Procura Incessante

Procura Incessante



Capítulo 8: Procura Incessante


O mar estendia-se escuro, cinzento e revolto. As ondas iam e vinham fazendo a balsa se agitar, levantando e descendo conforme uma música misteriosa. No céu, o sol brilhava fraco em meio a nuvens alongadas e de aparência feia. De pé e com os braços cruzados, Draco Malfoy observava os rastros deixados na água pela passagem da embarcação com olhos tempestuosos. Estava frio. Ele fora precipitado o suficiente para começar aquela viagem sem trazer consigo sequer um casaco e agora estava pagando o preço por sua imprudência. Naquele momento, contudo, com tantas coisas mais importantes para considerar, a temperatura ambiente era a última de suas preocupações.

Conseguir o passe para entrar em Azkaban não foi difícil. A sua frustração só começou quando ele descobriu que a próxima balsa para a ilha só sairia pela manhã. Draco acabou por passar a noite em um pequeno e desconfortável hotel à beira-mar. Ele não dormiu. Quem conseguiria pregar os olhos depois de uma revelação daquelas? Não, Draco Malfoy não teria sequer um minuto de descanso enquanto não descobrisse como sua mãe se encaixava naquela trama toda. Essa pergunta estava atormentando-no mais que tudo.

Virando-se pela primeira vez na direção para a qual a balsa se movia, ele avistou a ilha rochosa e triste que se aproximava a cada instante. Nunca estivera em Azkaban antes. Não a conhecera quando os dementadores ainda a mantinham e fizera ainda menos questão de visitá-la depois que eles foram removidos. Aliaram-se a Voldemorte durante a última guerra e o Ministério finalmente decidiu dispensá-los. A prisão agora era vigiada por bruxos, a maioria dos quais aurores. As medidas de segurança eram extremamente rigorosas. A varinha de Draco fora confiscada antes que ele pudesse embarcar e ele seria novamente revistado no desembarque. Não podia carregar consigo nenhum tipo de objeto mágico Não podia levar sequer um pedaço de pergaminho sob a alegação de que poderia ser usado para passar mensagens secretas para os prisioneiros. Animais não eram permitidos em Azkaban porque poderiam ser animagos clandestinos e o local estava vigiado e protegido para impedir que qualquer bruxo visitante se transformasse. Os prisioneiros eram obrigados a ingerir diariamente uma poção que inibia seus poderes mágicos. Mesmo se conseguissem roubar uma varinha, dificilmente seriam capazes de fazer mais do que um simples feitiço lumos. Não se podia aparatar. Chaves de portal não funcionavam e não havia lareiras. Feitiços protegiam o céu — para que vassouras não se aproximassem — e o mar — repelindo barcos não autorizados. Qualquer embarcação clandestina que se aproximasse da ilha acabava se perdendo, seus tripulantes afetados por um fortíssimo feitiço para confundir. O lugar estava começando a ser conhecido entre os trouxas como um segundo Triângulo das Bermudas.

Uma névoa fina misturava-se às brumas ao redor dos rochedos dando à ilha uma aparência etérea, quase do outro mundo. Era cedo — o sol mal nascera — e estava frio. O dia mostrava-se cinzento como os olhos de Draco e, também como eles, anunciava uma tempestade. Braços cruzados, postura reta, rosto fechado. Como o amanhecer, Malfoy era a própria imagem da tensão. Não conseguia se livrar das desagradáveis imagens que formaram-se na sua mente nos últimos dois dias. Mesmo ali, à bordo do único meio de transporte que poderia levá-lo a sua mãe — aquela balsa quase trouxa que não carregava mais que do três passageiros naquela manhã silenciosa — ele podia fechar os olhos e ver os cabelos dourados da mulher morta. O alívio inicial que sentira, contudo, por não ser de Gina o corpo dentro da árvore fora substituído agora pelo medo de encontrá-la em alguma outra árvore solitária do Reino Unido. Será que ela estava realmente morta? O coração de Draco queria responder que não, mas o seu cérebro reconhecia as probabilidades. Será que a sua mãe poderia jogar alguma luz no mistério?, ele se perguntava. Quem sabe? A resposta não demoraria a vir.

A terra estava próxima agora e os contornos dos prédios da prisão, evidentes. Mais alguns minutos e a balsa ancorava no pequeno cais. Conforme desembarcava e era revistado, Draco não conseguia se livrar da sensação de estar caminhando para o seu passado. Atrás daquelas paredes grossas e escudar estavam encarceradas várias figuras da sua infância. Seu pai morrera, é verdade — fora assassinado por Olho-Tonto Moody em um momento de profunda estupidez — mas outros sobreviveram. Logo depois de sua morte, Potter destruiu Voldemorte e a verdadeira caçada aos Comensais da Morte e simpatizantes começou. Dessa vez, alegações simples de ter sofrido sob a Maldição Imperius não foram aceitas. O Ministério estava determinado a prender todos os envolvidos. Muitos morreram lutando ou fugindo, mas muitos também foram pegos. Os pais de Crabbe e Goyle estavam em Azkaban. Pettigrew, por outro lado, estava morto. Karkaroff também morrera — Voldemorte fora responsável por isso. O único Comensal da Morte que ficara em liberdade fora Snape, por motivos óbvios. Draco não pôde deixar de sorrir ao pensar que o professor ainda andava aterrorizando os primeiroanistas de Hogwarts — especialmente os da Grifinória. E então, conforme ele passava através das grandes portas para o interior do prédio, seus pensamentos foram voltando-se de novo para sua querida mãe.

Muitos se perguntavam o que Narcisa fizera para merecer uma sentença de morte em Azkaban. Poucos sabiam que ela fora desde o princípio o par perfeito para Lúcio Malfoy. Os dois se completavam. Ela era ao mesmo tempo cúmplice e confidente. Quando seu marido morreu, Draco lembrava-se bem de ter ido até ela, pedindo para que Narcisa colaborasse com o Ministério. Naquela época, ele já estava apaixonado por Gina. sua mãe nunca fora uma Comensal da Morte. Ela poderia alegar estar sob influência do marido e se convincente. Eles escapariam ilesos e Draco poderia restaurar o antigo nome dos Malfoys. Narcisa, contudo, sabia dos verdadeiros motivos por trás do pedido de seu filho. Sabia que ele estava apaixonado por uma Weasley e que quando falava em ‘restaurar o antigo nome dos Malfoys’ estava na realidade querendo dizer ‘renegar o antigo nome dos Malfoys’. Ela não poderia permitir isso. Não poderia deixar sua casa, sua honra serem manchadas pela presença de uma amante de trouxas pobretona. Não poderia abrir as portas da Mansão e assim entregar todos os segredos da família para o Ministério. Narcisa fez, então, a única coisa que julgava certa.

Em uma noite quente de verão, ela preparou a Mansão e começou o fogo. Draco quase não escapou com vida. Sua casa — a casa de sua infância — queimou por três dias inteiros antes de se extinguir completamente. Tudo ficou destruído. Pouco depois, Narcisa foi presa. Ela confessou seus crimes e descreveu como grande parte da fortuna da família fora conseguida de forma ilegal. O Ministério confiscou o dinheiro e esse foi um preço pequeno a se pagar para ver o seu filho na miséria. O filho que ela criara com todo o amor e todos os mimos e que, no fim, renegara tudo o que seus pais lhe ensinaram. Ele merecia sofrer.

Narcisa foi julgada, condenada e sentenciada sem misericórdia. Em Azkaban, ela viveria seus últimos dias e Draco não poderia estar mais satisfeito com essa idéia. Ele a odiava com convicção e a culpava por grande parte de suas humilhações posteriores. Se ele tivesse o dinheiro, ao menos poderia pisar nas pessoas de volta, mas por causa dela, ele era obrigado a encarar tudo de frente. Ela era a culpada e mesmo sem sua promessa para Gina, Malfoy não achava que fosse querer manter nenhum tipo de relacionamento com ‘aquela mulher’, como ele gostava de chamá-la para si mesmo. E ainda assim, apesar de todo o seu rancor, ele estava naquele momento disposto a fazer o que nunca se imaginara fazendo: pedir a ajuda dela. Por mais que relutasse, por mais que doesse engolir o orgulho, se Narcisa pudesse ajudá-lo de alguma forma a encontrar Gina, Draco seria capaz até mesmo de implorar.

Todos esses pensamentos e essas lembranças cruzaram rapidamente por sua cabeça durante a longa caminhada pelos corredores bem iluminados da prisão. As paredes eram de pedra, grossas e maciças, tornando o ambiente frio e um pouco úmido. Não havia janelas, mas tochas bem colocadas iluminavam as passagens com sua luz bruxuleante. Após subir dois lances de escada, Draco finalmente foi conduzido para dentro do que parecia uma sala de interrogatório. Não era bem uma sala de visita — sua aparência era austera e desconfortável — e possuía uma cadeira também de pedra a um canto. Era parecida com as cadeiras nas salas de julgamento do Ministério, com suas correntes prontas para prender o prisioneiro que se sentasse nela. E no outro canto da sala, em frente à cadeira, mas um pouco afastada, havia uma mesa também de pedra e uma segunda cadeira menor e mais confortável. Silenciosamente, Draco se sentou e esperou.

Pouco tempo depois, a porta se abriu e deixou passar a sua mãe. Ela vestia o uniforme da prisão — vestes cinzas, feias e gastas. Seus cabelos que outrora haviam sido loiros e finos, estavam agora praticamente cinzas, mas mantinham sua aparência limpa e bem cuidada. A beleza daquele rosto não havia desaparecido completamente. Estava apenas um pouco maculada pelos anos de cadeia, pelas rugas e pela severidade da expressão. A majestade, contudo, continuava ali, na superfície, pronta para aflorar assim que fosse necessário.

Narcisa entrou séria e com o nariz erguido. O bruxo que a trazia conduziu-a até a cadeira e em seguida saiu da sala. As correntes não a prenderam porque ela já estava com as mãos atadas. O tempo todo, Draco a observou com um olhar atento, mas indiferente. Quando os dois ficaram finalmente sozinhos, ele permaneceu em silêncio, encarando-a até que ela foi a primeira abrir a boca:

— Ao que devo o prazer da visita, meu filho? — Narcisa perguntou com um sorriso amável. Malfoy, contudo, sabia que não havia nada de amável no comportamento dela.

— Chegou aos meus ouvidos — ele começou após uma pequena pausa, querendo ir direto ao ponto — que você tem recebido cartas minhas aqui em Azkaban. Eu achei isso particularmente interessante, mamãe, levando em consideração que eu nunca enviei carta nenhuma — completou cheio de ironia na voz.

— Sim, é verdade. Há uma pessoa que me envia cartas usando o seu nome — ela respondeu sem tirar o sorriso do rosto.

— Quem?

— Eu tentei te avisar, filho — Narcisa disse ignorando a última pergunta dele — mas você nunca leu nenhuma das minhas cartas.

— Como você sabe disso? O fato de que eu nunca as respondi não significa que eu nunca as tenha lido.

— Não, você teria vindo aqui no exato instante em que abrisse a primeira delas exatamente como veio agora. Eu tenho certeza disso.

— Por quê? O que elas diziam assim de tão importante?

— Elas falavam sobre o homem que me escreve usando o seu nome.

— E o que há de interessante sobre ele? — Draco estava começando a perder a paciência.

— Ele começou a me escrever há cinco anos. Foi mais ou menos a época em que eu comecei a te escrever, não foi?

— Sim, uma carta por semana.

— E você não estranhou isso? Tantos anos sem notícias e então de repente uma carta do nada...

— Sinceramente, eu tinha coisas mais importantes com as quais me preocupar.

— Sim, eu sei. A sua esposinha querida, não é mesmo? — Narcisa disse usando um tom claramente pejorativo. Draco sentiu seu sangue começar a ferver.

— Não fale nela. Ela é boa demais para você poder mencioná-la.

— É? Você não quer dizer era? — Malfoy fechou os olhos por um instante e respirou fundo. Ele não iria deixá-la tirá-lo do sério.

— Vamos voltar para as cartas. Qual era o assunto delas?

— A sua esposinha querida — ela falou e Draco não ficou realmente surpreso com isso. Já esperava por algo do gênero.

— Você sabe o que aconteceu com ela?

— Eu sei mais do que isso, meu filho.

— Você sabe onde ela está?

— Você não quer saber antes quem é que me escrevia?

— Foda-se quem é que te escrevia! Eu quero saber o que você sabe sobre a Gina!

— Gina? Era esse o nome dela?

— Você sabe que sim.

— Não, eu não sei. Lembro-me dela apenas como uma Weasley de expressão vaga e vestes de segunda.

— Mamãe...

— Não adianta começar a ficar com raiva de mim, meu filho. O que eu disse é a verdade e se você escolheu renegá-la, bem, a culpa não é minha. Deus sabe que eu fiz o possível para te educar corretamente. Diga-me: o que eu e seu pai fizemos de errado? Nós não te demos presentes suficientes? Não te demos atenção suficiente? O que foi?

— Nada. Vocês não fizeram nada de errado.

— Eu me recuso a acreditar nisso. Nós te criamos por anos. Anos e anos. E então, veio uma garota qualquer...

— Ela não é uma garota qualquer!

— E então veio uma garota qualquer e simplesmente virou a sua cabeça! É óbvio que nós fizemos algo de errado! Do contrário, você teria rido dela, talvez usado-a e depois abandonado-a, mas você não teria feito dela sua esposa. Antes eu tivesse te mandado para Durmstrang ao invés de Hogwarts!

— Eu não vim aqui para discutir meu casamento.

— Não, você veio aqui para tirar de mim toda a informação que lhe seja útil e depois me largar nesse fim de mundo por mais dez, vinte, trinta anos, não é mesmo? Pois bem, filhinho, não é assim que a coisa funciona.

— Você sabe muito bem que eu não tenho a autoridade para te tirar daqui.

— Sim, eu sei disso, mas mesmo assim a informação que você procura tem um preço.

— Eu sequer sei se você tem realmente a informação ou se está apenas me enganando. Eu sequer sei qual é a informação!

— Eu sei onde ela está. Não é isso que você quer descobrir? Eu sei onde a sua esposinha está. Não o corpo dela, um corpo frio e sem vida, mas onde ela está realmente, respirando e com o coração batendo.

— Você está apenas dizendo o que eu quero ouvir — Draco respondeu, mas não conseguiu evitar a onda de emoção que passou por seu corpo. Ele mal ousou piscar com medo de que aquilo fosse um sonho e de que ele fosse acordar sozinho em sua cama para mais um dia sem esperança.

— Na realidade, não. Eu estou falando a verdade.

— Prove.

— Eu não posso provar isso daqui. Você vai ter que encontrá-la para poder acreditar em mim.

— Como você descobriu onde ela está?

— O homem que envia as cartas me contou.

— Quem é ele?

— É o homem que a raptou em primeiro lugar.

— E por que ele escreve para você? Se eu descobrir que você teve alguma coisa a ver...

— Ora, poupe-se, Draco. Não perca seu tempo. Ele começou a me escrever porque estava curioso sobre você.

— Sobre mim?

— É, sobre você. Ele me contou o que fez e queria informações sobre você.

— Por quê?

— Será que você não é capaz de adivinhar? Ele queria saber como te atingir.

— Ele levou Gina para me atingir?

— Agora você está sendo um pouco presunçoso demais, não é verdade? O mundo não gira ao seu redor, filho.

— E por que você não o ajudou simplesmente?

— E quem te disse que isso não foi exatamente o que eu fiz?

— Você começou a me escrever logo em seguida!

— Sim, mas apenas porque eu achei que poderia ser vantajoso. Eu comecei a me perguntar o que o meu filho querido seria capaz de fazer para ter a mulherzinha dele de volta — e após uma pequena pausa — Me diga, Draco: até onde você está disposto a ir?

— Isso não faz sentido — ele desconversou — Duas mulheres estão mortas. Ele raptou a Gina. Por que mataria as outras e a deixaria viva, sabendo exatamente onde ela está? Por que não ir terminar o serviço?

— Somente porque você não entende, não significa que não haja um sentido. Ele pode estar apenas além da sua compreensão.

— Onde ela está?

— Não, não — e Narcisa continuou com um sorriso — Eu já disse: essa informação tem um preço.

— Qual é o preço? — Draco perguntou por entre os dentes trincados.

— Um favor.

— Que favor?

— Ora, eu não sei ainda. Eu te ajudo agora e você fica me devendo um favor. Quando eu precisar, eu cobro.

— Vejamos se eu entendi isso direito: você me diz onde a Gina está e, em troca, quer apenas que eu fique te devendo algo?

— Sim. Obviamente, não vou confiar na sua palavra. Eu quero um contrato mágico, mas no geral, você pegou o espírito da coisa.

— Sob uma condição: — Draco falou após uma pequena pausa — o contrato só tem validade caso eu a encontre sã e salva. A mesma Gina que eu perdi. E caso eu a encontre seguindo as suas instruções. Se o que você me falar acabar por se revelar uma grande baboseira...

— Ah, está bem, está bem. Eu aceito a condição.

— Então me diga: onde ela está?

— Não antes de você selar o contrato — Narcisa respondeu. Malfoy levantou-se então da cadeira e pôs-se de pé diante da mesa. Encarou por alguns instantes suas mãos feridas, contemplando o que estava prestes a fazer. Dissera que seria capaz de vender sua alma para o diabo se isso o ajudasse a encontrar Gina, mas nunca imaginara que fosse realmente chegar a fazê-lo. Por fim, resignado, ele começou a cutucar com a unha um dos cortes na sua mão esquerda. Logo, o sangue voltou a escorrer, trazendo também de volta a dor. Sem parar para pensar, Draco estendeu o braço e deixou algumas gotas caírem no chão enquanto murmurava baixinho as palavras mágicas certas. Após a terceira gota, Narcisa o interrompeu: — Isso já é suficiente.

— Ótimo. Você vai me dizer agora onde ela está? — ele perguntou, recolhendo sua mão e aplicando um pouco de pressão com um lenço para parar o sangramento.

— Ela está na Escócia.

— Você não acha que isso é um pouco vago, não?

— Procure em uma pequena cidade chamada Harmony Springs. Fica perto de onde o primeiro corpo foi encontrado.

— Harmony Springs... — Draco repetiu por um instante imerso nos seus próprios pensamentos. O nome era-lhe estranhamente familiar. E em seguida, lembrando-se de onde estava: — Bom, foi um prazer fazer negócios com você. Até nunca mais — e virou-se na direção da porta, mas antes que pudesse abri-la para chamar o bruxo que a levaria de volta, Narcisa o interrompeu:

— Até nunca mais não, meu querido. Apenas até o dia do nosso acerto de contas.

Ignorando-a, Malfoy puxou a maçaneta. Tentou bloquear o tom de ameaça na voz de sua mãe, mas era impossível. A ameaça estava lá e não podia ser esquecida. “Eu me preocuparei com isso depois”, ele repetiu para si mesmo durante todo o caminho de volta para o cais. Sabia que pagaria o preço, mas se isso ao menos fosse trazer Gina de volta, ele estava disposto a arcar com as conseqüências.





Draco parou o carro à beira da estrada. Abriu a porta, saiu e desdobrou sobre o capô o mapa do lugar. Já era de tarde. Ele deixara Azkaban assim que terminara de conversar com Narcisa e, o mais rápido possível, seguira para Edimburgo. Pediu para Anne lhe enviar via coruja uma foto de Gina que ele guardava em uma das gavetas de sua escrivaninha e agora, uma viagem por flu e um aluguel de carro depois, ele encontrava-se novamente no meio do nada e sem muita certeza de qual caminho seguir. Conhecia já aquelas estradas. Realmente não era longe da fazenda de Erick McDermontt, mas ele tivera que sair da estrada principal e agora não estava mais certo se aquele era o caminho correto.

Consultou o mapa durante alguns minutos, xingando todos os trouxas que já haviam nascido por sua incapacidade de inventar meios de transporte que soubessem chegar nos lugares que seus donos queriam sem ajuda e, por fim, chegou à conclusão de que estava na estrada certa. Entrou de novo no carro e voltou a dirigir. Não havia outros veículos circulando e a tarde já ia avançada. Quando finalmente chegou em Harmony Springs — ele tinha certeza de que já ouvira em algum lugar aquele nome antes! — o céu já começava a dar os primeiros sinais de que o sol não demoraria a se pôr. Mais uma hora e meia talvez, no máximo. Deu algumas voltas pelo centro da cidade recusando-se a pedir informação a alguém para descobrir onde ficava a delegacia de polícia. Por fim, encontrou-a. Estacionou o carro e saiu levando consigo a foto e dando uma boa olhada ao redor.

A cidade não era assim tão pequena, mas também não poderia ser chamada de grande. Era bem cuidada e agradável, com ruas arborizadas e tranqüilas. Ele conseguia perfeitamente imaginar Gina vivendo num local assim. Seria exatamente o que ela procuraria, mas, se ela estava realmente viva e ali, se ela estava realmente bem, então por que nunca fora procurá-lo? Draco não conseguia deixar de se perguntar isso. Ele tentava evitar, tentava não tirar conclusões precipitadas, mas a dúvida continuava ecoando em sua cabeça. A idéia de que ela passara os últimos anos se escondendo dele era absurda e, ao mesmo tempo, absolutamente aterrorizante.

Empurrando esses pensamentos desagradáveis para o fundo da sua mente e tentando se lembrar de que com um pouco de sorte ele logo poderia tê-la nos seus braços, Draco entrou na delegacia. Havia um pequeno movimento e alguns policiais saindo e entrando. Ele se aproximou do balcão e se identificou, pedindo para falar com o delegado. Em instantes, um oficial o levou até uma sala no segundo andar do prédio.

— Boa tarde — disse o delegado estendendo a mão. Draco apertou-a rapidamente e se sentou em uma das cadeiras diante da escrivaninha do outro.

— Boa tarde — respondeu.

— Nós não recebemos muitas visitas de investigadores do governo. Especialmente não vindas diretamente de Londres. Há algum problema?

— Não, nada de novo. Na realidade, eu estou aqui por causa de um caso antigo de pessoa desaparecida.

— Pessoa desaparecida? É sua jurisdição investigar isso? — Malfoy estava começando a se irritar com o homem:

— Esse é um caso especial. E além do mais, meu interesse nele não é puramente profissional. Agora, se você puder me ajudar...

— Claro. No que for preciso.

— Muito bem. A pessoa desaparecida é uma mulher. Ela sumiu há dez anos atrás, quando estava com vinte e dois anos.

— Dez anos atrás? — o delegado se recostou na cadeira, sua expressão revelando que ele sabia de alguma coisa.

— Sim, por quê? A data é significativa?

— Talvez. Diga-me: como é essa mulher?

— Eu trouxe uma foto comigo — Draco disse sem desgrudar os olhos do outro enquanto tirava do bolso a foto de Gina e a colocava sobre a mesa — É uma fotografia da época do desaparecimento dela.

O delegado a pegou e imediatamente uma sombra de reconhecimento passou por seus olhos. Ele a conhecia! O coração de Malfoy começou a bater mais acelerado no peito.

— Você a conhece — ele afirmou.

— Sim. Nós não temos muitos casos desse tipo por aqui. Qual é o nome dela?

— Você não sabe o nome dela?

— Bom, eu não sei o nome verdadeiro dela.

— Como assim o nome verdadeiro? — Draco perguntou sem entender. O delegado levantou-se da cadeira e abriu a gaveta de um grande arquivo que ficava em sua sala. Retirou lá de dentro uma pasta de arquivos.

— Esses são todos os dados que nós temos sobre o caso. A pobre mulher chegou aqui num estado de dar pena.

— Como assim num estado de dar pena? — ele perguntou, enquanto abria a pasta, mas o que viu logo de cara o fez fechá-la em seguida. Havia uma foto dela, de Gina, ali, provavelmente tirada quando ela apareceu e ela estava com o rosto todo machucado. Aquela simples imagem encheu Draco de um renovada onda de ódio contra o desgraçado que causara aquilo tudo e ele jurou silenciosamente que, independente de qualquer coisa, iria encontrá-lo e iria matá-lo. Percebendo sua relutância em olhar o arquivo, o delegado falou:

— Não é um caso muito bonito esse. Não é para quem não tem estômago.

— Como ela veio parar aqui? — Draco ignorou o tom paternalista do outro.

— Ela saiu correndo da floresta direto para a estrada, a estrada por onde você passou para chegar aqui. Correu direto para a frente de um carro.

— Ela foi atropelada?

— Foi. Mas felizmente quem estava dirigindo o carro era um dos nossos médicos. Ele prestou os primeiros-socorros. Salvou a vida dela.

— Então ela está bem? — era impossível esconder toda a emoção que havia na voz de Draco enquanto ele fazia essa simples pergunta.

— Sim, ela sobreviveu, mas não se lembrava de nada, a pobrezinha. Não pôde nos contar o que houve, não sabia de nada. Nem mesmo do seu próprio nome. Ela ficou em coma durante duas semanas. Nós ainda tentamos investigar alguma coisa, mas não havia pistas suficientes. Praticamente tudo o que temos é o relatório do médico...

— Ela não se lembra de nada!... — foi tudo o que Malfoy conseguiu repetir. Sua mente ainda estava tentando processar essa informação. Então era por isso que ela nunca o procurara! Ela simplesmente não se lembrava... Finalmente, ele deixou escapar um suspiro aliviado. Ela estava viva. Ela estava salva.

— Você está se sentindo bem, Sr. Malfoy?

— Sim, estou. Você sabe onde eu posso encontrá-la?

— Claro. Eu posso ir pessoalmente com você até a casa de Emily...

— Emily?

— Sim, esse foi o nome que ela escolheu depois que acordou.

— Emily — Malfoy ainda repetiu mais uma vez num tom distante.

— Sim, Emily Watson. Ela trabalha como assistente social no nosso hospital agora.

— Emily Watson, assistente social.

— Isso mesmo. Qual é o nome verdadeiro dela?

— Virgínia. Virgínia Malfoy. Ela era professora.

— E ela tem família?

— Pais, seis irmãos, muitos sobrinhos e um marido.

— Meu Deus.

— Sim, é uma família grande.

— Não, não é isso... É que, bem, ela está noiva.

— Ela está o quê? — Draco quase caiu da cadeira.

— Noiva de um médico. Isso vai ser um pouco delicado quando o marido dela descobrir...

— Sim, sem dúvida — Malfoy respondeu mal acreditando no que tinha acabado de ouvir. Noiva? Aquilo não podia ser verdade, podia? — Olhe, eu só quero encontrá-la. Você pode me levar até a casa dela? — primeiro, iria vê-la. Depois, cuidaria do noivo dela...

— Sim, claro. Vocês têm alguma nova pista no caso de Emily, quer dizer, de Virgínia?

— Temos algumas — Draco respondeu colocando o arquivo de volta sobre a mesa do delegado.

— Você quer uma cópia dele?

— Não — ele respondeu rápido. Realmente não queria ter que ler aquilo tudo. Seria doloroso demais — Se eu precisar depois, peço para alguém vir buscar.

— Como preferir. Vamos — falou levantando-se e caminhando para fora da sala — Eu não tenho certeza se ela já está em casa. Talvez ainda esteja no hospital — o delegado olhou para o relógio — É, é provável que ainda esteja trabalhando...

— O hospital é longe daqui?

— Não, dá pra ir andando.

— Ótimo. Então por que nós não fazemos assim: você vai para a casa dela e eu a procuro no hospital? Assim, nós não a perderemos — Draco sugeriu, não querendo realmente ninguém por perto quando a encontrasse.

— Por mim, tudo bem. Deixa eu anotar... — o delegado rabiscou algo em um pedaço de papel — Esse é o endereço dela para o caso de você não encontrá-la, okay?

— Okay — o outro guardou o papel no bolso do paletó.

— E o hospital fica a três quadras daqui. É só andar reto por essa rua — os dois já estavam do lado de fora da delegacia — e virar na terceira a esquerda. Não tem como você errar o prédio.

— Está bem. Até daqui a pouco — Draco respondeu, começando a andar.

Durante todo o percurso, achou que seu coração fosse sair pela boca. Ele estava suando e seu estômago revirava-se em antecipação. Era difícil acreditar que há menos de dois dias atrás, ele estivera certo de que Gina estava morta e agora... agora ele estava tão próximo de tê-la novamente que tinha que se controlar para não sair correndo pelo meio da rua. Precisava vê-la. Havia uma parte sua que só acreditaria mesmo naquela história toda depois de encontrá-la, de tocá-la, de sentir o seu cheiro. Ele precisava ter certeza de que não estava sonhando.

Chegou no hospital antes que pudesse perceber. Aproximou-se do balcão de atendimento e com uma voz trêmula perguntou por Emily Watson, assistente social. Deram-lhe o número de uma sala no quinto andar. Ele ainda tentou esperar pelo elevador, mas não conseguiu. A maldita coisa demorava uma eternidade para chegar, então ele optou por subir as escadas, dois degraus de cada vez. Chegou lá em cima ofegante. Parou por alguns segundos apoiando-se na parede para acalmar sua respiração e dirigiu-se até a sala. Seu coração mal cabia dentro do peito de tanta excitação, mas sua alegria durou pouco. Logo que deu de cara com a porta, encontrou-a trancada, as luzes apagadas. Gina claramente já havia saído.

Sua decepção foi evidente. Sua vontade era de chutar aquela porta até quebrá-la. Ele ficou com muita raiva, mas não havia nada a se fazer. Desceu novamente as escadas, dessa vez sem pressa, seu coração voltando ao ritmo normal. Será que aquele seria o seu destino? Procurá-la sempre mas nunca achá-la, como duas linhas paralelas que só se encontrarão no infinito? “Não”, ele repetiu para si mesmo, “Não. Ela está perto agora” e tentando renovar suas esperanças, Draco saiu para a rua novamente, querendo refazer seu caminho até a delegacia, onde o carro estava estacionado. Começou a caminhar devagar. O sol já havia se posto e as luzes haviam sido acesas. O lugar era bem iluminado. A noite ajudava, contudo, com um céu limpo que prometia muitas estrelas. Distraidamente, Draco deu alguns passos quando notou uma sombra, um vislumbre de vermelho do outro lado da rua. Quase como um reflexo que ele desenvolvera ao longo dos anos — o hábito de procurar em qualquer mulher ruiva que ele via a sua Gina —, Draco virou a cabeça para olhá-la melhor. Nada em toda a sua vida poderia tê-lo preparado para toda a emoção que o invadiu naquele momento — o momento sublime em que ele a viu.

Era ela. Ali, a alguns poucos passos de distância, sorrindo e descuidadamente prendendo mechas do cabelo atrás da orelha. Era ela — caminhando tranqüilamente, respirando, com todas as sardas no lugar. Era ela! Draco mal acreditava nos seus olhos. Ele observava-a hipnotizado, sem conseguir desviar o olhar, sem perceber suas pernas se movendo. Era ela. Ele não estava sonhando, não estava tendo alucinações. Era ela — a sua Gina, o seu amor, a sua mulher.

Ele a seguiu sem perceber, seus pés sendo levados por uma força misteriosa. Agora que ela estava ao alcance de suas mãos, Draco se contentou por alguns minutos em apenas observá-la, saboreando a felicidade de tê-la viva. Da distância que ele olhava, ela era exatamente como ele se lembrava — o mesmo rosto, os mesmos olhos, os mesmos lábios. Nenhuma diferença. Ao menos, não nenhuma que ele conseguisse ver. Talvez elas estivessem lá: novas rugas, linhas de expressão que não existiam antes e um certo vazio no olhar, mas ele estava apaixonado demais para perceber. Ela era a sua Gina e esse era o único pensamento que sua mente parecia compreender.

Por fim, apenas olhá-la não foi mais suficiente. Ele queria tocá-la, senti-la, sólida e real contra o seu peito. Queria abraçá-la e fingir que os últimos dez anos não haviam acontecido, que ele estava apenas encontrando-a após uma briga, pronto para pedir desculpas, pronto para recomeçar. Apertou o passo para alcançá-la. Finalmente se aproximou quando Gina parou para olhar uma vitrine e, quando ela preparava-se para entrar na loja, ele a puxou. Provavelmente usou um pouco mais de força do que o necessário, mas sequer percebeu. Virou-a bruscamente e, segurando-a pelos cotovelos, pôde constatar além de qualquer dúvida que realmente era ela.

— Meu Deus, Gina, é você! — murmurou baixinho, mais para si mesmo do que para qualquer outra pessoa — É você! — repetiu deixando finalmente toda a felicidade represada em seu peito inundar seu rosto. Meu Deus, como ele a amava! Naquele momento, não pensou que ela não se lembrava dele, não pensou que parecia um louco, não pensou em mais nada. Apenas deixou-se ser levado pela necessidade quase física de abraçá-la, de tocá-la, de senti-la.

Provavelmente ele usou força demais também no abraço. Não saberia dizer. A única coisa que sabia quando sentiu de novo aquele cheiro conhecido e o peso quase esquecido da cabeça dela contra seu ombro era que estava feliz. Estava mais feliz do que nunca estivera.

Naquele instante, pela primeira vez em dez anos, Draco Malfoy se sentiu em casa.



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