandes olhos castanhos.

— Draco...

— Não diga nada — Malfoy a interrompeu, envolvendo-a pela segunda vez em um abraço forte. A intenção era fazer daquele um abraço de despedida, mas quando seus sentidos foram invadidos pelo cheiro dela, pelo calor dela, ele soube que era um homem sem esperança.

Quando percebeu, já começara a beijá-la. Beijos rápidos e desesperados. Primeiro no pescoço, que estava mais perto, e depois na orelha e nas bochechas. Beijou-lhe a testa e as pálpebras, o nariz e, antes que ela pudesse fazer qualquer coisa para pará-lo, beijou-lhe os lábios. Começou com um beijo rápido, tão desesperado quanto os outros, mas logo evoluiu para um beijo profundo, cheio de saudade, cheio de amor e cheio de desejo. Com uma das mãos, enlaçou-a pela cintura e puxou-a para perto, o mais perto possível, e manteve a outra segurando-a pela bochecha, sem deixá-la afastar-se. Sabia que aquilo era loucura. Uma loucura deliciosa, mas ainda assim uma loucura. Para sua surpresa, contudo, Gina não tento repeli-lo. Ela correspondeu ao beijo. Talvez não com a mesma intensidade, não com o mesmo desejo e a mesma saudade, mas pelo menos ela não o estava empurrando para longe. Ela também o estava beijando.

Por alguns instantes — alguns longos instantes — Draco sentiu o que seria tê-la de volta e aquilo só tornou a despedida ainda mais dolorosa. Quando finalmente a soltou, ela o encarou com olhos interrogativos, como se estivesse acordando de um sonho e ainda não tivesse noção exata do que acontecera. Ele não esperou, contudo, até ela ganhar aquela noção.

Deixou-a ali, parada na calçada de sua casa, enquanto virava-se e entrava de novo no carro. Não olhou para trás. Se o fizesse, sabia que desistiria de ir embora e ele precisava ir embora. Precisá-la deixá-la viver a sua vida, sem medo, sem sombras de um passado horrível, sem dúvidas. Ele sofreria, é verdade, mas ao menos ele seria o único a sofrer.

Tentou repetir para si mesmo o que dissera a ela no carro. Tentou se convencer de que aquela era Emily Watson e não Gina Malfoy, a sua mulher, mas ao finalmente olhar para trás pelo retrovisor e encontrá-la ainda de pé na calçada, toda cabelos vermelhos à distância, ele teve certeza de que não era verdade. Aquela era a sua Gina. Não a mesma Gina, é verdade, mas ainda assim era a única mulher que ele amou e amaria. Enquanto vivesse.

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